31.3.08

Sindicato diz que governos querem manter situação

in Jornal de Notícias

A presença portuguesa está a levantar uma onda de polémica que atingirá mesmo o patamar político. A Confederação Intersindical Galega já prometeu formas de luta duras a partir de Junho, nomeadamente o recurso à greve e a manifestações de rua. Os portugueses são acusados de concorrência desleal, de não ter salário fixo e trabalharem mais de dez horas por dia.

"Não é a primeira vez que denunciamos a situação dos portugueses que estão a trabalhar em Espanha, sobretudo na Galiza, mas as autoridades portuguesas e espanholas nada fizeram para alterar a situação", disse Xoan Melon, o responsável da Confederação pela imigração. Em órgãos de comunicação social da Galiza, apontou ainda o interesse dos dois governos em manter esta situação, pois se, por um lado, "Espanha tem mão-de-obra mais barata, Portugal vê aliviados os números do desemprego". Pires Lima, cônsul do honorário de Portugal em Orense, revelou que, "apesar de não ser competência do consulado, pois estamos perante trabalhadores que vão e vêm durante a semana e sem residência fixa em Espanha", tem acompanhado com atenção esta situação. No entanto mostrou-se reservado na análise "É preciso que se chegue ao bom senso, e isso passa pelo cumprimento da lei, pelo que é preciso saber, antes de mais, se as empresas portuguesas a estão a cumprir". Os portugueses parecem "estar a mais", mas, curiosamente, o jornal Faro de Vigo deu conta da dificuldade do sector da informática em conseguir cobrir o vazio de 400 postos de trabalho. É que, segundo a notícia, as três universidades galegas não estavam a satisfazer o "boom" (105 novas empresas o ano passado) e muitos dos licenciados têm optado por tentarem a sorte em outras regiões espanholas.

Desviar a rota de quem "já está na fronteira" do mundo da droga

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Delegação Regional do Norte do Instituto da Droga e da Toxicodependência abre serviço integrado de apoio à comunidade


Não veio por causa do haxixe fumado à socapa - fumou um só charro, para experimentar. Veio porque parece caminhar para um buraco. Falta às aulas. Quando não falta, porta-se mal. Às vezes, até sai a meio. Não possui uma teoria apurada sobre esta atitude que repete, repete, repete. Encolhe-se na cadeira: "Não gosto das aulas." Ela tão grande, já com 14 anos, e os outros tão pequenos, ainda com dez ou 11. E os pais? "Os pais não dizem nada."

Os pais nada podem dizer - ele já morreu, ela vê-a de 15 em 15 dias. Mas há no lar que a acolhe quem muito lhe diga "que vá, que não falte". Impotente, esse alguém encaminhou-a para o Projecto Integrado de Apoio à Comunidade, uma iniciativa pioneira da Delegação Regional do Norte do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) destinada a crianças e jovens em risco.

Enquanto, lá em baixo, no rés-do-chão, decorre a consulta dela, cá em cima, no primeiro andar, o delegado regional, Adelino Vale Ferreira, e a coordenadora do projecto, Albina Sousa, libertam alguns detalhes. Um e outro usam a expressão "prevenção indicada": a dirigida a quem ainda não entrou no mundo das drogas, está ali, "na fronteira" - "pode até já ter iniciado os consumos, só que não é toxicodependente".

Diana (nome fictício) corresponde ao perfil. Está a repetir o 5.º ano e já antes reprovara três vezes. Cada retenção alarga a distância que a separa dos colegas de turma. É como se aquele lugar já não lhe pertencesse. Junta-se aos mais velhos, "que às vezes nem escola fazem, que querem é divertir-se", fumar uns charros, namoriscar. Valoriza muito, demasiado, quem com ela passa as horas roubadas às aulas.

Há jovens que precisam de aconselhamento e jovens que precisam de acompanhamento - consulta de psicologia e/ou de psiquiatria. Há pais necessitados de informação e de orientação para lidar com situações de crise e há pais necessitados de terapia. Há instituições, sobretudo escolas inseridas em contextos problemáticos, aflitas. O projecto procura actuar nas diversas frentes, como um todo.

"Não havia um serviço destes" e o delegado regional inquietava-se com o que se lhe afigurava ser uma "grande lacuna". Não é que fosse o grau zero, que existisse rigorosamente nada. "Já existia uma consulta dirigida a não toxicodependentes", salientaria, já fora daquele espaço, o presidente do IDT, João Goulão. Só não havia uma resposta "tão estruturada, tão sólida".

Recurso de retaguarda

Desconfiado de "respostas parciais, dispersas, fragmentadas", Adelino Vale Ferreira quis incorporar a interdependência dos vários factores de risco, afastar-se da estratégia centrada na substância consumida, avançar para a intervenção do indivíduo inserido na comunidade. "Não nos vamos sobrepor [às organizações que operam no terreno], vamos complementar [o seu trabalho]", enfatiza Albina Sousa. Isto será, por exemplo, "o recurso clínico que lhes faltava na retaguarda".

O Projecto Integrado de Apoio à Comunidade contempla uma vertente de formação a agentes que trabalham com crianças e jovens em risco e até um espaço de consultadoria e apoio técnico (no planeamento, na execução e na avaliação) a instituições. Esta é uma forma de dar "um suporte científico" ao trabalho desenvolvido na região. Albina Sousa dá o exemplo do psicólogo da escola que "se sente muito só". Outro exemplo é o do professor que cai numa turma mais turbulenta e carece de estratégias para captar os alunos, envolver as famílias. A EB 2.3 Dr. Leonardo Coimbra (filho), uma das escolas mais problemáticas do Porto, "já pediu para ir lá uma equipa fazer prevenção indicada".

Diana é trazida por uma psicóloga do lar que a acolhe. Não percebe o apoio psicológico que esta lhe dá lá dentro como tal. É como se deslocar-se ali, à delegação regional do IDT, servisse para sacralizar o apoio. Talvez o estar ali, fechada, naquela sala de pé-direito impressionante, com uma técnica que só vê na consulta, facilite a construção de relação de confiança que precisa para a sua terapia.

Olha-se para ela toda encolhida na cadeira, a vislumbrar o futuro: "Quero ser empregada de mesa, é o meu sonho." O que a atrai naquela carreira? "Sei lá! Gosto. Uma colega minha, a Marina, tem-me contado as coisas que faz e eu acho engraçado." Marina, a amiga, fez um curso específico. Diana terá de ter o 6.º ano para nele ingressar. E para ter o 6.º ano terá de ir às aulas, de estudar. "O discurso faz sentido para ela, só que ela sente-se incapaz de o pôr em prática", comenta quem a traz.

O espaço de consulta, que arrancou a sério em Janeiro, já integra mais de 300 crianças e jovens encaminhados por ONG, escolas e tribunais de família e menores.

Projecto já abrange 26 concelhos

Há outras zonas do país que ambicionam avançar


O Projecto Integrado de Apoio à Comunidade abrange 26 concelhos da região norte. A unidade é constituída por uma equipa multidisciplinar, dependente do delegado regional do Norte do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), Avelino Vale Ferreira, e do núcleo de apoio técnico. "Os colegas querem introduzir isto noutras áreas geográficas", orgulha-se a coordenadora do projecto, Albina Sousa. Estão ambos animados, embora conscientes de que este projecto, como qualquer outro, não é uma panaceia. Simplesmente tenta funcionar em rede, trocar uma lógica passiva (esperar que alguém venha ao IDT) por uma lógica activa (os técnicos deslocam-se, por exemplo, às escolas). Uma parceria com o Departamento de Comportamento Desviante da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e outra com o Departamento de Psicologia da Justiça da Universidade do Minho irá garantir formação contínua à equipa. A.C.P.

Regras restritas impedem idosos carenciados de concorrer a programa de ajudas do Governo

Carlos Dias, in Jornal Público

Um ano após a sua entrada em vigor, cerca de 600 idosos de Beja, Guarda e Bragança continuam à espera dos apoios


A maioria dos cerca de 600 idosos que vão beneficiar de ajudas do Estado no quadro do Programa de Conforto Habitacional para Idosos (PCHI) continuam à espera que o apoio lhes seja prestado. O programa, aprovado há um ano pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS) e para já disponível apenas nos distritos de Beja, Guarda e Bragança, consiste na aquisição de materiais e equipamentos destinados a melhorar as condições de habitabilidade nas suas casas e também para prevenir situações de dependência e a institucionalização de estados de pobreza.

O PCHI prevê um apoio máximo de 3500 euros por habitação e um investimento global de 2,1 milhões de euros. Às autarquias dos três distritos que aceitaram integrar a parceria com o MTSS compete a tarefa de proceder à recuperação das casas dos idosos que venham a beneficiar do programa, comprometendo-se ao mesmo tempo a suportar os encargos que venham a ser despendidos para além dos 3500 euros previstos.

O tipo de intervenções previstas poderá incluir a consolidação das estruturas e a melhoria do espaço habitacional, através da reparação de telhados, a instalação de sanitários ou a colocação de rampas de acesso para os idosos que revelem problemas de mobilidade.

Os serviços de acção social municipais deveriam iniciar a recepção das candidaturas três meses após a publicação do despacho que aprovou o PCHI, mas bem cedo se percebeu que se estava perante uma tarefa "esgotante e muito desmoralizadora", confessa a coordenadora do PCHI na Câmara de Beja, Antónia Patrício. Os requisitos impostos pelo MTSS para o acesso ao PCHI exigem que os idosos tenham 65 ou mais anos e o seu rendimento seja igual ou inferior ao valor indexante dos apoios sociais (397,86 euros). Ao mesmo tempo, os candidatos têm de viver em habitação própria e beneficiar de apoio domiciliário.

A esmagadora maioria das candidaturas recebidas não estavam em condições de ser aprovadas, sobretudo por dificuldades na comprovação da titularidade dos imóveis para idosos e por haver zonas isoladas que não se encontravam abrangidas pelo apoio domiciliário. A idade abaixo dos 65 anos do cônjuge ou familiar do idoso ou idosa é outro dos constrangimentos que está a impedir a aprovação das candidaturas.

No caso de Beja, o programa prevê intervenções no máximo de 20 habitações, mas até ao momento os serviços municipais só conseguiram propor nove. A situação repete-se nos distritos da Guarda e Bragança. No concelho do Sabugal, por exemplo, Ana Morgado, responsável pela área social da autarquia, refere que das 19 candidaturas acordadas para este concelho "só quatro é que foram aprovadas".

O rendimento per capita é outro dos grandes obstáculos com que se deparou o município. Ana Morgado diz que muitas candidaturas ficaram pelo caminho porque os idosos não dispõem de condições financeiras para regularizar a situação da sua habitação, "pormenor que o MTSS não previu".

Em Bragança, o obstáculo foi ultrapassado em duas ou três câmaras que se dispuseram a suportar os encargos com a regularização das habitações, isto com "um custo financeiro superior" ao que foi disponibilizado pelo MTSS. Os 397,86 euros de rendimento que servem como valor indexante para ter acesso aos apoios vieram "afunilar" o acesso ao PCHI, assim como a exigência de terem apoio domiciliário, quando "há zonas no distrito de Bragança que não o possuem".

"O que se passa é um atentado aos direitos das crianças"

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Leonardo Cardoso é historiador, investigador em Ciências Sociais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) de Bissau e autor do estudo Tráfico de crianças na Guiné-Bissau elaborado a pedido da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Maio de 2007.

Como descreve a situação das crianças "talibés" que vão parar à mendicidade nas ruas de Dacar?

É uma situação absolutamente deplorável, porque efectivamente grande parte das crianças que vão para o Senegal levam uma vida extremamente dura. São exploradas e maltratadas. O que se passa é um atentado aos direitos mais elementares dessas crianças. Mas é importante dizer que nem todas as crianças "talibés" estão sujeitas a estes males. O próprio termo "talibé" significa "aluno". Esta é uma tradição com raízes muito antigas. Existem escolas corânicas que têm uma longa tradição e são muito reputadas. Há relações de parceria entre escolas corânicas na Guiné-Bissau e no Senegal. Antigamente, saíam crianças de algumas escolas da Guiné-Bissau, porque havia afinidade entre mestres corânicos dos dois países. Não havia então qualquer objectivo de exploração. E as crianças iam de facto para aprender o Corão.

Quando começou a haver exploração?

É um fenómeno recente de há uma dezena de anos, mas está a piorar. No âmbito da aprendizagem do Corão, os "talibés" devem sujeitar--se a algum sofrimento para serem homens amanhã. O que acontece é que os marabouts [mestres corânicos] aproveitam isto para obter rendimento. E reprimem as crianças, quando estas não reúnem os montantes exigidos. Essas crianças são obrigadas a passar o tempo quase todo a mendigar. É aí que aparece o fenómeno da exploração e que se começa a deturpar a base da razão e do objectivo do envio das crianças.

A quem podem ser atribuídas responsabilidades?

Há implicação de quem envia as crianças e, na maioria dos casos, quem as envia são familiares. Não os pais biológicos, mas aqueles que ficam com elas, quando, por exemplo, o pai morre. São os pais adoptivos ou os tios. Nas sociedades islamizadas e sociedades fulas da Guiné-Bissau, os tios têm habitualmente uma grande influência na família. E, quando o pai morre, a mãe, viúva, é recebida em herança por um irmão do marido. Muitas vezes com a pressão deste, a mãe cede e assim se desenrola o processo. Quem acompanha, em grande parte dos casos, são esses familiares. Quem leva é normalmente quem autoriza. Mas depois há quem deixa passar na fronteira. E tudo leva a crer que há situações de subornos nas fronteiras, apesar de, muitas vezes, a transposição de fronteiras não se fazer nos pontos de passagem oficiais. E de as próprias autoridades estarem desprovidas de meios para controlar a situação. Por outro lado, há uma certa cumplicidade entre famílias de aldeias muito próximas de um e de outro lado da fronteira que facilita a passagem das crianças.

O que podem as autoridades de Bissau fazer para travar este fenómeno?

Tem havido uma certa intervenção e algumas diligências, mesmo a nível das embaixadas, mas que pode ser insuficiente. Deviam ser elaborados programas de apoio às crianças, porque nem sempre são bem acompanhadas e reintegradas nas famílias. O Estado também deve ser encorajado a aprovar uma legislação que preveja medidas punitivas severas para os traficantes e os agentes policiais envolvidos.

Milhares de crianças da Guiné exploradas nas ruas de Dacar

Ana Dias Cordeiro (textos) e Nuno Ferreira Santos (fotos), na Guiné, in Jornal Público

Vão para o Senegal estudar o Corão, mas acabam por ser escravizadas pelos marabouts. Em Dezembro, Osman e Aladje conseguiram fugir


Os relatórios da Unicef indicam que 90 por cento das crianças pedintes no Senegal estão em Dacar para estudar o Corão.

Não há rasgo nenhum de alegria no olhar de Osman; um olhar cravado numa expressão demasiado séria para os seus 12 anos. Aladje é um pouco mais velho. Não sorri e também o seu olhar se esquiva. Porém, segundo um familiar, "comparado com o dia em que chegaram, não há aqui tristeza nenhuma".

O dia em que Osman e Aladje chegaram a Bissau, vindos do Senegal, foi em Dezembro. No corpo, traziam pouco mais de uma peça de roupa, autênticos trapos por cima dos seus corpos magros, quase doentes. Preferiam esquecer o que deixaram para trás na noite em que fugiram da casa do mestre corânico, perto de Dacar. Saíram sem medo, parecem querer dizer. Pois era do medo que se libertavam.

Osman tem os olhos pregados no chão de areia em volta da casa onde mora no bairro Plack 2, à saída de Bissau. Os primeiros anos da infância foram passados numa aldeia perto de Bafatá, no Leste da Guiné. Depois foi entregue a um mestre corânico (marabout) perto de Dacar, no Senegal, para estudar o Corão. Lembra-se mal do pouco tempo dedicado à aprendizagem do Corão; uma, ou talvez duas horas por dia. E quase sempre de madrugada.

O dia era sobretudo passado a mendigar nas grandes rotundas da capital senegalesa, explica tímido. E quando não trazia os 500 francos exigidos pelo marabout - a quantia exigida aumenta consoante a idade - era castigado. Os mais velhos agarravam-lhe os braços, enquanto era "batido" pelo mestre corânico. Aconteceu "várias vezes". A ele como a todos os outros meninos.

A cara da mãe de Aladje ilumina-se quando fala do reencontro com o filho. Não estava de acordo, quando o pai, hoje falecido, "impôs a sua decisão" e o entregou, de entre seis filhos, ao mestre corânico. Esta é uma tradição enraízada no meio rural essencialmente em famílias de etnia fula; uma tradição de várias gerações em todo o Leste da Guiné-Bissau, onde se concentram a maioria dos muçulmanos que constituem cerca de 40 por cento da população do país.

A religião como um dever

"Nas sociedades islâmicas da África Ocidental, os pais consideram, de forma geral, que a educação religiosa das suas crianças é um dever importante", lê-se no relatório Crianças Pedintes na Região de Dacar, de Novembro de 2007, elaborado pela Unicef, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Banco Mundial.

Nos últimos dez anos, porém, o ensino do Corão no Senegal passou a servir, na maioria dos casos, (não em todos), para encobrir um "tráfico" de crianças de vários países da região, a maioria da Guiné-Bissau, mas também Mali, Guiné-Conacri, Gâmbia, acrescenta Laudolino Medina, secretário executivo da Associação dos Amigos da Criança (Amic) da Guiné-Bissau. Para ele, "esta é a escravatura dos tempos modernos". A Unicef acrescenta que das milhares de crianças pedintes no Senegal 90 por cento são "talibés" (que significa alunos do Corão).

O fenómeno teve especial atenção no fim de 2007, quando, em Novembro, foram interceptados dois grupos de crianças que estavam prestes a atravessar a fronteira, acompanhadas por familiares ou intermediários. Uns e outros muitas vezes confundem-se. Os casos foram noticiados. Os suspeitos, presos, foram entretanto libertados.
Como Osman e Aladje, também Semba regressou recentemente por iniciativa própria a Bissau. Tinha 14 anos quando foi enviado pela mãe, há dois anos. Tem uns grandes olhos em forma de amêndoa, veste umas calças brancas e uma camisa vermelha, que lhe dão um ar impecável, de quem se cuida e vive bem, como qualquer miúdo a terminar o liceu. Mas não. Depois do tempo perdido em Dacar, recomeça com dificuldade a escolaridade interrompida, quando, atraído pela ideia de estudar o Corão em Dacar, escolheu seguir os passos do irmão mais novo. Com ele viviam dezenas de outras crianças num grande recinto, que era a residência do marabout, conhecido por "Alpha Mouniro", um guineense há muito tempo a viver no Senegal.

Quantas dessas crianças eram guineenses? "Todas", alguém traduz, enquanto Semba continua, entre o crioulo e o fula: "Essas crianças dormem no chão, vivem muito mal. Um dia, não aguentam e fogem."

Laudolino Medina, da Amic, completa as partes inacabadas de uma reconstituição difícil de fazer. Longe da família, no Senegal, Semba desabituou-se do crioulo. Mas parece estranhar ainda mais ouvir alguém traduzir a sua história para português.
A sua família vive do pequeno comércio. A mãe vende mancarra (amendoim) e açúcar, em casa. "A maior parte dos familiares destas crianças são extremamente pobres. Os marabouts enriquecem à custa delas", diz Laudolino Medina.

É difícil saber quantas crianças estão nesta situação, que, segundo a Unicef, "as expõe às doenças e aos acidentes", por viverem numa "precariedade extrema", sem acesso à escola ou aos cuidados básicos de saúde, mas também sujeitas a "vários tipos de violência".

O investigador guineense e autor do estudo Tráfico de crianças na Guiné-Bissau, de 2007, Leonardo Cardoso, não avança números absolutos. Mas estima que haja pelo menos quatro a cinco mil crianças guineenses nesta situação no Senegal e acrescenta que há tabancas (aldeias) do Leste da Guiné de onde saem 40 ou 50 crianças por ano. Também ele considera que este fenómeno se explica pelo "agravamento do nível de pobreza nos dois países", em parte explicado pela desvalorização da moeda comum, o franco CFA. Uma pobreza que contrasta com a riqueza dos marabouts, que agora "têm carros, boas casas, televisões", diz.

O chefe de família que agora recebe Osman, Aladje e Semba acolhe outras crianças na mesma situação. Também se chama Semba. Escolheu como apelido "Portugal", onde viveu alguns anos. É imã deste bairro, que junta cerca de 60 mil pessoas. Muçulmano devoto, estudou o Corão há 20 anos em Gabu, no Leste da Guiné-Bissau. Diz não haver qualquer justificação para o aproveitamento da situação para fins lucrativos por parte de alguns marabouts. Não todos, frisa. O ensino do Corão deve ser apoiado na Guiné-Bissau para evitar que as crianças partam para o Senegal com esse fim, defende.

Este problema tem aumentado, pela "pobreza generalizada" em que vivem muitas famílias guineenses. Mas também por uma "perda de valores", acrescenta na mesma conversa Laudolino Medina. "Assiste-se a uma transgressão de normas e valores culturais, com a pobreza." E conclui: "No caso da Guiné-Bissau, com a instabilidade, muitas famílias que fugiram do conflito de 1998 e 1999 e se instalaram no Senegal ficaram lá. Encontraram como alternativa para a sua sobrevivência pôr as crianças nos centros corânicos."

Feira de rua promove comércio justo

MC, in Jornal de Notícias

Cafés, chás aromatizados e chocolates são produtos mais procurados


O vento forte que ontem se fez sentir em Lisboa foi o único contratempo a atrapalhar o segundo dia da primeira edição da Feira do Comércio Justo, na Rua de Santa Justa. Os objectos expostos, apanhados por uma rajada mais forte, acabaram espalhados e tiveram mesmo de ser novamente arrumados.

O público aderiu à iniciativa, e os que não conheciam o conceito de comércio justo - a procura de meios para melhorar as condições de vida e de trabalho dos produtores - puderam satisfazer a curiosidade com os panfletos explicativos.

Inês Pereira, voluntária da Associação Cores do Globo - que integra a rede comércio justo, promove o conceito na região de Lisboa e comercializa produtos produzidos nos países mais pobres do hemisfério sul -, fez um balanço positivo do primeiro fim-de-semana da feira, que se vai repetir em Lisboa no último fim-de-semana de cada mês.

No sábado a tenda encheu-se de compradores, alguns já conhecedores da associação e que procuram as suas iniciativas. Outros, apesar de não conhecerem, acabaram por levar alguns dos produtos inéditos. Ontem, o dia começou com pouca adesão, mas à tarde foi melhorando.

Na Feira do Comércio Justo o público tem possibilidade de adquirir produtos que não existem em lojas ou hipermercados. Os mais procurados são os cafés, chás aromatizados, chocolates e especiarias. Existe também artesanato e roupa de algodão.

30.3.08

Ainda há famílias a preferir pernoitar na rua

Nuno Miguel Ropio, in Jornal de Notícias

Florbela Carolino viu a sua barraca demolida na última quarta-feira


São já três as noites consecutivas em que alguns dos moradores da antiga fábrica da Granja, em Vialonga (Vila Franca de Xira) - que na última quarta-feira viram as suas casas ilegais serem demolidas, devido a um despacho judicial - continuam a dormir ao relento. Segundo aqueles desalojados a última proposta da Segurança Social passava por alojar provisoriamente quarenta pessoas dentro de quatro quartos, numa pensão, o que foi rejeitado por uma grande parte das pessoas. Ainda assim, mais de 80 dos 120 membros da comunidade cigana, que ficou sem as suas barracas, permanecem em pensões de Alcântara (Lisboa).

"Apareceu uma senhora da Segurança Social de Vila Franca de Xira a dizer que havia uns quartos. Mas queriam enfiar os que ficaram para trás ao segundo dia dentro do mesmo espaço. É claro que recusei porque podíamos viver em barracas mas somos pessoas de respeito. Estamos fartos de nos digam que é tudo provisório", garantiu, ao JN, Carlos Filipe, um dos desalojados, que desde as 6 horas do dia 26 de Março dorme na rua com os filhos e a mulher. A habitação de Carlos Filipe era uma de 30 que foi demolida pelas forças de segurança, sem qualquer confronto ou resistência.

O JN tentou obter uma resposta ontem da Segurança Social mas tal não foi possível até ao fecho de edição. Já a autarquia de Vila Franca de Xira assumiu o compromisso - o único, em todos estes dias - de que amanhã as 40 crianças poderão regressar à escola que frequentam em Vialonga, no primeiro dia de aulas após a Páscoa. A acção social do município disponibilizará um autocarro para as ir buscar - onde quer que estejam alojadas - e levá-las até ao estabelecimento de ensino.

Apesar de se tratar de uma comunidade que está bem longe de criar problemas sociais, tendo em conta que há 20 anos que estava inserida naquela aldeia em frente ao Mercado Abastecedor de Lisboa, há muito que o proprietário pretendia reaver o seu terreno. Tendo para isso recorrido aos tribunais, que decidiram a favor do despejo e demolição dos aglomerados habitacionais, a maior parte deles, dentro de uma antiga fábrica em ruínas que existe no espaço.

Tráfico "foge" para o Cerco

Nuno Silva, in Jornal de Notícias

Traficantes e consumidores movimentam-se com aparente à-vontade no Cerco. Mesmo à luz do dia


Com o Aleixo permanentemente na mira da Polícia e perante a perda de influência do S. João de Deus no mapa da droga no Porto, muitos traficantes estão a transferir o "negócio" em força para o Bairro do Cerco. A tendência tem-se consolidado nos últimos tempos e o aglomerado habitacional é hoje um dos mais procurados por toxicodependentes oriundos de vários pontos da região, para desespero da população, que se queixa do aumento da insegurança.

Segundo o JN apurou junto de fontes policiais, os mentores da actividade - que se desenvolve com maior fulgor durante a noite, na rua ou a partir das habitações - não olham a meios para tentar iludir as autoridades. Chegam ao ponto de pagar a moradores, insuspeitos e sem antecedentes criminais, para guardarem a droga e servirem de "correios", ou seja, transportarem o estupefaciente até aos indivíduos que se dedicam à venda directa.

Exemplo prático deste procedimento foi a detenção, há dias, de uma mulher de 59 anos, doméstica e a quem não eram conhecidas ligações ao "ramo", que foi apanhada com heroína suficiente para mais de 7000 doses. Para levar a cabo aquela tarefa, a moradora, de baixa condição financeira, receberia um "salário" na ordem dos 500 euros mensais. A táctica passa, assim, pela escolha de pessoas, por vezes de idade avançada, de quem ninguém desconfiaria.

O panorama que está a marcar aquele bairro da freguesia de Campanhã tem levado a PSP a actuar. Não é por acaso que o Cerco foi o alvo, em finais do ano passado, de uma operação pioneira ao nível nacional. Pela primeira vez, cumprindo o disposto do novo Código de Processo Penal, a Divisão de Investigação Criminal da PSP do Porto realizou buscas domiciliárias durante a noite e a madrugada (anteriormente só eram permitidas até às 21 horas). Foram detidos dez suspeitos de tráfico.

Buscas à noite

O abanão não foi suficiente e alguns dos blocos do bairro continuam a ser cenário de compra e venda de drogas duras, sobretudo heroína e cocaína. Formam-se filas de toxicodependentes à porta de determinadas residências e movimentam-se milhares de euros. Os domingos, dias de feira semanal, também são de intensa actividade.

Fontes policiais contactadas pelo JN consideram "natural" o crescimento do tráfico no Cerco - e por arrasto no vizinho bairro do Ilhéu - tendo em conta o contexto actual, em que as atenções da Polícia estão mais voltadas para os bairros do Aleixo e do Dr. Nuno Pinheiro Torres, na zona ocidental da cidade.

"Com o policiamento intensivo daqueles bairros e as sucessivas operações, os traficantes sentem-se 'asfixiados' e têm de procurar outros locais", argumentou um elemento policial, sublinhando que as ligações familiares entre vários intervenientes também facilitam a "deslocalização". Ainda assim, o Cerco não atinge o patamar daquele que é considerado o grande ponto negro do tráfico o Aleixo. Ganhou preponderância por força do gradual apagamento do Bairro de S. João de Deus, consequência das demolições, despejos e megaoperações policiais de que foi alvo, desde 2001. Aquelas intervenções contribuíram, contudo, para uma dispersão de traficantes por outras zonas da cidade, principalmente o Cerco. "O 'Tarrafal' (assim é conhecido o S. João de Deus entre a população) acabou", reiterou um polícia.

Mais no centro do Porto, o Bairro da Sé também é ilustrativo da alteração das rotas da droga. A criação de equipas permanentes da PSP para patrulharem as ruas problemáticas conseguiu conter o fenómeno. Em contrapartida, originou o surgimento de pequenos focos na zona dos Guindais, junto às Fontainhas.

Ir à escola só com a garantia de não haver qualquer contacto com rapazes

Ana Cristina Pereira (texto) e Paulo Pimenta (fotos),in Jornal Público

No Bairro de São João de Deus, o Projecto Integra-te, da Fundação Filos, tenta captar menores de 15 anos para a frequência escolar. Soraia e Cristiana obdecem a regras apertadas


A psicóloga Paula Correia bate à porta. Se não o fizer, Soraia não aparece no atelier da EB1 São João de Deus, no Porto. Hoje de nada vale a viagem. A rapariga de 14 anos gastará a tarde a provar o vestido que usará daqui por quatro dias, num casamento. Sem ela, nem vale a pena bater à porta da sobrinha, Cristiana, dois anos mais nova. Quando uma falta, a outra falta.

Dentro da família de etnia cigana os ritmos familiares prevaleceram sempre sobre os horários lectivos. Paula sabe-o. Está perante o que os teóricos chamam uma encarregada de educação "hostil" - a que não vai à escola, não colabora em actividades desenvolvidas pela escola, não atribui valor à escola. Tenta conquistá-la, a Elvira, mãe de Soraia, avó de Cristiana.

Catorze raparigas de etnia cigana foram sinalizadas como público-
-alvo do Integra-te, um projecto de combate ao abandono escolar que em Setembro principiou no bairro em vias de extinção. A maior parte "casou" e, por ordem do "marido", ficou fora desta parceria entre a Fundação Filos e a EB1 São João de Deus. A frequentar o projecto, há três mais ou menos assíduas e duas mais irregulares.

Elvira está sentada no sofá. As filhas Soraia e Maria do Amparo acomodadas ao seu lado, junto à janela. "Mal seja menstruada, acabou. Nos ciganos é assim. Se for um menino, a gente deixa ir até grande, se ele quiser. É mulher, já não pode ir", atira Maria do Amparo. A filha mais velha de Maria do Amparo conta 10 anos e está no 3.º ano. "Calhando bem, faz o 4.º".

Dantes, ninguém parecia importunar-se. Elvira "metia [os filhos] na escola se quisesse, se não quisesse não metia". Nem matriculou Glória, a filha mais velha. Maria do Amparo frequentou apenas o 1.º ano. Sandra é a mais escolarizada das mulheres da família - abandonou a escola no 3.º ano, tinha nove anos. E Soraia saiu sem sequer completar o 2.º ano.

No ano lectivo 2006/2007, Soraia não pôs os pés no edifício grafitado. "Mandaram chamar várias vezes". Elvira "disse que ela não ia mais". E a escola pareceu aceitar, como aceitara outras decisões idênticas. Mas, em Setembro, Paula Oliveira bateu à porta, sorridente, determinada.

A intransigência de Elvira parecia intransponível. "Se elas não vão para a escola, eu vou para casa delas", arriscou a psicóloga. Elvira cedeu e Paula iniciou sessões de duas horas e meia "vezes" dois dias por semana. Como ainda não havia uma relação de confiança, Maria do Amparo ficava "a tomar conta" e aproveitava para aprender a desenhar as letras.

Maria do Amparo sabe o quanto lhe faz "falta saber ler e escrever". Por isso incita a filha a não fazer de conta, a aproveitar o tempo que gasta na escola . Todos os dias, é um fadário para a levantar. A mãe desperta-a e ela "diz que está cheia de sono". Então Maria do Amparo obriga-a a levantar. "Eu não obrigava", interrompe a avó. "Coitadinha, custa-lhe tanto".

Qualquer coisa parece ter-se mexido dentro da velha Elvira. Autorizou o regresso à escola em Janeiro. Com cuidado, muito cuidado. Nem Soraia nem Cristiana poderiam ter contacto com rapazes. Paula teria de ir buscá-las e de ir levá-las, com a garantia de não trocarem uma palavra com quem com elas se cruzar pelo caminho. Teriam de "estar separadas numa sala, a única que se podia juntar a elas seria Jordana, por ser prima, as outras meninas nem pensar". O projecto comporta um espaço de aprendizagem alternativa - ateliers de culinária, costura, pintura, informática dirigidos pela psicóloga e pela assistente social da escola. Se elas decidem fazer um bolo, as raparigas aprendem Português ao passar a receita, Matemática através do pesar dos ingredientes. A terceira fase seria a passagem para a sala de aula, mas Paula não se ilude.

Com Jordana, a outra presença regular no Integra-te, aconteceu. A mãe de Jordana dá-lhe mais liberdade. Quando apareceu a menstruação à filha, então com apenas 11 anos, não a retirou da escola. Quer que ela tire o 4.º ano.

A corpulenta rapariga está com 14 anos, "se estivesse no 5.º a mãe já não deixava" frequentar. A mãe de Jordana, como Maria do Amparo, não deixa a filha avançar para a EB2 e 3 da Areosa, frequentada por alunos mais crescidos.

- Como vês esta situação?

- Normal. Os pais têm medo que elas se encontrem com rapazes, que elas "casem", essas coisas assim.

- E o futuro?

- Normal, casar, ter filhos, trabalhar nas feiras.

Antes de Paula aparecer na sua vida, pouco ia às aulas. Ia às feiras - a Famalicão, a Vila do Conde, a Ermesinde. Ia ajudar os pais "a descarregar o camião, a pendurar, a vender" roupa. Às vezes, não era o trabalho, era a falta de vontade. Deitava-se tarde, "o despertador tocava, acordava e adormecia outra vez".

Ainda agora esteve outra vez para desistir. A família recebeu a carta com a ordem de despejo - poucas coisas espantam tanto os técnicos como estas transferências e despejos ordenados pela câmara a meio do ano lectivo e, no entanto, viram-nas repetir-se vezes em conta desde o início das demolições.

Agora, Paula vai buscá-la a casa do familiar que a acolhe. Está decidida a garantir que faz, pelo menos, o 4.º ano.

O Rendimento Mínimo Garantido, actual Rendimento Social de Inserção (RSI), meteu as crianças de etnia cigana dentro das escolas, mas o absentismo e o abandono permanecem elevadíssimos, reconhece Vítor Marques, presidente na União Romani. As raparigas são as primeiras a sair. "É o medo da perda de virgindade", resume o dirigente associativo. "O receio é enorme e duplica se a menina estiver comprometida".

A virgindade ainda é "altamente valorizada" entre os portugueses de etnia cigana, concorda Olga Mariano, presidente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas. A família que apresenta a noiva virgem é considerada idónea, merecedora de todo o respeito. Se a noiva não for virgem, até pode "ser devolvida" à família, que se cobre de vergonha.

Ou porque o período chega ou porque a rapariga "já tem um corpinho que se note" ou porque a hora de "casar" espreita, entre os 11 e os 14 anos as raparigas de etnia cigana deixam a escola. "Os pais temem um envolvimento com um jovem não-cigano ou até cigano" só que de uma família que lhes desagrada, sublinha Victor Marques. Protegem-na, alguns quase que as escondem.

"A mulher não se valoriza pela educação, valoriza-se pelo casamento", resume a viúva. Por isso os pais investem muito na ida a festas - provar um vestido é mais importante do que ir a uma qualquer aula. Uma família pode gastar mais de 500 euros num vestido de uma rapariga. As adolescentes aparecem nas festas "bem vestidas, bem penteadas, bem pintadas, com ornamentos em ouro, porque vão ser vistas pelos pais dos moços em idade casadoira".

Com os rapazes é diferente. Os rapazes têm liberdade para frequentar a escola enquanto lhes apetecer. Por norma, ficam até ao momento de constituir família, por volta dos 14 a 16 anos. As suas expectativas de vida também não passam pela escola. A maioria dedica-se ao comércio, sobretudo ambulante. "Salvo raras excepções", torna Olga Mariano, a escola só interessa para aprenderem todos "a facturar, a ler, a escrever". E "para os rapazes tirarem a carta de condução".

Algum dia os pais terão de valorizar a escola, projecta Olga Mariano. As ocupações tradicionais - como as feiras ou a venda porta a porta - "estão em vias de extinção".

Das 14 raparigas sinalizadas pelo projecto da Filos, apenas três frequentam a escola com alguma assiduidade. "A escola [em Portugal] só se revê na sua cultura de origem", critica Victor Marques, presidente da União Romani, a terminar um mestrado sobre abandono escolar precoce no Vale do Ave. "Não sabe" lidar com os imigrantes ou com os portugueses de outra etnia. "A prática educativa tem de atender ao choque cultural", considera também o sociólogo Manuel Sarmento, da Universidade do Minho. Sem isso, torna Victor Marques, os portugueses de etnia cigana continuarão a encarar a escola como um lugar aonde se vai apenas por obrigação, para não se perder o Rendimento Social de Inserção.

Dois mil reformados marcharam em Lisboa contra a penúria e o esquecimento

José Bento Amaro, in Jornal Público

Seriam cerca de dois milhares, dos mais antigos e fiéis militantes comunistas. Vieram dizer a Sócrates que querem melhor vida


Borda d"Água veio ontem a Lisboa porque quer andar de ambulância. Este reformado das imediações de Évora quer andar de ambulância, porque, há cerca de 20 anos, surgiram-lhe diabetes. Mais recentemente, em consequência da doença, amputaram-lhe "vários dedos dos pés". Depois, o Estado retirou-lhe a possibilidade de se deslocar ao hospital de ambulância. Para fazer os tratamentos, diz, tem que viajar de comboio e a gare mais próxima de sua casa fica a 24 quilómetros. Esta é a justificação de Borda d"Água para ter integrado uma manifestação na capital que juntou ontem cerca de dois mil reformados e pensionistas de todo o país.

Curto, mas simbólico e animado. Assim foi o trajecto que os manifestantes fizeram. Talvez não chegue a um quilómetro a distância a percorrer entre a Praça do Comércio e a Praça da Figueira, mas muitos idosos arrastaram-se no percurso. Esfalfaram-se a soprar apitos e a gritar palavras de ordem como "Ò Rosa arredonda a saia/ Ò Rosa arredonda-a bem/ Ò Sócrates vai-te embora/ que não interessas a ninguém".

O simbolismo ficou expresso nas cores das bandeiras transportadas: as brancas, em sinal de paz, as negras, marca do luto que atribuem à situação económica e social do país, e as vermelhas, a cor eterna do Partido Comunista, mentor do protesto.

Por fim, a animação expressou-se de muitas maneiras, fosse através de uma banda a abrir o desfile e a tocar modinhas populares (as palavras de ordem contra o Governo só pararam quando os músicos fizeram soar os acordes do Aperta com ela, de José Malhoa), fosse pelas beijocas do mulherio que, na esquina da Rua da Prata com a Rua de Santa Justa, extasiaram quando avistaram o sempre glamoroso "querido camarada Jerónimo".

Beijado e abraçado até ao tutano, Jerónimo de Sousa lá conseguiu arranjar espaço para explicar à imprensa que a sua presença no desfile foi uma forma de demonstrar solidariedade por uma faixa etária da população "apostada em mostrar que não se limita a votar de quatro em quatro anos", mas que também "sabe dizer que não está contente com o agravamento das condições sociais, com a degradação do sistema de saúde e o valor das reformas". "É preciso não esquecer que os reformados são um terço dos pobres existentes no país", sublinhou o dirigente comunista.

29.3.08

20 milhões em estruturas sociais

João Pedro Campos, in Jornal de Notícias

O distrito de Coimbra vai receber este ano 20 milhões de euros em equipamento social, consagrado no programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais). Este valor corresponde a 5% da verba contratualizada para todo o país para equipamento social (400 milhões de euros). Um dos maiores financiamentos vai para a rede de creches, com a criação de mais 800 lugares para o distrito.

O secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, considera que o distrito de Coimbra "está a fazer uma aposta estratégica bem estruturada" e dá o exemplo da rede de creches, "onde o distrito está muito acima da média nacional, com uma cobertura na ordem dos 46%". Para o secretário de Estado, esta aposta é importante "porque permite que os casais pensem no futuro e consigam a conciliação da vida familiar e profissional". Pedro Marques congratula-se ainda com o facto de "as instituições de Coimbra estarem à altura dos desafios lançados pelo Governo, e serem capazes de fazer o que tem de ser feito com o PARES".

Para o secretário de Estado, o financiamento está conseguido mas não chega. "Agora cabe às instituições apertar com projectistas, engenheiros e arquitectos, para que as obras sejam feitas rapidamente e estejam ao serviço de quem mais precisa", sublinha.

No total, estão consagrados 1870 lugares em equipamentos sociais para o distrito de Coimbra no programa PARES. A assinatura dos contratos foi feita ontem no Governo Civil, sendo 13 as instituições contempladas. Entre as entidades envolvidas, contam-se a Cáritas Diocesana de Coimbra, a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, Cantanhede e Soure, o Centro Sócio-Cultural Polivalente de S. Martinho e a ARCIL - Associação para a Recuperação dos Cidadãos Inadaptados da Lousã.

Nova sede do Espaço t pretende assumir-se como pólo cultural do Porto

Alice Barcellos, in Jornal Público

Espaço, que é hoje inaugurado pela ministra da Saúde, inclui uma galeria de arte contemporânea


A O Espaço t, associação para apoio à integração social e comunitária, inaugura hoje, às 17h00, a sua nova sede, na Rua do Vilar, Porto, cerimónia que é presidida pela ministra da Saúde. O novo espaço pretende afirmar-se como um pólo cultural da cidade e atrair a atenção do público em geral, além de oferecer mais conforto e tranquilidade para os cerca de 300 utentes fixos.

O edifício, do século XIX e com quatro andares, está adaptado para pessoas com necessidades especiais. O local já foi usado pelo Ministério da Saúde, mas estava em condições degradadas, tendo sido completamente restaurado, disse ao PÚBLICO o presidente do Espaço t, Jorge Oliveira.

Salas de pintura, jornalismo, expressão corporal, informática, uma biblioteca e um jardim vão ser alguns dos espaços mais frequentados pelos utentes. Segundo Jorge Oliveira, "qualquer pessoa poderá frequentar o local". Outra das novidades é a inauguração da Quase Galeria, comissariada por Fátima Lambert. A galeria é dedicada à arte contemporânea. Surgiu da contribuição de cinco grandes galerias do país e vai contar com obras de pintores nacionais.

"Queremos desmistificar a ideia de que o Espaço t é só para toxicodependentes e doentes mentais", explicou o presidente da associação. A nova sede quer marcar a agenda cultural do Porto, com a realização de tertúlias, workshops e seminários - "ser um espaço de reflexão e debate". Com o objectivo de "unir ainda mais as pessoas através da arte", sublinhou Jorge Oliveira.

Os quatro andares do edifício contam com acesso por elevador e todas as salas têm identificação com sinalética em braile, sendo uma das poucas instituições do país a ter este tipo de acessibilidade para os invisuais.

A decoração da nova sede, "com tons claros", pretende "dar conforto e algum luxo aos que, por vezes, não têm uma cama para dormir". As obras foram financiadas em 90 por cento pelo Estado e pela União Europeia e os outros dez por cento pela instituição.

Câmara do Porto vai instalar 5000 m2 de painéis solares até 2010 em bairros sociais

Aníbal Rodrigues, in Jornal Público

Rui Rio anunciou que o Porto irá integrar um grupo com cerca de 100 cidades europeias que vão assinar um tratado de diminuição das emissões poluentes


O presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, anunciou ontem que a autarquia se prepara para instalar cinco mil metros quadrados de painéis solares até 2010, através da empresa municipal Domus Social. "Até ao fim de 2010, serão instalados cinco mil metros quadrados nos bairros sociais do Porto, correspondendo a cerca de 1500 famílias, e em instituições de carácter desportivo, educativo ou social", afirmou Rui Rio após a apresentação da Matriz Energética do Porto, feita por Oliveira Fernandes, presidente do conselho de administração da Agência de Energia do Porto (AdEPorto).

Uma matriz que diagnosticou uma excessiva dependência do Porto da energia eléctrica, factor que contribui para aumentar as emissões de dióxido de carbono (CO2), uma vez que esta energia, apesar de limpa no momento da utilização, na fase de produção obriga, em mais de 60 por cento, ao uso de combustíveis fósseis. Nesse sentido, a matriz energética elaborada pela AdEPorto sublinha a urgência de reconverter o uso da electricidade para gás natural ou painéis solares.

A Matriz Energética do Porto, que se baseia em indicadores de 2004 por serem estes os mais recentes que estão disponíveis, indica que as emissões de CO2 atingem as 5,5 toneladas/ano por habitante. Um dos objectivos da AdEPorto e da autarquia é chegar às 3,5 toneladas anuais por habitante em 2020. Nesse sentido, Rui Rio assumiu que o Porto fará parte de um grupo com cerca de 100 cidades europeias que, no início de 2009, irão assinar um tratado onde se comprometem a reduzir emissões poluentes.

O presidente da Câmara do Porto recordou também algumas medidas que, entretanto, já estão a dar o seu contributo para baixar o nível de emissões poluentes na cidade. É o caso da Águas do Porto que, "ao adoptar o sistema gravítico na rede de abastecimento eliminou completamente o bombeamento eléctrico e, assim, reduziu drasticamente o seu uso de energia". O autarca lembrou ainda que metade da frota da STCP é movida a gás natural e que o Metro do Porto é "particularmente limpo quando se avalia a relação consumo de electricidade por passageiro/quilómetro". Metro que veio também contribuir para uma considerável redução do consumo de combustíveis nos transportes rodoviários.

Já em declarações aos jornalistas, Rui Rio lembrou a urgência de criar a Autoridade Metropolitana de Transportes, "que já devia existir e não existe". Este organismo irá definir a totalidade da política de transportes, individuais e públicos.

Observatório da Adopção estuda nova forma de acolher crianças em risco

Andreia Sanches, in Jornal Público

O Observatório da Adopção está a concluir uma proposta que visa criar famílias de acolhimento de longa duração. A ideia é que o sistema de protecção de menores passe a ter uma resposta mais familiar para as crianças e jovens que estão há mais tempo a viver em lares. E que não têm perspectivas de regressar à família biológica.

"Isto surge na sequência de um relatório da Assembleia da República, publicado em 2006, sobre o sistema de protecção de crianças, onde se dizia que era preciso inventar novas formas de acolhimento duradouro", diz Guilherme de Oliveira, que dirige o Observatório, uma estrutura independente subsidiada pelo Governo. "O sistema de acolhimento duradouro tem poucas saídas: as crianças ou regressam à família ou vão para a adopção, e sabemos que muitas vezes nem uma coisa nem outra acontece, pelas mais diversas razões", diz. Por isso se pensou "numa terceira via".
Há milhares de crianças que se eternizam nas instituições de acolhimento - 49 por cento dos cerca de 12 mil meninos que em 2006 estavam no sistema estavam acolhidos há quatro ou mais anos.

Guilherme de Oliveira não quer, para já, dar detalhes sobre a nova figura - estão ainda a ser ouvidos especialistas. Mas diz que as famílias de acolhimento duradouro, ao contrário das recentemente regulamentadas famílias de acolhimento, não serão uma "medida transitória".

"É mais um instrumento que poderá, se o debate assim o apontar, vir a ser instituído, mas neste momento nada está decidido", disse ontem o ministro do Trabalho e da Solidariedade, Vieira da Silva. Com Lusa

O desemprego no espaço europeu

Susana Almeida Ribeiro, in Público Última Hora

Vidas vazias, precárias e a prazo


Chômage, Unemployment, Arbeitslosigkeit, Disoccupazione, Desemprego. Muda o idioma, mas o sentimento de marginalização e exclusão social que sente um desempregado é igual em todos os países. Um grupo de mulheres alemãs dá voz ao desespero. São um produto acabado da recessão económica e da falência da indústria. Dizem – enquanto aparam umas sebes – que, se pudessem, voltavam a construir “o Muro”. A milhares de quilómetros de distância, um cidadão inglês queixa-se do sentimento de inutilidade que lhe preenche os dias desde que perdeu o emprego, após 30 anos de trabalho. Agora afaga o cão e vê televisão, amargurado. Um alemão viu negada à sua mulher estrangeira a cidadania germânica porque ele próprio está desempregado.

Estas são algumas das histórias que a realizadora Catherine Pozzo di Borgo reuniu no documentário “Desemprego e Precariedade, a Europa vista pelos desfavorecidos”. O filme passou ontem à noite no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra – integrado na sessão “Para uma Outra Política Económica, Para uma Outra Europa, Para uma Europa Social”, organizada pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra- e foi comentado por economistas portugueses e por Henri Sterdyniak, do Observatório Francês das Conjunturas Económicas.

Reagindo às histórias de exclusão e precariedade, Sterdyniak resumiu que o documentário mostra o actual cenário de desemprego em massa existente na União Europeia. “Isto mostra a situação dos trabalhadores confrontados com um novo sistema de ‘workfare’, em vez do sistema de ‘social welfare’”.

O professor do observatório parisiense referia-se às mudanças operadas nos últimos anos no sistema de apoio aos desempregados. Os subsídios já não são para quem não faz mais nada a não ser estender a mão para o Estado-providência. Agora os subsídios são para quem esteja disposto a fazer formações ou a aceitar trabalhos precários. Neste aspecto, o documentário é muito claro. O estudo comparativo efectuado em quatro países — França, Grã-Bretanha, Bélgica e Alemanha – mostra que as últimas medidas, muitas delas organizadas a partir de Bruxelas, acabam por disseminar os trabalhos mal pagos e desadequados às qualificações do trabalhador. Mas é pegar ou largar. A contínua redução dos subsídios de desemprego, a redução do período durante o qual se tem direito ao subsídio, a obrigação de procurar activamente um emprego e a obrigatoriedade de aceitar um qualquer trabalho a um qualquer salário são práticas cada vez mais disseminadas nos diferentes Estados-membros.

Rostos vs números

O que este documentário (2003) faz é dar rosto a uma cada vez maior tentativa de liberalização dos despedimentos numa Europa onde se estima que existam cerca de 16,5 milhões de desempregados (dados do Eurostat relativos a Outubro de 2007). “O que impressiona [neste filme] é a propria perda de auto-estima por parte dos desempregados […] E isso é reflexo do modo de funcionamento da sociedade, que os afasta das mais valias que o sistema vai criando […] As pessoas sentem-se impotentes e desajustadas, sem ‘escada de saída’”, resumiu o engenheiro João Cravinho (Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Londres) no final do filme.

A câmara de Catherine Pozzo di Borgo parou à porta de centros de emprego, tocou à campainha de homens de família desesperados e frequentou reuniões sindicais. Em concreto sobre as intervenções dos sindicatos, Cravinho considerou a sua acção “dúbia”. “Os próprios sindicatos estão feitos numa lógica de ‘dentro’ e ‘fora’. Por um lado temos os sindicatos com poder e por outro temos a ‘tropa de choque’. Os sindicalistas que aparecem no filme estão ‘fora’, são vistos como uma área marginal”. Uma coisa são os sindicatos de trabalhadores, outra são os agentes sociais que se vêem no filme que, de acordo com Cravinho, parecem trabalhar mais em nome pessoal que colectivo. Há um fosse enorme entre os dois. “É preciso sindicatos [que defendam os interesses dos desempregados] fortes”, sublinhou Cravinho, acrescentando que, sem eles, “os desempregados ficam sem protecção nem capacidade reivindicativa”. Referindo-se à realidade portuguesa, Cravinho indicou ainda: “Hoje, os sindicatos são organismos que defendem ‘aristocracias’ da classe trabalhadora. Os sindicatos falam do desemprego, mas não se empenham decisivamente na luta contra o desemprego como se empenham, por exemplo, na manutenção dos privilégios dos próprios sindicalizados”.

No que concerne às explicações que estão na base desta situação de desemprego em massa e desemprego de longa duração que afectam a União Europeia de um modo geral, o economista João Ferreira do Amaral (Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa) apresentou cinco causas: a insuficiência de procura de bens e serviços, a globalização e consequentes deslocalizações empresariais, as facilidades de aquisição de empresas e consequentes cortes maciços de pessoal, o progresso técnico e a obsolescência da qualificação, muitas vezes em consequência dos avanços tecnológicos.

A estas causas acrescente-se a contínua liberalização dos despedimentos, que João Ferreira do Amaral considera penosa porque o fenómeno “não incentiva a empresa a fornecer qualificação aos seus trabalhadores e reduz também a vontade destes em adquirir mais formação em empregos que consideram, a justo título, precário”. “A liberalização de despedimentos contribui, ainda, para uma redução relativa de salários, o que pode incentivar uma desvalorização da qualificação da mão-de-obra, perdendo-se assim competitividade”, lembra ainda Ferreira do Amaral.

”Flexisegurança é via que não deve ser excluída”

Para se combater o desemprego, é necessário que as economias sejam mais competitivas, sendo urgente, neste campo, encontrar um equilíbrio entre a flexibilidade de despedimentos e a valorização do trabalho. Numa sociedade onde a palavra flexisegurança faz o seu caminho, João Ferreira do Amaral indicou ao PÚBLICO que o conceito, apesar de ainda estar mal definido, poderá ser válido. “Ainda é prematuro nesta altura aplicar o que quer que seja, porque acho que ainda há muito a fazer, mas acho que é uma via que não deve ser excluída”.

A nível macroeconómico, a situação europeia também não ajuda as taxas de empregabilidade. “Uma perda sucessiva de competitividade das actividades da Zona Euro” – que continua sem correcção – “será extremamente gravosa”. “Seremos confrontados muito brevemente com o impacte negativo que tal situação irá ter no crescimento e no emprego na Europa. Poderá inclusivamente este impacto ser de tal dimensão que obrigue a Zona Euro a alterar significativamente as suas instituições”. “O que já se passou em termos de desvalorização do dólar é já muito penalizador para a economia europeia. Se a crise se agudizar, pode acontecer o Banco Central Europeu perder a sua independência”, alerta João Ferreira do Amaral.

No mesmo dia em que este documentário foi exibido para uma magra audiência conimbricense, alguns milhares de jovens trabalhadores desfilaram em Lisboa, entre o Rossio e a residência oficial do primeiro-ministro, em S. Bento, para chamar atenção do Governo para o elevado desemprego e precariedade e exigir mais estabilidade e respeito pelos seus direitos laborais.

Na marcha, promovida pela Interjovem (CGTP) no Dia Nacional da Juventude, os manifestantes gritaram palavras de ordem como "trabalho sim, desemprego não", "não somos descartáveis, queremos vínculos estáveis" e "precariedade é injusta, juventude está em luta".

218 milhões vivem na pobreza extrema

Lucília Oliveira, in Fátima Missionária

Um estudo da Comissão Económica das Nações Unidas para a Ásia e Pacífico (ESCAP) indica que 218 milhões de pessoas estão a viver na pobreza extrema


A "Pesquisa Sócio-Económica da Ásia e do Pacífico 2008" revela que o abismo entre pobres e ricos continua a aumentar. A principal causa da crise económica é a negligência do sector agrícola, segundo a Rádio ONU.

O estudo adianta que se forem tomadas medidas apropriadas, 48 milhões de pessoas podem ser resgatadas da pobreza. A ESCAP recomenda ainda uma liberalização abrangente do comércio global de produtos agrícolas.

A agricultura concentra 60 por cento da população activa na Ásia. No entanto, o abandono de novas políticas de desenvolvimento do sector agravaram a situação dos mais pobres naquele continente, refere a Rádio ONU.

28.3.08

218 milhões vivem na pobreza extrema

Lucília Oliveira, in Fátima Missionária

Um estudo da Comissão Económica das Nações Unidas para a Ásia e Pacífico (ESCAP) indica que 218 milhões de pessoas estão a viver na pobreza extrema


A "Pesquisa Sócio-Económica da Ásia e do Pacífico 2008" revela que o abismo entre pobres e ricos continua a aumentar. A principal causa da crise económica é a negligência do sector agrícola, segundo a Rádio ONU.

O estudo adianta que se forem tomadas medidas apropriadas, 48 milhões de pessoas podem ser resgatadas da pobreza. A ESCAP recomenda ainda uma liberalização abrangente do comércio global de produtos agrícolas.

A agricultura concentra 60 por cento da população activa na Ásia. No entanto, o abandono de novas políticas de desenvolvimento do sector agravaram a situação dos mais pobres naquele continente, refere a Rádio ONU.

27.3.08

Padre Maia pondera acção judicial contra a Câmara do Porto

Álvaro Vieira, in Jornal Público

Centro Claretiano de Apoio à Infância, Juventude e Família acusa a autarquia de ter demolido edifícios do Bairro de S. João de Deus que não pertenciam ao município


O padre José Maia, presidente da Fundação Filos e do Centro Claretiano de Apoio à Infância, Juventude e Família (CCAIJF), declarou ontem ao PÚBLICO que pretende avançar com uma acção judicial contra a Câmara do Porto, acusando-a de ter demolido blocos de apartamentos do Bairro de S. João de Deus que não pertenciam ao município e cuja gestão estava entregue à CCAIJF. Contactada pelo PÚBLICO, Florbela Guedes, do gabinete de comunicação da autarquia, acusou o padre Maia de "estar a usar uma mentira para atacar a câmara como tem feito ao longo dos anos".

Em causa está a demolição, em 2004, de edifícios com cerca de 270 habitações que foram construídos no âmbito do PER (Programa de Erradicação de Barracas). Em 1989, Governo e Câmara do Porto acordaram financiar, com um milhão de contos cada um, a construção daqueles apartamentos destinados a acolher famílias que viviam em barracas no Bairro de S. João de Deus. O CCAIJF foi convidado pela administração central e local a executar o projecto, assumindo o papel de dona da obra e de gestora do processo social de realojamento.

Segundo o padre Maia, em 2000, quando terminou o programa e conforme estava previsto, lavrou-se escritura a formalizar a aquisição gratuita das habitações pela autarquia, de modo a que esta pudesse cobrar rendas em nome da equidade de tratamento a dispensar aos moradores de bairros municipais do Porto. Contudo, argumenta, ficou esplícito que a autarquia se comprometia a respeitar o fim para o qual as habitações haviam sido construídas. Por outro lado, sublinha o padre, a câmara adquiriu apenas a propriedade dos apartamentos, e não da totalidade dos edifícios, onde o CCAIJF instalou serviços de apoio social em caves. Acresce ainda, diz José Maia, que a câmara procedeu às demolições "sem ouvir o CCAIJF".

A autarquia tem um entendimento diferente: "Os terrenos em causa são todos municipais e foram adquiridos a privados e até o pavilhão [da CCAIJF] foi demolido com a concordância, manifestada por escrito, de José Maia", afirma a responsável pelo gabinete de comunicação da câmara.

José Maia afirma que tornou este assunto público agora, por ter entendido que já tinha esperado "demasiado tempo calado" e que não devia levantar o assunto perto de qualquer acto eleitoral. O padre acusa ainda o presidente da câmara, Rui Rio, de ter um "projecto de demolição, e não de reconversão" para o Bairro de S. João de Deus e de nunca ter explicado o que pretendia fazer nos terrenos em causa. "As vistas são boas, soberanas", comentou. O padre Maia lamentou ainda que os moradores dos prédios demolidos tenham sido desenraizados e passados de casas novas para casas velhas de outros bairros municipais.

Microcrédito social debatido em Vieira do Minho

in Agência Ecclesia

A Rede Europeia Anti-Pobreza/ Portugal (REAPN) juntamente com a Associação Nacional de Direito ao Crédito e a Câmara Municipal de Vieira do Minho promoveram, em Vieira do Minho, uma sessão de esclarecimento sobre o “microcrédito social na criação de auto-emprego”.

A iniciativa pretendeu sensibilizar e fomentar o empreendedorismo junto da população desempregada do concelho. A apresentação de Marta Mucha, da Associação Nacional de Direito ao Crédito, teve como objectivo proporcionar a aquisição de conhecimentos sobre o microcrédito, procurando despertar os participantes para as potencialidades da utilização desta medida de apoio à criação do próprio emprego.

A Associação Nacional de Direito ao Crédito é uma associação sem fins lucrativos que apoia quem não tem acesso ao crédito e precisa de um empréstimo para criar a sua própria micro-empresa, acompanhando os negócios nas várias fases de execução, designadamente a elaboração do projecto, a obtenção do crédito e a implementação e evolução.

Esta Associação, para desenvolver a sua actividade conta com o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional e tem protocolos com várias instituições financeiras que concedem empréstimos aos projectos propostos pela Associação.

O paraíso…

Luís Filipe Malheiro, in Jornal da Madeira

O abandono escolar é outro factor incontornável para medir o risco de exposição infantil à pobreza, sabendo-se que os desníveis nas qualificações são a causa fulcral das desigualdades sociais. A este respeito, Portugal também está numa posição preocupante: a percentagem de jovens até os 24 anos com baixa educação secundária era de 39% em 2006 (ano lectivo de 2004-2005), a segunda pior de toda a União Europeia, a seguir a Malta. A taxa de abandono escolar baixou entretanto para valores da ordem dos 35%, mas, ainda assim, Portugal continua, neste campo, na cauda da União Europeia (…)”.

Li recentemente no DN de Lisboa, um texto da autoria de uma das suas mais conhecidas jornalistas, do qual — porque recuso aceitar a impunidade com que alguns políticos portugueses falam da realidade do nosso país e porque recuso aceitar que os portugueses possam, sejam em que circunstâncias for, deixar-se enganar pela teoria propagandística de que vivemos numa espécie de paraíso transladado para Portugal — destaco a seguinte passagem, porque reveladora de um quadro bastante negro que contrasta com a “banha-da-cobra” que nos andam a querer vender:

“Um recente relatório da Comissão Europeia diz que Portugal é o segundo país da UE onde o risco de pobreza infantil é maior. A subida do desemprego, o baixo nível de vida e a elevada taxa de abandono escolar são factores que explicam o retrato negro. Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o País da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação. O retrato negro consta do relatório conjunto sobre a protecção social e inclusão que é hoje apresentado em Bruxelas (Bélgica) e que deverá ser adoptado no dia 29 pelo Conselho de Ministros do Emprego e Segurança. O mesmo relatório permite concluir que a situação portuguesa nesta matéria não só piorou em termos absolutos face ao último balanço realizado sobre a matéria em 2005 (referente a rendimentos apurados em 2004) como também ficou mais isolada em termos comparativos. No balanço anterior, o nível de exposição à pobreza infantil em Portugal estava em 20% e alinhava com países como a Espanha, Irlanda e a Grécia, estando, ainda assim, abaixo dos níveis registados na Lituânia e na Polónia. Agora, de acordo com dados do novo relatório, o risco de pobreza infantil só é pior na Polónia, e já superou o patamar de 20%. Uma situação que está relacionada com a escalada do desemprego em Portugal. Enquanto em 2004, Portugal ainda apresentava das taxas de desemprego mais baixas de toda a União Europeia, nos últimos anos, a situação inverteu-se. Em Julho do ano passado, por exemplo, Portugal já era, a par de países como a Grécia, Polónia e Eslováquia, um dos três países com as mais elevadas taxas de desemprego, em torno dos 8,2%. O desemprego não é, no entanto, o único factor a explicar o crescimento do risco de exposição infantil à pobreza, que remete também para o baixo nível salarial praticado em Portugal, para a crescente precariedade do emprego ou para níveis mais baixos de transferências sociais. Nunca é demais lembrar que mais de 20% da população empregada tem actualmente contratos a prazo — que não garantem estabilidade de rendimentos — e que o salário mínimo não vai, este ano, além dos 426 euros. Em 2006, por exemplo, o salário médio nacional rondava os 712 euros. Isso mesmo é possível concluir do relatório conjunto sobre protecção social e inclusão, quando refere que o risco abrange tanto as crianças que vivem no seio de famílias desempregadas como as que vivem em lares onde os pais estão empregados. De acordo com dados do Eurostat de 2005, relativos a rendimentos de 2004, os trabalhadores portugueses são, juntamente com os polacos, os que apresentam a mais elevada taxa de risco de pobreza, em torno dos 14%, no seio da União Europeia. Ou porque os salários não são suficientes ou porque o emprego não é sustentável.

O abandono escolar é outro factor incontornável para medir o risco de exposição infantil à pobreza, sabendo-se que os desníveis nas qualificações são a causa fulcral das desigualdades sociais. A este respeito, Portugal também está numa posição preocupante: a percentagem de jovens até os 24 anos com baixa educação secundária era de 39% em 2006 (ano lectivo de 2004-2005), a segunda pior de toda a União Europeia, a seguir a Malta. A taxa de abandono escolar baixou entretanto para valores da ordem dos 35%, mas, ainda assim, Portugal continua, neste campo, na cauda da União Europeia (…)”. E já agora, que falamos de paraísos:

“Um recente estudo de uma gestora de fundos de pensões e que geria no fim de 2006 quase 210 mil milhões de euros de activos, revelou que os portugueses são os europeus que menos apostam nas aplicações financeiras para complementar a reforma do Estado. Por exemplo, “na Suécia 79% dos inquiridos já começaram a investir para complementar a reforma oficial, na Alemanha 77%, na Áustria 75%, na Suíça 72% e na Holanda 71%. No outro extremo está a Europa do Sul, onde apenas 25% dos portugueses, 34% dos italianos, 37% dos espanhóis e 40% dos franceses já começaram a investir para complementar a pensão futura”. Diz ainda a notícia que, “no caso dos trabalhadores activos com menos de 35 anos, os portugueses que já iniciaram aplicações para complementar a reforma são apenas 18%, ligeiramente abaixo dos 20% de espanhóis, mas as percentagens elevam-se a 77% na Alemanha e 75% na Áustria, indica o estudo. Apesar disso, quatro em cada cinco portugueses inquiridos afirma que a preparação financeira da reforma é algo que todos têm de fazer, ainda que apenas 47% já a tenha iniciado ou esteja a planear começar no futuro. As razões para os inquiridos não terem começado a investir para complementar a reforma são a falta de dinheiro (56%), estar confuso (12%), não precisar (20%) e não estar preocupado (34%)”.

«Portugal não tem estratégia de luta contra a pobreza»

in Fábrica de Conteúdos

Dados recolhidos pelo BE resultam em livro polémico


A apresentação do «Livro Negro sobre a Pobreza no Distrito do Porto», escrito pelo Bloco de Esquerda (BE), deu a conhecer uma realidade de pobreza precária, naquela que é a cidade invicta. Dos dois milhões de habitantes, 500 a 600 mil são pobres.

A situação é negra, como refere o título do livro. O deputado do BE e sociólogo, João Teixeira Lopes, diz que «fome é fome sem direito a eufemismos», pois 30% dos habitantes do Porto vivem com menos de 300 euros mensais e o Banco Alimentar contra a Fome já não tem capacidade para responder a todos os pedidos, diz o semanário Expresso.

Os dados estatísticos de várias instituições em que se basearam para escrever o livro, permitiram concluir que 45% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) são do Porto. O livro reflecte concepções dos tempos actuais que «permitem que uma empresa seja criada numa hora, mas o RSI pode demorar seis meses».

Os números presentes no livro, continuam a aumentar, pois a Segurança Social é que não pode aceitar mais inscrições por falta de verbas. O coordenador do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Sérgio de Aires, convidado a comentar o livro, diz que «há situações emergentes que devem ser resolvidas já. Se possível quando sairmos desta sala», e acrescenta que «o problema é estrutural e começou há mais de 30 anos».

"Quem são os pobres hoje?"

Lucília Oliveira, in Fátima Missionária

O segundo colóquio do ciclo "Direitos humanos e realidades actuais" realiza-se a 17 de Abril


A pobreza é o tema deste encontro promovido pela Comissão Diocesana Justiça e Paz de Leiria-Fátima e que decorrerá a partir das 21h, no auditório do Seminário de Leiria.

Carlos Farinha é o convidado do debate. O orador é especialista em matérias económicas e sociais, em particular no que se refere à pobreza.

Farinha defende que o principal factor de desigualdade salarial continua a ser a educação. “Há uma forte discriminação a nível salarial devido ao nível educacional”, afirma. Portugal só conseguirá “reduzir a desigualdade e a pobreza, apostando fortemente na educação.” Mas, o que significa “ ser pobre”, hoje? “Estaremos condenados a ser pobres?”.

A intervenção inicial caberá a Mavíldia Frazão, assistente social, que abordará o problema da pobreza na diocese.

O primeiro orador deste ciclo foi Marcelo Rebelo de Sousa que abordou "Direitos humanos e Doutrina Social da Igreja".

26.3.08

BE lança livro negro sobre a pobreza no distrito do Porto

Sara Santos Silva, in Jornal Público

O Livro Negro sobre a Pobreza no distrito do Porto, que foi ontem apresentado no auditório da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso, conclui que, nos últimos três anos, a pobreza e a instabilidade social no distrito se agravaram e que aumentou o número de "novos pobres", vítimas do sobreendividamento.

A publicação, que se define nas primeiras linhas como "um livro de combate", revela que das quinhentas mil pessoas em situação de pobreza, quarenta mil sofrem de carência alimentar e que mais de cem instituições aguardam ajuda do Banco Alimentar contra a Fome. Na apresentação, João Teixeira Lopes, deputado do Bloco de Esquerda (BE), sublinhou que o livro foi uma forma de ter uma visão de conjunto da grave situação social do distrito, ouvindo as instituições e os pobres, "que muitas vezes são falados, mas poucas vezes são ouvidos". O Livro Negro não se fica pelo diagnóstico, apresentando também soluções e iniciativas já levadas a cabo pelo partido, sob a forma de projectos de resolução do grupo parlamentar, "que, na maioria, estão por responder".

Uma das reinvindicações do BE consiste num Plano Territorial de Acção para a Inclusão, com objectivos claros, calendarizados e mensuráveis, que incluam o aumento da distribuição de alimentos e de novas camas para os sem-abrigo, o aumento de vagas em instituições de solidariedade social, como berçários, centros de dia e lares de idosos, e a simplificação do acesso ao Rendimento Social de Inserção, "que hoje em dia chega aos seis meses, perdido numa espiral de burocracia", critica João Teixeira Lopes. Outra solução proposta pelo BE é o aumento dos salários reais, já que "um número muito elevado dos pobres da cidade trabalham".

Sérgio Aires, sociólogo convidado para participar na apresentação da publicação, considera que este diagnóstico não traz surpresas e que, ao contrário do desejado pelo BE, não vai causar qualquer tipo de indignação.

Tratado de Lisboa aprovado a 23 de Abril

in Jornal Público

A Assembleia da República vai aprovar o Tratado de Lisboa no próximo dia 23 de Abril, decidiu ontem a conferência de líderes parlamentares. A proposta de resolução para ratificar o Tratado da União Europeia no Parlamento foi aprovada em Conselho de Ministros no início de Janeiro e, antes de ir a votação no plenário, passará pela comissão parlamentar de Assuntos Europeus.

O primeiro-ministro anunciou em Dezembro que não iria propor um referendo, mas sim a ratificação no Parlamento. Sócrates argumentou que "há uma ampla maioria em Portugal a favor do projecto europeu" e que um referendo em Portugal colocaria em causa processos de ratificação por via parlamentar noutros países da EU.
Confrontado pela oposição sobre a promessa de fazer um referendo, Sócrates argumentou que o seu compromisso eleitoral era fazer a consulta ao falhado Tratado Constitucional e não ao actual Tratado de Lisboa.

Pobreza: ONU pede ajuda extra de 324 milhões de euros para alimentar 73 milhões

in RTP

As Nações Unidas pediram aos países desenvolvidos uma ajuda "extraordinária" mínima de 324 milhões de euros para alimentar, no próximo mês, 73 milhões de pobres, noticia segunda-feira o jornal espanhol "El País".

De acordo com uma carta enviada pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas aos países doadores, se a ajuda não chegar até 01 de Maio será cortado o apoio financeiro "aos que dependem do mundo para sobreviver em tempos de miséria".

O Programa Mundial de Alimentos da ONU estima já neste momento a ajuda aos mais pobres entre 389 e 453 milhões de euros devido à subida em 20 por cento do preço dos alimentos nas últimas três semanas, à chegada do barril de petróleo até aos 100 dólares e ao agravamento dos custos dos transportes.

Depois dos Estados Unidos, a União Europeia e o Canadá são as potências que mais contribuem para o programa alimentar das Nações Unidas, refere o diário espanhol, citando o jornal económico britânico "Financial Times".

A ONU dá ajuda a 73 milhões de pobres de 80 países.

ER. / Lusa

25.3.08

Casa Sol com 21 crianças num espaço para apenas 11

António Cotrim / lusa, in Jornal de Notícias

Casa está sobrelotada e as crianças não podem estudar em condições


A Casa Sol, onde vivem crianças seropositivas, está sobrelotada. Num espaço construído para onze vivem 21. A direcção vê-se obrigada a recusar novos meninos, carregando o peso de saber que pelo menos dois estavam a prostituir-se nas ruas da capital. Inaugurada em 1998, a casa excedeu a sua capacidade logo no ano seguinte, altura em que era já ocupada por 15 crianças. "Estavam infectadas, eram órfãs de pais com Sida e muitas estavam doentes. Ninguém as queria", lembra a presidente da Sol, Teresa D´Almeida. Talvez por isso, a única instituição em Portugal especificamente criada para acolher crianças seropositivas tenha tido sempre uma "interminável" lista de espera. A presidente reconhece que "já não existem sequer condições para as crianças estudarem", mas admite ser difícil recusar novas entradas. A história de Filipa (nome fictício) é exemplificativa da situação. Abandonada à nascença, viveu até aos 7 anos num hospital algarvio, porque "ninguém a queria". Quando soube do caso, a direcção da Sol não conseguiu voltar as costas e acabou por recebê-la. "Quando cá chegou assustava-se com tudo, com o movimento e com a confusão normal de uma casa, porque estava habituada àquele silêncio dos hospitais", lembra Teresa D`Almeida. Hoje, Filipa tem 12 anos e está completamente integrada. Mas nem todos os casos tiveram desfechos felizes. Teresa recorda dois "Sei de pelo menos duas crianças a quem recusámos a entrada e que depois se estavam a prostituir na rua: uma rapariga, que ao ser violada ficou infectada com o vírus, e um rapaz de oito anos que também se andava a prostituir. Não há dia nenhum que não pense nessas crianças". "Quando surge um caso complicado, puxamos uma cama para aqui outra para acolá, juntamos mais um colchão e acabamos por aceitar a criança", explica a directora da casa Inês Gonçalves. Mas, agora, a instituição atingiu o limite. Num espaço para 11 vivem 21. Preocupado com a situação, o presidente do Instituto de Segurança Social (ISS) apresentou recentemente uma solução a Teresa D´Almeida: a cedência de um prédio na Lapa. Mas primeiro, o imóvel tem de ser libertado, o que poderá "acontecer já nos próximos dias", e depois terá de ser alvo de obras de requalificação para poder receber as crianças, explicou à Lusa o responsável do instituto, Edmundo Martinho. Até lá, a presidente da associação tem de lidar com os problemas de sobrelotação, que reconhece "já não tem condições nem para as crianças estudarem".

Cerca de 700 licenciados desempregados

Luís Martins, in Jornal de Notícias

O número de desempregados com formação superior no distrito da Guarda sofreu um ligeiro aumento nos últimos três anos. De acordo com dados disponíveis no portal do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no final de Janeiro, havia 677 licenciados de-sempregados nos 13 concelhos abrangidos pelos centros de Emprego da Guarda, Pinhel e Seia. No mesmo período deo ano passado, eram apenas 1093 e 959 em 2006.

O Centro de Emprego da Guarda, que abrange ainda os concelhos de Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Manteigas e Sabugal, contabilizava 384 desempregados com formação superior em Janeiro, contra 339 no mesmo período em 2007 e 342 em 2006. O director atribui a ligeira subida ao "desajustamento entre a oferta e a procura", apontando alguns exemplos de licenciaturas em que as saídas profissionais são praticamente inexistentes, caso do curso de professores do Ensino Básico. Uma realidade que não deixa de ser "preocupante", até porque quando há "inscritos candidatos a empregos qualificado significa que há investimentos familiares e do Estado que não estão a ser devidamente capitalizados", realça Armando Reis.

Só na Guarda havia, em Janeiro, 279 licenciados por empregar entre 1722 inscritos. Em 2007, eram 245 em 1781 e, em 2006, 241 em 1812. O segundo centro de emprego com mais diplomados inscritos foi o de Seia, que integra Gouveia, com 189 casos em Janeiro entre 2224 desempregados, um número superior aos 160 de 2007 e aos 116 de 2006.

Já o Centro de Emprego de Pinhel, que também inclui os municípios de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Mêda e Trancoso, tinha 104 inscritos com formação superior, em Janeiro deste ano, contra 78 em 2007 e 62 em 2006. O concelho pinhelense registou o número mais elevado de licenciados inscritos 30 em Janeiro, num total de 358 registrados. Em 2007, eram 18 em 333, e, no ano anterior, 21 em 190. Segue-se Trancoso com 23 desempregados desse tipo, em 167, no primeiro mês de 2008, mais dois que em 2007, enquanto que no ano anterior eram 19. No concelho vizinho de Figueira de Castelo Rodrigo, havia 21 desempregados com habilitação superior, num total de 130 inscritos, contra 15 e 3, respectivamente, em 2007 e 2006. A tendência repete-se em Almeida e na Mêda, que tinha 14 licenciados entre 117 pessoas por empregar no início deste ano.

Três anos para Portugal chegar à média europeia

Alexandra Inácio, in Jornal de Notícias

DGS fez à ministra um ponto da situação sobre a doença em território nacional


Chegar aos 18 em vez dos actuais 25 diagnósticos de tuberculose por 100 mil habitantes é a redução que Governo e Direcção-Geral de Saúde (DGS) esperam atingir nos próximos três anos. A ser conquistada essa meta, Portugal aproxima-se da média da União Europeia. No último ano a taxa de incidência desceu 14%. O problema continua a ser o aumento de casos multirresistente, particularmente na área metropolitana de Lisboa.

"A tuberculose é sempre um risco para a saúde pública. Não podemos descansar", defendeu a ministra, referindo-se ao aparecimento de novas formas multirresistentes. Em 2007 foram diagnosticados 82 casos MR, 68% dos quais na região de Lisboa e Vale do Tejo, quase metade eram extensivamente resistente - o tipo de TB que não reage a qualquer dos medicamentos usados para tratar a doença.

Ontem, Dia Mundial da Tuberculose, a DGS fez a Ana Jorge "o ponto da situação" na luta contra a doença. A estratégia, defendeu no final do encontro a ministra, continuará a ser o cumprimento da terapêutica pelos doentes.

Uma rede de referência nacional foi criada. Assim como um sistema de vigilância. Contra a possibilidade de Portugal mudar a legislação para permitir - à semelhança de outros parceiros europeus - o internamento compulsivo no caso das multirresistentes, Ana Jorge insistiu no reforço da informação dada aos pacientes.

O tratamento da TB é gratuito e a toma deve ser feita nos centros de diagnóstico. No caso de um doente faltar, as equipas de apoio domiciliário devem procurá-lo e dar-lhe a medicação. O controlo da infecção nos hospitais e nas freguesias de alto risco, a implementação de novos testes e um programa específico para as prisões são outras prioridades do Plano Nacional contra a TB.

"O internamento compulsivo é ilegal", sublinhou o director-geral de Saúde. Para Francisco George a abordagem deverá ser pedagógica para o isolamento ser consentido. "A revisão da Constituição não me diz respeito", concluiu.

Alerta para o Porto

A taxa de incidência no Porto foi a mais alta do país (38%). Para a estrutura local do PSD o número evidencia as más condições socioeconómicas do distrito. Os sociais-democratas pedem ao Governo um "plano de emergência" que façam do combate à tuberculose uma prioridade nacional "como há décadas".

"É uma doença social. Não bastam medidas pontuais. E vai continuar a aumentar se não seder um salto qualitativo" em termos de emprego, habitação e saneamento básico, defendeu ao JN, Rui Nunes, professor da Faculdade de Medicina do Porto.

Desemprego desceu 11,6% em Fevereiro

in Jornal de Notícias

O número de desempregados registados nos Centros de Emprego do país registou um decréscimo de 11,6%, em Fevereiro deste ano, face ao mesmo mês de 2007. No total, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) contabilizou 398 579 desempregados, menos 52 258 do que há um ano.

Os números foram ontem divulgados pelo IEFP, que sublinha a manutenção da trajectória descendente do desemprego. Em termos territoriais, a diminuição anual no número de desempregados deu-se em todas regiões do país, excepto na Madeira, em que houve um aumento de 4,7%. As maiores descidas deram-se no Alentejo (-15,7%), em Lisboa e Vale do Tejo (-13%) e no Norte (-12,3%).

Todos os níveis de escolaridade registaram menos desempregados do que há um ano, mas os decréscimos mais significativos dão-se no 2.º ciclo e no 1.º ciclo do Ensino Básico, com reduções de 17,3% e 15,6%. JPM

Números da pobreza

in Jornal Público

Egipto de novo à beira de uma "revolta do pão"


O aumento do preço do pão não subsidiado e de outros alimentos está a deixar o Egipto à beira de uma revolta social, alerta a imprensa árabe e ocidental. Confrontos à porta de padarias causaram pelo menos 50 mortos nos últimos meses, e o Presidente, Hosni Mubarak, foi obrigado a requisitar os fornos do Exército numa tentativa de prevenir motins como os que abalaram o país em 1977.

Embora a maior parte do pão seja subsidiado, o que tem preço livre aumentou mais de 26 por cento desde 2007, o que penaliza sobretudo os mais pobres - um em cada cinco egípcios vive com menos de dois dólares por dia, segundo a Al-Jazira.

A escassez de pão deve-se ao facto de o custo da farinha ter triplicado nos mercados mundiais desde o Verão passado e à subida da taxa de inflação no país, que atingiu os 12,5 por cento em Fevereiro. E esta é uma estatística oficial, porque economistas, como Ahmed al-Naggar, do Centro de Estudos Estratégicos de Al-Ahram, do Cairo, desconfiam que é superior.

O pão subsidiado, dez a 12 vezes mais barato do que o que não tem comparticipação do Estado, permite a sobrevivência de metade dos 78 milhões de habitantes do Egipto.
A carestia de vida (as despesas de casa cresceram uns 50 por cento em três meses e alguns produtos alimentares sofreram um agravamento de preços de 122 por cento desde 2007) está a afectar várias classes profissionais. Trabalhadores têxteis, médicos, professores e contabilistas ameaçaram fazer greve e já houve paralisações pontuais.
Refere a AFP que o salário de um clínico geral é de cerca de 25 euros por mês, "o que não dá para comprar quase nada". O sindicato reclama um ordenado equivalente a 140 euros.

Consciente ou não da gravidade da situação - em 1977, o fim dos subsídios gerou protestos de que resultaram pelo menos 70 mortos -, certo é que Mubarak decretou que os fornos ao serviço dos militares cozam pão para os que mais necessitam. O Presidente ordenou também ao Governo que lance uma campanha para travar o "aumento descontrolado da taxa de natalidade" - em 2020 a população será superior a 100 milhões -, que se reflecte negativamente em vários serviços: falta de água, de casas, de hospitais, de escolas, de empregos.

20% dos 78 milhões de habitantes do Egipto vivem abaixo da linha de pobreza de dois dólares por dia, segundo o Banco Mundial. E 4 por cento vivem em extrema pobreza.

Quem mais sofre

A escalada dos preços castiga os consumidores

Em Janeiro, o Presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, apelou a doações no valor de 77 milhões de dólares para ajudar a garantir comida para 2,5 milhões de pessoas que estão a passar fome por causa da subida do preço dos cereais. Um Inverno especialmente duro agravou em mais de 70 por cento o preço da farinha de trigo no país durante o ano de 2007.

A Rússia congelou os preços do leite, do pão, dos ovos e do óleo para cozinhar por seis meses; a Tailândia está a considerar uma medida semelhante.

No Paquistão há racionamento de cereais, pela primeira vez em duas décadas, e faz-se tráfico de farinha.

Na Índia, o Governo proibiu a exportação de arroz, excepção feita ao arroz basmati, de alta qualidade.

Na Indonésia houve protestos devido aos preços dos cereais, e o Governo aumentou em um terço o valor dos subsídios alimentares.

O Zimbabwe é um dos países africanos mais afectados pela subida do preço dos cereais, pois tem uma inflação anual de 100.000 por cento e a taxa de desemprego ronda os 80 por cento.

Vários países da América Latina, como El Salvador, correm o risco de ver a fome generalizar-se, pelo menos em algumas áreas, pelo efeito conjunto de grandes cheias e da subida dos preços dos cereais.

São precisos 500 milhões de dólares para ajudar 73 milhões com fome

Clara Barata, in Jornal Público

A ONU pede ajuda urgente para prestar auxílio alimentar aos países onde há fome, porque as pessoas não têm dinheiro para comprar as comidas básicas


É uma tempestade perfeita aquela que o mundo está a viver devido ao aumento do preço dos cereais: vários factores, cada um grave só por si, estão a conjugar-se para deixar os países mais vulneráveis à beira da fome. Por isso, o Programa Alimentar Mundial fez um apelo extraordinário aos doadores para conseguir nas próximas quatro semanas os 500 milhões de dólares necessários para evitar o racionamento da ajuda alimentar nos países que mais precisam dela. O Iraque, o Afeganistão, o Zimbabwe ou a Somália estão entre os que mais estão a precisar de auxílio.

O diagnóstico da origem desta tempestade perfeita está bem delineado. Por um lado, as economias em desenvolvimento procuram cada vez mais cereais, para a alimentação humana e também para o gado, já que a carne faz cada vez mais parte do seu menu. Por outro lado, assistiu-se nos últimos dois anos a um desvio importante do milho americano para produzir biocombustíveis, que emitem menos dióxido de
carbono.

Juntam-se a estes factores uma série implacável de fenómenos meteorológicos extremos (secas e cheias), relacionados com as alterações climáticas, que reduziram muito as colheitas nalgumas áreas. Finalmente, a subida do preço do petróleo reflecte-se nos custos da produção de cereais, aumentando ainda mais o preço para o consumidor.
Esta conjugação está a tornar-se dramática: em Fevereiro, o Programa Alimentar Mundial (PAM, a agência das Nações Unidas que lida com a assistência alimentar) anunciou que teria de racionar os alimentos devido ao aumento dos cereais.

Em 2007, estimava-se que seriam necessários 2900 milhões de dólares; mas a escalada dos preços levou a uma revisão da estimativa para 3400 milhões. Faltam pelo menos 500 milhões de dólares para conseguir alimentar 73 milhões de pessoas em 78 países - mesmo assim, menos de um décimo das pessoas com fome no mundo.

Foi por isso que Josette Sheeran, directora do PAM, escreveu uma carta esta Páscoa aos grandes doadores, pedindo ajuda urgente. "Pedimos ao seu Governo que seja tão generoso quanto possível para nos ajudar a fechar esta diferença - que era de 500 milhões de dólares a 25 de Fevereiro, mas cresce diariamente", citava o jornal Financial Times.

O país que mais contribui para a ajuda alimentar mundial são os EUA (1100 milhões de dólares no ano passado). A seguir vêm a União Europeia (250 milhões) e o Canadá (150 milhões). O valor real do défice do PAM deve rondar agora os 700 milhões, adianta o Financial Times, dado que os preços dos alimentos subiram 20 por cento nas últimas três semanas e o preço do petróleo ultrapassou os 100 dólares.

O novo rosto da fome

As Nações Unidas não são as únicas a lançar o alerta. Numa entrevista ao semanário suíço NZZ am Sonntag, o patrão da Nestlé, o maior produtor industrial de alimentos, alerta contra o fabrico de biocombustíveis a partir de cereais. "Falam em que 20 por cento das necessidades sejam cobertas por combustíveis; assim, em breve não haverá nada que comer", disse Peter Brabeck.

Os números da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) das Nações Unidas apontam para um crescimento na produção de cereais - pelo menos do trigo, que é o cereal mais consumido em todo o mundo. Mas as reservas de trigo são as mais baixas desde 1983, e não há indícios de que os maiores produtores retomem a capacidade de exportação.

Para perceber como os preços do trigo têm subido, pode dizer-se que, em Dezembro de 2007, o preço da tonelada de trigo nos EUA atingiu os 381 dólares - quase mais 50 dólares que em Novembro. Quanto ao arroz, o segundo cereal mais procurado, os preços subiram 14 por cento entre Setembro e Dezembro de 2007, diz a FAO. "Este é o novo rosto da fome", disse Sheeran ao jornal britânico The Guardian. Há comida nos supermercados, mas as pessoas não têm dinheiro para a comprar. As zonas urbanas são vulneráveis como nunca se viu", acrescentou.

O que fazer para aliviar esta situação? Os peritos dizem que os preços altos dos cereais são para continuar. Deixar de pensar em usar cereais para fazer biocombustíveis ajudará, mas é preciso abrir novas áreas para plantar. O Banco Mundial e a FAO estão a tentar recuperar para a produção 13 milhões de hectares de terras agrícolas abandonadas no Cazaquistão, na Rússia e na Ucrânia.

24.3.08

Terrenos desocupados são hortas para combater crise

Nuno Martins, in Jornal de Notícias

Para muitos, couves, batatas e outros produtos que cultivam são a forma de subsistir


Para sobreviver ou ocupar o tempo, são muitos os lisboetas que trabalham, faça chuva ou sol, as hortas improvisadas avistadas em vários pedaços de terreno perto de estradas e vias rápidas de Lisboa.

Na sua maioria reformados ou desempregados, são muitos os que cultivam estes terrenos desocupados na esperança de colher algo da terra que os ajude a sobreviver.

Descendo por umas pequenas escadas improvisadas com pedaços de madeira, encontramos perto do bairro do Zambujal, junto à CRIL, muitas hortas com muitos destes "agricultores de cidade", que não se deixaram demover do trabalho por chuva e vento que se faziam sentir. Luísa Cardoso, de 58 anos, desempregada depois de mais de 35 anos de trabalho em várias fábricas que "foram fechando", por não ter idade para se reformar trabalha todos os dias sozinha na sua horta.

"Se tivesse trabalho não me importava com isto, mas como só recebo 150 euros de pensão pelo falecimento do meu marido isto é a minha sorte, senão morria à fome", disse à Lusa.

Apesar da vida difícil, Luísa Cardoso explica com um sorriso na cara como planta couves, batatas, tomates entre outras vegetais, já que outros foram destruídos pelo mau tempo que se fez sentir há algumas semanas.

"Estou aqui há mais de 30 anos. Antes ainda tinha a ajuda do meu marido, mas agora tenho de fazer isto sozinha porque os meus filhos têm a vida deles", declara enquanto mostra como rega a sua horta.

António Jesus Teixeira, um motorista reformado de 66 anos, afirma por sua vez que tratar da sua horta "é mais para passar o tempo", mas não esconde que "é uma grande ajuda".

Ladrões de ocasião

Apesar de todas as queixas sobre o impacto visual ou por qualquer outra razão, muitos destes agricultores sofrem muitas vezes com ladrões de ocasião, que se aproveitam do seu trabalho para "levar uns legumezinhos para casa".

Os terrenos são públicos, os seus trabalhadores moram todos em prédios perto dos mesmos, tendo como única restrição não poderem ter barracas fechadas.

"Nunca nos chatearam por estarmos aqui a plantar as nossas coisinhas. De vez em quando vêm aqui os militares do quartel para verem se há barracas fechadas, mais nada", explicou Fernando Catarino, de 67 anos, também ele um motorista reformado, com uma horta numa encosta das Olaias.

Agricultor no Alentejo antes de vir para Lisboa trabalhar, Fernando Catarino passa as suas manhãs a tratar da sua horta, localizada como muitas outras num terreno pertencente a um quartel militar nas Olaias.

"As pessoas foram chegando e ocupando um espaço que estivesse livre e vimos para aqui cultivar para ver se tiramos daqui alguma coisa para comer em casa", explicou.

No entanto, existem "alguns espertinhos que moram nos prédios em frente", que de quando em vez passam pelas hortas de noite e levam para casa "algumas cebolas, tomates ou couves".

Tirando estes, "o pessoal das hortas dá-se todo bem", confessa.

Na maioria, estas hortas são cultivadas em terrenos públicos desocupados há várias décadas por moradores da zona, sendo que muitos destes se localizam junto a estradas ou vias rápidas da cidade.

Apesar da sua localização, nenhum dos agricultores que falaram com a Lusa demonstrou preocupação com os alimentos, explicando que os vegetais que tiram dessas terras, todos eles para consumo próprio, não têm qualquer problema.

Petição por apoios para pais sozinhos

Alexandra Marques, in Jornal de Notícias

Pais que criam sozinhos os filhos enfrentam dificuldades acrescidas, alega a promotora da iniciativa


Uma petição para que o Estado conceda mais apoios às famílias monoparentais está em curso no blogue com o mesmo nome. O objectivo é atingir as quatro mil assinaturas para que o documento possa ser entregue e discutido na Assembleia da República.

A responsável pela iniciativa, Ana Luísa Pinho referiu ao JN já ter escrito a todos os partidos parlamentares e não ter obtido nenhuma reacção "Contactei os deputados da Comisão da Família e não tive uma única resposta". A Presidência do Conselho de Ministros disse-lhe que o assunto não estava esquecido.

Neste momento, pouco mais de 100 assinaturas foram recolhidas on-line. Por isso, a socióloga espera que a divulgação na Comunicação Social impulsione a subscrição. Até porque o diploma aprovado em Conselho de Ministros no dia 12, e que concede um aumento de 20% no abono de família às famílias monoparentais é considerado, por estas, insuficente.

"Quem recebia dez euros passa a receber 12. Quem recebia 25 passa a receber 30 euros e quem recebia 30 passa a receber 36 euros. Tenho que pensar bem em que é que vou aplicar esta fortuna... no meu caso, são cinco euros!", ironiza a autora.

Na petição é reivindicado um limite de 5% do rendimento mensal do titular de contribuição para a Segurança Social e o desconto no ordenado do pagamento das pensões de alimentos a menores pelo progenitor pagante.

Seguir o exemplo de Blair

Na pesquisa que efectuou sobre outros países, esta mãe que vive com a filha, descobriu que no Reino Unido apenas é preciso apresentar "os rendimentos do ano anterior e as despesas do agregado familiar. Se a mãe ou pai que tem os filhos à sua guarda ficar desempregado, pode sempre pedir a revisão do apoio pedido com base na sua situação actual", refere esta mãe.

Neste país, um pai ou mãe que vivam sozinhos com os filhos podem pedir um apoio salarial. "Por mês, recebe o equivalente a 78 euros. O apoio directo aos filhos e por cada dependente até aos 20 anos são mais 62 euros. No total, 140 euros por mês, por ser uma família monoparental". Uma realidade introduzida pelo Governo trabalhista de Tony Blair, lembra ainda.

Em Portugal, "o abono de família fica-se pelos 30 euros mensais no escalão de menores rendimentos e não interessa se a criança vive com um ou com os dois progenitores", queixa-se Ana Pinho.

As medidas de apoio à família foram anunciadas por José Sócrates, no Parlamento a 31 Janeiro, num debate em que se soube que as famílias monoparentais são mais vulneráveis à pobreza e se estima serem mais de 100 mil crianças que vivem actualmente apenas com um dos pais.

O Governo disse que os apoios entrariam em vigor em Abril, mas o abono de 20% para as famílias monoparentais foi aprovado apenas há 10 dias.