24.3.08

Terrenos desocupados são hortas para combater crise

Nuno Martins, in Jornal de Notícias

Para muitos, couves, batatas e outros produtos que cultivam são a forma de subsistir


Para sobreviver ou ocupar o tempo, são muitos os lisboetas que trabalham, faça chuva ou sol, as hortas improvisadas avistadas em vários pedaços de terreno perto de estradas e vias rápidas de Lisboa.

Na sua maioria reformados ou desempregados, são muitos os que cultivam estes terrenos desocupados na esperança de colher algo da terra que os ajude a sobreviver.

Descendo por umas pequenas escadas improvisadas com pedaços de madeira, encontramos perto do bairro do Zambujal, junto à CRIL, muitas hortas com muitos destes "agricultores de cidade", que não se deixaram demover do trabalho por chuva e vento que se faziam sentir. Luísa Cardoso, de 58 anos, desempregada depois de mais de 35 anos de trabalho em várias fábricas que "foram fechando", por não ter idade para se reformar trabalha todos os dias sozinha na sua horta.

"Se tivesse trabalho não me importava com isto, mas como só recebo 150 euros de pensão pelo falecimento do meu marido isto é a minha sorte, senão morria à fome", disse à Lusa.

Apesar da vida difícil, Luísa Cardoso explica com um sorriso na cara como planta couves, batatas, tomates entre outras vegetais, já que outros foram destruídos pelo mau tempo que se fez sentir há algumas semanas.

"Estou aqui há mais de 30 anos. Antes ainda tinha a ajuda do meu marido, mas agora tenho de fazer isto sozinha porque os meus filhos têm a vida deles", declara enquanto mostra como rega a sua horta.

António Jesus Teixeira, um motorista reformado de 66 anos, afirma por sua vez que tratar da sua horta "é mais para passar o tempo", mas não esconde que "é uma grande ajuda".

Ladrões de ocasião

Apesar de todas as queixas sobre o impacto visual ou por qualquer outra razão, muitos destes agricultores sofrem muitas vezes com ladrões de ocasião, que se aproveitam do seu trabalho para "levar uns legumezinhos para casa".

Os terrenos são públicos, os seus trabalhadores moram todos em prédios perto dos mesmos, tendo como única restrição não poderem ter barracas fechadas.

"Nunca nos chatearam por estarmos aqui a plantar as nossas coisinhas. De vez em quando vêm aqui os militares do quartel para verem se há barracas fechadas, mais nada", explicou Fernando Catarino, de 67 anos, também ele um motorista reformado, com uma horta numa encosta das Olaias.

Agricultor no Alentejo antes de vir para Lisboa trabalhar, Fernando Catarino passa as suas manhãs a tratar da sua horta, localizada como muitas outras num terreno pertencente a um quartel militar nas Olaias.

"As pessoas foram chegando e ocupando um espaço que estivesse livre e vimos para aqui cultivar para ver se tiramos daqui alguma coisa para comer em casa", explicou.

No entanto, existem "alguns espertinhos que moram nos prédios em frente", que de quando em vez passam pelas hortas de noite e levam para casa "algumas cebolas, tomates ou couves".

Tirando estes, "o pessoal das hortas dá-se todo bem", confessa.

Na maioria, estas hortas são cultivadas em terrenos públicos desocupados há várias décadas por moradores da zona, sendo que muitos destes se localizam junto a estradas ou vias rápidas da cidade.

Apesar da sua localização, nenhum dos agricultores que falaram com a Lusa demonstrou preocupação com os alimentos, explicando que os vegetais que tiram dessas terras, todos eles para consumo próprio, não têm qualquer problema.