29.3.08

O desemprego no espaço europeu

Susana Almeida Ribeiro, in Público Última Hora

Vidas vazias, precárias e a prazo


Chômage, Unemployment, Arbeitslosigkeit, Disoccupazione, Desemprego. Muda o idioma, mas o sentimento de marginalização e exclusão social que sente um desempregado é igual em todos os países. Um grupo de mulheres alemãs dá voz ao desespero. São um produto acabado da recessão económica e da falência da indústria. Dizem – enquanto aparam umas sebes – que, se pudessem, voltavam a construir “o Muro”. A milhares de quilómetros de distância, um cidadão inglês queixa-se do sentimento de inutilidade que lhe preenche os dias desde que perdeu o emprego, após 30 anos de trabalho. Agora afaga o cão e vê televisão, amargurado. Um alemão viu negada à sua mulher estrangeira a cidadania germânica porque ele próprio está desempregado.

Estas são algumas das histórias que a realizadora Catherine Pozzo di Borgo reuniu no documentário “Desemprego e Precariedade, a Europa vista pelos desfavorecidos”. O filme passou ontem à noite no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra – integrado na sessão “Para uma Outra Política Económica, Para uma Outra Europa, Para uma Europa Social”, organizada pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra- e foi comentado por economistas portugueses e por Henri Sterdyniak, do Observatório Francês das Conjunturas Económicas.

Reagindo às histórias de exclusão e precariedade, Sterdyniak resumiu que o documentário mostra o actual cenário de desemprego em massa existente na União Europeia. “Isto mostra a situação dos trabalhadores confrontados com um novo sistema de ‘workfare’, em vez do sistema de ‘social welfare’”.

O professor do observatório parisiense referia-se às mudanças operadas nos últimos anos no sistema de apoio aos desempregados. Os subsídios já não são para quem não faz mais nada a não ser estender a mão para o Estado-providência. Agora os subsídios são para quem esteja disposto a fazer formações ou a aceitar trabalhos precários. Neste aspecto, o documentário é muito claro. O estudo comparativo efectuado em quatro países — França, Grã-Bretanha, Bélgica e Alemanha – mostra que as últimas medidas, muitas delas organizadas a partir de Bruxelas, acabam por disseminar os trabalhos mal pagos e desadequados às qualificações do trabalhador. Mas é pegar ou largar. A contínua redução dos subsídios de desemprego, a redução do período durante o qual se tem direito ao subsídio, a obrigação de procurar activamente um emprego e a obrigatoriedade de aceitar um qualquer trabalho a um qualquer salário são práticas cada vez mais disseminadas nos diferentes Estados-membros.

Rostos vs números

O que este documentário (2003) faz é dar rosto a uma cada vez maior tentativa de liberalização dos despedimentos numa Europa onde se estima que existam cerca de 16,5 milhões de desempregados (dados do Eurostat relativos a Outubro de 2007). “O que impressiona [neste filme] é a propria perda de auto-estima por parte dos desempregados […] E isso é reflexo do modo de funcionamento da sociedade, que os afasta das mais valias que o sistema vai criando […] As pessoas sentem-se impotentes e desajustadas, sem ‘escada de saída’”, resumiu o engenheiro João Cravinho (Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, Londres) no final do filme.

A câmara de Catherine Pozzo di Borgo parou à porta de centros de emprego, tocou à campainha de homens de família desesperados e frequentou reuniões sindicais. Em concreto sobre as intervenções dos sindicatos, Cravinho considerou a sua acção “dúbia”. “Os próprios sindicatos estão feitos numa lógica de ‘dentro’ e ‘fora’. Por um lado temos os sindicatos com poder e por outro temos a ‘tropa de choque’. Os sindicalistas que aparecem no filme estão ‘fora’, são vistos como uma área marginal”. Uma coisa são os sindicatos de trabalhadores, outra são os agentes sociais que se vêem no filme que, de acordo com Cravinho, parecem trabalhar mais em nome pessoal que colectivo. Há um fosse enorme entre os dois. “É preciso sindicatos [que defendam os interesses dos desempregados] fortes”, sublinhou Cravinho, acrescentando que, sem eles, “os desempregados ficam sem protecção nem capacidade reivindicativa”. Referindo-se à realidade portuguesa, Cravinho indicou ainda: “Hoje, os sindicatos são organismos que defendem ‘aristocracias’ da classe trabalhadora. Os sindicatos falam do desemprego, mas não se empenham decisivamente na luta contra o desemprego como se empenham, por exemplo, na manutenção dos privilégios dos próprios sindicalizados”.

No que concerne às explicações que estão na base desta situação de desemprego em massa e desemprego de longa duração que afectam a União Europeia de um modo geral, o economista João Ferreira do Amaral (Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa) apresentou cinco causas: a insuficiência de procura de bens e serviços, a globalização e consequentes deslocalizações empresariais, as facilidades de aquisição de empresas e consequentes cortes maciços de pessoal, o progresso técnico e a obsolescência da qualificação, muitas vezes em consequência dos avanços tecnológicos.

A estas causas acrescente-se a contínua liberalização dos despedimentos, que João Ferreira do Amaral considera penosa porque o fenómeno “não incentiva a empresa a fornecer qualificação aos seus trabalhadores e reduz também a vontade destes em adquirir mais formação em empregos que consideram, a justo título, precário”. “A liberalização de despedimentos contribui, ainda, para uma redução relativa de salários, o que pode incentivar uma desvalorização da qualificação da mão-de-obra, perdendo-se assim competitividade”, lembra ainda Ferreira do Amaral.

”Flexisegurança é via que não deve ser excluída”

Para se combater o desemprego, é necessário que as economias sejam mais competitivas, sendo urgente, neste campo, encontrar um equilíbrio entre a flexibilidade de despedimentos e a valorização do trabalho. Numa sociedade onde a palavra flexisegurança faz o seu caminho, João Ferreira do Amaral indicou ao PÚBLICO que o conceito, apesar de ainda estar mal definido, poderá ser válido. “Ainda é prematuro nesta altura aplicar o que quer que seja, porque acho que ainda há muito a fazer, mas acho que é uma via que não deve ser excluída”.

A nível macroeconómico, a situação europeia também não ajuda as taxas de empregabilidade. “Uma perda sucessiva de competitividade das actividades da Zona Euro” – que continua sem correcção – “será extremamente gravosa”. “Seremos confrontados muito brevemente com o impacte negativo que tal situação irá ter no crescimento e no emprego na Europa. Poderá inclusivamente este impacto ser de tal dimensão que obrigue a Zona Euro a alterar significativamente as suas instituições”. “O que já se passou em termos de desvalorização do dólar é já muito penalizador para a economia europeia. Se a crise se agudizar, pode acontecer o Banco Central Europeu perder a sua independência”, alerta João Ferreira do Amaral.

No mesmo dia em que este documentário foi exibido para uma magra audiência conimbricense, alguns milhares de jovens trabalhadores desfilaram em Lisboa, entre o Rossio e a residência oficial do primeiro-ministro, em S. Bento, para chamar atenção do Governo para o elevado desemprego e precariedade e exigir mais estabilidade e respeito pelos seus direitos laborais.

Na marcha, promovida pela Interjovem (CGTP) no Dia Nacional da Juventude, os manifestantes gritaram palavras de ordem como "trabalho sim, desemprego não", "não somos descartáveis, queremos vínculos estáveis" e "precariedade é injusta, juventude está em luta".