Samuel Silva, in Público on-line
Há menos oito mil lugares para alunos do superior no sector privado. Oferta virou-se para o turismo e para os nómadas digitais. A que existe, está mais cara 10%. O plano do Governo continua a marcar passo.
“Este ano vai ser ainda mais difícil para um estudante encontrar casa”. A certeza do presidente da Federação Académica de Lisboa, João Machado, sintetiza um cenário difícil que os estudantes do ensino superior vão enfrentar nas próximas semanas, quando começarem as aulas do novo ano lectivo. Há muito menos quartos disponíveis – a queda na oferta chega aos 80% – e a preços estão 10% mais elevados face ao ano passado. Nas residências públicas, os investimentos ficaram parados à espera do dinheiro da “bazuca” europeia.Interactivo: veja aqui se entrou na universidade e quantas vagas restam
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No mercado privado, havia, em Setembro do ano passado, 9884 anúncios de quartos disponíveis para estudantes em todo o país. Este ano, são 1973, segundo o último relatório do Observatório do Alojamento Estudantil, que é publicado pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES).
A diminuição do número de quartos é transversal a todo o país. Há cidades com populações universitárias importantes onde praticamente não há oferta neste arranque do ano lectivo: Aveiro tem 32 quartos, Setúbal, 34, e Braga, 64. No entanto, a quebra mais acentuada é a que se verifica na cidade de Lisboa onde, no início do ano passado, havia 3706 anúncios de arrendamento para alunos do superior e, neste momento, são apenas 764.
Segundo Guilherme Farinha, da Alfredo Real Estate Analytics, start-up portuguesa que é responsável desde há dois anos pelo Observatório do Alojamento Estudantil, “há efectivamente uma redução dos quartos disponíveis” no mercado. A empresa não alterou a sua metodologia de recolha e tratamento de dados, que continuam a ter como origem mais de duas dezenas de plataformas como portais imobiliários e sites de agências do sector.
Os dados mostram que não só há menos quartos para arrendar a estudantes neste ano lectivo como os preços a que estes estão no mercado são mais elevados do que no ano passado. O preço médio de um quarto passou de 268 para 294 euros mensais – uma subida de 10%. A comparação é feita, mais uma vez, entre o relatório de Setembro do ano passado e o de Setembro deste ano do Observatório do Alojamento Estudantil.
Os preços sobem em todo o país, mas de forma particularmente expressiva nas cidades do Porto – onde o custo médio de um quarto aumentou de 250 para 324 euros mensais no espaço de um ano –, Lisboa (mais 55 euros por mês, fixando-se agora em 381 euros) e Braga (subida de 50 euros, para 250 euros em média).
Estes valores estão bem acima do apoio que o Estado dá aos estudantes carenciados que não conseguem lugar nas residências universitárias, que chega, no máximo, aos 288 euros mensais, para quem estuda nos concelhos de Lisboa, Cascais ou Oeiras. Na generalidade do país, o complementado de alojamento fica-se pelos 221,60 euros mensais.
Turistas e nómadas digitais
Tanto a redução da oferta como o aumento de preços sublinhados pelos dados do Observatório do Alojamento Estudantil não surpreendem as associações de estudantes. “Todos os dias temos tido contactos de famílias que não estão a conseguir encontrar casa ou, quando conseguem, têm preços demasiado altos”, conta a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Gabriela Cabilhas.
Há vários anos que aquela estrutura estudantil agrega e disponibiliza informação sobre oferta de alojamento existente na Área Metropolitana do Porto, mantendo, por isso, contacto próximo com muitos dos proprietários da região. Nas últimas semanas, “são os próprios senhorios que têm dito que os quartos já não estão disponíveis”, acrescenta a presidente da FAP.
Se não estão no mercado estudantil, para onde estão a ir estes quartos? “Provavelmente para o alojamento local”, responde João Machado, da Federação Académica de Lisboa. “Com o regresso em força do turismo, os proprietários fazem mais dinheiro a alugar à noite do que ao mês.”
Esta ideia é confirmada pelos senhorios. Os quartos que antes estavam disponíveis para os alunos do ensino superior “ou vão para os nómadas digitais ou para o alojamento local”, de acordo com a directora da Associação Lisbonense de Proprietários Diana Ralha.
Essa decisão não tem apenas uma motivação financeira – os nómadas digitais pagam rendas superiores e o mercado de alojamento local tem maior flexibilidade contratual, dimensões valorizadas pelos arrendadores –, mas decorre também de algum agastamento dos proprietários face às “constantes alterações legislativas no sector”, prossegue a dirigente. O travão à subida das rendas no próximo ano, anunciado pelo Governo no início desta semana, foi “a última estocada”.
Sem camas novas
Às dificuldades crescentes para encontrar um quarto no mercado privado, juntam-se os problemas já conhecidos de falta de oferta no sector público – onde existem cerca de 15 mil camas, menos de 15% do número de estudantes deslocados que existem, segundo um diagnóstico feito pelo Governo.
A concretização do Plano Nacional de Alojamento Estudantil (PNAES), criado pelo Governo para responder a este problema, arrasta-se desde 2018 devido a várias dificuldades de financiamento. No último ano, foram criados menos de uma centena de novos lugares em residências estudantis públicas, segundo dados recolhidos pelo PÚBLICO junto das instituições de ensino superior.
Os números oficiais sobre quantas camas novas e quantas renovadas foram criadas nas residências estudantis das instituições de ensino públicas ao longo do último ano e quantas camas novas e quantas renovas estão previstas até ao final do ano civil foram pedidos ao longo da última semana ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, mas a tutela não os disponibilizou.
Na resposta, o gabinete de Elvira Fortunato admite, porém, que o investimento em alojamento estudantil esteve em stand-by. “As instituições promotoras reservaram os investimentos previstos para beneficiarem desta fonte de financiamento”.
Em causa estão os 375 milhões que o Plano de Recuperação e Resiliência destina ao PNAES, garantindo a criação de 12 mil novas camas para estudantes – apesar de o número total de projectos aprovados suplantar o financiamento existente. Na próxima quinta-feira, os contratos de financiamento desse investimento serão assinados pelas entidades promotoras – que, além das instituições de ensino superior, incluem autarquias e outros organismos públicos – e o Primeiro-Ministro.