Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
Opiniões dividem-se: medida abrangente não distingue quem mais precisa e falha por isso; mas chega à classe média e a quem não está habituado a precisar de ajuda, o que é “positivo”. Ser dada pontualmente não resolve problemas estruturais. Há quem alerte: o saco de quem recebe até 2700 euros brutos mensais é “demasiado” heterogéneo.
6 de Setembro de 2022, 20:04
Na segunda-feira o Governo afirmou que iria apoiar em 125 euros cada cidadão que não seja pensionista e que receba até 2700 euros brutos mensais. O “cheque” será distribuído já em Outubro.
Até que ponto esta é uma medida eficaz foi a pergunta que muitos fizeram. Como é que quem está no terreno recebeu a notícia? Quatro especialistas ouvidos pelo PÚBLICO sublinham que este apoio terá mais impacto nas famílias com menores rendimentos. “Vai dar jeito”, mas não resolve problemas estruturais foi a tónica da maioria das respostas. Mas as opiniões dividem-se.
Se por um lado a “abrangência da medida” é “interessante”, o facto de ser uma prestação única “não resolve a vida de ninguém”, reconhece a presidente da Cáritas, Rita Valadas. “A situação é complicada. Estamos a falar de uma prestação única, eu diria que ou é real a ideia do primeiro-ministro de que o aumento de vida é passageiro” ou então, não agindo sobre os rendimentos, “não é solução”.
É certo que os apoios vão ter impacto, “mas poderiam ter um impacto muito mais eficaz se tivessem” tido em conta o rendimento, a dimensão e composição do agregado familiar, acrescenta Amélia Bastos, especialista em pobreza infantil. No fundo, esta é uma medida que aparece “em termos absolutos”, colocando “no mesmo saco” pessoas com rendimentos até 2700 euros, só que este é um saco “profundamente desigual e heterogéneo”, continua: “Os 125 euros têm um valor completamente distinto em termos absolutos. Não têm em conta a dimensão do agregado familiar, a sua composição, nem o nível de rendimentos do agregado. E o mesmo pode ser dito em relação aos 50 euros por filho.”
Rita Valadas, por outro lado, dá outra perspectiva: quando se fala de famílias vulneráveis nesta situação “não estamos só a falar de famílias pobres”. Porque o aumento dos preços e da inflação, que se repercute nas contas de gás, electricidade ou nos empréstimos ao banco, pode igualmente ter impacto forte numa família de classe média, diz. “As situações de vulnerabilidade acontecem nos vários espectros. Quando uma família tem um rendimento mais alto pode ter encargos correspondentes.” Daí que afirme: “Também acho importante abranger situações da classe média e nesse sentido esta medida é abrangente”, afirma.
O facto de o apoio vir numa altura em que arranca o ano lectivo e há mais despesas com material escolar, somado aos 50 euros por filho, pode ajudar a colmatar algumas despesas. Depois, em Novembro e Dezembro há os subsídios de Natal e isso traz também mais alguma folga, acrescenta.
Justiça e classe social
Mas até que ponto distribuir 125 euros é eficaz? Será que engordar o apoio a quem mais precisa não seria mais útil? A presidente da Cáritas refere: “A situação é diferente de família para família. As famílias que já estão avaliadas como vulneráveis já têm acesso a apoios que existem.” E, por outro lado, a verdade é que as famílias com rendimentos mais altos, da classe média, tradicionalmente “não recorrem a serviços”, “estiveram do lado de quem desconta e não de quem pede ajuda”. Ou seja, “muitas vezes nem sabem a quem pedir ajuda”. São famílias que não têm apoios para as escolas (nem acesso a acção social escolar) mas para quem um extra de 125 euros, mais os 50 euros por filho, “pode fazer a diferença”.
No fundo, para esta responsável “não podemos medir a justiça destas medidas por estratificação de classe social”. “Não são todas as pessoas que ganham até 2700 euros que têm folga orçamental, como nem todas as pessoas que ganham 1100 euros vivem com a corda ao pescoço. Uma família em que um elemento ganhe 2700 euros que tenha um empréstimo alto pode estar tão em risco como uma família com menores rendimentos que vive em habitação social.”
Uma opinião bem distinta de Amélia Bastos para quem “indiscutivelmente” seria mais eficaz dar mais a quem mais precisa. “Se o bolo é limitado, então há que fazer face a situações mais prementes. Era preferível desenhar estas medidas tendo em conta o carácter relativo, nomeadamente o nível de rendimento e composição do agregado familiar, e não atribuir de forma avulsa o valor de 125 e 50 euros.”
Esta professora no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, que integrou a equipa que fez a proposta de Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, lembra que a alteração do abono de família teve em conta aqueles dois factores, dando primazia aos primeiros e segundos escalões - e isso era o que deveria ter sido feito aqui, defende.
É verdade que seria “mais justo” distribuir mais por quem mais precisa, haver uma diferença por nível de rendimento, reconhece, também José António Correia Pereirinha, professor catedrático de Economia Pública e do Bem-Estar do ISEG. Se assim fosse, estaríamos “a atingir mais positivamente e mais fortemente quem mais necessita, mas estamos sempre a falar de valores muito baixos”.
Porém, o investigador destaca o facto de esta ser uma medida “generalizada” e “não condicionada”, que “parece positiva”. É certo que “não resolve problemas” estruturais, “mitiga”, e que corre o risco de “ser menos eficiente e dar a quem menos precisa”, mas a intenção foi “atingir franjas da classe média”. “Percebo que seja feito temporariamente no momento de compensação de algo que aconteceu inesperadamente”, diz.
Se 125 euros é pouco, “é melhor que nada”. A solução seria fazer com que os rendimentos das famílias aumentem mas “isso é outra política”, conclui.
Impacto mais psicológico
Já o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, Jardim Moreira, compara a medida a “primeiros socorros”, com o fito de “estancar as feridas”. “Dão a impressão de que a sua eficácia tem um impacto mais psicológico do que real.” Defende que estas entregas sejam acompanhadas por técnicos para avaliar se atingem os seus objectivos - o que não será o caso.
Quanto à questão sobre se seria mais eficaz dar mais aos que mais precisam, responde: “Em vez de estarmos a dar respostas pontuais e pensos rápidos deveríamos ter a coragem de agarrar o problema da aplicação da Estratégia Nacional contra a Pobreza” - que ainda não arrancou - “com respostas estruturais para os mais pobres”. Também Amélia Bastos critica o facto de, “lamentavelmente”, ser uma medida “avulsa” e de não se ter arrancado com a Estratégia Nacional contra a Pobreza.
Jardim Moreira conclui: “Uma nota no bolso dá jeito, mas duvido que vá mudar alguma coisa. É melhor que nada, mas não sei se será muito eficaz. Era preferível ter aumentos nos salários.”