19.3.08

Pai de etnia cigana perde luta pela custódia da filha após seis anos nos tribunais

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

De acordo com a tradição cigana, mulher separada que refaz vida amorosa perde direito aos filhos


Foram anos de uma luta se não inédita, pelo menos raríssima. Um jovem de etnia cigana rompeu o costume de entregar às famílias a resolução de conflitos e recorreu ao tribunal para requerer a custódia da filha. De nada lhe serviu invocar a "lei" cigana, que proíbe o padrasto de viver debaixo do mesmo tecto da enteada. Os usos e costumes de uma etnia, "por mais respeitáveis que sejam, não se sobrepõem à lei [nacional], e, neste particular, ao superior interesse da criança", avisou o Tribunal da Relação de Coimbra.

Cristiana Fernandes e Sandro Gaudêncio não eram feitos um para o outro. A relação durou pouco mais de um ano. A rapariga queixava-se dos sogros. No início de 2000, os pais foram buscá-la - a ela e à criança de dois meses. Quando, em 2002, ela refez a sua vida amorosa, ele tentou recuperar a filha. Primeiro, socorreu-se dos costumes: pediu a dois "homens mais velhos, respeitados" que a procurassem e a incentivassem a cumprir a tradição. Depois, virou-se para a legislação nacional e descobriu "tudo": a criança fora registada pelos avós.

Revoltado, iniciou o processo destinado a declarar a nulidade do assento de nascimento. Três anos depois, o Tribunal da Guarda cancelou o falso registo. Sandro registou logo a filha, Cristiana não. Como tardava, ele requereu a entrega judicial da filha. Avançou, depois, para a regulação de poder paternal.

Os três relatórios sociais aduzidos ao processo mencionavam uma criança bem integrada e apontavam no sentido de a manter com a família materna e de lhe garantir um contacto assíduo com o pai. Bianca "tem vivido com a mãe, os avós e os tios praticamente desde que nasceu. Actualmente, além de coabitar com os avós, convive diariamente com a mãe, passando alguns dias na sua companhia", atesta o relatório sobre a progenitora (Novembro de 2006). Três meses antes, o dedicado aos avós mencionava três dias por semana.

Quando o Tribunal da Guarda atribuiu o poder paternal à mãe, o pai recorreu para a Relação. Para Sandro, não tem sentido atribuir a guarda à mãe porquanto, precisamente por a tradição cigana proibir o padrasto de morar com a enteada, a criança mora com os avós e a mãe não tem condições para a manter.

A Relação não detecta, todavia, qualquer contradição entre o que atestaram os técnicos do Instituto de Reinserção Social e o que a primeira instância julgou como provado: os avós funcionam como retaguarda. Rejeitando o argumento da tradição, considera também que "não se mostra desajustada ao interesse da menor a circunstância de a sua mãe ter um companheiro com quem tem dois filhos, formando uma família estruturada, nada se apontando de negativo quanto ao relacionamento daquele com a menor". No "interesse" da criança, optou por privilegiar a "estabilidade dos seus vínculos afectivos e das suas rotinas diárias" .