12.9.22

Desemprego está abaixo dos níveis pré-pandemia, mas 33 milhões de pessoas ainda não têm trabalho. Salários reais continuarão a cair

Cátia Mateus, in Expresso

OCDE destaca a rapidez da recuperação dos países após o período mais crítico da pandemia, com o desemprego já em níveis mínimos de há pelo menos duas décadas. Mas vinca que o mercado de trabalho ainda tem muitos desafios e que guerra na Ucrânia veio complicar todos os cenários

No pós-crise financeira foram criados 66 milhões de empregos nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). 57 milhões foram destruídos nos primeiros meses de pandemia. E pese embora a recuperação rápida da economia e do mercado de trabalho - muito por conta das medidas de proteção do emprego adotadas em vários países, como o lay-off simplificado, em Portugal -, mesmo com o desemprego em mínimos, ainda há 33 milhões de pessoas sem trabalho.

As conclusões constam do Employment Outlook 2022, o relatório anual do mercado de trabalho da OCDE, divulgado esta sexta-feira, que se foca na recuperação dos países depois da pandemia e nos atuais desafios decorrentes do conflito militar na Ucrânia. O organismo pede uma “ação musculada” para apoiar os mais vulneráveis.

“Espera-se que os salários, em termos reais, continuem em queda ao longo de 2022, uma vez que a inflação deverá permanecer elevada e acima dos aumentos acordados”, diz Stefano Scarpetta

As condições do mercado de trabalho continuaram a melhorar em toda a OCDE no primeiro semestre de 2022”, sinaliza o Employment Outlook. No final do ano passado, o emprego total na área da OCDE, no conjunto dos países, regressou a níveis pré-pandemia, continuando a aumentar ao longo do primeiro semestre de 2022. A taxa de desemprego neste grupo, que atingiu o seu pico em abril de 2020, com 8,8%, foi recuando gradualmente até estabilizar nos primeiros meses de 2022. Em julho ficou em 4,9%, um valor ligeiramente abaixo dos 5,3% registados em dezembro de 2019, antes da pandemia de Covid-19.

A recuperação económica espantou pela sua velocidade e robustez, com impacto visível no mercado de trabalho, muito embora ainda existam, no conjunto da OCDE, 33 milhões de pessoas sem emprego. E o conflito militar na Ucrânia, que gerou uma crise humanitária e provocou ondas de choque na economia mundial, “pode travar o caminho de recuperação que os países têm vindo a fazer desde da crise covid”, vinca o relatório. A vulnerabilidade do mercado de trabalho é grande, sinaliza a organização, mas ainda assim “a taxa de desemprego deverá estabilizar em torno dos 5%, quer no final de 2022 quer em 2023”.

“O conflito militar está a desencadear uma crise económica e social, que cria um cenário de grande incerteza em relação às perspetivas globais da economia e do emprego”, diz Stefano Scarpetta, diretor de Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE.

A organização já foi forçada a rever, em junho, as suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, para os 3%, abaixo dos 4,5% para que apontavam as projeções iniciais, em dezembro de 2021. Em paralelo, a escalada da inflação e a crise energética decorrentes do conflito “ameaçam corroer o poder de compra das famílias”.

INFLAÇÃO AMEAÇA RECUPERAÇÃO

Ainda antes do início do conflito, a 23 de fevereiro deste ano, a recuperação económica e do mercado de trabalho já era desigual, não só entre países como entre grupos de trabalhadores. Embora parte destas desigualdades tenham sido atenuadas, os jovens e os trabalhadores menos qualificados ficaram para trás na recuperação em muitos países. Em junho deste ano, o emprego jovem ainda permanecia abaixo dos níveis pré-pandemia em mais de metade dos países da OCDE. Já a taxa de desemprego jovem na OCDE ficou nos 12,8%, 0,1 pontos percentuais abaixo do pré-pandemia. Portugal está, contudo, muito acima deste patamar com o desemprego jovem a fixar-se nos 23,4%.

“As consequências da crise covid no mercado de trabalho foram mais profundas e persistentes para os grupos mais vulneráveis como os jovens, trabalhadores com baixa escolaridade, migrantes e minorias étnicas e raciais, que estão sobrerepresentados em indústrias de baixas remunerações”, explica Stefano Scarpetta. Em média, diz, “no primeiro trimestre de 2022, dois anos após o início da crise, a taxa de emprego já tinha recuperado para trabalhadores com ensino superior, enquanto a de trabalhadores com baixa escolaridade permanecia 0,5% abaixo da registada no mesmo trimestre de 2019”.

Mas são os efeitos da inflação, e o seu impacto na economia e, consequentemente, no mercado de trabalho, que mais preocupam a OCDE. “As consequências económicas da guerra na Ucrânia acentuaram as desigualdades e aumentaram os riscos para os grupos mais vulneráveis”, nota Stefano Scarpetta que defende “uma ação muscular” dos Governos para apoiar os mais vulneráveis. Segundo o relatório, o impacto do aumento dos preços de energia e bens alimentares está a afetar maioritariamente as famílias de rendimentos mais baixos que dedicam uma importante fatia dos seus rendimentos ao consumo de energia e à alimentação.

O Employment Outlook sinaliza que nos seis maiores países europeus, estima-se que nos 12 meses que antecederam abril de 2022, o impacto da subida dos preços da energia e dos alimentos foi 50% superior para os agregados familiares de menores rendimentos. “Se não for amortecido, o choque inflacionário pode ser particularmente grave para os mais desfavorecidos, que já foram severamente afetados pela pandemia”, defende Scarpetta.

PORTUGAL É O QUINTO NA LISTA DE PAÍSES COM SALÁRIO MÉDIO MAIS BAIXO

Em situações como a atual, em que a subida de preços é repentina, “um reajustamento lento do salário mínimo acarreta, inevitavelmente uma deterioração significativa do poder de compra dos trabalhadores, sobretudo dos mais mal pagos”, vinca o estudo. E na verdade, a enorme escassez de profissionais que afeta o mercado de trabalho mundial e consequente dificuldade de contratação, não só não se tem traduzido num aumento expressivo dos salários, como os aumentos que têm sido feitos ficam abaixo da inflação. Um cenário que preocupa a organização: “Espera-se que os salários, em termos reais, continuem em queda ao longo de 2022, uma vez que a inflação deverá permanecer elevada e acima dos aumentos acordados”.

Alguns países da OCDE têm mecanismos de indexação automática do salário mínimo ao valor da inflação - uma das formas de preservar o poder de compra em situações como a atual - mas o número tem vindo a diminuir. A negociação salarial também tem sido penalizada pelo “emagrecimento” da contratação coletiva que enfraquece o poder negociar dos trabalhadores. Mas seja de forma automática ou não, Stefano Scarpetta defende que “é importante ajustar salários mínimos regularmente no atual contexto de inflação” para evitar que os grupos que ainda não saíram da crise pandémica acumulem uma nova crise.

Ainda que o Employment Outlook não forneça uma análise detalhada das perspetivas para Portugal, em matéria salarial, há dados que permitem aferir a situação do país. Em 2021, a média anual dos salários pagos em Portugal a um trabalhador a tempo inteiro, segundo as estimativas da OCDE, era de 29.693 euros, muito abaixo da média registada na OCDE, de 52.703 euros anuais. O país é o quinto, entre os 35 analisados, com a média salarial mais baixa. Em pior situação estão apenas o México, a Eslováquia, a Grécia e a Hungria.

Stefano Scarpetta recorda que "os Governos, na maioria dos países da OCDE, estão a implementar planos de recuperação sem precedentes, em tamanho e alcance". Esses planos, diz, “podem representar uma oportunidade para implementar políticas para resolver os problemas estruturais do mercado de trabalho”. O investimento em políticas de formação e numa cultura de aprendizagem ao longo da vida são essenciais para adequar a oferta de trabalhadores às necessidades das empresas e alavancar a transferência para sectores com elevado potencial de crescimento e a transição para empregos mais verdes.

Porém, a conjuntura, impõe desafios. “Dentro das restrições orçamentais atuais, que são maiores do que o previsto, a política deve melhorar as competências dos trabalhadores, mas deve priorizar os grupos mais vulneráveis, garantindo que não sofram um impacto desproporcional da crise e do aumento do custo de vida", defende Scarpetta.