Manuel Carvalho, opinião, in Público online
Se a situação dos desempregados ou dos pensionistas merece reflexão, alarme e respostas, o agravamento da pobreza entre os que trabalham exige essas atitudes e uma resposta a um problema mais profundo: o da economia.
Não pode haver pior exemplo dos fracassos do país do que a realidade dos 11,6% dos portugueses que trabalham, mas nem assim conseguem escapar às amarras da pobreza. A notícia sobre os riscos de pobreza ou exclusão social avaliados pelo Eurostat é dolorosa por revelar um agravamento da situação em Portugal, pela constatação de que o país passou da 13.ª para a oitava posição neste ranking europeu, ou pela prova de que as fragilidades estruturais do país se acentuaram com a crise da pandemia.
Mas se a situação dos desempregados ou dos pensionistas merece reflexão, alarme e respostas, o agravamento da pobreza entre os que trabalham exige essas atitudes e uma resposta a um problema mais profundo: o da economia.
Dados como os agora revelados costumam direccionar o debate para a acção do Governo – ou a falta dela. Faz sentido. A dimensão da pobreza no país seria ainda mais inaceitável sem transferências sociais. Nos últimos anos, o Governo definiu uma estratégia ambiciosa para reduzir o número de pobres e no seu conjunto de acções há medidas louváveis, como as creches gratuitas, rendas acessíveis ou saúde oral gratuita para crianças de estratos sociais mais desfavorecidos. As políticas públicas procuraram respostas específicas para os mais pobres, a ilusão de uma esquerda universalista que dá a todos livros escolares, transportes ou, como agora, vales de 50 euros a crianças pobres ou ricas faz divergir recursos sem necessidade.
Se discutir a alocação de recursos de um país remediado aos que necessitam e a quem, felizmente, não precisa, vale a pena, mais importante é reconhecer que o Estado tenta através da política social sarar as feridas abertas pela ausência de políticas económicas. O modelo social europeu tem por base esta redistribuição, certo, mas, como escreveu António Barreto, Portugal gasta muita energia a discutir essa redistribuição e pouco se empenha em analisar a criação de riqueza. É por isso que chegámos ao absurdo moral de haver pessoas que se esforçam, que trabalham, sem que sejam capazes de garantir vidas dignas para si e para as suas famílias.
A pobreza agravou-se na pandemia, a lei sobre a actualização das pensões é torpedeada e a pobreza aumenta, porque um país com uma economia fraca não pode gerar salários altos, nem políticas sociais fortes. Mais do que um murro no estômago que revolta, o aumento do risco de pobreza e exclusão social até entre os trabalhadores é um retrato de um modelo económico que falhou. Por muito que o Estado tente mitigar os danos com ajudas sociais, a realidade é incontornável: só se pode redistribuir riqueza quando há riqueza criada.