31.8.17

Há uma preferência “óbvia” dos senhorios em arrendarem casa a brancos

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

A segregação aumentou na área de Lisboa. Arrendar casa também está mais caro. O PÚBLICO fez um exercício de “testing”: três dos cinco supostos senhorios não trataram clientes de forma igual.

O apartamento é no Parque das Nações, uma das zonas reabilitadas de Lisboa. Do outro lado do telefone, a mediadora dá as informações necessárias a Mamadou Ba, senegalês com nacionalidade portuguesa que tem ligeiro sotaque africano. Mostra-se simpática e prestável. Marca a visita para dois dias depois, ao final do dia. Diz que irá enviar um SMS com a morada e confirmação. Mas não o faz.
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De seguida, o repórter de vídeo do PÚBLICO, com nome português e sotaque lisboeta, liga para o mesmo número: a morada é dada por telefone, a visita é confirmada para a mesma hora em que supostamente Mamadou Ba iria vê-lo.
“Onde está o direito a uma habitação condigna?”
“Onde está o direito a uma habitação condigna?”

O telefonema seguinte é para uma casa na Cruz Quebrada. A morada que ficou de ser enviada por SMS por uma senhora igualmente simpática para Mamadou Ba não chega a ser enviada. Já em sequência de contacto para o mesmo anúncio, o endereço é dado na conversa ao PÚBLICO.

Noutro caso, vem SMS a devolver um telefonema feito uma hora antes: “Não podia atender. Se é por causa de um T3 nas Olaias posso mostrar amanhã.” Resposta: “Sim, a que horas? Pode ser às 13h?” Assinado: Mamadou Ba. Silêncio total, até hoje.

O mais flagrante é a resposta a um anúncio na Amadora. Quando Mamadou Ba liga, o senhorio diz logo que o apartamento já está reservado. Mamadou Ba pergunta se a reserva é definitiva; ele responde que só no domingo saberá. Mamadou Ba deixa-lhe o seu número pedindo para lhe ligar se a casa voltar a ficar disponível. Não recebeu qualquer contacto.

Minutos depois, o PÚBLICO faz a chamada para o mesmo número e todas as informações são fornecidas sem nunca referir que está apalavrado com alguém. Fica marcada uma visita para o dia seguinte. “Vou lá ao fim da tarde mostrar a outra pessoa”, diz o senhor. “Isso quer dizer que há um acordo com alguém?”, pergunta o PÚBLICO. “A casa já foi mostrada e há pessoas interessadas, mas não têm condições para arrendar. Ainda não tenho nada de concreto”.

Só em dois dos cinco telefonemas feitos procurando o mesmo tipo de casa para quatro pessoas é que Mamadou Ba e o PÚBLICO foram tratados da mesma forma.
Testing devia servir de prova

Os episódios não são muito diferentes daqueles pelos quais Mamadou Ba passou nos últimos meses. Em Fevereiro, quando se pôs a procurar casa na linha de Sintra e em Lisboa, não pensou que fosse tão difícil. Mesmo estando habituado a ouvir relatos de discriminação que lhe chegam através da associação SOS Racismo, da qual faz parte.

Funcionário da Assembleia da República, com contrato de trabalho e com fiador, licenciado, classe média, Mamadou Ba tinha as garantias exigidas. Só há semanas, depois de visitas frequentes e buscas diárias, é que conseguiu finalmente arrendar casa - e a uma pessoa que já conhecia.
Helena Roseta: “Ser pobre é muito mais difícil para negros”
Helena Roseta: “Ser pobre é muito mais difícil para negros”

“As visitas ou não se concretizavam ou reconheciam o sotaque e diziam que estava arrendada. Ou então marcavam para a semana seguinte e quando ligava já estava arrendada. Nunca ninguém me disse que não arrendava a casa por eu ser negro. Mas isso era óbvio...”, conta.

Como ficou visível no exercício que o PÚBLICO propôs, muitas vezes a discriminação não é directa. “Coloco o que aconteceu no padrão do racismo envergonhado”, diz. Depois há “pessoas abertamente racistas como no caso da Amadora, até pelo tom e pela forma como falou comigo, pela desconfiança que manifestou”.

O racismo no acesso a habitação não é simples de provar. Porém, a preferência de um senhorio em relação a alguém que ele supõe ser branco “é óbvia”, diz. Por isso este tipo de “testing” deveria servir como prova nos processos por discriminação.

Entre 2005 e 2015, apenas 13% dos 225 Processos de Contraordenação instaurados pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial foram por causa de habitação - mais de 21% das queixas eram de racismo contra negros. A Helena Roseta, deputada e presidente do grupo de trabalho da Assembleia da República sobre a habitação, chegam várias queixas de pessoas que não conseguem arrendar casas.

Este exercício é “um micro exemplo” do que se passa “no quotidiano de milhares de pessoas”, analisa. Se fizéssemos o teste com frequência, em vários sítios e segmentos, “nomeadamente zonas de classe média e média alta”, iríamos constatar “que o trato pode ser diferente, mas o padrão mantém-se”, acredita Mamadou Ba. O que está em causa é que, “sendo negro, as pessoas duvidam da capacidade para arrendar casa”.

Estes entraves fazem com que muita gente tenha uma enorme dificuldade em arrendar casa no circuito tradicional. Quando se fala de uma população com trabalhos precários, as barreiras ainda são maiores: quem não tem recibo de vencimento ou fiador dificilmente consegue que lhe assinem um contrato de arrendamento (ver textos complementares a este).
Segregação e aumento de rendas

Saindo do centro de Lisboa, começamos a ver a paisagem populacional a mudar. No comboio para a linha de Sintra, para a Amadora, nas camionetas para Loures, nos transportes para o outro lado do rio Tejo a população negra é mais expressiva.
PÚBLICO -
Aumentar

Também aumentam as construções em blocos, todas iguais, também se nota a ausência de espaços de lazer, com parques infantis e zonas arborizadas, também escasseiam os investimentos em obras como centros culturais, cinemas ou museus.

Há um desinvestimento dos poderes públicos nestas zonas, em contraste com espaços de lazer e jardins no centro, por exemplo.

A segregação residencial de base étnica — ou seja, a concentração de determinado grupo étnico-racial numa área urbana onde os outros grupos estão pouco presentes — diminui na grande Lisboa de 1991 até 2001.

Mas, desde então, tem aumentado, mostram estudos exploratórios do geógrafo Jorge Malheiros, do CEG-IGOT da Universidade de Lisboa. Especificamente em relação aos cidadãos dos PALOP, a segregação subiu 3,3 pontos numa escala de 0 a 100, em que 100 seria a homogeneidade e isolamento geográfico total nos bairros onde o grupo analisado reside. Passou de 35,7 em 2001 para quase 40 em 2011 valor que traduz níveis de segregação relevantes quando se usa como referência cidades europeias, analisa Malheiros.

Com a crise, esta tendência de subida deverá manter-se por causa do aumento dos preços da habitação. “Significa que grupos de menor rendimento só têm acesso a áreas onde a renda é menor.” As rendas na Área Metropolitana de Lisboa aumentaram 33,5% entre 2013 e 2015, mostra a pesquisa do autor.
Bairro influencia saúde e educação

Em Portugal, admite, se existissem dados étnico-raciais — razão pelo qual não se pode aferir desigualdades raciais em várias áreas como a habitação — seria possível encontrar níveis de segregação mais altos. Isto porque é evidente a sobre-representação da população africana nos bairros degradados e de habitação social. “Significa que as oportunidades residenciais destes grupos têm sido mais reduzidas e foram-se prolongando no tempo situações que resultaram numa imobilidade residencial.”

Num estudo do Observatório das Migrações de 2014 que usa dados do último Censos, mostra-se que a percentagem de portugueses proprietários de casas é de 75%, comparando com os 35% de cidadãos de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Há também “a sobre representação dos imigrantes em alojamentos precários, sobrelotados, sem infraestruturas básicas e localizadas em bairros degradados e estigmatizados”, acrescenta o documento. O estudo mostra ainda que os cidadãos dos PALOP residem 7,5 vezes mais do que os portugueses em alojamentos não clássicos, metade em barracas, a outra metade em alojamentos improvisados.

Até aos anos 1980, os imigrantes e migrantes portugueses instalaram-se na periferia. Com o alargamento da cidade e do crédito à habitação, o subúrbio expandiu-se e assim a habitação formal mais barata.

Quando se instalam, as populações imigrantes são “empurradas” para as margens de Lisboa, indo morar junto das indústrias, lembra o investigador em Estudos Urbanos António Brito Guterres. “Na maior parte dos casos, eram os municípios que definiam onde é que essas pessoas podiam ir morar. E é preciso não esquecer que todas as políticas públicas em Portugal estão orientadas espacialmente: se mora neste bairro, anda naquela escola e vai àquele centro de saúde. Isso define muita coisa na vida das pessoas.”

“Onde está o direito a uma habitação condigna?”

Joana Gorjão Henriques,in Público on-line

O Bairro da Torre, em Loures, uniu-se a outros bairros numa Assembleia que exige direito à habitação condigna.

Há um monte de lixo, há meses, no final do bairro da Torre, em Loures. Quando chove, a água escorre com resíduos pela ladeira. Tem pneus, entulho, restos de móveis que foram sendo acumulados durante anos. Ao longe, vê-se a Ponte Vasco da Gama.
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Por fora, as casas parecem castelos de cartas prontas a desabar: a construção é frágil. De vez em quando ouvem-se os aviões a aterrar ou a descolar. Estamos colados ao aeroporto de Lisboa, onde chegam milhões de passageiros todos os meses.

O café-restaurante de Ricardina Cuthbert, da associação de moradores, tem chão de azulejos beges, paredes pintadas de vermelho até metade e uma televisão pendurada, o que dá a sensação de estarmos dentro de um apartamento em qualquer prédio.

Na Torre não há electricidade desde Outubro de 2016 e parte da população não tem sequer água potável. Vivem cerca de 70 famílias, dezenas delas são crianças, segundo Ricardina, muitos vindos de São Tomé e Príncipe, outra parte ciganos. Estão “ensanduichados” por contentores.

Depois de ter ido a este bairro em Dezembro, a relatora para a habitação da Organização das Nações Unidas, Leilani Farha, disse que tinha visto “condições deploráveis” em Portugal.

Ricardina Cuthbert usa o gerador próprio e pelo qual paga entre cinco a dez euros por dia em combustível. A Câmara Municipal de Loures chegou a colocar lá dois geradores comunitários, mas o combustível é uma despesa muito grande para os moradores, explica.

Com 43 anos, desempregada, ela tem quatro filhos, dos 23 anos ao ano e meio. Decidiu que o rapaz ia estudar fora daquela área, em Alvalade, para “alargar horizontes”. Chegou ao bairro em 1998 e foi assistindo a demolições. Os seus pais foram eles, próprios, realojados em Fetais, pagando renda, ao abrigo do Programa Especial de Realojamento (PER), criado em 1993 para acabar com as barracas na grande Lisboa e Porto. Como chegou depois, Ricardina não teve direito a realojamento.

Por agora, está fora de questão alugar uma casa no mercado: não tem condições, e vive das receitas do café-restaurante. “A câmara diz que não tem casas para realojar as pessoas. Estamos à espera de uma nova política da habitação.”

Na sala de estar, luminosa, decidiram colocar uma segunda parede de madeira para proteger da humidade, pois as crianças andavam sempre doentes. Ricardina critica a forma como o bairro foi abandonado. “Isto tem a ver com racismo. Se houvesse mais famílias portuguesas tratavam-nos de maneira diferente. Somos imigrantes, pretos e ciganos. Portugal ainda não nos dá valor como gente.”

Ela organiza eventos na associação. Vai enviando comunicados aos media a protestar pela situação precária em que vive, “praticamente no meio do lixo”. Os moradores da Torre organizaram-se com três outros bairros — Quinta da Fonte, em Loures (ver texto ao lado), 6 de Maio, na Amadora, e Jamaica, no Seixal — para exigirem melhores condições de habitação. “As pessoas a viverem nestas condições é um bocadinho vergonha para a Europa”, diz.

“Se criaram a liberdade, ela é para ser cumprida. Fazem as leis para pôr numa gaveta? Existem leis, direito a uma habitação condigna. Onde é que está esse direito?” É de uma geração com uma postura diferente da dos seus pais. A mãe, Maria, 74 anos, a assistir à conversa na sala de estar, concorda: “A minha filha, os meus netos têm a coragem que eu não tinha.”

Ricardina diz ter a sensação que querem que ela desista e volte para São Tomé. Era isso que faria se não tivesse filhos, garante. “Os portugueses vão para São Tomé e têm lá bairros inteiros com melhores condições que as nossas casas. São lá muito bem recebidos, e nós aqui somos mal tratados. Temos que mudar isso. Uma vez na Assembleia da República disse: ‘Mandem-nos para a nossa terra, mas dêem-nos as casas que os portugueses têm lá. Vamos trocar.’”

A Câmara de Loures diz que tem insistido junto das entidades competentes — o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (responsável pelo PER e habitação social), ANA (proprietária do terreno), e EDP — para se encontrar resposta definitiva para o problema de habitação do Bairro da Torre. “O IHRU deve providenciar habitações condignas. A ANA, proprietária do terreno, deve assumir as responsabilidades de tal facto. A EDP deve colocar quadros em cada uma das barracas até à resolução do problema”, afirma. A autarquia refere que realojou sete famílias e está a recuperar fogos para realojar mais 12.

A série Racismo à Portuguesa começou com um trabalho sobre o sistema judicial português. Ao longo das próximas semanas, ao sábado, iremos publicar artigos sobre como se manifestam as desigualdades raciais em Portugal em diversas áreas, da habitação, ao emprego ou à educação.

Falámos com procuradores, advogados, professores, activistas, investigadores, artistas. Analisámos estatísticas, recolhemos testemunhos de quem se sente vítima de diversas formas de racismo, cerca de 50 pessoas de várias classes sociais. Encerramos com uma reflexão sobre as marcas do colonialismo em Portugal.

Esta é, assim, a segunda parte da série Racismo em Português com reportagens sobre o colonialismo em África. Centra-se, por isso, no racismo contra os negros.

'eSolidar para empresas': Uma nova plataforma de responsabilidade social

in Notícias ao Minuto

A 'Business eSolidar', lançada pela startup de Braga com presença internacional eSolidar, trata-se uma ferramenta que e permite aos funcionários de uma empresa maximizar e analisar o impacto social, pois permite que possam partilhar e até sugerir ideias para apoios sociais.

Através da plataforma, a empresa pode compensar os funcionários com cartões presente para usarem em causas sociais em que acreditem, podem criar leilões solidários, campanhas de crowdfunding ou uma ‘bolsa de necessidades’ para fazer donativos, angariação de bens ou que permita aos funcionários inscreverem-se para voluntariado em instituições de caridade locais.

A empresa só precisa de se registar no site, convidar os funcionários para integrarem a plataforma e fica assim com uma solução de ajuda social.

16.8.17

Tomam banho depressa, enterram lixo orgânico, partilham carro eléctrico

Cristina Pereira, in Público on-line

Ele desenvolve protótipos de carros ecológicos, ela ajuda a construir cidadania. Antónia e Miguel Ângelo Silvestre ensinam os filhos a respeitar o planeta com o exemplo que lhes dão em casa, na Covilhã. Primeira de uma série de cinco reportagens sobre famílias com estilos de vidas mais sustentáveis.

Um emaranhado de ervas aromáticas numa varanda. Uma linha de recipientes para a separação de resíduos na outra. Regador no chuveiro (a primeira água fria serve para as plantas, o aquário, o balde da esfregona). Garrafa dentro do autoclismo (para dosear as descargas de água na sanita). Todo o apartamento da família Silvestre denuncia preocupação com o ambiente.
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Conheceram-se muito novos. Frequentavam a Universidade da Beira Interior (UBI). Miguel Ângelo saíra de Loulé para integrar uma turma de Engenharia Aeronáutica. E Antónia saíra de Amarante para integrar uma turma de Sociologia. Decidiram fazer vida no Centro, ali mesmo, na Covilhã.

Contam 44 anos. Ele é investigador/professor no Departamento de Ciências Aeroespaciais. Anda entusiasmado com o desenvolvimento de protótipos de carros ecológicos. Ainda em Maio, a sua equipa participou numa prova internacional, a Shell Eco Marathon Europe 2017, no Parque Olímpico Queen Elizabeth, em Londres, e obteve um 11.º lugar. E ela é técnica da CooLabora, uma cooperativa de consultoria e intervenção social. Anda entusiasmada com a construção de cidadania.

Ainda estudantes, já se inquietavam com os destinos do planeta. Liam com avidez a revista Fórum Ambiente (1994/2003). Começaram a separar o lixo antes de a cidade estar preparada para isso. A caminho de um dos seus primeiros empregos, na Adesgar - Associação de Defesa e Desenvolvimento da Serra da Gardunha, Antónia parava no Fundão para deixar tudo no ecoponto.

Procuram transmitir este modo de estar no planeta à descendência. Têm duas filhas (Carolina, uma estudante de Medicina de 21 anos, e Beatriz, uma estudante de Engenharia Aeronáutica, de 18 anos) e um filho (Henrique, de oito anos, que quer ser geólogo ou arqueólogo, ainda não sabe muito bem). “Fazemos uma educação informal em casa”, diz Antónia. “Eles aprendem com o exemplo.”
“Beatriz, dois minutos!”

O rapaz ainda é pequeno, mas não lhes passa pela cabeça que as raparigas sejam capazes de deixar a água a escorrer enquanto esfregam os dentes ou a cabeça. “E não acredito que alguma delas conceba não fazer separação de lixos”, comenta Antónia, enquanto prepara uma limonada. Não é tudo favas contadas. A hora do banho nem sempre é pacífica. Amiúde, Antónia dá por ela a notificar: “Beatriz, dois minutos!” E a rapariga reage: “Tenho o cabelo muito comprido!” O uso do secador é outra luta. Beatriz tem cabelo ondulado e gosta de o esticar.

Beatriz, a rapariga de que agora se fala, não está neste confortável dúplex. Está na universidade, às voltas com um projecto. Carolina também não. Está a fazer um intercâmbio no estrangeiro. E Henrique não está para conversas, depois de um dia inteiro num workshop de filosofia infantil. Está enterrado no sofá da sala com o comando na mão. Os detalhes destinados a reduzir a pegada ecológica, esses, estão por todo o lado. Painéis solares no telhado. Lâmpadas de LED nos tectos. Um pequeno recipiente preto para lixo orgânico na banca da cozinha….

Quando o balde preto está cheio, é despejado num bidão metálico, que fica na varanda – junto ao recipiente para o plástico, o recipiente para o vidro, o recipiente para o papel. Uma vez por semana, Miguel Ângelo leva-o para um terreno agrícola, que têm a 10 quilómetros da cidade. Foi uma aprendizagem. Começaram por usar uma vasilha de plástico. “Volta e meia, estava partida”, diz ele.

Não era só a fragilidade da vasilha. Alternavam camadas de lixo orgânico com camadas de folhagem ou de terra. No Inverno, nada a dizer. O processo de decomposição tarda. No Verão, depressa sentiam os cheiros e os mosquitos. Desde que descobriram o bidão de inox, esses problemas acabaram.

As temperaturas podem ser extremas nas faldas da Serra da Estrela. Uma brasa capaz de pôr a água a escaldar no Verão, um frio capaz de a fazer gelar no Inverno. E o aquecimento central não se liga, aqui dentro, a não ser quando Antónia, Miguel Ângelo e os três filhos regressam das férias do Natal.

No Verão, quem chega primeiro, abre as janelas para deixar a casa arejar um pouco. No Inverno, quem chega primeiro acende o fogão a lenha que está num canto da cozinha e a lareira que está encrustada numa parede da sala para a aquecer. Do fogão sai uma tubagem que sobe pelas paredes.

Um carro eléctrico para todos

O lixo orgânico, que Miguel leva do apartamento para o terreno, serve para fertilizar a terra. “Plantamos coisas, nada de muito a sério”, admite ele. “São pequenas experiências. Temos posto árvores que têm vingado. Ameixeiras, pessegueiros, damasqueiros, macieiras, cerejeiras, medronheiros, aveleiras, pinheiros-mansos.”

Gostavam de plantar mais. “Fizemos algumas experiências e abandonámos”, recorda Antónia. “Púnhamos tomates, pimentos, fazíamos camas elevadas, saíamos e a produção ficava ao abandono. Sair no Verão, porque não temos a nossa família cá, implica deixarmos à sede aquilo que semeamos.”

De onde vem este modo de estar? “Tenho alguma influência dos meus pais”, responde Miguel Ângelo. “Eram os dois professores, mas andavam sempre preocupados com o facto de o país estar a desprezar o sector primário. Tanto que estão reformados e dedicaram-se à agricultura. Retiram boa parte da alimentação deles da terra, o que é um luxo, porque o que eles produzem não tem químicos.” Antónia, por sua vez, tem um passado rural. “Em família, fazíamos produção agrícola. Era uma alegria participar nas vindimas ou na colheita da batata. Era um convívio.”

Um dia, hão-de mudar-se para os doze hectares que compraram há 15 anos. O seu sonho é transformar aquele lugar num exemplo de vida sustentável. Para já, grassa mato entre as árvores. “As coisas arrastam-se e, com três filhos, o dinheiro não estica”, comenta Antónia. Não é só o dinheiro. “É a dez quilómetros da cidade. Não tem vizinhos. Há sempre aquele receio. Às vezes, afasto-me. Ficaria a Antónia sozinha”, diz Miguel Ângelo. “Se houvesse um incêndio ali, tínhamos dificuldade em sair”, torna Antónia. “Temos alguns receios, mas também temos muita vontade de sair do apartamento e de estar em nossa casa, de fazer investidas na agricultura”.

Olham para aquele terreno como uma aposta no futuro. Muitas vezes, quando estão sentados à mesa, discutem o curso da economia, o fim do emprego tal como o conhecemos, as implicações de um aumento súbito e expressivo do preço do petróleo, a necessidade de se encontrarem formas de vidas mais sustentáveis.

Evitam comprar alimentos embalados. Vão ao mercado municipal, com os seus sacos reutilizáveis, comprar frutas, legumes, carne, ovos, queijos e enchidos aos produtores locais. Fazem o seu próprio pão à moda alentejana. Usam as frutas excedentes para fazer compotas, geleias e gelados. Esforçam-se para partilhar o carro eléctrico. E isso, admite Antónia, gera algum stress.

De manhã, Miguel Ângelo vai ao volante, deixa o filho, Henrique, na escola/ATL, e Antónia nas instalações da CooLabora e segue para a UBI com Beatriz. Por regra, almoçam em casa, o que obriga Antónia, a quem cabe maior quota de cozinha na divisão de tarefas domésticas, a deixar as refeições adiantadas na véspera. De tarde, Antónia vai ao volante, deixa Henrique na escola/ATL, Miguel e Beatriz na UBI e segue para um projecto que funciona em Tortosendo, a sete quilómetros da cidade. Havendo bom tempo, Miguel vai amiúde trabalhar de bicicleta. São dois quilómetros e meio que exigem alguma preparação física. A Covilhã é uma encosta de ruas e ruelas inclinadas.

Têm um carro a combustão, mas esse pouco anda durante a semana. Compraram um carro eléctrico em Fevereiro. “Talvez tenha sido um bocadinho cedo demais, porque o eléctrino neste momento é que está a começar a ser ponderável”, refere Miguel. E não para quem vai longe. “Faz 60 a 70 quilómetros por dia, não pode fazer uma viagem, mas como carro para o dia-a-dia é excelente."

As grandes marcas estão a preparar-se. Os políticos sentem-se cada vez mais pressionados para banir os carros a gasolina e a gasóleo, cujas emissões contêm partículas poluentes relacionadas com vários problemas de saúde. Um relatório divulgado em Junho pela Agência Internacional de Energia indicia que a mudança está a acontecer: “O stock global de carros eléctricos, composto principalmente por veículos eléctricos a bateria e veículos eléctricos híbridos, superou 2 milhões de unidades em 2016. Isto representa um aumento de 60% em relação a 2015”.

Miguel Ângelo está convencido de que a tendência será para “manter o preço e fazer baterias maiores”. E que dentro de poucos anos se vulgarizarão baterias com uma autonomia de 300 quilómetros. “É tão mais barato andar com o eléctrico. Não chega a um euro e meio aos 100 quilómetros.”

O desenvolvimento de protótipos ecológicos empolgam-no. Da equipa que coordena fazem parte alunos dos vários anos do Mestrado Integrado de Engenharia Aeronáutica. Trabalham na electrónica, no motor, nos sistemas de travagem, na construção do protótipo. O aluno que desenvolveu o motor eléctrico que levaram a Londres deve prosseguir o trabalho com bolsa de doutoramento. Nas quatro corridas de 39 minutos, chegou a obter um resultado de 371,7km kilowatt-hora (kWh). São 371,7km por 16 cêntimos, o preço médio por kWh praticado em Portugal.

Construir cidadãos activos

A luta de Antónia trava-se noutra frente. Faz-se a partir do Quero Saber +, um projecto promovido pelo Agrupamento de Escolas Frei Heitor Pinto e gerido pela CooLabora que faz parte do Escolhas, o programa governamental destinado a promover a inclusão de crianças e jovens de contextos vulneráveis. A tarefa dela é impulsionar a “construção de cidadãos activos”.

No centro da freguesia de Tortosendo, há um grupo de jovens que organiza as suas rotinas em torno do projecto. Alguns arrumam-se num cantinho do espaço, que ajudaram a decorar, a discutir o que é isso de ser um cidadão activo. “Um cidadão activo é um cidadão que constantemente se envolve em actividades para melhorar as condições de vida de todos”, diz um dos mais velhos, Pedro, de 18 anos. “Ser cidadão activo é tentar perceber o que se pode fazer para ajudar a desenvolver e as condições de vida da sua comunidade e das comunidades em redor”, acrescenta Eduardo, de 20.

Todos se envolvem em diversas iniciativas. E têm as suas pequenas vitórias para contar. Já participaram em campanhas, por exemplo, de angariação de dadores de sangue. Estiveram a ajudar a ouvir a população do bairro social do Cabeço, que inclui uma pequena comunidade cigana marcada pelo absentismo e pelo abandono escolar precoce. O projecto tem ali uma extensão.

A equipa técnica tem estado a incentivar os moradores do Bairro do Cabeço a dizer o que pensam sobre a vida naquele conjunto de 148 fogos construídos em bloco, sem qualquer sítio para estar, sequer bancos ou árvores, e o que deve ser feito para a melhorar. Os apelos permanecem nas paredes da sala situada num rés-do-chão: “Expressa-te”, “participa”, “não se cale”, “fale”.

Os jovens ajudaram a ouvir a população, que pediu áreas de recreação para adultos, como espaços para jogos, que sirva de suporte às áreas de recreação infantil. E a câmara canalizou a verba necessária no âmbito do orçamento participativo. Um grupo de moradores do Bairro do Cabeço também esteve na assembleia municipal a reivindicar que um autocarro passasse por ali, a caminho do centro da cidade e com paragem pela vila. E este processo deu o resultado pretendido.

“Acho que devemos correr atrás dos nossos sonhos”, resume Antónia. “Cada um deve caminhar para o seu ideal, para a sua utopia, mas devemos ser conscientes nos nossos sonhos. Essa consciência transmite-se em todos os actos. Essa consciência pode ser ecológica, social. É uma consciência alargada.”

Sobreviver à Guerra da Coreia para criar família no Caramulo

in Diário de Notícias

Sul-coreano Won Chong-song vive em Portugal desde 1972. Chegou para trabalhar como sexador num aviário, hoje tem uma empresa de compotas de frutas. Casado com uma portuguesa, continua a viver no Caramulo, onde criou três filhos.

Nascido em 1949, Won Chong-song tinha um ano quando começou a Guerra da Coreia. Desses três anos terríveis diz não ter memória, sabendo apenas aquilo que a mãe lhe contou: a fuga da sua Chung Buk natal num comboio para sul assim que se soube da aproximação das tropas norte-coreanas, a paragem súbita da locomotiva porque afinal os invasores comunistas já iam à frente, o leite que secou no peito da mãe e as papas de arroz para alimento, o pai como auxiliar do Exército sul-coreano, que com o apoio dos Estados Unidos conseguiria repor a fronteira mais ou menos no Paralelo 38 como antes da guerra. "Recordo-me da destruição, da pobreza e da festa no dia em que a Cruz Vermelha vinha à escola dar leite. Lembro-me também de brincar num tanque destruído", conta Won, hoje com 68 anos, produtor de compotas de fruta no Caramulo, a terra portuguesa onde se instalou ainda jovem, contratado como sexador.

A conversa decorre no restaurante Montanha, com Won a apreciar um cabrito no forno e a confessar que no início tinha-lhe custado acostumar-se à comida portuguesa. Peço então que me explique o que é um sexador. "É o técnico que faz a separação dos pintos machos dos pintos fêmeas", diz, meio a rir-se, num português em que se percebe tudo apesar de manter um certo sotaque.

Um grande empresário do Caramulo, cuja família estivera ligada aos sanatórios, tinha investido num aviário e descobrira que para potenciar a produção era essencial identificar as galinhas poedeiras o mais cedo possível. Sexadores só havia os japoneses, que tinham criado a técnica, e os coreanos, que tinham aprendido com os japoneses quando estes ocuparam a sua península entre 1910 e 1945. Para o Caramulo acabaram por vir dois sul-coreanos, um deles Won, que chegou em 1972.

O outro sul-coreano um dia foi-se embora, mas Won ficou. E integrou-se bem. Conheceu poucos anos depois Hortense, que era enfermeira em Lisboa e tinha vindo ao Caramulo visitar uma amiga, e hoje têm duas filhas e um filho, além de quatro netas. Conta-me Won, agora já sentados na varanda da sua casa a 840 metros de altitude, que os pais de Hortense estavam emigrados em França e que foi primeiro a um irmão que ela o apresentou. "Ela disse ao irmão que eu era coreano, mas ele pensou na Cúria e que eu era curiano", conta a rir-se. "Depois, ele vê-me e diz "mas ele é chinês" totalmente surpreendido."

De vez em quando vai à Coreia do Sul, dentro de dias receberá a visita de um irmão e uma irmã, e diz-se preocupado sempre com todas estas notícias de tensão entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos, por causa das armas nucleares. Orgulha-se da forma como a Coreia do Sul, tão pobre na sua infância, se tornou rica, mas lamenta "a perda de um certo sentido de comunidade". Também é crítico da obsessão das famílias sul-coreanas pela educação, "sempre a pagarem explicações, sempre a quererem escolas privadas caras". E diz que os seus filhos andaram na escola pública em Portugal, primeiro no Caramulo, depois em Tondela e na Universidade de Coimbra, "sempre bons alunos". Filipa, de 40 anos, fez Economia, Sónia, de 38, Matemática de Computação, e Miguel, de 35, estudou Física e é doutorado, explica Won, com evidente orgulho. E se os filhos não falam coreano, uma tradição pelo menos mantiveram, garante Won: "foram criados a comer kimchi", a popular couve branca fermentada.

Quando Won percebeu que a manipulação genética ameaçaria o emprego dos sexadores, criou uma empresa de compotas. "Foi no início dos anos 1980, e comecei com a geleia de milho, baseada numa receita coreana." Hoje, as compotas Won vendem-se em lojas biológicas. "São um produto 100% português", sublinha. E só o Won escrito no frasco de vidro dá uma pista de que por trás daquele doce de framboesa ou ameixa feito no Caramulo está um homem que nasceu a dez mil quilómetros, "entre montanhas parecidas".

Risco de escravatura moderna a aumentar na União Europeia

in RTP

Um índice desenvolvido pela empresa de consultadoria Verisk Maplecroft indica que o risco de moderna escravatura aumentou em 20 países da União Europeia. Foram também identificados os dez Estados mais vulneráveis a nível mundial.

Um relatório da Verisk Maplecroft mostra que Roménia, Grécia, Itália, Chipre e Bulgária são os países mais vulneráveis a este tipo de escravatura, por constituírem “portas de entrada” na Europa para os migrantes que chegam de África.Neste relatório, Portugal surge entre os países onde o risco de escravatura moderna está a aumentar.

Aproximadamente 60 por cento dos países europeus estão identificados como países de “alto risco” ou “extremo risco”, no que toca à escravatura moderna.

De acordo com Alexandra Channer, analista de Direitos Humanos da consultora, a entrada de migrantes sem documentação na União Europeia resulta num maior risco de escravatura moderna.

“Os migrantes ficam vulneráveis a partir do momento que começam a sua travessia até à Europa para fugirem da guerra e da pobreza extrema”, disse Channer à CNN. “Geralmente acabam por cair nas mãos de contrabandistas e ficam presos às ordens de gangues”.

Em resposta a este relatório, a Comissão Europeia realça os esforços que estão a ser feitos para lutar contra o tráfico humano.

“A União Europeia tem uma estrutura legal forte para lutar contra o tráfico humano e, com a ajuda do coordenador do combate ao tráfico humano na União Europeia, estamos a trabalhar para melhorar a coordenação entre as instituições europeias para prevenir o tráfico em questão”, disse a porta-voz da Comissão Europeia Tove Ernst.

“A Comissão e as agências europeias apoiam as autoridades locais de maneira a gerir melhor os fluxos migratórios e assegurar que todas as pessoas que chegam a solo europeu são identificadas, registadas e encaminhadas pelos procedimentos corretos”, acrescentou Ernst.

Medir o risco
O Índice de Escravatura Moderna foi desenvolvido com o apoio de especialistas independentes e sustentado por três pilares. São eles o compromisso de cada país em eliminar a escravatura moderna, erradicar este problema através de um esforço contínuo, bem como a prevalência de violações previamente relatadas.

De acordo com Channer, este é um problema enorme, visto que “a escravatura moderna é uma atividade criminal, escondida, mas que ainda assim é um negócio que envolve biliões de dólares”.
Países à escala global

Fora da União Europeia, a Turquia é o país apontado como tendo um maior aumento de escravatura. De acordo com a Verisk Maplecroft, esta situação ocorreu por causa do fluxo de migrantes da Síria.

Já os países asiáticos, nomeadamente Bangladesh, China, India, Indonésia, Malásia, Myanmar, Filipinas e Tailândia, continuam com um “risco extremo” de escravatura moderna, por causa das grandes indústrias de manufatura.

De acordo com o estudo da Verisk Maplecroft, os dez países que têm uma maior risco de escravatura moderna são a Coreia do Norte, Síria, Sudão, Iémen, República Democrática do Congo, Irão, Líbia, Eritreia e Turquemenistão.

Jovens são mais instruídos, têm menos trabalho e emigram mais do que há 20 anos

in Diário de Notícias

Para assinalar o Dia Internacional da Juventude, serão divulgados 12 vídeos inspirados no "Retrato dos Jovens em Portugal 2017", elaborados pela base de dados Pordata

Os jovens portugueses estão mais instruídos do que há duas décadas, têm menos trabalho, emigram mais e adiam a decisão de casar e ter filhos, segundo um retrato feito pela base de dados Pordata.

Para assinalar o Dia Internacional da Juventude, que se comemora no sábado, o Conselho Nacional da Juventude, a Pordata e o município de Cascais uniram-se para divulgar 12 vídeos inspirados no "Retrato dos Jovens em Portugal 2017", elaborado pela base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

ACAPO contra restrições de acesso à Prestação Social de Inclusão em função da idade

in Diário de Notícias

A Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) manifestou hoje o seu desacordo relativamente às restrições de acesso à Prestação Social de Inclusão em função da idade, afirmando que excluirá os maiores de 66 anos.

O Governo aprovou na quinta-feira a criação da Prestação Social para a Inclusão (PSI), cuja componente base de 264 euros será atribuída a todas as pessoas com deficiência ou incapacidade igual ou superior a 80%.

Em comunicado hoje divulgado, a ACAPO critica as restrições de acesso a esta prestação "em razão da idade", inferior à idade normal de acesso à reforma.

"Embora vise melhorar a proteção social das pessoas com deficiência, promovendo o combate à pobreza, a medida não irá incluir uma parcela importante da população com deficiência -- pessoas com mais de 66 anos", afirma a associação.

A ACAPO adverte que é nesta fase da vida que "mais se fazem sentir os custos acrescidos da deficiência e onde a deficiência visual conhece maior prevalência".

No período de consulta pública que o Governo reservou à PSI, a Direção Nacional da ACAPO já tinha exposto "esta ação discriminatória para com as pessoas com deficiência, que em razão da idade não poderiam ter acesso a esta prestação".

Entretanto, salienta, "o Governo assumiu que se encontrava a estudar a possibilidade de alargar a medida a pessoas com deficiência com idade superior à de acesso à da pensão de velhice".

Na sequência da reivindicação da ACAPO não ter sido cumprida, a associação solicitou, com "caráter de urgência", uma audiência ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para "reverter uma medida que não protege os interesses de todas as pessoas com deficiência visual".

O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, explicou na quinta-feira, na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, que a componente base da PSI entrará em vigor já em 2017.

"É uma componente que tem uma dimensão de cidadania, é atribuída incondicionalmente, sem qualquer espécie de avaliação de outras condições, a quem tenha 80% ou mais de incapacidade comprovada e certificada", adiantou José Vieira da Silva.

Esta componente base entrará já em vigor e poderá ser requerida a partir de 01 de outubro.

Seis ONG pedem a Guterres para agir de imediato face a crise na República Centro Africana

in Diário de Notícias

Seis organizações humanitárias pediram ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para tomar "medidas imediatas" face à crise de segurança e humanitária na República Centro Africana, numa carta aberta à qual a agência France Presse teve hoje acesso. "Pelo menos 821 civis foram mortos desde o início do ano", segundo as seis organizações não governamentais (ONG), que consideram que o conflito atingiu "o mesmo nível" de violência que em dezembro de 2013, no auge dos assassínios em massa entre as milícias Séléka, maioritariamente muçulmanas, e as anti-Balaka, constituídas sobretudo por cristãos. "Naquela altura, as Nações Unidas declararam um nível de urgência 3 (...) Imploramos-vos para que seja prestada a mesma atenção à crise vivida por milhões de pessoas que sofrem neste país", escrevem os signatários, entre os quais a Ação contra a Fome e Première Urgence.

As ONG consideram que o mandato da missão das Nações Unidas no país "para proteger os civis, não está a ser cumprido devido à falta de recursos humanos e financeiros".

Assim, pedem a Guterres para permitir que a MINUSCA (com cerca de 12.500 homens) tenha os meios de que necessita e apoie "os cidadãos da República Centro Africana e os seus representantes na aplicação da resolução política do conflito". A carta foi enviada ao chefe das operações de manutenção da paz das Nações Unidas, Jean-Pierre Lacroix, e ao responsável dos Assuntos Humanitários da ONU, Stephen O'Brien. Elas próprias vítimas da violência, as ONG lamentam o subfinanciamento da ajuda humanitária, da qual depende metade dos 4,5 milhões de habitantes da República Centro Africana.

Ex-menino soldado trocou armas pela capoeira na RD Congo

in Diário de Notícias

A capoeira é a forma de jovens congoleses fugirem à violência não através da luta mas através dos valores da arte marcial afro-brasileira.

"A capoeira me faz esquecer do que passei no grupo armado", disse o adolescente de 16 anos, um ex-menino soldado de uma pequena vila em Bashali ao norte na província de Kivu do Norte, área conflagrada por grupos armados.

Há três meses, desde que chegou ao centro de transição para ex-meninos soldado na cidade de Goma, F. R. aprendeu a praticar a arte marcial de origem afro-brasileira. Desde então, esta é uma das atividades em que o rapaz é mais assíduo.

As aulas de capoeira acontecem duas vezes por semana no centro de ação para crianças desfavorecidas (CAJED, por sua sigla em francês), no subúrbio de Goma.

Em 2014, a capoeira foi reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Património Cultural Imaterial da Humanidade. A partir deste mesmo ano, esta manifestação cultural brasileira de descendentes de africanos escravizados no período colonial tem sido utilizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na República Democrática (RD) do Congo como uma estratégia para ajudar a crianças vítimas de violência.

"A capoeira faz com que eu me sinta capaz de poder fazer alguma coisa. Esqueço de todo o passado. Aqui vejo que a vida é melhor porque não sofremos mais, dormimos e alimentamo-nos bem. Não somos obrigados a nada", comentou F. R. que esteve na escola primária apenas três anos.

As suas memórias recentes são mais duras. Foi raptado e lutou por um grupo de milicianos de origem hutu congolesa.

Os dados são escassos. Estima-se que existam entre 20 a 30 mil soldados dos grupos ativos de milícias de autodefesa em Kivu do Sul e do Norte, segundo dados das Nações Unidas em 2011.

Junto com outros meninos, F. R. conseguiu escapar. "Para chegar aqui foi muito difícil. Tive que mostrar evidências que eu fazia parte de um grupo armado, então levei comigo algumas cápsulas de balas", contou.

No início do ano, o rapaz apresentou-se numa das bases da Missão de Paz da ONU em RD Congo (MONUSCO) na cidade de Kitchanga, uma localidade remota a 70 quilómetros de Goma. Depois de ter passado pelo programa de desmobilização, desarmamento e reintegração da ONU, ficou sob os cuidados da UNICEF e de ONG locais por ser menor de 18 anos.

"Fiz vários amigos quando comecei a jogar capoeira. Nós nos juntamos, mesmo tendo lutado em grupos rivais", disse.

Segundo Marie Diop, especialista em proteção à criança da UNICEF em Goma, a capoeira foi incluída como ferramenta de trabalho psicossocial com crianças nos centros de acolhimento.

"Começou como um projeto piloto, pois queríamos ver se teria aceitação por parte das crianças. Discutimos se a capoeira poderia ser utilizada para a paz e ser integrada no programa infantil", disse Diop.

Sob o nome de "Capoeira pela Paz", a iniciativa foi impulsionada pelo governo brasileiro com fundos do Canadá e da ONG AMADE-Mondiale e já beneficiou cerca de quatro mil crianças em Kivu do Norte.

"Vimos que a capoeira tem ajudado a afastar o estigma das crianças que estiveram associadas a grupos armados. Tentamos entender a história e o contexto dessas crianças para transferi-las a famílias de acolhimento e a centros de transição antes que possam ser reintegrados de vez às suas famílias e às suas comunidades de origem", explicou.

Projeto "Ajudar 17" - Fundação INATEL irá reconhecer ações de responsabilidade social de cidadãos e entidades coletivas - Candidaturas até 3 de setembro

in Atletismo Magazine on-line

Projeto "Ajudar 17" - Fundação INATEL irá reconhecer ações de responsabilidade social de cidadãos e entidades coletivas - Candidaturas até 3 de setembro

O "Ajudar '17", projeto promovido e organizado pela Fundação INATEL, procura reconhecer o papel que cidadãos ou entidades coletivas desempenham no contexto do apoio social informal e do voluntariado, nomeadamente pela promoção do envolvimento da sociedade civil no encontro de mecanismos que permitam a melhoria do bem-estar comum e que representem uma contribuição para o crescimento do espírito de solidariedade e responsabilidade social na comunidade.

A iniciativa irá reconhecer cidadãos que tenham desempenhado um papel relevante no apoio, formal ou informal, dirigido a outros cidadãos; entidades coletivas que, no âmbito do desenvolvimento da sua atividade, se destaquem pelas suas maiores contribuições para o bem-estar das populações e para a coesão social; e ainda entidades ou cidadãos que se destaquem pela sua atuação na área do voluntariado.

De acordo com a Fundação INATEL, este projeto pretende promover o envolvimento da sociedade civil no encontro de ferramentas para a melhoria do bem-estar comum, contribuindo para uma tomada de consciência sobre o valor da solidariedade e da responsabilidade social nas atuais sociedades da tecnologia e informação.

As candidaturas podem ser submetidas até 03 de setembro através de formulário eletrónico, disponível na seguinte ligação:Formulário.

A apresentação de candidaturas pode ser realizada pelos seus eventuais beneficiários ou por entidades terceiras, desde que se entenda que o trabalho desenvolvido por outros é merecedor de distinção.

O reconhecimento público dos agraciados, far-se-á durante o evento "Reconhecer - Gala de Reconhecimento Social", que acontecerá no Teatro da Trindade, em Lisboa, em outubro próximo.

Técnicos das escolas temem exclusão do plano para precários

Beatriz Silva Pinto, in Público on-line

Profissionais especializados enviaram carta aberta a ministérios e partidos com críticas à regulamentação do programa de integração dos precários. PCP e BE vão propor alterações à proposta de lei.

Trabalham há vários anos nas escolas públicas com contratos a termo certo e querem quebrar o ciclo de precariedade. São técnicos especializados — terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, técnicos de serviço social, entre outros, que trabalham com crianças com necessidades especiais. Temem ser prejudicados no acesso ao Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP).

Numa carta aberta, enviada no final de Julho, que dizem ser subscrita por cerca de mil destes técnicos, revelaram as suas preocupações. Dirigiram-na ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, ao ministro da Educação, à Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Educação — a entidade que recebe e avalia as candidaturas ao programa, e aos grupos parlamentares. Só o PCP e o Bloco de Esquerda responderam.

Na proposta de lei que visa a regulamentação do programa, afirma-se que os candidatos ao PREVPAP têm direito à prorrogação de todos os vínculos precários até receberem resposta das CAB. No entanto, como esta lei só entra em vigor em Janeiro de 2018, todos aqueles que cessam contrato ou outro vínculo antes dessa data, não têm direito a este regime de protecção.

É esse o caso dos técnicos especializados, que vêem os seus contratos cessados a 31 de Agosto, começa por explicar Maria Cunha, terapeuta da fala: “A partir do momento em que nos inscrevemos no programa, contávamos que houvesse alguma protecção para as pessoas que, no fundo, tiveram a coragem de o fazer. E isso não aconteceu. Ninguém me diz que a vaga que ocupei este ano lectivo volta a abrir no próximo e, que se abrir, vou ser eu a ficar com ela. Não sabemos que repercussões podem existir.”

A discussão pública sobre a proposta de lei que regulamenta o PREVPAP está a decorrer. Só a 5 de Setembro é que o tema volta ao Parlamento, com audições e discussão na especialidade. Mas o Governo ainda pode reverter a situação, explica o bloquista José Soeiro: “Estamos à espera que o Governo nos dê a resposta se ainda durante o mês de Agosto, por via de uma portaria ou despacho, vai prorrogar os contratos destes profissionais de modo a que, em Setembro, possam estar nas escolas a trabalhar. É possível ser feito, basta o Governo querer.”

Na semana passada, os directores das escolas dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária receberam a indicação do Ministério da Educação de que, pela primeira vez, os técnicos vão ser reconduzidos – ou seja, vão poder renovar contrato com as escolas até Agosto de 2018 sem passarem por novo concurso. Mas os restantes estabelecimentos de ensino continuam sem receber qualquer orientação relativamente a concursos e contratação. Diana Salgado, terapeuta ocupacional, protesta: “Se é para um devia ser para todos.”

“O meu longo prazo é um ano”

Maria Cunha, uma das fundadoras do grupo informal que escreveu a carta aberta, tem 31 anos e trabalha há dez num agrupamento de escolas do distrito do Porto, com crianças com perturbações do espectro do autismo. Conta que é a única que exerce esta função no agrupamento, mas, desde que lá está, nunca viu abrir concurso público para entrar no quadro.

Tal como os seus colegas, sempre esteve a contratos de trabalho a termo resolutivo certo, um tipo de contrato geralmente usado para satisfazer necessidades temporárias das empresas. A cada ano lectivo, há um ciclo que se repete: o contrato termina e abre-se novo concurso público, em Setembro.

Diana Salgado está na mesma situação que Maria há nove anos. Em Agosto, a ansiedade cresce: “No ano passado, por esta altura, os agrupamentos já sabiam que concursos iam abrir no ano seguinte. Neste momento, ainda não têm essa informação e nós não sabemos se vão ou não abrir concurso no próximo ano. E isso deixa-nos algo angustiados. Aproxima-se a data do final do nosso contrato [31 de Agosto], do consequente desemprego, e não sabemos como é o próximo ano.”

A cada ano lectivo que passa, a terapeuta ocupacional de 32 anos concorre a 20 ou 30 escolas diferentes. Chegou a estar sete anos em “regime de outsourcing” – contratada por uma instituição particular de solidariedade social cujos serviços eram, por sua vez, contratados pelo Ministério da Educação – e agora trabalha num agrupamento no distrito do Porto com alunos com “multideficiência”, como paralisia cerebral ou trissomia 21. A sua missão é estimular o ganho de autonomia e inclusão destes alunos.

Mais a Sul do país, no Agrupamento de Escolas Pinheiro e Rosa, em Faro, Rodrigo Fragoso trabalha como psicólogo. As preocupações repetem-se: “O meu longo prazo é um ano, porque eu nunca sei se no próximo ano há concurso ou não, se fico colocado ou não”, conta. E a incerteza na continuidade do trabalho não é prejudicial só para o profissional: “Há todo um trabalho de acompanhamento e tanto o aluno como as famílias criam uma relação terapêutica com o técnico. E se, de um momento para o outro, o técnico não volta, isso causa transtorno. E não é nada bom para a saúde mental dos nossos alunos e das nossas famílias.”

Todos os profissionais garantem estar a desempenhar “funções que correspondem a necessidades permanentes”, um dos requisitos do PREVPAP. “O facto de existir um psicólogo ou um terapeuta ocupacional na escola não é uma coisa que se vá verificar neste ano e daqui a 10 deixe de existir. Há sempre crianças com essas necessidades”, explica Maria.

Diana acrescenta: “O agrupamento em que estou contrata terapeutas ocupacionais há mais de uma década. Como é que isso não é uma necessidade permanente?” E vai mais além: “Se estivéssemos numa empresa privada, após três contratos já estávamos vinculados à empresa. No sector público, não é assim. E é ridículo, porque é o Estado que regulamenta, mas não dá o exemplo.”
Meio horário não é precário?

Rodrigo tem 41 anos e dá apoio psicológico a alunos do 1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário. Há 12 anos que está a contratos anuais, tal como Maria e Diana. A diferença é que actualmente trabalha a meio horário. Não por vontade própria.

O agrupamento de Faro, que tem mais de dois mil alunos desde o ensino pré-escolar até ao secundário, funciona com “um psicólogo e meio”, conta Rodrigo, que tem como colega de profissão um psicólogo funcionário da câmara: “Este ano estive colocado com meio horário, mas as necessidades das escolas em que estou a trabalhar justificam um horário completo. O facto de estar a meio tempo não me permite desenvolver todo o trabalho que é necessário num agrupamento com tantas escolas.”

Se a actual proposta de lei que regulamenta o programa de integração de precários for aplicada tal como está actualmente, Rodrigo é excluído – um dos requisitos exigidos aos candidatos é que tenham suprido necessidades permanentes em “horário completo”. Esta é outra das queixas feitas na carta aberta, em que se afirma que a inexistência de horário completo “em nada compromete o facto de as funções desempenhadas serem de carácter permanente” e, por isso, devem “ser regularizadas no âmbito do PREVPAP”.

Em Setembro, tanto o partido comunista como o Bloco de Esquerda vão propor que o critério do “horário completo” seja excluído.

Rita Rato, do PCP, defende que este é um requisito “perverso”: “Os técnicos não estão a meio horário porque querem, é porque a escola não tem autorização para ter um horário completo. Com milhares de crianças sinalizadas nas escolas, o que mais falta é técnicos. A necessidade é permanente e as pessoas devem ser contratadas.” A deputada alerta, ainda, para outra realidade: “Alguns deles não têm horário completo, mas fazem meio horário num agrupamento e outro meio horário noutro agrupamento. E isso, apesar de não ser classificado como tal, constitui um horário completo.”

Uma realidade que não é tão rara assim. Diana conhece um caso: “Tenho uma colega que faz meio horário, mas está em dois agrupamentos. Ou seja, tem um horário repartido pelas várias escolas, mas a necessidade dos alunos continua a estar lá.”

José Soeiro explica que as reivindicações do Bloco neste tema não são novas: “O que mais nos preocupa neste momento é que o Governo tenha voltado a colocar na proposta de lei um critério que o Bloco de Esquerda já tinha conseguido eliminar na portaria.”

O deputado bloquista revelou ao PÚBLICO que, para além da extinção deste critério, a proposta de alteração do partido quer clarificar “a integração das pessoas que estiveram a desempenhar funções permanentes enquadradas por estágios”, a “inclusão do falso outsourcing”, “antecipar a entrada em vigor da lei e permitir que os concursos realizem-se ainda neste ano”.
Critérios ambíguos

Mas há mais falhas apontadas ao regulamento. “Não está definido quais, nem como, serão consideradas as necessidades permanentes, de um modo objectivo. Devia ter sido estabelecido um critério óbvio e conciso, mas este não existe, remetendo a decisão final para o Ministério das Finanças”, lê-se num comunicado dos técnicos especializados enviado à imprensa. Esta é outra das preocupações dos profissionais, explica Diana: “Nós lemos a portaria e não conseguimos entender o que é que eles consideram de carácter permanente.”

Para além disto, os técnicos também têm “inúmeras dúvidas sobre a forma como se vão processar os concursos para a regularização dos vínculos precários”, afirma-se na carta. Querem que nos concursos públicos após Janeiro de 2018 seja dada prioridade aos trabalhadores que já tenham ocupado o posto de trabalho na instituição e que, simultaneamente, estejam inscritos no PREVPAP. Por isso, pedem que tal seja redigido e clarificado na regulamentação.

“Se em Janeiro eles chegarem à conclusão que o meu posto de trabalho tem direito a um concurso para a efectivação, aquilo que defendemos é que só faz sentido que concorram a este concurso aqueles que já exerceram a profissão naquela instituição e que se inscreveram no PREVPAP”, explica Maria.

No início deste mês, Diana esteve pessoalmente com o ministro da Educação e entregou-lhe em mão a carta aberta. Tiago Brandão Rodrigues deu a entender que já estava dentro do assunto, mas não chegou a dar uma resposta concreta. Por sua vez, o ministério do Trabalho informou os técnicos que a carta seria reencaminhada internamente. Contactados pelo PÚBLICO, ambos os ministérios passaram a responsabilidade para os partidos: “Caberá agora aos grupos parlamentares fazerem, ou não, alterações à proposta de lei."

Segundo os trabalhadores, apenas o Bloco de Esquerda e o PCP deram conhecimento da recepção do documento. O PS disse não ter recebido qualquer carta, mas revelou ao PÚBLICO que irá apresentar alterações à proposta de lei em Setembro. O PÚBLICO contactou o PSD e o CDS, mas estes partidos não responderam.

Texto editado por Pedro Sales Dias

300 milhões de crianças africanas vivem na pobreza

in Rádio Vaticano


Nova Iorque (RV) – São as crianças que pagam o preço mais alto pelas crises, sobretudo na África, revela o relatório publicado pelas Nações Unidas segundo o qual, 60% das crianças africanas – cerca de 300 milhões – são pobres, obrigadas a viver com menos de 1,25 dólares ao dia. É a maior cifra já registrada.

Cifras preocupantes

“Estas cifras são preocupantes”, comentaram funcionários da ONU, citados pelas agências.

“Na África e na Ásia meridional a incidência da pobreza entre as crianças é respectivamente de 66 e de 50%, muito mais elevada do que em qualquer outra parte do globo”.

Em 39 países da África subsaariana, os jovens com menos de 18 anos, são o grupo social mais numeroso entre os pobres.

Crianças com menos de 9 anos

A condição pior – segundo os especialistas da ONU - é aquela vivida pelas crianças com menos de nove anos. No Sudão do Sul, Nigéria e Etiópia, ao menos nove crianças em cada dez vivem em condições de grave miséria.

África Subsaariana com maior percentual de crianças extremamente pobres

Esta análise soma-se àquela fornecida pelo Fundo para as Crianças do Banco Mundial, publicada em outubro passado, segundo o qual a África Subsaariana não somente tem o maior número de crianças que vivem em pobreza (49%), mas tem o maior percentual de crianças extremamente pobres (51%).

“As crianças – afirmou o Vice-Diretor Executivo do Unicef, Justin Forsyth – têm o dobro de probabilidade do que um adulto de viver em pobreza extrema, mas têm menos instrumentos do que um adulto para enfrentar a pobreza por causa das doenças, da mortalidade infantil e do carente desenvolvimento na primeira infância”.

Fome na rica República Democrática do Congo

Existem países, no entanto, em que a situação é mais dramática, como na República Democrática do Congo, que paradoxalmente, é um dos mais ricos do continente.

Mas é justamente devido à exploração indiscriminada dos recursos do sub-solo – em particular o ouro, o coltam e a cassiterita – que o leste do Congo continua a viver uma situação de grave instabilidade e violência, com consequências dramáticas para a população local.

Nigéria e terrorismo

Tem depois a Nigéria, onde o terrorismo do Boko Haram dilacerou o território e a população.

Nos primeiros meses de 2017 foram destruídos 53 povoados e mortas mais de 800 pessoas, sobretudo crianças.

E por trás da luta contra o terrorismo se escondem muitas vezes interesses de homens poderosos, que nestes anos especularam e se enriqueceram às custas da vítimas.

"Um primeiro-ministro que foi vendedor de chá deu voz a milhões de jovens indianos"

Leonídio Paulo Ferreira, in Diário de Notícias

O português Constantino Xavier é investigador no Carnegie Índia, parte do Carnegie Endowment for International Peace, um think tank global, presente em mais de 20 países e criado no início do século XX através da doação de um magnata americano. Doutorado pela Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, Xavier tem estudado sobretudo a política externa indiana e a relação com os países vizinhos. Nesta entrevista por e-mail ao DN a partir de Nova Deli, mostra-se otimista com o futuro da Índia, que hoje celebra os 70 anos de independência.

Jawaharlal Nehru e o Mahatma Gandhi reconhecer-se-iam nesta Índia que tem a economia a crescer a 7% graças a reformas capitalistas, possui armas nucleares e é governada por Narendra Modi, líder de um partido nacionalista hindu?

Nehru e Gandhi não se reconheciam na Índia de 1947, nem Modi se reconhece na Índia de hoje. O país enfrenta imensos desafios e é a visão de uma Índia mais confiante, desenvolvida e poderosa que continua a guiar qualquer líder do país. Com Modi, aumentou a vontade de assumir riscos, de abraçar reformas cruciais no plano social, económico e militar, mas os objetivos são os mesmos: tornar a Índia um país desenvolvido, eliminando a pobreza.

O fracasso do Congresso nas últimas eleições significa uma derrota da ideia de Índia laica ou simplesmente o esgotamento da dinastia dos Nehru-Gandhi como líderes do partido que conduziu o país à independência faz agora 70 anos?

Representa, acima de tudo, a vontade do eleitorado jovem em ver um líder que representa uma nova Índia, jovem e confiante. Um primeiro-ministro que foi vendedor de chá, vindo de meios simples, deu voz aos milhões de jovens indianos que aspiram a ter uma oportunidade semelhante, de ascensão social e económica.

Com 1250 milhões de habitantes, a chamada maior democracia do mundo merece mesmo o título apesar do peso político das dinastias, dos partidos de casta ou regionais, do voto ordenado por caciques locais?

A Índia não só é a maior democracia do mundo, em dimensão, mas também o principal modelo para todos os países que procuram o desenvolvimento por via do pluralismo. O facto de, ao contrário da União Soviética, a Índia ter sobrevivido como projeto político apesar da sua imensa diversidade, reflete um imenso sucesso. A imensa maioria parlamentar do BJP acalmou a ansiedade do eleitorado em relação à instabilidade governamental que o país atravessava desde os anos 1990, com constantes mudanças de coligação. Por outro lado, há o perigo de a liderança carismática, a maioria esmagadora, e políticas centralizadoras se transformarem rapidamente em tendências autoritárias.

A grande diferença da Índia para o Paquistão, também nascido há 70 anos, é a ausência das forças armadas da política?

O cariz apolítico e apartidário das forças armadas indianas é um modelo para muitos países. Mas as diferenças para com o Paquistão também passam pela natureza laica do regime indiano, e pela capacidade agregadora do Estado. Ao contrário do Paquistão, em que as minorias têm emigrado em massa perante a rápida islamização do país, na Índia as minorias continuam a sentir-se seguras, pese embora ocasionais ameaças de grupos mais extremistas. Não é por acaso que a Índia continua a ser o único país da Ásia do Sul a atrair refugiados e minorias perseguidas de toda a vizinhança, com uma política de portas abertas, incluindo para os budistas tibetanos, os hindus do Bangladesh, e os rohingya muçulmanos do Myanmar.

Crê possível a paz entre indianos e paquistaneses ou a disputa sobre a soberania de Caxemira impossibilita-o?

A paz é já uma realidade porque tanto o Paquistão como a Índia sabem que será impossível alterar o status quo da fronteira provisória que separa a Caxemira. Ambos os países vão continuar oficialmente a reivindicar o território do outro, mas na prática assistiremos, mais cedo ou mais tarde, à partilha pacífica de Caxemira. A grande diferença é que, ao contrário da Índia, o Paquistão continua a apoiar grupos terroristas como instrumento de pressão sobre a Índia.

A Índia está a caminho de ser uma grande economia e grande potência. Acha possível que seja um dia parte de um triunvirato de superpotências junto com Estados Unidos e China?

O pensamento em Nova Deli hoje é menos como tornar a Índia numa superpotência mas como enfrentar um duplo desafio no horizonte imediato. Primeiro, como lidar com o declínio relativo dos EUA - acelerado com a eleição de Donald Trump - e dar continuidade a mais de quinze anos de aproximação estratégica indo-americana. Segundo, e de forma complementar, como lidar com uma China em ascensão, mais poderosa e agressiva para com os seus vizinhos, seja no mar do Sul da China ou ao longo da fronteira disputada com a Índia nos Himalaias. A questão fundamental estratégica indiana deixou de ser se a China é uma ameaça e passou a ser como lidar com a ameaça China.

Literatura, gastronomia, filosofia. Quanto vale o soft power indiano?

Vale o que o governo indiano for capaz de investir nele e assim transformar a imagem benigna da Índia em capital de influência no estrangeiro. Os chineses têm sido mais inteligentes nesse campo, e também com mais capacidade financeira. Se a Índia ficar simplesmente à espera que o mundo reconheça a sua extraordinária riqueza e diversidade cultural, pode ficar à espera sentada. De pouco vale a estrela de Bollywood Shah Rukh Khan se os europeus continuarem a aprender mandarim e a comprar produtos chineses.

O novo presidente indiano, Ram Nath Kovind, é um dalit, mas mesmo assim será prematuro dizer que as castas deixaram de importar na Índia?

As castas importam mais do que nunca na Índia, com um sistema político e educacional baseado nas quotas preferenciais para os grupos tradicionalmente mais discriminados. Isto leva a tensões entre os que defendem o interesse nacional, a longo termo, com critérios meritocráticos, e os que advogam maior intervenção estatal para estabelecer maior igualdade socioeconómica. Os empresários e empreendedores capitalistas tendem a defender a primeira abordagem, argumentando que o crescimento não pode estar preso a condições e critérios extra-económicos.

Qual o lugar de muçulmanos, cristãos e sikhs na Índia?

A Índia é o país com a segunda maior população muçulmana do mundo. Há quase três vezes mais cristãos na Índia do que em Portugal. Os sikhs são reconhecidos como um dos grupos mais empreendedores e dinâmicos. Mas há correntes ideológicas que defendem um lugar especial para o hinduísmo na Índia, e que nesse sentido advogam políticas discriminatórias para as minorias religiosas. Conter essa linha nacionalista hindu será um dos principais desafios para Modi que tem repetidamente sublinhado que a Índia é um país com uma constituição secular e que preza a não violência.

Como vê o futuro de Goa? Legado português sobrevive ou está condenado a desaparecer?

O desafio para Lisboa não é tanto preservar o legado português em Goa, e um pouco por toda a Índia, mas renová-lo. As relações luso-indianas são ciclicamente minadas por correntes extremistas, entre saudosistas nostálgicos do regime colonial, por um lado, e antiportugueses primários, do outro. Para além de Fátima, fado e futebol, há um outro Portugal que começa agora a emergir na Índia, com uma imagem moderna passada por via de empreendedores nas artes e restauração, ou por via do cinema Bollywood.

Narendra Modi e António Costa parecem ter boa química, até pela troca de visitas recente a Nova Deli e a Lisboa. Portugal poderá beneficiar com uma nova relação com a Índia sem os empecilhos das memórias coloniais?

Portugal já está a beneficiar da nova abordagem indiana. Para além de Goa, são agora Nova Deli, Bombaim e Lisboa os alicerces da nova relação entre os dois países. É uma relação que ultrapassa o plano estritamente bilateral e foca também a importância de parcerias estratégicas em países terceiros, especialmente no mundo lusófono. Do lado indiano, há grande interesse em ver Portugal como um parceiro em Moçambique ou no Brasil.

Posso lhe pedir que sugira um livro, mesmo que só exista em inglês, que permita perceber melhor o que é esta nação-civilização Índia, que historicamente inclui Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka e Nepal?

The Idea of India, de Sunil Khilnani, capta bem a visão dos fundadores da Índia, em 1947, especialmente de Nehru. Serve de referência para perceber as linhas de continuidade e mudança com Modi.

Como imagina a Índia quando celebrar o centenário em 2047?

Teremos uma de duas Índias. Uma Índia com contínuas dificuldades económicas, subjugada perante uma China superpotência, e à procura de alianças pontuais com os EUA e outras potências para garantir alguma autonomia de Pequim. Ou uma Índia com níveis de desenvolvimento semelhantes aos do Portugal de hoje, um dos dois ou três centros de um sistema multipolar, ao nível da China e dos EUA e, acima de tudo, um modelo para outros países em África e na Ásia.

Mário Centeno. “Crescimentos entre 2% e 2,5% são possíveis e desejáveis”

in RR

A economia portuguesa voltou a crescer 2,8% no segundo trimestre de 2017 face ao mesmo período do ano passado.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, afirma que Portugal deve apontar para crescimentos entre 2% e 2,5% nos próximos anos e assim acabar com os crescimentos anémicos das últimas décadas.

“Crescimentos entre 2% e 2,5% são possíveis e desejáveis”, disse Centeno na conferência de imprensa, esta segunda-feira, em que analisava as contas do país no primeiro semestre deste ano.

Mário Centeno disse que o crescimento em Portugal será duradouro e é sustentável. Enalteceu o trabalho orçamental de Portugal na comparação com outros países da União Europeia. “Não há outro caso em que o défice tenha diminuído e o crescimento aumentado como em Portugal”, afirmou o governante. "A nossa economia cresce pelo 15.º trimestre consecutivo", acrscentou.

A economia portuguesa voltou a crescer 2,8% no segundo trimestre de 2017 face ao mesmo período do ano passado e, comparando com o trimestre anterior, cresceu 0,2%.

O crescimento em cadeia teve uma redução em relação ao trimestre anterior. Uma das razões mais fortes foi a redução das exportações no segundo trimestre. O ministro das Finanças contextualizou a quebra. “As exportações cresceram acima de 10% no primeiro trimestre e no segundo houve uma desaceleração, mas isso advém de um crescimento muito grande nos primeiros três meses do ano", disse.

Questionado se estes números possibilitariam a um maior desafogo na preparação do Orçamento do Estado de 2018, Centeno deu a entender que isso não se verificará.

“Estamos a preparar o cenário macroeconómico para 2018, as projecções têm sido feito de forma muito prudente. O próximo ano vai ser preparado no mesmo contexto. Há medidas que são muito relevantes e que estão previstas desde o início, como devolução de rendimentos aos trabalhadores com rendimentos mais baixos”, avançou Centeno, acrescentando que, no caso das pensões, vai ser cumprida a lei de bases que prevê um aumento indexado à inflação e crescimento.

Em relação ao desemprego, Centeno disse que Portugal tem mais 160 mil empregos e menos 90 mil desempregados, e que a taxa de desemprego está agora nos 9%.

O Governo estima que o peso da dívida se reduza para 127% do PIB no final do ano.

Procuram-se famílias de acolhimento para receber estudantes estrangeiros

in Diário de Leiria

Carla e Miguel Gaspar, com dois filhos de 16 e 19 anos, já receberam na sua casa, em Leiria, dois estudantes da Tailândia e Argentina. Uma experiência que lhes deu a conhecer novas culturas, fazendo parte de um vasto leque de famílias que têm vindo a acolher estudantes estrangeiros em Portugal.

A Associação Intercultura (AFS) está à procura de famílias de acolhimento. Para o próximo ano lectivo são esperados 92 estudantes de 30 países diferentes que vão viver em Portugal durante um trimestre, semestre ou um ano lectivo, e estudar numa escola secundária. Os estudantes chegam de países como a Alemanha, Costa Rica, Estados Unidos, Hungria, Itália, Japão, República Dominicana, Sérvia, Tailândia, Turquia ou Venezuela, entre outros.

Segundo faz saber a AFS, as famílias podem residir em qualquer localidade de Norte a Sul do País, incluindo nas ilhas, “uma vez que a associação conta com núcleos de voluntariado local que apoiam a experiência de acolhimento”.

No caso de Leiria, Carla e Miguel Gaspar receberam em sua casa dois estudantes, um da Tailândia, no ano lectivo 2015­/2016, e outro da Argentina, no ano lectivo que terminou. Sobre a última experiência, contam que o estudante lhes deu “a conhecer a sua cultura”, da mesma forma como lhe deram a conhecer Portugal.

Campanha angariou 4,5 toneladas de alimentos

in Correio do Minho

A Rede Social de Esposende promoveu mais uma Campanha de Recolha de Bens Alimentares, sob o mote ‘Porque há boas causas, Seja Solidário!’. A acção decorreu em três hipermercados do concelho e possibilitou a angariação de cerca de 4,5 toneladas de alimentos.

Uma vez mais, a população contribuiu generosamente para esta causa solidária, realizada com a colaboração de entidades e voluntários. No total, foram doados cerca de 4,5 toneladas de alimentos, correspondendo a 7 193 bens doados, o que denota que a comunidade continua sensível à situação das famílias mais vulneráveis. Os bens alimentares foram canalizados para a Loja Social de Esposende e serão posteriormente entregues às famílias carenciadas do concelho, previame
nte identificadas através dos técnicos de intervenção social, no âmbito do trabalho desenvolvido pela Rede Social

Estiveram envolvidos nesta campanha 46 voluntários, provenientes do Banco Local de Voluntariado, do Grupo de Jovens de Palmeira de Faro, da Liga dos Amigos do Hospital Valentim Ribeiro, do Rotary Clube de Esposende, do Lions Clube de Esposende, da Delegação de Esposende da Cruz Vermelha Portuguesa, do GTI, dos bolseiros da Câmara Municipal de Esposende e da comunidade em geral, que prestaram um total de 494 horas. A Rede Social, e em particular a câmara municipal, agradecem o contributo de toda a população, bem como a colaboração das superfícies comerciais, assim como todo o trabalho prestado pelos voluntários.

Roupas de todas as cores, brinquedos de todos os tipos, divisão de tarefas

Cristina Pereira, in Público on-line

A igualdade de género faz parte dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Sofia Neves e Luís Dias fazem da igualdade um estilo de vida e é nesse princípio que estão a educar o filho. Terceira de uma série de cinco reportagens sobre famílias com estilos de vida mais sustentáveis

Não é assunto que confine às aulas, que dá no Instituto Universitário da Maia (ISMAI), ou ao activismo, que exerce através da Associação Plano I. Sofia Neves faz da igualdade de género um estilo de vida. E isso nota-se na sua relação com o marido, Luís Dias, e na forma como ambos educam o filho, Rui, de 11 anos.
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A igualdade de género é um dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas em 2015. Da agenda global 2030 fazem parte metas como “acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas”, contribuir para o seu “empoderamento”; “reconhecer e valorizar o trabalho doméstico”.
Fazem sabonetes, produzem grande parte do que comem, só vestem roupa usada
Fazem sabonetes, produzem grande parte do que comem, só vestem roupa usada

“Para mim, o desafio maior, no que diz respeito à igualdade de género, é a educação”, começa por dizer Sofia. “Acredito que se começarmos a educar para a igualdade, para os direitos humanos, para a cidadania, para a paz, daqui a uns anos estaremos com as várias formas de desigualdade menos visíveis.”

A mudança pode começar dentro da casa de cada um. E é no apartamento da família Neves-Dias que estamos.

Nada chama a atenção para este lugar. É um apartamento de classe média situado num dos muitos prédios próximos do centro de Braga. Sentámo-nos em torno da mesa da sala, com as persianas corridas para afastar os raios de Sol, que bate quente. O cão, Emmet, como a personagem da Lego, “pede” para se juntar à conversa. E o filho, Rui, pede para sair. O rapaz prefere enfiar-se no escritório a jogar à distância com um amigo através do computador.

Há uma questão que se impõe de imediato. Como é que se educa uma criança para a igualdade? “Tentando esbater todas as diferenças com que as crianças esbarram no seu percurso de desenvolvimento”, responde Sofia. Tudo conta. A roupa que se lhes veste, os brinquedos que se lhes põe à mão, os interesses que se admite que desenvolvam.
Tomam banho depressa, enterram lixo orgânico, partilham carro eléctrico
Tomam banho depressa, enterram lixo orgânico, partilham carro eléctrico

“O Rui teve todos os tipos de brinquedos e vestiu roupas de todas as cores”, deslinda. “Ele tinha um babygro cor-de-rosa. Sempre que lho vestia, havia algumas tensões na família, porque não era suposto um bebé rapaz vestir um babygro daquela cor.” Não deixou de lho vestir por causa disso.

À medida que o filho foi crescendo, Sofia foi notando que havia nele algum desconforto com a paleta de cores do vestuário. Certo dia, já em idade escolar, o rapaz foi confrontado por colegas por usar uma T-shirt cor-de-rosa.

“Eu senti que aquilo lhe estava a causar algum mal-estar. E não o obriguei a voltar a vestir aquela T-shirt.” E ele nunca a escolheu. Não houve drama. “Veste aquilo que ele quer. Se for cor-de-rosa, muito bem. Se não for, muito bem na mesma.”

Teve bonecas, bonecos, carros, camiões, puzzles, uma enorme colecção da Lego e muitos outros brinquedos. Pôde escolhê-los de acordo com os seus interesses, alheio ao que a tradição atribui a meninos ou meninas. Cedo revelou preferência pela arte de encaixar pequenas peças de plástico ou cartão e isso facilitou a vida aos familiares e amigos que lhe queriam oferecer qualquer coisa.
Preconceito em relação aos feminismos

Sofia Neves fez o doutoramento em Psicologia Social na Universidade do Minho com a tese Desconstrução de Discursos de Amor, Poder e Violência em Relações Íntimas: Metodologias Feministas em Psicologia Social Crítica. Além de docente do ISMAI, é investigadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Interessa-se por exclusão social e violência com base no género, na etnia, na nacionalidade, na orientação sexual, na diversidade funcional e na idade. Trabalha com mulheres vítimas de violência, populações LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo), comunidades ciganas, pessoas em situação de sem-abrigo. E há uma linha que trespassa tudo aquilo em que ela se envolve: a luta pela igualdade de género.

“Não é possível promover a igualdade de género se não houver condições dignas de sobrevivência”, defende. “Não perdendo de vista esse eixo, tento realmente que outros possam ser trabalhados para que as pessoas de alguma forma se sintam respeitadas nos seus direitos, não apenas por serem mulheres ou homens, mas por serem mulheres e homens que têm determinadas características que as e que os tornam mais vulneráveis. E o feminismo para mim é isso.”

Começou a entusiasmar-se com os feminismos ainda nos seus tempos de estudante da licenciatura em Psicologia da Universidade do Minho. E é como feminista que se assume dentro e fora de casa.

“Há um estigma, um preconceito que deriva sobretudo da ignorância”, considera. “Muitas pessoas não sabem o que é ser feminista. O feminismo é um movimento social em prol da igualdade que assume o sexo feminino como prioritário, mas não ignora que há outras pessoas que são igualmente vulneráveis. As mulheres não são todas iguais e os homens também não são todos iguais.”

Quando descobriu os feminismos, já namorava com Luís. Quando começaram a namorar, ela tinha 15 anos. Casaram-se volvidos dez anos. E já lá vão 15 desde que isso aconteceu (com véu e grinalda como prova uma das fotografias da sala). Agora, conta 41. Ele é um pouco mais velho. Vai nos 44.

Nesta fase da conversa, há outra pergunta que se impõe. Como é que se mantém uma relação desde tão tenra idade durante tantos anos? “Com respeito, companheirismo, motivação para ir superando a dificuldades que vão surgindo”, diz ela. “Crescemos juntos”, corrobora ele. “Todas as etapas que fomos ultrapassando, vivendo. Acho que vamos sendo a muleta um do outro.”

Luís não tem o mesmo contexto profissional. Estudou Solicitadoria no ISMAI. Partindo da formação jurídica, desenvolve a carreira no sector dos seguros. E não foi educado para a igualdade de género em casa dos pais, em Viana do Castelo, como o filho está a ser. Ajustou o seu comportamento quando começou a partilhar a vida com Sofia. “As pessoas têm de assumir, quando pensam de forma errada, que estão a pensar de forma errada e que têm de mudar”, comenta.

Não foi só ele. “Toda a família se reconfigurou”, sublinha Sofia. “Para mim, é impensável que no Natal as mulheres estejam na cozinha e os homens na sala. Isso não é aceitável cá em casa. Os homens, mesmo os mais tradicionais e conservadores, acabam por sentir-se desconfortáveis por não partilhar as tarefas porque percebem que estão a pôr em causa aquilo que é um registo familiar.”

Na divisão de tarefas domésticas, tentam respeitar as preferências um do outro. Sofia detesta passar a ferro, Luís gosta de passar a ferro. Donde, é ele que passa a ferro. Luís detesta lavar as casas-de-banho, Sofia não se importa de as lavar. Logo, é Sofia que lava as casas-de-banho. Cozinhar será a tarefa que dividem de uma forma mais equitativa.

Esperam que Rui aprenda com o exemplo e com as conversas. Participa nas suas tarefas - põe a mesa, limpa a louça, faz a cama. “Desde muito cedo, começamos a falar com ele sobre questões LGBTI, normalização da diferença. Temos tentado que seja uma criança atenta às desigualdades, sejam elas étnicas, sociais. E que esteja presente em alguns momentos que para nós são importantes”, diz Sofia. Ainda há pouco, seguiu na marcha LGBTI.

Neste apartamento, há um livro protagonizado por um menino chamado Rui. Sofia aliou-se a Joana Miranda e ao ilustrador Luís Romano para fazer A Minha Família é a Melhor do Mundo. E a Tua? (Isto é Editora), que apresenta como um convite para repensar a ideia de família e de igualdade.
Dançar ballet? Talvez não

Metemos conversa com Rui, a tentar perceber se absorveu o debate de género que agora domina as reivindicações LGBTI. O que é um homem e o que é uma mulher? “Um homem é uma pessoa masculina e uma mulher uma pessoa feminina. O que os distingue são os órgãos genitais”, retorque. Não afirma, como a mãe, que o género depende da identidade e não de características do corpo, mas recusa os tradicionais papéis de género. Quando se lhe pergunta se há actividades próprias para meninos e actividades próprias para meninas, responde: “Não!”

Passou agora para o 6.º ano. Continua a gostar de encaixar as pequenas peças fabricadas pela Lego, mas também gosta de ler livros e histórias e aventuras, de jogar no computador, de dançar. E nada, nada lhe dá tanta alegria como dançar. Duas vezes por semana tem aulas de hip hop. A professora, que é uma bailarina clássica, já o desafiou a tentar uma aula de ballet. Recusou.

Não acha que o ballet é uma dança de meninas, mas não deixou de comentar com a mãe: “O que é que os meus amigos da escola iriam pensar?!” E os pais acham tudo isto “muito interessante”. O ballet não é a sua dança de eleição. Se fosse, talvez quisesse experimentar, cogita Sofia. “Sempre deixámos que fizesse as escolhas que para ele são mais adequadas, independentemente de ele ser um menino”, analisa. “Sempre tentámos que não se sentisse constrangido pela sua pertença de género. Temos tentado, desde muito cedo, passar-lhe essa ideia de liberdade. Ele sempre teve liberdade para escolher. Ele está constantemente a ultrapassar barreiras. E ultrapassá-las é difícil. Há muita pressão social para a conformidade de género.”

O que a experiência lhes vai mostrando é que uma família, sozinha, não consegue desconstruir todas as ideias feitas que existem sobre o que é ser um menino e sobre o que é ser uma menina. “Ou tem na escola, nos media, na organização social de um modo geral, um respaldo ou muito dificilmente consegue atingir os objectivos a que se propõe”, resume Sofia. E é, também, por isso que lhe parece tão importante levar a luta pela igualdade de género para fora de casa.

A Associação Plano I, a que preside, foi fundada no final de 2015. Queria “encontrar uma resposta que achava que não existia ainda na zona Norte do país e que agregasse diferentes lutas em prol dos direitos humanos”. Desafiou “algumas pessoas de áreas interdisciplinares que estavam envolvidas no activismo, na investigação ou na docência”, como a socióloga Sílvia Gomes. Em vez do género, da idade, da nacionalidade, da etnia, da orientação sexual, valorizar-se-á em cada um aquilo que tem de mais específico, isto é, a sua história, o seu percurso e a sua cultura.

Está a crescer mais depressa do que alguma vez imaginou, a Associação Plano I. Responde pelo Centro Gis, a primeira unidade no Norte do país dedicada às necessidades da população LGBT, que funciona no edifício da antiga câmara de Matosinhos, na Rua Brito Capelo. Responde pelo Gabinete de Apoio a Vítimas de Violência no Namoro, que funciona dentro do ISMAI. E responde pelo UNIgualdade — Programa de Promoção da Igualdade e da Diversidade Social e de Combate à Violência Doméstica e de Género, que forma para a igualdade de género públicos estratégicos.

Vão desenvolvendo outras actividades em parcerias com outras associações. O lado mais visível dessa atitude será a dinamização do Conselho Consultivo para as Questões LGBTI. “Acreditamos no trabalho em rede, procuramos que as nossas acções sejam acções em colaboração”, resume.
Prioridade para a prevenção

Sofia valoriza as várias linhas de acção, mas interessa-se, sobretudo, pela prevenção. “Temos problemas instalados de desigualdade que não podem ficar dependentes de um caminho que vai demorar gerações a fazer, mas para mim a prioridade deve ser a prevenção e a prevenção pela educação, não a prevenção avulsa, desorganizada, que não chega a todo o lado, que está dependente de projectos a prazo”, diz.

Na sua opinião, “estas temáticas são tratadas nas escolas de um modo muito pouco aprofundado”. Não é que não haja ferramentas. Há os Guiões de Educação, Género e Cidadania, encomendados pela Comissão para a Igualdade de Género (CIG). Os professores podem usá-los no pré-escolar, no 1.º, 2.º e 3.º ciclos. Além de enquadramento teórico sobre igualdade, encontram aí exercícios e jogos que, por exemplo, invertem os estereótipos nas profissões e tarefas domésticas.

Em 2012, Comissão Europeia inseriu estes guiões no rol de Boas Práticas em Género e Educação. Em 2015, o Conselho da Europa incluiu-os na compilação Boas Práticas no Combate aos Estereótipos de Género na e Através da Educação. No ano lectivo que agora terminou, a CIG fez uma aposta nas acções de formação para professores. Mas, critica Sofia, continua tudo muito dependente da boa vontade dos professores. Atenção: não diz “professores”, diz “professores e professoras”.

Há, no discurso de Sofia, a constante preocupação de referir mulheres e homens. “A linguagem inclusiva é uma bandeira”, admite. Sabe que há fortes críticos desta opção. Isso não lhe interessa. Tão-pouco lhe interessa se é prático. “Parece-me uma coisa básica numa sociedade que se diz democrática e que é constituída por mulheres e homens. Utilizar o masculino como universal neutro não me faz sentido. Não me sinto representada quando alguém se refere a mim como o Homem”, remata. Não impõe isso. Rui vai tendo essa preocupação quando está perto da mãe. O marido não.

14.8.17

Um pilar da política de saúde

Manuel Lopes, in Jornal de Notícias

É do domínio público que Portugal é um país envelhecido. Tal significa que criou condições de desenvolvimento que permitiram às pessoas terem uma esperança de vida superior à média da União Europeia (UE). Apesar disso, precisamos de ter consciência que, não obstante vivermos mais anos que a média da UE, vivemos menos anos com saúde. Assim, não sendo o envelhecimento um problema, passa a sê-lo a partir do momento em que ao mesmo está associada a doença.

Neste contexto, preconizam-se políticas públicas que criem condições favoráveis ao aumento do número de anos vividos com saúde e, simultaneamente, que promovam a recuperação da saúde (lato sensu) das pessoas portadoras de doenças.

É neste enquadramento que devemos entender um conjunto diversificado de iniciativas que estão em curso e que se constituem como uma estratégia integrada e coerente de respostas aos desafios do envelhecimento. De entre estas destacamos a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (em consulta pública), a qual se enquadra numa perspetiva de promoção e prevenção e cuja missão se foca na promoção da saúde e do bem-estar, ao longo do ciclo de vida como forma de garantir a capacidade funcional, a autonomia e a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem.

Também as medidas que têm sido desenvolvidas no âmbito da reforma dos Cuidados Continuados Integrados (CCI) se incluem nesta dinâmica, enquadrando-se estas no grupo das medidas que visam a reabilitação, a readaptação e a reintegração social e a provisão e manutenção de conforto e qualidade de vida, mesmo em situações irrecuperáveis.

De entre estas destacamos não apenas o incremento do número de respostas institucionalizadas, mas principalmente o trabalho em curso que visa um forte incremento da resposta de cuidados domiciliários. Ou seja, as medidas em curso (incremento e capacitação das Equipas de Cuidados Continuados Integrados e criação das Unidades de Dia e Promoção de Autonomia) criarão condições para que as pessoas permaneçam no seu espaço de pertença pelo máximo tempo possível. Estas respostas precisam de ser acompanhadas pelas medidas dirigidas aos cuidadores informais, sendo que também aí estão em curso os trabalhos necessários à sua criação. A evidência científica permite-nos perceber que esta estratégia é, simultaneamente, a mais adequada às necessidades das pessoas e a mais económica.

Destacamos ainda o alargamento das respostas de cuidados continuados a grupos de pessoas com necessidade específicas, como sejam os casos das afetadas por doença mental grave, e das crianças com doença crónica complexa. Relativamente às primeiras, foram já celebrados cerca de 50% dos cont

Finalistas do Ensino Superior preocupados com desemprego

Sapo.pt

Os estudantes finalistas do Ensino Superior no país manifestaram no fim-de-semana preocupação pelos altos níveis de desemprego na juventude.

Para minimizar a situação, a Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique está a promover feiras de projectos de empreendedorismo. Falando na abertura da segunda Feira Nacional de Projectos, o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, recomendou os jovens a apostarem no auto-emprego socialmente aceitável.

Marques Mendes: PIB terá crescido "ligeiramente acima dos 3%"

in Negócios on-line

Luís Marques Mendes disse esta noite que o crescimento da economia terá crescido ligeiramente acima dos 3% no segundo trimestre.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga amanhã, 14 de Agosto, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) entre Abril e Junho e de acordo com as estimativas dos analistas contactados pela Lusa, a economia portuguesa terá crescido, em média, 0,4% em cadeia no segundo trimestre e 3% face ao mesmo período do ano passado.

Hoje, no seu comentário no Jornal da Noite, Marques Mendes declarou que, "ao que apurei, [o crescimento homólogo do PIB] será superior aos 2,8% do primeiro trimestre e até ligeiramente acima dos 3%".

Marques Mendes recordou o novo aumento das exportações – 12,5% no semestre –, bem como uma nova descida da taxa de desemprego – 8,8% no semestre. "Tudo isto é muito positivo", disse.

"Estamos a crescer muito acima da previsão do Governo. É bom. Estamos a crescer de forma correcta – sobretudo, a partir das exportações e do investimento. É bom. Estamos a crescer de forma saudável – diminuindo o desemprego, de forma mais rápida do que se previa. É bom", sublinhou o antigo líder do PSD.

"Vamos ter o maior crescimento desde o início do século", acrescentou Marques Mendes ao referir-se ao lado bom da economia.

Antecipação de dados gera tensão com INE

Marques Mendes já antecipou algumas vezes a divulgação de dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), o que lhe valeu críticas. O último caso sucedeu no seu comentário de 23 de Julho na SIC, em que apresentou dados do desemprego como novos, que afinal não o eram. O INE, que até aqui evitara reagir às antecipações do comentador, não gostou e, num esclarecimento enviado às redacções, acusou o comentador de "falsa antecipação" de dados.

O comentador tinha dito que o INE iria dar conta de uma "descida" da taxa, de 9,5%, valores de Abril, para 9,4% em Maio, mas o Instituto Nacional de Estatística explicou que os 9,4% diziam respeito a uma estimativa provisória já antes divulgada. Quanto à previsão definitiva, ainda estava por fazer o trabalho de apuramento.

O lado mau da economia

No seu comentário deste domingo, Marques Mendes também chamou a atenção para a repetição dos erros do passado. "O crédito ao consumo e ao imobiliário está demasiado elevado. É mau. Se as pessoas estão muito endividadas, correm o risco de ficar ainda mais endividadas no futuro. O crédito às empresas está muito baixo. É mau. Não se incentiva o investimento produtivo. Ficamos pelo imobiliário, o que não é saudável", afirmou.

Luís Marques Menes prosseguiu, dizendo que a poupança está em níveis muito baixos. "Devia estar a ser estimulada", apontou.

Além disso, "o investimento público continua a cair. O que é muito perigoso. Dá cabo dos serviços públicos. Veja-se o exemplo dado esta semana pelo Comandante da PSP do Porto: como o Estado não investe, o número de efectivos da PSP é o mesmo de há 70 anos", rematou.


Norte tem 177 mil na lista dos centros de emprego

in Correio da Manhã

Vila Nova de Gaia, Porto e Gondomar estão no topo da tabela do desemprego na região.

No final de junho, havia 176 798 desempregados inscritos nos centros de emprego da região Norte. De acordo com os dados estatísticos do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), o concelho de Vila Nova de Gaia registava o maior número de desempregados (21 647), seguido do Porto (15 505) e de Gondomar (10 472). Em comparação ao final do primeiro semestre do ano passado, a região tem menos 39 425 desempregados. Os números do IEFP revelam que há mais mulheres sem emprego (97 590) do que homens (79 208) e mais 20 mil cidadãos inscritos há um ano ou mais do que pessoas que perderam o emprego há menos de 12 meses. Dos quase 177 mil desempregados do Norte, 19 111 procuram o primeiro emprego. No bolo da estatística por faixas etárias, a maior fatia é entre os 35 e os 54 anos (76 202), mas mais de 51 mil nortenhos sem posto de trabalho certo têm 55 anos ou mais. O desemprego jovem afeta 18 645 portugueses com menos de 25 anos no Norte. Na tabela que agrupa os inscritos por níveis de escolaridade, a maioria vai para os que completaram apenas o primeiro ciclo do Ensino Básico (43 737). Há, no entanto, mais de 21 mil com Ensino Superior concluído. A região do Tâmega e Sousa, que inclui onze concelhos, contava com 21 410 inscritos, com maiores números em Penafiel (3551), no Marco de Canaveses (3379) e em Amarante (2914).



Observar a humanidade através do cinema

António Loja Neves, in Expresso

Da paixão de um historiador francês da arte cinematográfica pela região minhota melgacense nasceu um Museu do Cinema e a ideia de um festival internacional de documentários que vingou em Melgaço e ali cresce há quatro anos, fadado para desenvolver-se. Todos os anos, cinema com gente dentro

O festival Filmes do Homem, na vila de Melgaço, no extremo norte minhoto de Portugal, é organizado pela Associação de Viana do Castelo AO NORTE e dirigida por uma atrevida equipa coordenada por Carlos Eduardo Viana e por Rui Ramos, propõe um significativo lote de obras e premeia três documentários, dois portugueses e um estrangeiro de longa-metragem. Este ano foram contemplados a longa-metragem portuense “Tarrafal”, de Pedro Neves, e “Cidade Pequena”, a curta de Diogo Costa Amarante, já destacada em Berlim, bem como a melhor longa-metragem internacional “La Chambre Vide”, de Jasna Krajinovic.

Pedro Neves venceu o prémio de melhor documentário português com um trabalho em torno da memória de um dos antigos bairros da periferia da cidade do Porto, famigerado pela fama da sua carga de exclusão, e certamente por isso denominado Tarrafal. Tem uma história tumultuosa, mas o seu momento crucial terá sido a decisão de o abater ao efetivo, o que o transformou num monte de lixo e de escombros, por onde vagueiam surpreendentes personagens que fazem parte da sua história e não conseguem separar-se definitivamente daquele espaço e das suas recordações, mesmo quando é suposto não serem as melhores…

Entre a resistência dos que permanecem naquele território juncado de fantasmas e de restos putrefactos de edificações entretanto esmagadas por maquinarias a mando da câmara municipal, vamos conhecendo as confidências de antigos habitantes, “agarrados” nas memórias antigas e que deambulam perdidos como se lhes arrancassem a alma e parte importante da razão de viver. Anos depois da demolição do casario, dispersados os habitantes por outras localidades, ali persiste ainda a relação inesperada, quase umbilical, de um punhado de gente excluída que não consegue recuperar a vida que, dizem, lhes foi roubada quando o bairro se desmoronou e deixou de fazer parte da sua existência. Duro, quase fantasmagórico, o filme dá voz aos que ainda por ali vão relembrando outros tempos que não há maneira de salvar das ruínas…

Já a obra vencedora de melhor documentário de curta ou média-metragem internacional, trabalho de fim de mestrado de Diogo Costa Amarante num instituto norte-americano, discorre sobre o imaginário e os receios de Frederico, uma criança de seis anos que acaba de descobrir na escola que as pessoas morrem quando o coração para de bater. Naquele dia não consegue dormir e a mãe tem que cumprir, com ele, um longo fadário até à reconquista da serenidade e do almejado equilíbrio. Deste filme se pode dizer ser o de um “one man show”, pois Andrade, para além da cumplicidade familiar no apoio ao financiamento, foi realizador, produtor, argumentista, diretor de fotografia, de montagem e de som. Resultado deste esforço, conquistou o Urso de Ouro da Berlinale deste ano, para uma curta-metragem. A ousadia do formato pelo que optou, pouco comum em cinema, e para mais com referências a período clássico da pintura, valeu-lhe o destaque em Berlim, e a conquista da ‘torre de menagem’ em Melgaço.
“Quarto Vazio”, uma obra em torno as famílias desfeitas por causa da fuga de filhos para se incorporarem nas fileiras do Daesh

“Quarto Vazio”, uma obra em torno as famílias desfeitas por causa da fuga de filhos para se incorporarem nas fileiras do Daesh

A melhor longa-metragem internacional, “O Quarto Vazio”, foi entregue à eslovena Jasna Krajinovic, para a sua co-produção fanco-belga “O Quarto Vazio”, que regista a dor, a surpresa e o estupor de uma mãe, Saliha, quando percebe que o filho partiu abruptamente para a Síria, a fim de incorporar-se nos exércitos que fazem a jihad. Ainda mal refeita da notícia, três meses depois a família é informada da sua morte. Destroçada, Saliha decide intervir e juntar-se ao movimento de outros pais cujos filhos um dia, sem deixarem notícia disso ou qualquer rasto, partiram para a Síria e integraram os combates islâmicos.
Caminhos (quase) desconhecidos da vida do cantor José Afonso…

Além dos vencedores, houve filmes que possibilitaram o visionamento de obras em torno de temáticas candentes, aproveitadas para debates e acesa troca de ideias entre cineastas e público. Destaquemos “Rosas de Ermera”, um trabalho muito sensível a propósito da separação da família do cantor José Afonso, quando a Segunda Guerra Mundial a dividiu, e que teve que deslocar-se de Lourenço Marques, onde o pai era juiz, para Timor, regressando os dois irmãos mais velhos – entre eles Zeca Afonso, na altura com 10 anos – a Portugal, para casa de familiares, já que em Díli não havia condições para continuarem os estudos. Dessa difícil separação, alimentada pelos trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e pela invasão japonesa daquele território colonial português, Luís Filipe Rocha tece uma delicada teia de memórias entre a irmã, que acompanhou o pai na ida para Timor, e o irmão que sobreviveu após o falecimento de Zeca Afonso, uma renda precisa, que Rocha respeita com sensibilidade e escrúpulo, aproveitando a surpreendente capacidade de memória vivaz dos dois ‘narradores’ que vão construindo os episódios das suas vidas naquela época conturbada, independentes um do outro. Um filme a não perder e a merecer cuidada divulgação, por um lado porque quase nada se sabe daquela fase da história pessoal do cantor, e por outro porque se trata de um testemunho histórico de testemunhos de uma fase da Grande Guerra de que quase ninguém fala ou analisa.
“Terceiro Andar”, de Luciana Fina, aborda o cruzamento de culturas e de sentimentos em plena cidade de Lisboa

“Terceiro Andar”, de Luciana Fina, aborda o cruzamento de culturas e de sentimentos em plena cidade de Lisboa
…e histórias do Bairro das Colónias

A italiana Luciana Fina veio viver para Lisboa há mais de 20 anos, passando a habitar na cidade do Tejo antes de ela ser moda para os europeus, e quando os estrangeiros aqui estabelecidos no velho centro histórico da cidade, à freguesia de Arroios, começavam a estruturar uma comunidade heterogénea, multicolor e multicultural. Luciana vive num clássico edifício de quatro andares do denominado Bairro das Colónias, e ali foi criando laços sociais que hoje são já de amizade. Num cruzamento de culturas ancestrais e hábitos quotidianos, num tributo coletivo pelas formas diversas de encarar sentimentos, a realizadora decide trabalhar um filme em torno destas descobertas transportadas por línguas diversificadas. Afinal, nesta ‘babilónia’ intercontinental, em que língua se escreve uma declaração de amor?
“Ilha dos Ausentes” refere uma viagem entre a França e Portugal num carro com emigrantes portugueses, em período de férias

“Ilha dos Ausentes” refere uma viagem entre a França e Portugal num carro com emigrantes portugueses, em período de férias
Do filósofo parisiense e a guerra…
… até ao emigrante português e a viagem ao país

Sempre polémico, o filósofo e escritor francês Bernard-Henri Lévy desloca-se com uma equipa de operadores de câmara até o Oriente. A viagem, complexa, decorre entre julho e dezembro de 2015. Percorrem os 1000 quilómetros da linha da frente que separa o Curdistão iraquiano da região onde estão estacionadas as tropas do Daesh. O filme apresentado em Melgaço é uma espécie incomum de um diário de bordo em imagens, privilegiada de um conflito de que muito se fala mas é muito mal estudada e onde se jogam decisivas páginas da História global da humanidade.

José Vieira, emigrante em França desde 1965, é um dos principais realizadores que foram registando o fenómeno da emigração, e não apenas o êxodo português, desde os tempos dos ‘bidonvilles’ de barracas atoladas no meio da lama, até ao novo período dos grandes carros, as vistosas ‘bagnoles’, testemunho mais recente da riqueza e do progresso acumulados, tantas vezes menos verdadeiros mas alugados pelo período de férias para impressionar os que por aqui decidiram ficar na terreola. Ele realizou cerca de trinta documentários incidindo neste particular, que ficam como importante testemunho, insubstituível, da saga da emigração portuguesa.

Este ano trouxe “A Ilha dos Ausentes”, registo que dura uma hora sobre a viagem que traz de volta ao país de nascimento os que fugiram à miséria e à guerra colonial, em demanda de quimeras. Trata-se de um filme ‘fechado’, dentro de um carro “onde se permanece, ao longo dos quilómetros de estrada, sob custódia da nossa memória, num dia único estafante”, um percurso que serve perfeitamente para “nos interrogarmos sobre a relação que nos une ao país da nossa infância”.

Os filmes apresentados no Minho concorrem ao Prémio Jean Loup Passek, reconhecido historiador e crítico francês falecido no ano passado, que se apaixonou pela paisagem de Melgaço e à vila doou grande parte do seu espólio, constituído por livros, fotografias e cartazes temáticos, documentos, câmaras e outros aparelhos cinematográficos históricos que estão na origem da constituição do pequeno mas interessante Museu de Cinema local. A Câmara Municipal, dirigida por Manoel Calçada Pombal, cuida e mantém aberto o estabelecimento, e do entusiasmo do presidente da edilidade e sua compreensão sobre o interesse de registar e debater temáticas que respeitam à região, nasceu e tem crescido o Festival de Cinema Documentário Filmes do Homem, privilegiando tês vetores: identidade, memória, fronteira. Num território português dos mais marcados pela emigração e, outrora, pelo contrabando, estes temas são cruciais e trazem anualmente novas abordagens, até pelo olhar dos jovens que frequentam as experiências da residência cinematográfica coordenada pelo cineasta Pedro Sena Nunes, e que a cada ano permitem a aumento do acervo do arquivo de imagens sobre Melgaço e paragens limítrofes.

Esta iniciativa, que conjuga visionamento de filmes e amplos debates, é um laborioso trabalho que garante um olhar plural sobre o mundo contemporâneo, não deixando de parte a importância da preservação da memória da vida melgacense, dos hábitos e das festividades dos seus habitantes.