12.9.22

Prestação da casa pode subir mais de 100 euros para quem tem empréstimos elevados

Rosa Soares, in Público on-line

Taxas associadas ao crédito à habitação subiram de forma acelerada em Agosto e mantêm o mesmo ritmo em Setembro. Aumento das prestações pode obrigar famílias a recorrer à reestruturação de créditos.

Há motivos para as famílias com empréstimos à habitação, especialmente os mais recentes e de montantes mais elevados, começarem a refazer os seus orçamentos, dado o forte impacto da subida das taxas Euribor nas prestações futuras. Num contexto de subida de preços de boa parte dos produtos e serviços, muitos particulares poderão ter dificuldades para acomodar aumentos de várias dezenas ou mesmo acima da centena de euros, uma alteração radical face ao que pagavam quando as taxas ainda estavam negativas. Tendo em conta que não se vislumbra uma medida de apoio às famílias endividadas, como aconteceu com as moratórias durante a pandemia de covid-19, para quem tem algumas poupanças pode ter chegado a hora de as usar ou, nos casos em que não exista essa “almofada”, pode ser necessário recorrer à reestruturação de créditos.

As taxas Euribor têm vindo a subir de forma acentuada nos últimos meses, em todos os prazos, mas de forma mais acentuada a 12 meses, antecipando a subida de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE). Mas a tendência será de novos aumentos, tendo em conta a perspectiva de novas subidas das taxas directoras do banco central – mais duas a quatro nos próximos meses –, que poderão ser novamente fortes (foi de 0,75 pontos percentuais na semana passada), para tentar frenar a inflação na zona euro.

Os valores actuais não são simpáticos. Na última sessão da semana, a Euribor a 12 meses ficou acima dos 2%, a de seis está muito perto de 1,5% e a de três meses de 1%. O prazo mais curto pode atingir 2% já em Dezembro, de acordo com o valor dos contratos de futuros para o último mês do ano, e as restantes taxas acima desse patamar, a menos que se verifiquem alterações substanciais na evolução dos preços ou outras, que possam conduzir a uma redução no ritmo de subidas das taxas do BCE.

Para já, a subida das Euribor têm um impacto directo nos novos empréstimos a contratar por famílias e empresas e vão chegando gradualmente aos contratos existentes, ocorrendo a cada três, seis ou doze meses, conforme o prazo utilizado. O valor utilizado é sempre a média mensal do mês anterior ao da contratação ou da revisão dos créditos.


Aumentar

A média da Euribor a 12 meses, o prazo mais utilizado nos empréstimos contratados na última década (quando as taxas começaram a cair e a entrar em terreno negativo), e que está presente em cerca de 30% dos contratos existentes em Portugal, fixou-se em Agosto em 1,249%, um salto face aos 0,992% verificados em Julho, e bem longe do valor negativo (-0,498%) registado no mesmo mês do ano passado.

Uma simulação simples demonstra que um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos, associado à Euribor a 12 meses, acrescida de um spread ou margem comercial do banco de 1%, a rever no corrente mês de Setembro, verá a prestação mensal subir 124,37 euros, passando de 448,9 euros (com a taxa de Agosto de 2021) para 573,20 euros. O acréscimo de custo é de 1492,44 euros num ano.

A mesma simulação para um empréstimo de 200 mil euros, um montante que pode corresponder a muitos empréstimos recentes – dada a subida muito elevada dos preços das casas em Portugal nos últimos anos –, eleva o acréscimo da prestação em mais 165,84 euros mensais (passando de 598,55 euros para 764,39 euros), quase mais dois mil euros num ano. Com a média mensal da Euribor em 2%, patamar que poderá atingir já este mês, o aumento da prestação num empréstimo de 200 mil euros seria de 244,66 euros, para 842,21 euros.
Taxa a seis meses

A taxa a seis meses, presente em 40% dos contratos existentes, regista médias mensais positivas há apenas três meses, mas o valor de Agosto já foi de 0,837%, quase o dobro do valor de Julho (0,466%), e muito longe dos -0,476% do passado mês de Fevereiro (quando ocorreu a última revisão).

O impacto do aumento numa revisão a ocorrer no corrente mês é igualmente “doloroso”, aproximando-se dos 100 euros. Mantendo as condições de base da simulação anterior, nomeadamente o montante de 150 mil euros e o spread de 1%, a aplicação da última média mensal do prazo a seis meses corresponderá 542,28 euros, mais 91,91 euros do que a prestação que pagava desde Maio (450,37 euros).

O acréscimo a pagar nos próximos seis meses (quando ocorrerá nova revisão) ascenderá a 551,46 euros, altura em que sofrerá nova actualização da taxa.

Para um montante de crédito de 200 mil euros, a prestação sobe 171 euros, para 723,04.
Taxa a três meses

A Euribor a três meses foi a última a entrar em terreno positivo, o que aconteceu apenas em Julho, e a subida foi mais lenta, situando-se a média de Agosto em 0,395%. Contudo, as últimas subidas diárias já a colocam em quase 1%.

Com a média de Agosto, o mesmo empréstimo de 150 mil euros terá um aumento de 53,83 euros, passando de 456,33 euros (em resultado da revisão ocorrida em Maio) para 510,16 euros.

Por se tratar de uma taxa de prazo mais curto, o aumento acumulado corresponderá a 161,49 euros nos próximos três meses.


Mas, em Dezembro, ocorrerá nova revisão, e com uma taxa de 2%, como antecipa o mercado, o mesmo empréstimo poderá sofrer nessa altura um aumento da prestação para 632,41 euros; ou para 842,21 euros, no caso de um empréstimo de 200 mil euros.

Estas simulações, contudo, não incluem valores dos seguros exigidos (vida e multirriscos), nem outras comissões, que agravam o valor a pagar pelos particulares.
Incerteza em medidas de apoio

A escalada dos juros afecta particularmente as famílias portuguesas, uma vez que cerca de 90% dos empréstimos, num total de 1,4 milhões, estão associados a taxas variáveis (Euribor), e apenas uma pequena fatia a taxas fixas. É uma realidade distinta da vizinha Espanha, onde a maioria dos empréstimos tem sido feito a taxas fixas, ou ainda de outros países, onde o endividamento dos particulares para comprar casa é menor.

A especificidade portuguesa torna mais difícil a criação de medidas globais, como aconteceu com as moratórias de crédito no período da pandemia de covid-19, criadas a nível europeu. Isso mesmo admitiu recentemente o ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, ao considerar que uma eventual solução teria de ser tomada a nível nacional.

Recorde-se que as moratórias de crédito à habitação permitiram suspender o pagamento de capital e juros ao longo de mais de um ano, num enquadramento legal favorável para particulares, empresas e bancos, uma vez que essa possibilidade não foi classificada como crédito em incumprimento.

Assim, e como não é certa a possibilidade de criação de uma medida de apoio a famílias endividadas com crédito à habitação, por parte do Governo português - como, por exemplo, no mercado do arrendamento com o “travão” à actualização das rendas já anunciado para 2023 -, ou o seu impacto poder ser reduzido para empréstimos mais elevados, poderá ser necessário recorrer soluções alternativas.

Para quem tem alguma poupança, pode fazer sentido a amortização de parte do crédito, reduzindo o peso dos juros.

Para quem não tem, e não consegue absorver os aumentos, deve dirigir-se ao seu banco e equacionar uma reestruturação de crédito (aumento do prazo do contrato, criação de períodos de carência ou diferimento de capital), uma solução clássica que agrava o custo total dos empréstimos, mas que evita a entrada em incumprimento, o que acarreta consequências bem mais graves no futuro.