21.9.23

Professores que entraram no quadro vão ganhar menos do que quando estavam a contrato

Clara Viana, in  Público

Ministério assegura que vai entregar proposta para resolver situação. Os professores que vincularam com 50 ou mais anos também terão de trabalhar mais horas do que os seus colegas.


O Ministério da Educação (ME) garantiu, em respostas ao PÚBLICO que apresentará “em breve às organizações sindicais uma proposta de resolução” para as situações com que estão a ser confrontados muitos dos professores que entraram no quadro este ano, nomeadamente a obrigação de realizarem o chamado período probatório, uma espécie de estágio em que ficam bloqueados no 1.º escalão da carreira, apesar de já terem um longo percurso a dar aulas.


O ME esclareceu que “tem conhecimento destas situações”, que está “consciente das suas implicações” e por isso irá apresentar uma “proposta de resolução”. Em comunicado divulgado nesta quarta-feira, a Federação Nacional de Professores denunciou que muitos dos cerca de oito mil professores que entraram no quadro este ano vão receber menos do que se continuassem a contrato, devido à imposição da realização do período probatório, apesar de “todos eles terem muitos anos de serviço”.

Segundo o estipulado no Estatuto da Carreira Docente, "o período probatório destina-se a verificar a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível", tendo a duração mínima de um ano escolar. A sua prestação está prevista para o primeiro ano em que os docentes entram no quadro, mas noutros anos os professores nesta situação têm sido dispensados desta obrigação por já terem um longo percurso enquanto professores. Acrescente-se que durante o período probatório, o professor é acompanhado e apoiado, no plano didáctico, pedagógico e científico por um docente posicionado num escalão superior.

A Fenprof considera que “o que está a acontecer é absurdo e inaceitável” e exortou o ME a resolver a situação até ao final desta semana, sob pena de recorrer à justiça.
No quadro a ganhar menos

“Absurdo” é também um termo recorrente entre os docentes que se arriscam a ficar a marcar passo mais um ano, alegadamente para provarem que são competentes para darem aulas quando não fazem outra coisa há já muito tempo.


A Nuno Silva, professor do 1.º ciclo, com 22 anos de tempo de serviço, já lhe comunicaram que deve apresentar o pedido para aulas assistidas. No agrupamento de Lisboa onde ficou colocado não o informaram de mais nada. “Tudo o que fazem deixa-me cada vez com menos vontade de continuar na educação”, desabafa neste que é o seu primeiro ano como professor de carreira.

Augusto Pinho, professor de História do 3.º ciclo, tem quase 22 anos de tempo de serviço, repartidos entre o ensino privado e o público, onde vinculou este ano em Portimão, apesar de ser de Ovar. Os procedimentos para a realização do período probatório ainda não foram lançados, mas este docente duvida que escape. Actualmente existem dois requisitos que têm de ser cumpridos em simultâneo para pedir a dispensa desta espécie de estágio: ter 730 dias de serviço efectivo nos últimos cinco anos imediatamente anteriores ao ano escolar em causa e, pelo menos, cinco anos de serviço docente efectivo com avaliação mínima de Bom.

Augusto Pinho cumpre o primeiro requisito, mas só tem quatro avaliações contabilizadas no ensino público. Se as condições exigidas não forem alteradas, como também já propôs a Federação Nacional da Educação (FNE), ficará a receber os cerca de 1200 euros com que tem tentado sobreviver, estando deslocado no Algarve, não poderá acumular horas noutro trabalho que lhe permitira compor o rendimento mensal, para além de ter de repetir o que já fez há mais de duas décadas. “No início da profissão realizei um estágio pedagógico, que então era remunerado, em que fui titular de turmas a quem dava aulas”, conta. Tudo acompanhado por professores mais graduados.

“É uma espécie de limbo”, diz agora a propósito do período probatório, que fará também com que fique “prejudicado” em relação a professores que continuam a contrato, como ele teve até este ano. Em vez e ser reposicionado na carreira em função do seu tempo de serviço, vai ficar a “ganhar menos do que um contratado”. “Quem beneficia é o Estado que vai poupar muitos euros” com esta situação, acusa.

O dirigente da Fenprof, Vítor Godinho, explica a base desta “discriminação”. Devido a uma nova imposição da União Europeia, o ME está obrigado a reposicionar os professores contratados em função do seu tempo de serviço. Em vez de ficarem sempre no mesmo índice remuneratório poderão subir até três calões. É o que está a ser feito já este ano. Como os professores em período probatório ficam parados no 1.º escalão, os docentes que entraram agora para o quadro ganharão menos do que se tivessem continuado a contrato.


“Estão a penalizar os que deixaram de ter um vinculo precário, o que é de constitucionalidade duvidosa”, aponta Vítor Godinho, frisando também que o período probatório “perdeu todo o sentido” a partir do momento em que os professores entram no quadro já com muitos anos a dar aulas.


Os docentes que entraram no quadro este ano arriscam-se também a ser penalizados de outro modo já que, denunciou também a Fenprof, lhes “estão a ser negadas, o que nunca aconteceu, as reduções de componente lectiva previstas no Estatuto da Carreira Docente, o que os discrimina em relação aos outros docentes dos quadros”. A partir dos 50 anos os professores têm direito a uma redução do número de horas de aulas que dão, embora o seu horário semanal continue a ser de 35 horas por semana.

Trabalhar mais horas

Com base em respostas que a Direcção-Geral da Administração Escolar tem dado a dúvidas de escolas e professores, Vítor Godinho especifica que têm sido dadas orientações para que esta redução só seja aplicada a partir do próximo ano lectivo. “Não vemos nenhum outro motivo para tal que não seja a tentativa do ministério de combater a falta de professores seja por meios legais ou ilegais”, destaca o dirigente da Fenprof. Trabalhando mais horas do que o previsto pela lei, estes professores assegurarão assim ais horários que, caso contrário, estariam vagos.



Por agora, Inês Sanches tem 22 horas de aulas a dar, o máximo do 2.ºciclo ao secundário, apesar de já ter 68 anos. Conforme o PÚBLICO deu conta, foi com esta idade que entrou no quadro este ano. Oficialmente ainda não foi informada de qual será o seu futuro próximo: “Dizem que o Ministério da Educação é que tem de dar directrizes”.


Professores que entraram no quadro vão ganhar menos do que quando estavam a contrato
Inês Sanches conta, contudo, que nos corredores já se fala, desde terça-feira, no período probatório e no adiamento das reduções da componente lectiva. Vai esperar por ter informação oficial sobre a situação, mas depois de tantos anos a contrato não vai abdicar de mais direitos: “Não podem descer mais baixo com os professores do que já o fizeram.”

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