O rastreio de base populacional de cancro de mama foi alargado a quase toda a região de Lisboa e Vale do Tejo no ano passado, mas a adesão foi reduzida.
Das 655 mil mulheres convidadas a fazer rastreio do cancro de mama em Portugal no ano passado, pouco mais de metade aderiram. No total, foram 355 mil as mulheres que fizeram mamografias no rastreio de base populacional, 54% das que foram convocadas em 2021, ano em que este rastreio foi finalmente alargado à maior parte dos concelhos de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e a taxa de cobertura a nível nacional subiu para 91%.
Após a queda abrupta no número de mulheres que fizeram mamografias em 2020, porque o rastreio esteve parado durante alguns meses por causa da pandemia de covid-19, em 2021 foi possível regressar à normalidade, mas a actividade não foi suficiente para recuperar o que ficara por fazer no ano anterior, de acordo com os dados que constam no Relatório Anual do Acesso aos Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas de 2021, que é elaborado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e a que o PÚBLICO teve acesso.
A adesão ao rastreio de cancro de mama estava a crescer de forma contínua ao longo dos anos e atingiu um pico em 2019 — 357 mil mulheres rastreadas —, mas em 2020 o número caiu para 168 mil, por causa da pandemia.
No ano passado, a recuperação foi evidente e o número de mulheres rastreadas ficou ligeiramente abaixo do de 2019, mas é preciso notar que em 2021 foram convidadas mais 103 mil mulheres do que dois anos antes porque este rastreio – que é organizado pela Liga Portuguesa contra o Cancro e se dirige às mulheres entre os 50 e os 69 anos – foi alargado em 2021 à maior parte dos concelhos de Lisboa e Vale do Tejo.
As explicações para a diminuição desta taxa são várias, mas a principal, segundo o presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro, Vítor Rodrigues, é que na região de LVT a adesão foi “muito reduzida, da ordem dos 20%, o que é habitual” quando a convocatória é enviada pela primeira vez. “No início, as taxas de participação são muito baixas, mas depois começam a aumentar. Eu estava à espera, mesmo assim, que a adesão fosse superior em Lisboa e Vale do Tejo, mas é preciso ver que esta é uma região com maior poder de compra, com mais seguros de saúde, e uma parte das mulheres faz mamografias no sector privado”, justifica.
As explicações são corroboradas pelo director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde, José Dinis. “Em LVT, muitas mulheres já fazem este rastreio por sua iniciativa, têm seguros de saúde ou ADSE. E a reduzida adesão à primeira convocatória é, de facto, um fenómeno que se observa em todos os países.”
José Dinis está mais preocupado com o rastreio do cancro do colo do útero, que ainda não é feito por convocatória em Portugal, mas sim “oportunisticamente, quando as mulheres vão aos centros de saúde”. Neste caso, a taxa de adesão é, naturalmente, muito elevada (95,2% no ano passado), mas, de novo, o número de mulheres rastreadas não foi suficiente para compensar a enorme quebra verificada em 2020, tendo chegado em 2021 a mais de 243 mil mulheres, ainda assim abaixo do total de 2019. Este rastreio dirige-se às mulheres entre os 25 e os 60 anos e é intenção do director do programa que passe a ser feito por convocatória, de forma a chegar a todas as mulheres.
Onde se verificou uma evolução assinalável em 2021 foi no rastreio do cancro do cólon e recto, que “tem vindo a aumentar exponencialmente” e em 2021 atingiu finalmente uma taxa de cobertura de 100%, destaca a ACSS no relatório. No ano passado, mais de 188 mil pessoas (metade das convidadas) aderiram, recolhendo uma amostra para a pesquisa de sangue oculto nas fezes que enviaram para análise. Este rastreio dirige-se aos homens e mulheres entre os 50 e os 74 anos.
Recuperação da actividade assistencial
Quanto ao acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, o relatório da ACSS permite perceber que em 2021 ainda se sentiu o impacto da covid-19, mas este foi um ano de recuperação e o aumento da actividade, quando comparado com 2020, foi assinalável. Ainda assim, na porta de entrada do SNS, os centros de saúde, diminuiu o número de cidadãos com médico de família atribuído, como já tinha, aliás, acontecido em 2020 e em 2019. No final do ano passado, 1.139.000 pessoas estavam nesta situação. Apesar da diminuição do número de médicos de família – menos 77 do que em 2020 —, o total de consultas médicas aumentou para 36 milhões, ainda que mais de metade (20 mil) tenham sido consultas não-presenciais, de acordo com o documento.
Nos hospitais do SNS, a informação recolhida pela ACSS indica que 2021 foi um ano de “crescimento generalizado do volume assistencial” em comparação com o ano anterior. O relatório dá conta de um aumento assinalável das consultas médicas em 2021 face ao ano anterior, mas que ficou, ainda assim, ligeiramente abaixo do total de 2019.
Nas consultas hospitalares, as especialidades em que a percentagem de doentes que ultrapassaram o tempo máximo de espera previsto na lei eram a de risco familiar e de apneia do sono, seguidas da neurocirurgia, do rastreio de retinopatia diabética (oftalmologia), da genética médica e da oncologia médica, além da oftalmologia e da radiologia. Ainda assim, a ACSS destaca que em 2021, apesar do “contexto pandémico”, se procurou “recuperar consultas em atraso” e sublinha que o indicador do cumprimento dos tempos máximos garantidos de resposta “melhorou significativamente” relativamente a 2020, ano em que se tinha agravado.
Também no âmbito do programa de recuperação de listas de espera para cirurgia, o ano de 2021 fica marcado como um ano de “significativa recuperação e retoma na actividade”, com 721 mil novas entradas — mais 24,9% do que em 2020 e aproximando-se dos valores de 2019 — e quase 630 mil doentes operados, ligeiramente acima dos números de 2019. A média de tempo de espera dos operados baixou de 3,3 meses, em 2019, para 3,2 meses no ano passado.
Mas os resultados variam muito de região para região. Se nos hospitais do Norte apenas 15% dos doentes esperaram mais do que o tempo máximo previsto na lei por uma cirurgia no ano passado, no Alentejo esse valor era de 23%, no Centro subia para 28% e e, em LVT, ascendia a 40%. Pior só no Algarve, onde 47% das situações ultrapassaram o tempo máximo de resposta garantido.
Em 2021, como já tinha acontecido no ano anterior, a receita com as taxas moderadoras no SNS voltou a diminuir, porque estes pagamentos deixaram de ser cobrados nos exames e meios complementares de diagnóstico prescritos nos centros de saúde. Actualmente, apenas são cobradas taxas moderadoras nos serviços de urgência. Em 2021, as taxas moderadoras renderam 66,9 milhões de euros.