27.3.08

O paraíso…

Luís Filipe Malheiro, in Jornal da Madeira

O abandono escolar é outro factor incontornável para medir o risco de exposição infantil à pobreza, sabendo-se que os desníveis nas qualificações são a causa fulcral das desigualdades sociais. A este respeito, Portugal também está numa posição preocupante: a percentagem de jovens até os 24 anos com baixa educação secundária era de 39% em 2006 (ano lectivo de 2004-2005), a segunda pior de toda a União Europeia, a seguir a Malta. A taxa de abandono escolar baixou entretanto para valores da ordem dos 35%, mas, ainda assim, Portugal continua, neste campo, na cauda da União Europeia (…)”.

Li recentemente no DN de Lisboa, um texto da autoria de uma das suas mais conhecidas jornalistas, do qual — porque recuso aceitar a impunidade com que alguns políticos portugueses falam da realidade do nosso país e porque recuso aceitar que os portugueses possam, sejam em que circunstâncias for, deixar-se enganar pela teoria propagandística de que vivemos numa espécie de paraíso transladado para Portugal — destaco a seguinte passagem, porque reveladora de um quadro bastante negro que contrasta com a “banha-da-cobra” que nos andam a querer vender:

“Um recente relatório da Comissão Europeia diz que Portugal é o segundo país da UE onde o risco de pobreza infantil é maior. A subida do desemprego, o baixo nível de vida e a elevada taxa de abandono escolar são factores que explicam o retrato negro. Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o País da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação. O retrato negro consta do relatório conjunto sobre a protecção social e inclusão que é hoje apresentado em Bruxelas (Bélgica) e que deverá ser adoptado no dia 29 pelo Conselho de Ministros do Emprego e Segurança. O mesmo relatório permite concluir que a situação portuguesa nesta matéria não só piorou em termos absolutos face ao último balanço realizado sobre a matéria em 2005 (referente a rendimentos apurados em 2004) como também ficou mais isolada em termos comparativos. No balanço anterior, o nível de exposição à pobreza infantil em Portugal estava em 20% e alinhava com países como a Espanha, Irlanda e a Grécia, estando, ainda assim, abaixo dos níveis registados na Lituânia e na Polónia. Agora, de acordo com dados do novo relatório, o risco de pobreza infantil só é pior na Polónia, e já superou o patamar de 20%. Uma situação que está relacionada com a escalada do desemprego em Portugal. Enquanto em 2004, Portugal ainda apresentava das taxas de desemprego mais baixas de toda a União Europeia, nos últimos anos, a situação inverteu-se. Em Julho do ano passado, por exemplo, Portugal já era, a par de países como a Grécia, Polónia e Eslováquia, um dos três países com as mais elevadas taxas de desemprego, em torno dos 8,2%. O desemprego não é, no entanto, o único factor a explicar o crescimento do risco de exposição infantil à pobreza, que remete também para o baixo nível salarial praticado em Portugal, para a crescente precariedade do emprego ou para níveis mais baixos de transferências sociais. Nunca é demais lembrar que mais de 20% da população empregada tem actualmente contratos a prazo — que não garantem estabilidade de rendimentos — e que o salário mínimo não vai, este ano, além dos 426 euros. Em 2006, por exemplo, o salário médio nacional rondava os 712 euros. Isso mesmo é possível concluir do relatório conjunto sobre protecção social e inclusão, quando refere que o risco abrange tanto as crianças que vivem no seio de famílias desempregadas como as que vivem em lares onde os pais estão empregados. De acordo com dados do Eurostat de 2005, relativos a rendimentos de 2004, os trabalhadores portugueses são, juntamente com os polacos, os que apresentam a mais elevada taxa de risco de pobreza, em torno dos 14%, no seio da União Europeia. Ou porque os salários não são suficientes ou porque o emprego não é sustentável.

O abandono escolar é outro factor incontornável para medir o risco de exposição infantil à pobreza, sabendo-se que os desníveis nas qualificações são a causa fulcral das desigualdades sociais. A este respeito, Portugal também está numa posição preocupante: a percentagem de jovens até os 24 anos com baixa educação secundária era de 39% em 2006 (ano lectivo de 2004-2005), a segunda pior de toda a União Europeia, a seguir a Malta. A taxa de abandono escolar baixou entretanto para valores da ordem dos 35%, mas, ainda assim, Portugal continua, neste campo, na cauda da União Europeia (…)”. E já agora, que falamos de paraísos:

“Um recente estudo de uma gestora de fundos de pensões e que geria no fim de 2006 quase 210 mil milhões de euros de activos, revelou que os portugueses são os europeus que menos apostam nas aplicações financeiras para complementar a reforma do Estado. Por exemplo, “na Suécia 79% dos inquiridos já começaram a investir para complementar a reforma oficial, na Alemanha 77%, na Áustria 75%, na Suíça 72% e na Holanda 71%. No outro extremo está a Europa do Sul, onde apenas 25% dos portugueses, 34% dos italianos, 37% dos espanhóis e 40% dos franceses já começaram a investir para complementar a pensão futura”. Diz ainda a notícia que, “no caso dos trabalhadores activos com menos de 35 anos, os portugueses que já iniciaram aplicações para complementar a reforma são apenas 18%, ligeiramente abaixo dos 20% de espanhóis, mas as percentagens elevam-se a 77% na Alemanha e 75% na Áustria, indica o estudo. Apesar disso, quatro em cada cinco portugueses inquiridos afirma que a preparação financeira da reforma é algo que todos têm de fazer, ainda que apenas 47% já a tenha iniciado ou esteja a planear começar no futuro. As razões para os inquiridos não terem começado a investir para complementar a reforma são a falta de dinheiro (56%), estar confuso (12%), não precisar (20%) e não estar preocupado (34%)”.