30.3.08

Dois mil reformados marcharam em Lisboa contra a penúria e o esquecimento

José Bento Amaro, in Jornal Público

Seriam cerca de dois milhares, dos mais antigos e fiéis militantes comunistas. Vieram dizer a Sócrates que querem melhor vida


Borda d"Água veio ontem a Lisboa porque quer andar de ambulância. Este reformado das imediações de Évora quer andar de ambulância, porque, há cerca de 20 anos, surgiram-lhe diabetes. Mais recentemente, em consequência da doença, amputaram-lhe "vários dedos dos pés". Depois, o Estado retirou-lhe a possibilidade de se deslocar ao hospital de ambulância. Para fazer os tratamentos, diz, tem que viajar de comboio e a gare mais próxima de sua casa fica a 24 quilómetros. Esta é a justificação de Borda d"Água para ter integrado uma manifestação na capital que juntou ontem cerca de dois mil reformados e pensionistas de todo o país.

Curto, mas simbólico e animado. Assim foi o trajecto que os manifestantes fizeram. Talvez não chegue a um quilómetro a distância a percorrer entre a Praça do Comércio e a Praça da Figueira, mas muitos idosos arrastaram-se no percurso. Esfalfaram-se a soprar apitos e a gritar palavras de ordem como "Ò Rosa arredonda a saia/ Ò Rosa arredonda-a bem/ Ò Sócrates vai-te embora/ que não interessas a ninguém".

O simbolismo ficou expresso nas cores das bandeiras transportadas: as brancas, em sinal de paz, as negras, marca do luto que atribuem à situação económica e social do país, e as vermelhas, a cor eterna do Partido Comunista, mentor do protesto.

Por fim, a animação expressou-se de muitas maneiras, fosse através de uma banda a abrir o desfile e a tocar modinhas populares (as palavras de ordem contra o Governo só pararam quando os músicos fizeram soar os acordes do Aperta com ela, de José Malhoa), fosse pelas beijocas do mulherio que, na esquina da Rua da Prata com a Rua de Santa Justa, extasiaram quando avistaram o sempre glamoroso "querido camarada Jerónimo".

Beijado e abraçado até ao tutano, Jerónimo de Sousa lá conseguiu arranjar espaço para explicar à imprensa que a sua presença no desfile foi uma forma de demonstrar solidariedade por uma faixa etária da população "apostada em mostrar que não se limita a votar de quatro em quatro anos", mas que também "sabe dizer que não está contente com o agravamento das condições sociais, com a degradação do sistema de saúde e o valor das reformas". "É preciso não esquecer que os reformados são um terço dos pobres existentes no país", sublinhou o dirigente comunista.