30.3.08

Tráfico "foge" para o Cerco

Nuno Silva, in Jornal de Notícias

Traficantes e consumidores movimentam-se com aparente à-vontade no Cerco. Mesmo à luz do dia


Com o Aleixo permanentemente na mira da Polícia e perante a perda de influência do S. João de Deus no mapa da droga no Porto, muitos traficantes estão a transferir o "negócio" em força para o Bairro do Cerco. A tendência tem-se consolidado nos últimos tempos e o aglomerado habitacional é hoje um dos mais procurados por toxicodependentes oriundos de vários pontos da região, para desespero da população, que se queixa do aumento da insegurança.

Segundo o JN apurou junto de fontes policiais, os mentores da actividade - que se desenvolve com maior fulgor durante a noite, na rua ou a partir das habitações - não olham a meios para tentar iludir as autoridades. Chegam ao ponto de pagar a moradores, insuspeitos e sem antecedentes criminais, para guardarem a droga e servirem de "correios", ou seja, transportarem o estupefaciente até aos indivíduos que se dedicam à venda directa.

Exemplo prático deste procedimento foi a detenção, há dias, de uma mulher de 59 anos, doméstica e a quem não eram conhecidas ligações ao "ramo", que foi apanhada com heroína suficiente para mais de 7000 doses. Para levar a cabo aquela tarefa, a moradora, de baixa condição financeira, receberia um "salário" na ordem dos 500 euros mensais. A táctica passa, assim, pela escolha de pessoas, por vezes de idade avançada, de quem ninguém desconfiaria.

O panorama que está a marcar aquele bairro da freguesia de Campanhã tem levado a PSP a actuar. Não é por acaso que o Cerco foi o alvo, em finais do ano passado, de uma operação pioneira ao nível nacional. Pela primeira vez, cumprindo o disposto do novo Código de Processo Penal, a Divisão de Investigação Criminal da PSP do Porto realizou buscas domiciliárias durante a noite e a madrugada (anteriormente só eram permitidas até às 21 horas). Foram detidos dez suspeitos de tráfico.

Buscas à noite

O abanão não foi suficiente e alguns dos blocos do bairro continuam a ser cenário de compra e venda de drogas duras, sobretudo heroína e cocaína. Formam-se filas de toxicodependentes à porta de determinadas residências e movimentam-se milhares de euros. Os domingos, dias de feira semanal, também são de intensa actividade.

Fontes policiais contactadas pelo JN consideram "natural" o crescimento do tráfico no Cerco - e por arrasto no vizinho bairro do Ilhéu - tendo em conta o contexto actual, em que as atenções da Polícia estão mais voltadas para os bairros do Aleixo e do Dr. Nuno Pinheiro Torres, na zona ocidental da cidade.

"Com o policiamento intensivo daqueles bairros e as sucessivas operações, os traficantes sentem-se 'asfixiados' e têm de procurar outros locais", argumentou um elemento policial, sublinhando que as ligações familiares entre vários intervenientes também facilitam a "deslocalização". Ainda assim, o Cerco não atinge o patamar daquele que é considerado o grande ponto negro do tráfico o Aleixo. Ganhou preponderância por força do gradual apagamento do Bairro de S. João de Deus, consequência das demolições, despejos e megaoperações policiais de que foi alvo, desde 2001. Aquelas intervenções contribuíram, contudo, para uma dispersão de traficantes por outras zonas da cidade, principalmente o Cerco. "O 'Tarrafal' (assim é conhecido o S. João de Deus entre a população) acabou", reiterou um polícia.

Mais no centro do Porto, o Bairro da Sé também é ilustrativo da alteração das rotas da droga. A criação de equipas permanentes da PSP para patrulharem as ruas problemáticas conseguiu conter o fenómeno. Em contrapartida, originou o surgimento de pequenos focos na zona dos Guindais, junto às Fontainhas.