Bloomberg, in Público online
A Europa aqueceu mais rápido do que o resto do mundo e o sector agrícola é o mais afectado. Medidas para combater a seca são debatidas em Espanha, mas desagradam a agricultores e conservadores.
Uma rede de poços escavados na Idade Média permite aos agricultores da aldeia de Letur, no Sul de Espanha, cultivar oliveiras, tomates e cebolas numa das regiões mais áridas da Europa. Agora, a seca, que se alastra por todo o continente, ameaça até mesmo este antigo oásis.
Um complexo sistema tem mantido a terra da aldeia húmida e fresca ao longo de guerras, invasões estrangeiras e desastres naturais. Mas os 200 agricultores que dele dependem começam a preocupar-se pela primeira vez, à medida que os níveis de água em múltiplas e gigantescas barragens espanholas descem para mínimos sem precedentes e os canais construídos nos anos 70, que transformaram a região circundante numa potência agrícola, começam a secar.
Se a seca se prolongar por muito mais tempo, Luis López, um olivicultor de 43 anos, receia que as explorações industriais vizinhas, que utilizam o moderno sistema de irrigação para cultivar culturas com grande consumo de água, como a alface e a melancia, comecem a explorar as reservas preservadas de Letur.
“Sinto-me como se fôssemos a última aldeia gaulesa da banda desenhada Astérix”, diz López, referindo-se à saga de ficção sobre a aldeia que resiste à ocupação dos romanos. “Preocupa-me que, quando eles ficarem sem água, venham buscar a nossa.”
A seca só vai intensificar esta batalha pela água. Alfonso Sánchez, professor de matemática e ambientalista
A Espanha, uma região desértica da União Europeia, sofre com a seca mais severamente e por mais tempo do que outras grandes economias da UE. A sua proximidade com África coloca-a directamente no caminho das correntes de ar quente que se dirigem a norte, vindas do deserto do Sara.
Mas o calor não abranda em Espanha; o tempo mais quente e seco torna-se a norma em toda a Europa. A batalha da água que se trava em Letur é um presságio de conflitos que se vão desenrolar noutros locais e o que quer que aconteça à indústria agrícola espanhola — uma das principais fontes de abastecimento dos seus vizinhos — será sentido em toda a região.
“A Espanha é o celeiro da Europa e a falta de água, a falta de produção agrícola, é uma questão de sobrevivência”, defende Nathalie Hilmi, economista ambiental do Centre Scientifique do Mónaco. “Torna-se também um problema financeiro, porque é preciso gastar mais dinheiro na procura de alimentos.”
O sector agrícola é um dos mais afectados
Os anos seguidos de seca podem ser devastadores, pois sectores como a agricultura não têm tempo para recuperar, pelo que os impactos se acumulam estação após estação, crescendo exponencialmente. A produção espanhola de azeite — que representa 45% da oferta mundial — deverá reduzir-se para mais da metade nesta estação, enquanto a de cereais como o trigo e a cevada cairá até 60%, segundo Gabriel Trenzado, director das Cooperativas Agro-alimentares de Espanha, um grupo da indústria agrícola.
A situação ainda não é tão grave noutras partes da UE, onde a previsão oficial é de que a colheita de cereais, no seu conjunto, recupere cerca de 7% em relação à época passada. A precipitação em França, o principal produtor de cereais da União, melhorou desde o período de seca do Inverno, e as classificações das culturas para a colheita de trigo de 2023 são as mais elevadas para esta altura em mais de uma década. Em algumas zonas, a chuva é excessiva, acarretando um atraso nas plantações de cevada e de beterraba-sacarina em partes da Alemanha devido ao mês de Março mais chuvoso desde 2001.
A Espanha é o celeiro da Europa e a falta de água, a falta de produção agrícola, é uma questão de sobrevivência. Nathalie Hilmi, economista ambiental do Centre Scientifique de Monaco.
Os agricultores da região não têm de enfrentar apenas a seca, mas também um clima menos previsível. Em 2022, a Espanha viveu uma onda de calor semelhante à que assolou o país em Abril deste ano, até que a tempestade Ciril provocou uma descida invulgar das temperaturas, levando a perdas de milhões de euros por parte dos produtores de frutos e nozes. “O facto de haver seca não significa que não chova, significa que as chuvas, por vezes, chegam em alturas inesperadas”, disse Trenzado. “Tudo é muito sensível.”
Os preparativos da Europa para um futuro mais seco esforçam-se para acompanhar o ritmo das rápidas mudanças climáticas. O continente aqueceu quase duas vezes mais depressa do que o resto do mundo nas últimas três décadas, segundo a Organização Meteorológica Mundial, e o impacto económico tem sido significativo.
A interrupção da passagem de mercadoria devido aos rios estarem nos níveis mais baixos de sempre causou perdas de milhares de milhões de euros. Além disso, também prejudicou a produção de electricidade a partir de centrais hidroeléctricas e nucleares, agravando a escassez de energia causada pela invasão russa na Ucrânia e contribuindo para a pior crise de custo de vida que a Europa enfrentou nas últimas gerações. As quebras nas colheitas provocadas pela seca podem ainda contribuir para a subida dos preços dos alimentos.
A diminuição do escoamento para os lagos e mares da Europa também agrava os riscos ambientais, aumentando a temperatura da água e prejudicando os ecossistemas, segundo o programa europeu Copernicus Climate Change Service (C3S). E há ainda a maior probabilidade de incêndios florestais, que, no ano passado, queimaram paisagens europeias com dimensões três vezes maior do que o Luxemburgo.
É o segundo ano consecutivo de condições extremamente secas e quentes no Sudoeste da Europa, impulsionadas por uma onda de calor antes do Verão que começou três meses mais cedo do que o habitual. A Espanha acaba de registar o mês de Abril mais quente e mais seco da história.
Por outro lado, a neve acumulada nos Alpes, uma das principais fontes de água para França e Itália, é a mais baixa em mais de uma década, agravando anos de chuvas e queda de neve abaixo da média. Mais a norte, a Alemanha e o Reino Unido registaram anomalias pluviométricas tão graves como as de Espanha.
As alterações climáticas correspondem a projecções científicas de menos precipitação e temperaturas mais elevadas na Europa num planeta mais quente, declarou Andrea Toreti, investigador sénior do Centro de Investigação Comum (JRC, na sigla em inglês) da União Europeia, um órgão científico independente que aconselha as autoridades da UE. Mas a ocorrência regular deste nível de seca era prevista ocorrer só em 2043. “Se nada for feito, prevemos que este evento possa ocorrer quase todos os anos”, disse.
Em Itália, onde a escassez de água afecta a região agrícola mais produtiva do país, a crise tornou-se uma prioridade governamental gerida por uma unidade especial liderada pelo vice-primeiro-ministro Matteo Salvini. A França, que este ano sofreu o mais longo período de Inverno sem chuva de que há registo, estabeleceu um novo objectivo para reduzir o consumo de água em 10% até ao final desta década.
“A seca do ano passado foi excepcional em comparação com o que já vivemos, mas não será excepcional em comparação com o que viveremos”, disse o Presidente francês Emmanuel Macron num discurso em Março. “Ninguém está a dizer que esta situação vai melhorar.”
Agricultores e políticos discordam das medidas adoptadas pelo Governo
O Governo espanhol tem-se esforçado por encontrar soluções. Apesar de ter gastado milhares de milhões para melhorar o seu sistema de gestão da água, os reservatórios espanhóis ainda têm cerca de metade da sua capacidade. Numa recente reunião de emergência do Conselho de Ministros, as autoridades deram luz verde a um pacote de 2,2 mil milhões de euros que inclui reduções fiscais e ajuda aos agricultores, a juntar às medidas já anunciadas que custarão 22 mil milhões de euros.
O mais controverso é o facto de o Governo espanhol limitar a quantidade de água utilizada na irrigação das culturas. A medida enfureceu os agricultores e encorajou os políticos conservadores antes das eleições autárquicas do final do mês, vistas como um termómetro para as perspectivas do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, que procura a reeleição em Dezembro. Sánchez, que tem insistido em medidas mais fortes para combater as alterações climáticas, também entrou em conflito com os legisladores de direita que pretendem alargar os direitos à água dos agricultores numa das zonas húmidas mais protegidas da Europa, localizada no Sul de Espanha.
Sánchez reconheceu não haver uma resposta fácil. “O debate em torno da seca vai estar no centro do debate político e territorial do nosso país nos próximos anos”, disse aos deputados em Abril.
A competição pelo acesso à água em Espanha já está a colocar vários grupos uns contra os outros: grandes empresas agrícolas e pequenos agricultores, activistas ambientais e lobistas empresariais, políticos locais e o Governo central.
As tensões estão à vista em Almería, uma província que regista regularmente as temperaturas mais elevadas da Europa. A terra costumava ser tão seca e árida que ali foram filmados filmes de Western, como O Bom, o Mau e o Vilão, protagonizado por Clint Eastwood. Tudo mudou em 1979, quando o Governo construiu cerca de 300 quilómetros de canais e gasodutos — conhecidos como transvase Tejo-Segura — que trouxeram água da planície central para o deserto do Sul.
Mais de quatro décadas depois, a terra fértil de Almería abriga tantas estufas que o “mar de coberturas de plástico” pode ser visto do espaço. Tornou-se o coração do sector espanhol de frutas e legumes frescos, que movimenta 18 mil milhões de euros. Durante todo o ano, as explorações agrícolas fornecem frutos que necessitam de água em abundância para crescer, como as laranjas e os limões, às cadeias de supermercados de toda a Europa.
Mas esta proeza da engenharia não protegeu o abastecimento de água da região da seca crescente. Em Pulpí, uma cidade de Almería, as grandes explorações agrícolas tiveram de reduzir as áreas cultivadas, comprar água a outras cidades e arrendar terras mais a norte com acesso à água suficiente para manter a produção. Há dois anos, a Barragem de Negratin, que fornece o maior volume da água de Pulpí, teve de parar de bombear devido à descida do nível da água.
Os produtores de alimentos de Pulpí reagiram ferozmente ao plano do Governo espanhol de limitar a água retirada do transvase Tejo-Segura. “Sem água, Almería vai regredir décadas”, declarou José Caparrós, executivo de uma grande quinta, que pertence a um grupo responsável por gerir sistema de irrigação da cidade. “Precisamos de opções para ter acesso à água e alimentar o país.”
A reacção estendeu-se a toda cadeia alimentar espanhola — que engloba as zonas do Sudeste de Almería, Valência e Múrcia — com um grupo de pressão a afirmar que as restrições podem custar à indústria cerca de 6 mil milhões de euros e 15.000 postos de trabalho.
Alguns políticos aproveitaram o descontentamento nas suas campanhas para as eleições locais de 28 de Maio. Ximo Puig, presidente de Valência e membro do partido socialista de Sánchez, discordou abertamente do Governo central a respeito do plano de restrição do acesso à água. Em vez disso, repetiu a retórica dos candidatos da oposição que também tentam conquistar os votos dos agricultores. A vitória destes candidatos pode aumentar a resistência às políticas ambientais e de conservação da água de Sánchez antes das eleições gerais de Dezembro.
A luta para evitar novos poços ilegais
Alfonso Sánchez, um professor de Matemática do liceu que se tornou ambientalista e que vive em Múrcia, viu como a agricultura em grande escala — possibilitada pela captação de água subterrânea e de rios próximos — remodelou a sua cidade natal, Caravaca de la Cruz. Na década de 1990, centenas de pequenos agricultores não tiveram outra opção senão vender as suas terras a grandes empresas ou juntar-se a elas na produção de culturas que necessitam de muita água. Anos de agricultura mecanizada reduziram os recursos hídricos em até 60% na região, de acordo com um relatório do grupo verde de Sánchez.
Em vez de mudarem as suas práticas e de se adaptarem às condições mais secas dos últimos anos, muitos agricultores abriram poços ilegais para explorar água subterrânea. A Greenpeace estima que existam mais de um milhão de poços não autorizados em Espanha, utilizados principalmente para irrigar as culturas. Sánchez está a trabalhar para evitar que surjam mais, mas teme que a situação só piore à medida que a água se torna menos disponível. “Estamos a nadar contra a corrente”, salientou. “A seca só vai intensificar esta batalha pela água.”
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11.5.23
Para já, ministro do Ambiente diz que não vai limitar uso de água nas nossas casas
por Lusa, in Público
No Sul de França, a proibição de piscinas, rega e lavagem de carros entrou em vigor a 10 de Maio. Por cá, o ministro Duarte Cordeiro diz que ainda não é necessário impor “uma cultura de proibição”.
O ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, descartou, para já, a adopção de medidas proibitivas relativamente ao consumo de água, como por exemplo para piscinas, face à situação de seca que se vive sobretudo no sul do país.
"Não vale a pena estarmos a introduzir uma cultura de proibição quando ela, neste momento, ainda não é necessária. Quando ela é necessária, nós não hesitamos, como aconteceu quando limitámos, por exemplo, em determinadas barragens da zona Monte da Rocha, ou a decisão que foi tomada pela ministra da Agricultura, de limitar novas culturas na zona do [rio] Mira", disse aos jornalistas, no Porto, Duarte Cordeiro, à margem do lançamento do concurso público para a construção da Linha Rubi do metro.
O ministro tinha sido questionado acerca de eventuais proibições, por exemplo, em piscinas privadas e, anteriormente, sobre medidas excepcionais tomadas na sequência da situação de seca sobretudo no sul do país, cuja declaração foi feita na segunda-feira.
A venda de piscinas de jardim vai ser proibida numa região do sul de França devido ao agravamento da escassez de água. Em declarações à rádio RTL, o ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, disse que os Pirenéus Orientais, que fazem fronteira com a Catalunha espanhola, serão oficialmente declarados em situação de "crise" de seca a partir de 10 de Maio. "A proibição de lavar os carros, regar os jardins e encher as piscinas será igualmente aplicada a partir da mesma data", acrescentou.
"Já foram tomadas algumas medidas excepcionais", disse, após ter sido convocada uma comissão interministerial de seca "no final do mês de Abril" referiu Duarte Cordeiro aos jornalistas. Segundo o ministro, nessa reunião foram identificadas as zonas mais críticas: a do Barlavento algarvio e a zona do litoral alentejano, "nomeadamente a zona do [rio] Mira, associada à barragem de Santa Clara".
"Há restrições que nós aplicámos relativamente a um conjunto de barragens, quer no Alentejo quer na zona do Barlavento, e há restrições de novas culturas para a zona do Mira, porque neste momento temos que captar a água a uma cota abaixo daquilo que é a cota a que habitualmente vamos buscar água", explicou, referindo-se à medida tomada pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
Duarte Cordeiro relembrou ainda que actualmente, "na generalidade do país, neste momento, o país tem mais água disponível do que tinha no ano passado", com um nível médio de 80% de água nas albufeiras.
"Neste momento temos uma situação assimétrica, nalgumas zonas do país não antecipamos que tenhamos, neste momento, um problema de abastecimento de água. Temos duas zonas do país, litoral alentejano e a zona do Barlavento, em que tivemos que aplicar medidas para gerir de forma racional os recursos que temos disponíveis", explicou.
A situação de seca meteorológica agravou-se em Portugal continental no mês de Abril, estando 89% do território continental em seca, 34% da qual em seca severa e extrema, segundo o IPMA.
Na segunda-feira, a ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, informou ter assinado o despacho que reconhece a situação de seca em 40% do território nacional, no sul do país.
Lusa/Fim
No Sul de França, a proibição de piscinas, rega e lavagem de carros entrou em vigor a 10 de Maio. Por cá, o ministro Duarte Cordeiro diz que ainda não é necessário impor “uma cultura de proibição”.
O ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, descartou, para já, a adopção de medidas proibitivas relativamente ao consumo de água, como por exemplo para piscinas, face à situação de seca que se vive sobretudo no sul do país.
"Não vale a pena estarmos a introduzir uma cultura de proibição quando ela, neste momento, ainda não é necessária. Quando ela é necessária, nós não hesitamos, como aconteceu quando limitámos, por exemplo, em determinadas barragens da zona Monte da Rocha, ou a decisão que foi tomada pela ministra da Agricultura, de limitar novas culturas na zona do [rio] Mira", disse aos jornalistas, no Porto, Duarte Cordeiro, à margem do lançamento do concurso público para a construção da Linha Rubi do metro.
O ministro tinha sido questionado acerca de eventuais proibições, por exemplo, em piscinas privadas e, anteriormente, sobre medidas excepcionais tomadas na sequência da situação de seca sobretudo no sul do país, cuja declaração foi feita na segunda-feira.
A venda de piscinas de jardim vai ser proibida numa região do sul de França devido ao agravamento da escassez de água. Em declarações à rádio RTL, o ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, disse que os Pirenéus Orientais, que fazem fronteira com a Catalunha espanhola, serão oficialmente declarados em situação de "crise" de seca a partir de 10 de Maio. "A proibição de lavar os carros, regar os jardins e encher as piscinas será igualmente aplicada a partir da mesma data", acrescentou.
"Já foram tomadas algumas medidas excepcionais", disse, após ter sido convocada uma comissão interministerial de seca "no final do mês de Abril" referiu Duarte Cordeiro aos jornalistas. Segundo o ministro, nessa reunião foram identificadas as zonas mais críticas: a do Barlavento algarvio e a zona do litoral alentejano, "nomeadamente a zona do [rio] Mira, associada à barragem de Santa Clara".
"Há restrições que nós aplicámos relativamente a um conjunto de barragens, quer no Alentejo quer na zona do Barlavento, e há restrições de novas culturas para a zona do Mira, porque neste momento temos que captar a água a uma cota abaixo daquilo que é a cota a que habitualmente vamos buscar água", explicou, referindo-se à medida tomada pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
Duarte Cordeiro relembrou ainda que actualmente, "na generalidade do país, neste momento, o país tem mais água disponível do que tinha no ano passado", com um nível médio de 80% de água nas albufeiras.
"Neste momento temos uma situação assimétrica, nalgumas zonas do país não antecipamos que tenhamos, neste momento, um problema de abastecimento de água. Temos duas zonas do país, litoral alentejano e a zona do Barlavento, em que tivemos que aplicar medidas para gerir de forma racional os recursos que temos disponíveis", explicou.
A situação de seca meteorológica agravou-se em Portugal continental no mês de Abril, estando 89% do território continental em seca, 34% da qual em seca severa e extrema, segundo o IPMA.
Na segunda-feira, a ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, informou ter assinado o despacho que reconhece a situação de seca em 40% do território nacional, no sul do país.
Lusa/Fim
9.5.23
Há quase três milhões de euros por dia para gastar no clima até 2030
Delfim Machado, in JN
Fundos do PRR e do Portugal 2030 vão acelerar as eólicas, descarbonizar a indústria e substituir o gás
pelo hidrogénio. O têxtil, o calçado e a resina vão trocar matérias fósseis por recursos biológicos.
Faltam exatamente 2400 dias para terminar a década e, por cada dia que passar até lá, Portugal terá dois milhões e 600 mil euros de fundos europeus para gastar no clima. Este é o valor médio diário das verbas destinadas à transição climática do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, sendo que cada um destes programas disponibiliza 3,1 mil milhões de euros até 31 de dezembro de 2026 (no caso do PRR) ou 31 de dezembro de 2029 (Portugal 2030).
O elevado fluxo de fundos disponíveis permitiu que Portugal antecipasse, de 2030 para 2026, a meta de atingir os 80% de renováveis no total da energia consumida. Em 2021, essa proporção foi de 58%, muito graças à energia hídrica (essencialmente de barragens) e à eólica. Naquele ano, Portugal foi o quarto país da União Europeia com maior proporção de renováveis na energia que consome. Se a análise incidir apenas sobre a energia eólica, somos o terceiro melhor país entre os 27 estados-membros, com 26% do consumo com origem no vento. Só a Dinamarca e a Irlanda estão melhor.
Uma vez que os terrenos portugueses com mais vento já estão ocupados, o futuro passa por duas soluções: substituir as turbinas em fim de vida por outras mais potentes e criar novos parques eólicos em alto-mar. Para já, há apenas um marítimo, em Viana do Castelo, mas estão em curso investimentos para reforçar este parque e criar outros quatro: Matosinhos, Figueira da Foz, Cascais e Sines.
Portugal também está acelerar no hidrogénio verde e financiou recentemente 21 projetos que receberão quase 100 milhões de euros para substituir o gás natural e abastecer indústrias e veículos. Um dos mais valiosos será desenvolvido em Paços de Ferreira e Lousada pelos noruegueses da Nydalen e consiste em criar dois postos de abastecimento de veículos ligeiros e autocarros.
O desejo do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, é criar capacidade produtiva suficiente para, até 2026, Portugal iniciar a exportação de hidrogénio verde: "Até ao final deste mandato, havemos de exportar alguma coisa para mostrar que realmente é por aqui que reside uma grande oportunidade em termos de futuro para o país".
Fazer roupa com bananas
A descarbonização da indústria, com 715 milhões de euros só do PRR, é uma das áreas com maior investimento. Na indústria da moda, a segunda mais poluente do Mundo a seguir à petrolífera, encontra-se um dos projetos mais curiosos: o "Be@t". Este programa envolve 54 empresas e é liderado pelo Centro Tecnológico do Têxtil e do Vestuário. Entre as várias iniciativas que o Be@t prevê para o setor está o desenvolvimento de matérias-primas de origem biológica. Assim, os restos de banana da Madeira, de ananás dos Açores, cânhamo do Centro, linho do Norte e palha de arroz do Alentejo servirão para "alimentar" a indústria da moda e vestuário. E este exemplo está a ser seguido por projetos semelhantes da fileira do calçado e da resina.
No que toca à transição climática, a indústria é o setor que dispõe de maior verba, mas estes apoios também podem chegar aos cidadãos. Por exemplo, quando comprar uma bicicleta ou um carro elétrico tem direito a um apoio, limitado à procura, que financia uma parte da compra. Ou se fizer o isolamento térmico de casa pode aproveitar os 300 milhões de euros destinados à eficiência energética em edifícios residenciais, que também pagam bombas de calor ou janelas eficientes.
Por outro lado, os fundos europeus são responsáveis pelas grandes obras de mobilidade sustentável que estão em curso ou estarão em breve, de norte a sul do país. São os casos dos metros de Lisboa e Porto ou dos autocarros rápidos da Boavista e Braga, mas também os carros elétricos que todas as instituições sociais vão ter para prestarem apoio domiciliário.
O Fórum da Sustentabilidade e Sociedade inclui uma grande conferência, a 11 e 12 de maio, no Salão Nobre da Câmara de Matosinhos. Pode inscrever-se para assistir ao vivo ou seguir em direto através dos sites do JN, DN, TSF e Dinheiro Vivo.
Mudança na energia
O primeiro painel, na manhã do dia 11, será dedicado às "Tendências globais na energia" e contará com a comissária europeia Kadri Simson (Energia) e Jos Delbeke, especialista em políticas climáticas, entre muitos outros especialistas. O encerramento terá Filipe Silva, CEO da Galp, e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Ação Climática.
Futuro sustentável
O segundo painel, dia 11 à tarde, tem como tema "Construir um futuro sustentável e inclusivo", contando com a presença de personalidades como a comissária europeia Elisa Ferreira (Coesão e Reformas) ou o arquiteto Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos.
Objetivos e políticas
O terceiro painel, na manhã do dia 12, debaterá os "Objetivos e políticas para uma Europa sustentável" e contará com o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus. O arranque da sessão será marcado por uma intervenção do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o encerramento estará a cargo do secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo.
Fundos do PRR e do Portugal 2030 vão acelerar as eólicas, descarbonizar a indústria e substituir o gás
pelo hidrogénio. O têxtil, o calçado e a resina vão trocar matérias fósseis por recursos biológicos.
Faltam exatamente 2400 dias para terminar a década e, por cada dia que passar até lá, Portugal terá dois milhões e 600 mil euros de fundos europeus para gastar no clima. Este é o valor médio diário das verbas destinadas à transição climática do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, sendo que cada um destes programas disponibiliza 3,1 mil milhões de euros até 31 de dezembro de 2026 (no caso do PRR) ou 31 de dezembro de 2029 (Portugal 2030).
O elevado fluxo de fundos disponíveis permitiu que Portugal antecipasse, de 2030 para 2026, a meta de atingir os 80% de renováveis no total da energia consumida. Em 2021, essa proporção foi de 58%, muito graças à energia hídrica (essencialmente de barragens) e à eólica. Naquele ano, Portugal foi o quarto país da União Europeia com maior proporção de renováveis na energia que consome. Se a análise incidir apenas sobre a energia eólica, somos o terceiro melhor país entre os 27 estados-membros, com 26% do consumo com origem no vento. Só a Dinamarca e a Irlanda estão melhor.
Uma vez que os terrenos portugueses com mais vento já estão ocupados, o futuro passa por duas soluções: substituir as turbinas em fim de vida por outras mais potentes e criar novos parques eólicos em alto-mar. Para já, há apenas um marítimo, em Viana do Castelo, mas estão em curso investimentos para reforçar este parque e criar outros quatro: Matosinhos, Figueira da Foz, Cascais e Sines.
Portugal também está acelerar no hidrogénio verde e financiou recentemente 21 projetos que receberão quase 100 milhões de euros para substituir o gás natural e abastecer indústrias e veículos. Um dos mais valiosos será desenvolvido em Paços de Ferreira e Lousada pelos noruegueses da Nydalen e consiste em criar dois postos de abastecimento de veículos ligeiros e autocarros.
O desejo do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, é criar capacidade produtiva suficiente para, até 2026, Portugal iniciar a exportação de hidrogénio verde: "Até ao final deste mandato, havemos de exportar alguma coisa para mostrar que realmente é por aqui que reside uma grande oportunidade em termos de futuro para o país".
Fazer roupa com bananas
A descarbonização da indústria, com 715 milhões de euros só do PRR, é uma das áreas com maior investimento. Na indústria da moda, a segunda mais poluente do Mundo a seguir à petrolífera, encontra-se um dos projetos mais curiosos: o "Be@t". Este programa envolve 54 empresas e é liderado pelo Centro Tecnológico do Têxtil e do Vestuário. Entre as várias iniciativas que o Be@t prevê para o setor está o desenvolvimento de matérias-primas de origem biológica. Assim, os restos de banana da Madeira, de ananás dos Açores, cânhamo do Centro, linho do Norte e palha de arroz do Alentejo servirão para "alimentar" a indústria da moda e vestuário. E este exemplo está a ser seguido por projetos semelhantes da fileira do calçado e da resina.
No que toca à transição climática, a indústria é o setor que dispõe de maior verba, mas estes apoios também podem chegar aos cidadãos. Por exemplo, quando comprar uma bicicleta ou um carro elétrico tem direito a um apoio, limitado à procura, que financia uma parte da compra. Ou se fizer o isolamento térmico de casa pode aproveitar os 300 milhões de euros destinados à eficiência energética em edifícios residenciais, que também pagam bombas de calor ou janelas eficientes.
Por outro lado, os fundos europeus são responsáveis pelas grandes obras de mobilidade sustentável que estão em curso ou estarão em breve, de norte a sul do país. São os casos dos metros de Lisboa e Porto ou dos autocarros rápidos da Boavista e Braga, mas também os carros elétricos que todas as instituições sociais vão ter para prestarem apoio domiciliário.
O Fórum da Sustentabilidade e Sociedade inclui uma grande conferência, a 11 e 12 de maio, no Salão Nobre da Câmara de Matosinhos. Pode inscrever-se para assistir ao vivo ou seguir em direto através dos sites do JN, DN, TSF e Dinheiro Vivo.
Mudança na energia
O primeiro painel, na manhã do dia 11, será dedicado às "Tendências globais na energia" e contará com a comissária europeia Kadri Simson (Energia) e Jos Delbeke, especialista em políticas climáticas, entre muitos outros especialistas. O encerramento terá Filipe Silva, CEO da Galp, e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Ação Climática.
Futuro sustentável
O segundo painel, dia 11 à tarde, tem como tema "Construir um futuro sustentável e inclusivo", contando com a presença de personalidades como a comissária europeia Elisa Ferreira (Coesão e Reformas) ou o arquiteto Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos.
Objetivos e políticas
O terceiro painel, na manhã do dia 12, debaterá os "Objetivos e políticas para uma Europa sustentável" e contará com o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus. O arranque da sessão será marcado por uma intervenção do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o encerramento estará a cargo do secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo.
8.5.23
Portugal “não tem estratégia para a água”, mas usa-a “à vontadinha”
Andréia Azevedo Soares, in Público online
Portugal possui uma comissão para a seca que se reuniu 13 vezes em seis anos. Em plena crise climática, especialistas defendem medidas estruturais (e não reactivas) de combate à escassez da água.
Foto Portugal tem de pensar na agricultura que tem e na que quer, pensar se quer continuar a cultivar o que tem cultivado.
Portugal possui uma comissão para a seca que se reuniu 13 vezes em seis anos. Em plena crise climática, especialistas defendem medidas estruturais (e não reactivas) de combate à escassez da água.
Foto Portugal tem de pensar na agricultura que tem e na que quer, pensar se quer continuar a cultivar o que tem cultivado.
Portugal possui uma Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca que organizou 13 reuniões em seis anos. Face à seca extrema que o Sul do país atravessa, este grupo de decisores políticos reuniu-se há duas semanas e reagiu anunciando medidas como a proibição de novas estufas no Alentejo. Em tempos de crise climática, os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO frisam que está na hora de medidas “estruturais” – e não “reactivas” – de combate à escassez da água.
“Comissões destas são criadas para resolver emergências. Quando as emergências passam a ser um novo normal, temos de fazer outra coisa, deve haver uma adaptação. Não podemos tratar emergências anuais como se fossem emergências que acontecem a cada década. A única certeza que temos é a de que vamos ter secas mais frequentes. Como tal, temos de ter planos de contingência para abastecimento público, temos de adoptar medidas estruturantes como a mudança de legislação e do preço da água”, defende Joaquim Poças Martins, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e especialista em gestão hídrica.
Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, também defende “mudanças estruturais” que permitam ao país gerir estrategicamente a água. “Não devíamos ter comissões, devíamos ter um plano eficiente para uso da água. Caso contrário, temos estas comissões ad aeternum”, diz o professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
O presidente da Zero recorda que, no século XXI, em plena crise climática, Portugal “não tem uma estratégia para a água”. “Tínhamos um plano [o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA)] que deveria estar em vigor entre 2012 e 2020, mas que foi abandonado a partir de 2015. Desde então, estamos um pouco a funcionar em função das necessidades, sem estratégia”, lamenta Francisco Ferreira numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Não devíamos ter comissões, devíamos ter um plano eficiente para uso da água. Caso contrário, temos estas comissões ad aeternum. Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero e professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 80/2017, que prevê a criação da comissão, estipula que uma das funções do grupo de trabalho é precisamente a promoção da “implementação das medidas preconizadas pelo Programa para o Uso Eficiente da Água [PNUEA] que podem ser executadas de imediato e preparar as medidas a adoptar a médio e longo prazo, numa perspectiva de preparação para uma maior resiliência a eventos de seca”.
Contudo, como pode uma comissão zelar pela implantação de medidas de um documento que nem sequer está actualizado? O PNUEA disponível hoje estipula limites para o desperdício de água para cada sector especificamente para o período 2012-2020. Além de desactualizado, o programa criado em 2005 não pôde ainda ser avaliado quanto à sua eficácia. Os resultados oficiais deste programa de combate ao desperdício de água nunca chegaram a ser tornados públicos, continuando inexplicavelmente na gaveta, segundo o jornal Eco.
“É chegado o momento de aplicar, sem hesitações, as medidas previstas no PNUEA, cuja actualização, do seu Plano de Implementação 2012-2020, nunca foi colocada em prática”, recordava Rui Godinho, presidente do conselho directivo da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, num artigo de opinião publicado em 2022.
Medidas reactivas ou estruturais?
A comissão da seca existe desde o dia 7 de Junho de 2017, um ano que foi marcado por uma seca “gravíssima”. Ficou óbvio então que eventos climáticos extremos seriam cada vez mais intensos e frequentes devido à mudança do clima e que, por isso, seria necessária a existência de uma comissão de carácter “permanente” que não tivesse uma função meramente “reactiva”. Esta comissão é constituída por membros do Governo responsáveis por diferentes áreas, incluindo o ambiente, a agricultura, as florestas e o desenvolvimento rural, além de várias outras entidades, consoante a gravidade da situação.
“A incerteza e imprevisibilidade da seca e dos seus impactos justificam que se dedique uma atenção permanente a este fenómeno e não apenas uma actuação reactiva a situações extremas”, lê-se no texto da resolução n.º 80/2017 publicada em Diário da República.
A geógrafa Maria José Roxo, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, acredita que, nos últimos anos, os decisores políticos limitaram-se a reagir. “Não podemos estar sistematicamente a reagir. Precisamos de uma estratégia. Choca-me ter este tipo de comissões e depois não ver nada no terreno. Sou uma geógrafa de campo, isto custa-me muito”, confessa a investigadora numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Não podemos estar sistematicamente a reagir. Precisamos de uma estratégia. Choca-me ter este tipo de comissões e depois não ver nada no terreno. Maria José Roxo, geógrafa e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
A mais recente reunião da comissão para a seca realizou-se no dia 21 de Abril, tendo sido o primeiro encontro de 2023. Após o encontro, os ministérios do Ambiente e da Agricultura anunciaram a manutenção de medidas para poupar água, anunciando outras como suspensão de novas estufas no Sudoeste alentejano e a interdição do uso da água para a rega nalguns pontos do país onde há défice hídrico.
São medidas que respondem à seca prolongada que o Sul do país testemunha? “É óbvio que não são medidas suficientes”, avalia Maria José Roxo. Para a geógrafa, esta questão da água “tem de ser um assunto contínuo”. “Aquilo que conhecemos do ponto de vista científico é que isto constitui uma realidade para continuar. Não se podem interromper as campanhas [de sensibilização], temos de melhorar as infra-estruturas de regadio, combater os desperdícios nas redes. Não podemos estar sempre a reagir”, reforça.
Joaquim Poças Martins, por sua vez, recorda que, como estamos diante de um fenómeno global de mudança do clima, temos de nos “preparar para um novo normal”. E o que é essa nova normalidade? “São períodos de seca que se arrastam, um ano seco depois de outro. Praticamente estamos desde 2017 a enfrentar a seca”, diz o especialista em gestão hídrica, para quem uma comissão dedicada à seca acabaria por ser “um trabalho a tempo inteiro”. “Quase até poderíamos criar o Ministério da Seca”, refere o docente da FEUP.
Os dados do mais recente Relatório de Monitorização Agro-meteorológica e Hidrológica, feito pelo grupo de trabalho que presta assessoria técnica à comissão, sublinham “casos críticos no país”, como a barragem de Bravura (Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor) e do Arade (Aproveitamento Hidroagrícola de Silves, Lagoa e Portimão). Na primeira, as reservas de águas estão destinadas “exclusivamente para abastecimento público”, o que compromete “irremediavelmente” o sector agrícola. Já no Arade, é compulsória a adopção do plano de contingência para situações de seca.
Que caminhos a seguir?
Não fazendo o elogio de medidas reactivas, que estratégias preconizam então os especialistas? Poças Martins explica que as soluções precisam de ser estudadas, e também que é preciso ver como outros países gerem a pouca água que têm. Há exemplos de nações mais prósperas do que Portugal, mas com menos recursos hidrológicos, garante o especialista. O segredo está na gestão da água: adopção de sistemas de rega gota a gota, por exemplo, ou a introdução de taxas moderadoras de consumo.
“Vejamos o caso de Israel: é um país mais seco do que o nosso, mas que não está a sofrer com falta de água. E os agricultores em Israel ganham mais dinheiro do que os portugueses. Não foi sempre assim. Nos anos 90, na sequência de problemas graves, adoptaram uma série de políticas públicas, incluindo a nacionalização da água. A água em Israel pertence ao Estado – quem capta a água tem de medir [o consumo] e pagar. Em Portugal, [água para a agricultura] quase não se mede nem se paga”, explica Joaquim Poças Martins.
O especialista em gestão hídrica refere que usamos a água subterrânea “à vontadinha” – e que, em bom rigor, não devia ser assim, deveriam ter uma licença, “mas a maioria não tem e, mesmo com licença, não paga”. Como a água para fins agrícolas em Portugal é “quase de graça”, argumenta Poças Martins, os agricultores não têm incentivos para poupar água. É na agricultura que temos de prestar atenção quando falamos de recursos hídricos, pois é também no sector onde se verifica uma gigantesca fatia do consumo.
“A água dos poços aqui custa zero e lá 60 cêntimos por metro cúbico. Israel reutiliza toda a água residual e paga ainda 30 cêntimos o metro cúbico. Em Portugal, a reutilização de água residual é quase zero porque o agricultor tem água no poço. Desperdiçamos um volume de águas residuais, distribuído ao longo do país, que equivale a uma barragem inteira do Alqueva. Isto permitiria ter muito menos escassez, mas não estamos a usar – são recursos que vão parar ao mar”, lamenta Poças Martins.
Barragens cheias de sedimentos
A água que desperdiçamos todos os dias também desespera Maria José Roxo. A geógrafa não compreende como os decisores não aproveitaram o período de seca para remover os sedimentos das albufeiras, permitindo assim que as barragens armazenassem uma maior quantidade da água que caiu do céu no fim de 2022 e no início de 2023.
“A preservação da água tem muito a ver com a preservação do recurso solo. Preciso de solo para ter água potável e preciso de ter cobertura do solo para ter boa água nas barragens. O que aconteceu com as grandes chuvadas de Dezembro, e do início de Janeiro, foram águas que levaram toneladas de sedimentos para as barragens, colmatando-as. Estas barragens deveriam ter sido limpas. Perdemos uma oportunidade única de remover estes sedimentos. Essa água toda foi desperdiçada”, afirma Maria José Roxo.
Outro caminho que os especialistas consideram premente é o que passa por repensar as culturas que queremos ter no país e, fazendo contas, definir os grandes investimentos em que queremos apostar. Desejamos mais barragens? Queremos construir unidades de dessalinização? Para servir quais culturas? E a que custo ambiental? Tudo isso tem de ser ponderado em função de uma aposta estratégica.
São períodos de seca que se arrastam, um ano seco depois de outro. Praticamente estamos desde 2017 a enfrentar a seca (...) Quase até poderíamos criar o Ministério da Seca. Joaquim Poças Martins, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e especialista em gestão hídrica
“Sabemos quais são as nossas prioridades, mas temos de planificar os investimentos. Se eu for para uma determinada cultura que consome demasiada água, tenho de pensar se compensa o investimento no regadio, por exemplo – há um limite para a subsidiação. Precisamos não só de sentar e analisar o custo e o benefício em relação às opções tomadas, mas também apostar fortemente numa maior eficiência hídrica”, alerta Francisco Ferreira.
Para o ambientalista, a construção de unidades de dessalinização – como a que foi anunciada para o litoral alentejano – deve ser vista como “um investimento de último recurso”. Já Poças Martins pensa que a criação de novas barragens – hipótese admitida pela tutela do ambiente e da acção climática – deve ser encarada com igual cautela, seja pelo custo, seja pelo impacto ambiental.
“Portugal tem de pensar na agricultura que tem e na que quer, pensar se quer continuar a cultivar o que tem cultivado, como tem cultivado. Há agricultores que pedem mais barragens, ou que se traga água do Norte para o Sul, do ponto de vista económico e ambiental não funciona. Não faz qualquer sentido fazer um transvase do Norte para o Sul [a chamada auto-estrada da água], no meu ponto de vista. Quanto às barragens, é preciso ver quem as paga. Já temos bastantes barragens. Acho mais sensato primeiro usar bem a água que temos e depois pensar como conseguimos mais”, conclui o professor da Faculdade de Engenharia do Porto.
“Comissões destas são criadas para resolver emergências. Quando as emergências passam a ser um novo normal, temos de fazer outra coisa, deve haver uma adaptação. Não podemos tratar emergências anuais como se fossem emergências que acontecem a cada década. A única certeza que temos é a de que vamos ter secas mais frequentes. Como tal, temos de ter planos de contingência para abastecimento público, temos de adoptar medidas estruturantes como a mudança de legislação e do preço da água”, defende Joaquim Poças Martins, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e especialista em gestão hídrica.
Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, também defende “mudanças estruturais” que permitam ao país gerir estrategicamente a água. “Não devíamos ter comissões, devíamos ter um plano eficiente para uso da água. Caso contrário, temos estas comissões ad aeternum”, diz o professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
O presidente da Zero recorda que, no século XXI, em plena crise climática, Portugal “não tem uma estratégia para a água”. “Tínhamos um plano [o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA)] que deveria estar em vigor entre 2012 e 2020, mas que foi abandonado a partir de 2015. Desde então, estamos um pouco a funcionar em função das necessidades, sem estratégia”, lamenta Francisco Ferreira numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Não devíamos ter comissões, devíamos ter um plano eficiente para uso da água. Caso contrário, temos estas comissões ad aeternum. Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero e professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 80/2017, que prevê a criação da comissão, estipula que uma das funções do grupo de trabalho é precisamente a promoção da “implementação das medidas preconizadas pelo Programa para o Uso Eficiente da Água [PNUEA] que podem ser executadas de imediato e preparar as medidas a adoptar a médio e longo prazo, numa perspectiva de preparação para uma maior resiliência a eventos de seca”.
Contudo, como pode uma comissão zelar pela implantação de medidas de um documento que nem sequer está actualizado? O PNUEA disponível hoje estipula limites para o desperdício de água para cada sector especificamente para o período 2012-2020. Além de desactualizado, o programa criado em 2005 não pôde ainda ser avaliado quanto à sua eficácia. Os resultados oficiais deste programa de combate ao desperdício de água nunca chegaram a ser tornados públicos, continuando inexplicavelmente na gaveta, segundo o jornal Eco.
“É chegado o momento de aplicar, sem hesitações, as medidas previstas no PNUEA, cuja actualização, do seu Plano de Implementação 2012-2020, nunca foi colocada em prática”, recordava Rui Godinho, presidente do conselho directivo da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, num artigo de opinião publicado em 2022.
Medidas reactivas ou estruturais?
A comissão da seca existe desde o dia 7 de Junho de 2017, um ano que foi marcado por uma seca “gravíssima”. Ficou óbvio então que eventos climáticos extremos seriam cada vez mais intensos e frequentes devido à mudança do clima e que, por isso, seria necessária a existência de uma comissão de carácter “permanente” que não tivesse uma função meramente “reactiva”. Esta comissão é constituída por membros do Governo responsáveis por diferentes áreas, incluindo o ambiente, a agricultura, as florestas e o desenvolvimento rural, além de várias outras entidades, consoante a gravidade da situação.
“A incerteza e imprevisibilidade da seca e dos seus impactos justificam que se dedique uma atenção permanente a este fenómeno e não apenas uma actuação reactiva a situações extremas”, lê-se no texto da resolução n.º 80/2017 publicada em Diário da República.
A geógrafa Maria José Roxo, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, acredita que, nos últimos anos, os decisores políticos limitaram-se a reagir. “Não podemos estar sistematicamente a reagir. Precisamos de uma estratégia. Choca-me ter este tipo de comissões e depois não ver nada no terreno. Sou uma geógrafa de campo, isto custa-me muito”, confessa a investigadora numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Não podemos estar sistematicamente a reagir. Precisamos de uma estratégia. Choca-me ter este tipo de comissões e depois não ver nada no terreno. Maria José Roxo, geógrafa e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
A mais recente reunião da comissão para a seca realizou-se no dia 21 de Abril, tendo sido o primeiro encontro de 2023. Após o encontro, os ministérios do Ambiente e da Agricultura anunciaram a manutenção de medidas para poupar água, anunciando outras como suspensão de novas estufas no Sudoeste alentejano e a interdição do uso da água para a rega nalguns pontos do país onde há défice hídrico.
São medidas que respondem à seca prolongada que o Sul do país testemunha? “É óbvio que não são medidas suficientes”, avalia Maria José Roxo. Para a geógrafa, esta questão da água “tem de ser um assunto contínuo”. “Aquilo que conhecemos do ponto de vista científico é que isto constitui uma realidade para continuar. Não se podem interromper as campanhas [de sensibilização], temos de melhorar as infra-estruturas de regadio, combater os desperdícios nas redes. Não podemos estar sempre a reagir”, reforça.
Joaquim Poças Martins, por sua vez, recorda que, como estamos diante de um fenómeno global de mudança do clima, temos de nos “preparar para um novo normal”. E o que é essa nova normalidade? “São períodos de seca que se arrastam, um ano seco depois de outro. Praticamente estamos desde 2017 a enfrentar a seca”, diz o especialista em gestão hídrica, para quem uma comissão dedicada à seca acabaria por ser “um trabalho a tempo inteiro”. “Quase até poderíamos criar o Ministério da Seca”, refere o docente da FEUP.
Os dados do mais recente Relatório de Monitorização Agro-meteorológica e Hidrológica, feito pelo grupo de trabalho que presta assessoria técnica à comissão, sublinham “casos críticos no país”, como a barragem de Bravura (Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor) e do Arade (Aproveitamento Hidroagrícola de Silves, Lagoa e Portimão). Na primeira, as reservas de águas estão destinadas “exclusivamente para abastecimento público”, o que compromete “irremediavelmente” o sector agrícola. Já no Arade, é compulsória a adopção do plano de contingência para situações de seca.
Que caminhos a seguir?
Não fazendo o elogio de medidas reactivas, que estratégias preconizam então os especialistas? Poças Martins explica que as soluções precisam de ser estudadas, e também que é preciso ver como outros países gerem a pouca água que têm. Há exemplos de nações mais prósperas do que Portugal, mas com menos recursos hidrológicos, garante o especialista. O segredo está na gestão da água: adopção de sistemas de rega gota a gota, por exemplo, ou a introdução de taxas moderadoras de consumo.
“Vejamos o caso de Israel: é um país mais seco do que o nosso, mas que não está a sofrer com falta de água. E os agricultores em Israel ganham mais dinheiro do que os portugueses. Não foi sempre assim. Nos anos 90, na sequência de problemas graves, adoptaram uma série de políticas públicas, incluindo a nacionalização da água. A água em Israel pertence ao Estado – quem capta a água tem de medir [o consumo] e pagar. Em Portugal, [água para a agricultura] quase não se mede nem se paga”, explica Joaquim Poças Martins.
O especialista em gestão hídrica refere que usamos a água subterrânea “à vontadinha” – e que, em bom rigor, não devia ser assim, deveriam ter uma licença, “mas a maioria não tem e, mesmo com licença, não paga”. Como a água para fins agrícolas em Portugal é “quase de graça”, argumenta Poças Martins, os agricultores não têm incentivos para poupar água. É na agricultura que temos de prestar atenção quando falamos de recursos hídricos, pois é também no sector onde se verifica uma gigantesca fatia do consumo.
“A água dos poços aqui custa zero e lá 60 cêntimos por metro cúbico. Israel reutiliza toda a água residual e paga ainda 30 cêntimos o metro cúbico. Em Portugal, a reutilização de água residual é quase zero porque o agricultor tem água no poço. Desperdiçamos um volume de águas residuais, distribuído ao longo do país, que equivale a uma barragem inteira do Alqueva. Isto permitiria ter muito menos escassez, mas não estamos a usar – são recursos que vão parar ao mar”, lamenta Poças Martins.
Barragens cheias de sedimentos
A água que desperdiçamos todos os dias também desespera Maria José Roxo. A geógrafa não compreende como os decisores não aproveitaram o período de seca para remover os sedimentos das albufeiras, permitindo assim que as barragens armazenassem uma maior quantidade da água que caiu do céu no fim de 2022 e no início de 2023.
“A preservação da água tem muito a ver com a preservação do recurso solo. Preciso de solo para ter água potável e preciso de ter cobertura do solo para ter boa água nas barragens. O que aconteceu com as grandes chuvadas de Dezembro, e do início de Janeiro, foram águas que levaram toneladas de sedimentos para as barragens, colmatando-as. Estas barragens deveriam ter sido limpas. Perdemos uma oportunidade única de remover estes sedimentos. Essa água toda foi desperdiçada”, afirma Maria José Roxo.
Outro caminho que os especialistas consideram premente é o que passa por repensar as culturas que queremos ter no país e, fazendo contas, definir os grandes investimentos em que queremos apostar. Desejamos mais barragens? Queremos construir unidades de dessalinização? Para servir quais culturas? E a que custo ambiental? Tudo isso tem de ser ponderado em função de uma aposta estratégica.
São períodos de seca que se arrastam, um ano seco depois de outro. Praticamente estamos desde 2017 a enfrentar a seca (...) Quase até poderíamos criar o Ministério da Seca. Joaquim Poças Martins, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e especialista em gestão hídrica
“Sabemos quais são as nossas prioridades, mas temos de planificar os investimentos. Se eu for para uma determinada cultura que consome demasiada água, tenho de pensar se compensa o investimento no regadio, por exemplo – há um limite para a subsidiação. Precisamos não só de sentar e analisar o custo e o benefício em relação às opções tomadas, mas também apostar fortemente numa maior eficiência hídrica”, alerta Francisco Ferreira.
Para o ambientalista, a construção de unidades de dessalinização – como a que foi anunciada para o litoral alentejano – deve ser vista como “um investimento de último recurso”. Já Poças Martins pensa que a criação de novas barragens – hipótese admitida pela tutela do ambiente e da acção climática – deve ser encarada com igual cautela, seja pelo custo, seja pelo impacto ambiental.
“Portugal tem de pensar na agricultura que tem e na que quer, pensar se quer continuar a cultivar o que tem cultivado, como tem cultivado. Há agricultores que pedem mais barragens, ou que se traga água do Norte para o Sul, do ponto de vista económico e ambiental não funciona. Não faz qualquer sentido fazer um transvase do Norte para o Sul [a chamada auto-estrada da água], no meu ponto de vista. Quanto às barragens, é preciso ver quem as paga. Já temos bastantes barragens. Acho mais sensato primeiro usar bem a água que temos e depois pensar como conseguimos mais”, conclui o professor da Faculdade de Engenharia do Porto.
29.7.22
BE critica falta de proteção para migrantes e para o clima
Enzo Santos, in JN
O Bloco de Esquerda esteve esta manhã em Odemira, distrito de Beja, para estar ao lado dos imigrantes que trabalham na agricultura intensiva e "garantem a Portugal que o país funciona e que a agricultura está a funcionar", disse a líder do BE. Discursando na marcha integrada no "Roteiro pela Justiça Climática", Catarina Martins exigiu que as explorações agrícolas que recorrem ao método intensivo e superintensivo sejam submetidas a "avaliações de impacto ambiental" e laboral, que tratem "não só do ambiente, mas também das pessoas".O BE acusou o Governo de "não mudar nada" para evitar o crescimento das estufas e melhorar os direitos dos trabalhadores e as questões da água e exigiu mais medidas. Porque "sabemos que lutar pelo clima e lutar pelos direitos do trabalho, pelas condições do trabalho, é uma e a mesma coisa", justificou Catarina Martins.
O BE estabeleceu também como objetivo combater "todo o abuso laboral e todo o trabalho forçado" e defendeu que devem ser considerados culpados todos aqueles que lucram com este tipo de práticas.
"Não podemos condenar os trabalhadores a viver em contentores, ou a viver em amontoados em quartos sem condições. As pessoas não podem continuar a pagar tanto para viver tão mal e não podemos ter tanta gente a viver em sítios onde faltam as condições médicas e de educação", disse.
Gestão pública da água
"Se nada for feito e se esta lei não mudar, as estufas vão continuar a aumentar, a água vai ser cada vez menos e os trabalhadores vão continuar a ser explorados", afirmou a coordenadora bloquista, instando o Governo a rever as políticas de gestão da água - ponto que também marcou a agenda da marcha bloquista que decorreu em Odemira, na parte da Costa Vicentina.
O BE bate-se também "para que a água seja gerida de forma pública e não pelos senhores do agro-negócio. Porque é a única forma de ser gerida de uma forma que respeite todas as pessoas e que dê o direito à agua numa altura em que o nosso país sofre tanto com as secas - todo o território nacional esta já em seca", acrescentou Catarina Martins, que discursou "numa das zonas onde a seca é mais visível".
Dirigindo-se aos migrantes presentes, a líder do BE falou em inglês e comprometeu-se a lutar pelos seus direitos.
28.2.22
Alterações climáticas: “Meias medidas já não são uma opção”, alerta IPCC
Claudia Carvalho Silva, in Público on-line
Com um planeta mais quente, as medidas terão de ser cada vez mais fortes. O IPCC apresentou esta segunda-feira um relatório que é sobre “as consequências da inacção” num mundo em que as alterações climáticas já afectam milhões de pessoas.
As alterações climáticas são uma ameaça gigante para o nosso bem-estar e para um “planeta saudável” e “é agora claro que mudanças pequenas, marginais e reactivas não serão suficientes”, alerta o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). O novo relatório feito pelo Grupo de Trabalho II do IPCC foi apresentado na manhã desta segunda-feira e indica que são precisas (mais) medidas urgentes para nos adaptarmos aos efeitos das alterações climáticas, em simultâneo com um corte nas emissões de gases com efeito de estufa para impedir que o planeta continue a aquecer. Chegámos a um ponto em que não se pode continuar a pensar só a curto prazo. “Meias medidas já não são uma opção”, assevera o presidente do IPCC, Hoesung Lee.
“As nossas acções de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas”, lê-se nas conclusões do relatório. Nas próximas duas décadas e com um aumento da temperatura global de 1,5 graus Celsius, as ameaças serão uma realidade e são “inevitáveis”. Se o aumento da temperatura for superior – mesmo que temporariamente –, alguns destes impactos serão irreversíveis.
Apesar de muitos indicadores serem alarmantes, ainda há esperança: as acções que limitem o aquecimento global a 1,5 graus Celsius “reduziriam substancialmente as perdas e danos previstos” – “mas não os poderão eliminar a todos por completo”.
Dependência dos combustíveis fósseis é um “beco sem saída”
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou na conferência de imprensa virtual desta manhã que metade da humanidade está agora a viver na zona de perigo das alterações climáticas. O relatório é sinal do “sofrimento humano”, de uma “catástrofe” que se avizinha.
Diz que os combustíveis fósseis estão a “esganar” a humanidade e que a dependência destes recursos nos deixa vulneráveis a crises e a choques geopolíticos. “Os combustíveis fósseis são um beco sem saída para o planeta, para a humanidade e para as economias”, afirmou Guterres, dizendo que a adaptação pode salvar vidas. Mas há urgência.
Na mesma conferência de imprensa, a directora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, manteve o tom: “Estamos numa emergência à espera de um desastre”, afirmou, dizendo que as medidas têm sido “demasiado fracas”. “A natureza pode salvar-nos – mas só se a salvarmos primeiro.”
Certo é que, a cada subida da temperatura global, as medidas tornam-se menos eficazes. Existem “grandes lacunas” entre o esforço que está a ser feito por uns e a adaptação que é necessária para se responder ao ritmo a que galgam as alterações climáticas. Sem nunca esquecer que tudo está interligado: o clima, a biodiversidade, as pessoas.
De resto, os riscos das alterações climáticas já são conhecidos: haverá mais ondas de calor, mais seca, mais cheias – que já estão a desafiar os limites dos animais e das plantas, causando a morte e extinção de espécies, incluindo árvores e corais. Não é um problema do futuro: “É inequívoco que as alterações climáticas já estão a prejudicar os sistemas humanos e naturais.”
3,6 mil milhões vivem em zonas vulneráveis
O relatório sublinha também que as alterações climáticas interagem com outros riscos: a população mundial está a aumentar, há um consumo de recursos excessivo e insustentável, há cada vez mais pessoas a morar nas cidades e as desigualdades e pobreza permanecem. Como acontece noutros contextos, quem sofre mais são as populações mais vulneráveis. O IPCC estima que cerca de 3,3 a 3,6 mil milhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis às alterações climáticas. Os riscos para as sociedades estão a aumentar, incluindo quem vive em zonas costeiras.
O grupo de trabalho alerta que os impactos e os riscos estão a ser cada vez mais “complexos e difíceis de gerir”. Há fenómenos causados pelas alterações climáticas que passarão a acontecer com mais frequência e em simultâneo. “O aumento de extremos climáticos levou a alguns impactos irreversíveis, enquanto os sistemas naturais e humanos são levados além da sua capacidade de se adaptarem.”
O diagnóstico vai sendo feito nas linhas do relatório. As alterações nos ecossistemas aumentam o risco de doenças nos animais e nas pessoas. Há mais alturas perigosas de risco de incêndios florestais e a área ardida é cada vez maior. Também “as condições de seca se tornam mais frequentes em muitas regiões, afectando negativamente a produção agrícola e de energia das centrais hidroeléctricas”. Foi o que aconteceu em Portugal neste mês de Fevereiro.
Estes perigos estão a tornar-se evidentes “em todas as regiões” do planeta, desde “o fundo do oceano até ao topo das montanhas mais altas”, assim como em cidades e zonas rurais – e a magnitude destes impactos “é maior do que se estimava anteriormente”, revela este documento do IPCC. O aumento das temperaturas faz com que os animais e as plantas tendam a migrar em direcção aos pólos, para altitudes mais altas ou para águas mais profundas. “Muitas espécies estão a atingir o limite das suas capacidades de se adaptarem às alterações climáticas”, lê-se. As que não conseguirem ficam em risco de extinção.
Qualquer atraso adicional numa acção global concertada fará com que percamos a oportunidade de assegurar um futuro habitável Hans-Otto Pörtner, vice-presidente do IPCC
Como se pode resolver esta ameaça à vida e à biodiversidade? “É preciso uma acção ambiciosa e acelerada para nos adaptarmos às alterações climáticas” – tudo isto enquanto se fazem “cortes profundos” nas emissões de gases com efeito de estufa. Por enquanto, denuncia o relatório, as medidas têm sido tomadas de forma desigual pelos países.
“Qualquer atraso adicional numa acção global concertada fará com que percamos a oportunidade de assegurar um futuro habitável”, garante o vice-presidente do IPCC, Hans-Otto Pörtner, citado em comunicado. Salvaguardar a biodiversidade e os ecossistemas é essencial. As decisões que se tomarão nesta próxima década ditarão a resiliência climática, mas tudo isto será limitado “se as emissões de gases com efeito de estufa actuais não diminuírem rapidamente”.
Uma das soluções é restaurar ecossistemas danificados, já que os meios saudáveis conseguem enfrentar melhor as alterações climáticas. A natureza é a nossa melhor aliada, já que consegue absorver e armazenar carbono. Já certas práticas humanas são vistas como inimigos: o uso intensivo e pouco sustentável de recursos naturais, uma urbanização crescente, desigualdades sociais, e as perdas causadas por eventos extremos e por uma pandemia. O IPCC refere que há milhões de pessoas por todo o planeta que sofrem já o impacto da escassez de água e de alimentos.
Quem fica em risco não somos só nós – é o futuro. Para o IPCC, é preciso uma resposta coordenada: estes desafios precisam de uma resposta de todos, dos governos à sociedade, ao sector privado e à comunidade científica e escolar, desenvolvendo também “parcerias com grupos tradicionalmente marginalizados”, como os jovens, as mulheres, minorias étnicas e comunidades locais. As alterações climáticas são um desafio global, mas muitas das respostas devem ser locais, refere o grupo de trabalho.
O relatório, intitulado Alterações Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, era para ser apresentado em Setembro de 2021, mas a pandemia atrasou o processo. É a segunda vez que o IPCC apresenta um relatório destes de forma virtual. O IPCC tem três grupos de trabalho e este segundo dedica-se aos impactos, adaptação e vulnerabilidade das alterações climáticas.
As cidades em risco
As cidades têm um lugar especial neste relatório. É nas cidades que vive mais de metade da população mundial e é lá que muitos dos impactos das alterações climáticas se fazem sentir, como as ondas de calor, as tempestades e outros fenómenos mais lentos, como a subida do nível médio da água do mar. “As zonas quentes estão a ficar mais quentes e está a reduzir-se drasticamente o tempo que as pessoas podem passar ao ar livre.”
Quem vive nas cidades sofre também com uma qualidade do ar mais fraca. Tudo isto pode afectar a saúde mental de quem lá vive – mas também a saúde física, podendo causar mortes.
Nas cidades em que há maiores níveis de pobreza e pouco planeamento urbano, o risco é maior. Ainda assim, estas malhas urbanas podem também ser uma oportunidade: há que apostar em “edifícios mais verdes, segurança no abastecimento de água potável e de energias renováveis, sistemas de transportes sustentáveis que conectem as áreas urbanas e rurais”, resume Debra Roberts, também vice-presidente do IPCC. Tudo isto poderá contribuir para uma “uma sociedade mais inclusiva e mais justa”.
Na Europa, as medidas em curso não estão a ser suficientes
Na parte do relatório dedicada à Europa, fica claro que o mundo actual (que já está 1,1ºC mais quente) está a afectar os sistemas humanos e naturais no continente. Os efeitos já são visíveis, incluindo nas ondas de calor e secas que se tornaram mais frequentes. Em Portugal, 2022 está a ser um dos piores anos de seca e um dos mais secos. Com o aumento de temperaturas, haverá também um maior número de mortes e de pessoas com complicações de saúde.
“Em muitas partes da Europa, as medidas de adaptação existentes e planeadas não são suficientes para evitar o risco”, lê-se no documento do IPCC, sobretudo com a subida da temperatura global perto ultrapassar os 1.5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Este risco pode levar a uma perda de habitats e de ecossistemas, falhas na produção agrícola e até a um racionamento de água durante as secas no sul da Europa.
O IPCC refere precisamente que as zonas a sul da Europa serão as mais afectadas do continente e que haverá perdas significativas na produção agrícola na maior parte da Europa. A escassez de água agravará este cenário. No Sul da Europa, aliás, “mais de um terço da população estará exposta à escassez de água”, se as temperaturas subirem 2ºC. Isto também afectará as indústrias que estão dependentes da água e da energia hidroeléctrica.
A subida do nível médio da água do mar é outro dos riscos identificados na Europa. Os danos causados pelas inundações costeiras poderão ser dez vezes mais frequentes até ao final do século. “A subida do nível do mar representa uma ameaça da existência de comunidades costeiras e da sua herança cultural, sobretudo depois de 2100”, lê-se.
As soluções passam por uma melhor gestão da água, repensar a forma como se rega na agricultura, uma melhor gestão dos incêndios florestais, sistemas de aviso para inundações, e também intervenções em edifícios para se enfrentar as ondas de calor.
Como “barreira” a estas medidas está o pouco financiamento, “um reduzido sentido de urgência” e também “falta de liderança política”. É urgente deixar de pensar a curto-prazo, ressalva o IPCC. E há que pensar a nível local: “O sucesso da adaptação dependerá do nosso conhecimento de quais as opções de adaptação são fazíveis e eficazes num contexto local”.
Com um planeta mais quente, as medidas terão de ser cada vez mais fortes. O IPCC apresentou esta segunda-feira um relatório que é sobre “as consequências da inacção” num mundo em que as alterações climáticas já afectam milhões de pessoas.
As alterações climáticas são uma ameaça gigante para o nosso bem-estar e para um “planeta saudável” e “é agora claro que mudanças pequenas, marginais e reactivas não serão suficientes”, alerta o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). O novo relatório feito pelo Grupo de Trabalho II do IPCC foi apresentado na manhã desta segunda-feira e indica que são precisas (mais) medidas urgentes para nos adaptarmos aos efeitos das alterações climáticas, em simultâneo com um corte nas emissões de gases com efeito de estufa para impedir que o planeta continue a aquecer. Chegámos a um ponto em que não se pode continuar a pensar só a curto prazo. “Meias medidas já não são uma opção”, assevera o presidente do IPCC, Hoesung Lee.
“As nossas acções de hoje definirão como as pessoas se adaptam e como a natureza responde aos riscos crescentes causados pelas alterações climáticas”, lê-se nas conclusões do relatório. Nas próximas duas décadas e com um aumento da temperatura global de 1,5 graus Celsius, as ameaças serão uma realidade e são “inevitáveis”. Se o aumento da temperatura for superior – mesmo que temporariamente –, alguns destes impactos serão irreversíveis.
Apesar de muitos indicadores serem alarmantes, ainda há esperança: as acções que limitem o aquecimento global a 1,5 graus Celsius “reduziriam substancialmente as perdas e danos previstos” – “mas não os poderão eliminar a todos por completo”.
Dependência dos combustíveis fósseis é um “beco sem saída”
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou na conferência de imprensa virtual desta manhã que metade da humanidade está agora a viver na zona de perigo das alterações climáticas. O relatório é sinal do “sofrimento humano”, de uma “catástrofe” que se avizinha.
Diz que os combustíveis fósseis estão a “esganar” a humanidade e que a dependência destes recursos nos deixa vulneráveis a crises e a choques geopolíticos. “Os combustíveis fósseis são um beco sem saída para o planeta, para a humanidade e para as economias”, afirmou Guterres, dizendo que a adaptação pode salvar vidas. Mas há urgência.
Na mesma conferência de imprensa, a directora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, manteve o tom: “Estamos numa emergência à espera de um desastre”, afirmou, dizendo que as medidas têm sido “demasiado fracas”. “A natureza pode salvar-nos – mas só se a salvarmos primeiro.”
Certo é que, a cada subida da temperatura global, as medidas tornam-se menos eficazes. Existem “grandes lacunas” entre o esforço que está a ser feito por uns e a adaptação que é necessária para se responder ao ritmo a que galgam as alterações climáticas. Sem nunca esquecer que tudo está interligado: o clima, a biodiversidade, as pessoas.
De resto, os riscos das alterações climáticas já são conhecidos: haverá mais ondas de calor, mais seca, mais cheias – que já estão a desafiar os limites dos animais e das plantas, causando a morte e extinção de espécies, incluindo árvores e corais. Não é um problema do futuro: “É inequívoco que as alterações climáticas já estão a prejudicar os sistemas humanos e naturais.”
3,6 mil milhões vivem em zonas vulneráveis
O relatório sublinha também que as alterações climáticas interagem com outros riscos: a população mundial está a aumentar, há um consumo de recursos excessivo e insustentável, há cada vez mais pessoas a morar nas cidades e as desigualdades e pobreza permanecem. Como acontece noutros contextos, quem sofre mais são as populações mais vulneráveis. O IPCC estima que cerca de 3,3 a 3,6 mil milhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis às alterações climáticas. Os riscos para as sociedades estão a aumentar, incluindo quem vive em zonas costeiras.
O grupo de trabalho alerta que os impactos e os riscos estão a ser cada vez mais “complexos e difíceis de gerir”. Há fenómenos causados pelas alterações climáticas que passarão a acontecer com mais frequência e em simultâneo. “O aumento de extremos climáticos levou a alguns impactos irreversíveis, enquanto os sistemas naturais e humanos são levados além da sua capacidade de se adaptarem.”
O diagnóstico vai sendo feito nas linhas do relatório. As alterações nos ecossistemas aumentam o risco de doenças nos animais e nas pessoas. Há mais alturas perigosas de risco de incêndios florestais e a área ardida é cada vez maior. Também “as condições de seca se tornam mais frequentes em muitas regiões, afectando negativamente a produção agrícola e de energia das centrais hidroeléctricas”. Foi o que aconteceu em Portugal neste mês de Fevereiro.
Estes perigos estão a tornar-se evidentes “em todas as regiões” do planeta, desde “o fundo do oceano até ao topo das montanhas mais altas”, assim como em cidades e zonas rurais – e a magnitude destes impactos “é maior do que se estimava anteriormente”, revela este documento do IPCC. O aumento das temperaturas faz com que os animais e as plantas tendam a migrar em direcção aos pólos, para altitudes mais altas ou para águas mais profundas. “Muitas espécies estão a atingir o limite das suas capacidades de se adaptarem às alterações climáticas”, lê-se. As que não conseguirem ficam em risco de extinção.
Qualquer atraso adicional numa acção global concertada fará com que percamos a oportunidade de assegurar um futuro habitável Hans-Otto Pörtner, vice-presidente do IPCC
Como se pode resolver esta ameaça à vida e à biodiversidade? “É preciso uma acção ambiciosa e acelerada para nos adaptarmos às alterações climáticas” – tudo isto enquanto se fazem “cortes profundos” nas emissões de gases com efeito de estufa. Por enquanto, denuncia o relatório, as medidas têm sido tomadas de forma desigual pelos países.
“Qualquer atraso adicional numa acção global concertada fará com que percamos a oportunidade de assegurar um futuro habitável”, garante o vice-presidente do IPCC, Hans-Otto Pörtner, citado em comunicado. Salvaguardar a biodiversidade e os ecossistemas é essencial. As decisões que se tomarão nesta próxima década ditarão a resiliência climática, mas tudo isto será limitado “se as emissões de gases com efeito de estufa actuais não diminuírem rapidamente”.
Uma das soluções é restaurar ecossistemas danificados, já que os meios saudáveis conseguem enfrentar melhor as alterações climáticas. A natureza é a nossa melhor aliada, já que consegue absorver e armazenar carbono. Já certas práticas humanas são vistas como inimigos: o uso intensivo e pouco sustentável de recursos naturais, uma urbanização crescente, desigualdades sociais, e as perdas causadas por eventos extremos e por uma pandemia. O IPCC refere que há milhões de pessoas por todo o planeta que sofrem já o impacto da escassez de água e de alimentos.
Quem fica em risco não somos só nós – é o futuro. Para o IPCC, é preciso uma resposta coordenada: estes desafios precisam de uma resposta de todos, dos governos à sociedade, ao sector privado e à comunidade científica e escolar, desenvolvendo também “parcerias com grupos tradicionalmente marginalizados”, como os jovens, as mulheres, minorias étnicas e comunidades locais. As alterações climáticas são um desafio global, mas muitas das respostas devem ser locais, refere o grupo de trabalho.
O relatório, intitulado Alterações Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, era para ser apresentado em Setembro de 2021, mas a pandemia atrasou o processo. É a segunda vez que o IPCC apresenta um relatório destes de forma virtual. O IPCC tem três grupos de trabalho e este segundo dedica-se aos impactos, adaptação e vulnerabilidade das alterações climáticas.
As cidades em risco
As cidades têm um lugar especial neste relatório. É nas cidades que vive mais de metade da população mundial e é lá que muitos dos impactos das alterações climáticas se fazem sentir, como as ondas de calor, as tempestades e outros fenómenos mais lentos, como a subida do nível médio da água do mar. “As zonas quentes estão a ficar mais quentes e está a reduzir-se drasticamente o tempo que as pessoas podem passar ao ar livre.”
Quem vive nas cidades sofre também com uma qualidade do ar mais fraca. Tudo isto pode afectar a saúde mental de quem lá vive – mas também a saúde física, podendo causar mortes.
Nas cidades em que há maiores níveis de pobreza e pouco planeamento urbano, o risco é maior. Ainda assim, estas malhas urbanas podem também ser uma oportunidade: há que apostar em “edifícios mais verdes, segurança no abastecimento de água potável e de energias renováveis, sistemas de transportes sustentáveis que conectem as áreas urbanas e rurais”, resume Debra Roberts, também vice-presidente do IPCC. Tudo isto poderá contribuir para uma “uma sociedade mais inclusiva e mais justa”.
Na Europa, as medidas em curso não estão a ser suficientes
Na parte do relatório dedicada à Europa, fica claro que o mundo actual (que já está 1,1ºC mais quente) está a afectar os sistemas humanos e naturais no continente. Os efeitos já são visíveis, incluindo nas ondas de calor e secas que se tornaram mais frequentes. Em Portugal, 2022 está a ser um dos piores anos de seca e um dos mais secos. Com o aumento de temperaturas, haverá também um maior número de mortes e de pessoas com complicações de saúde.
“Em muitas partes da Europa, as medidas de adaptação existentes e planeadas não são suficientes para evitar o risco”, lê-se no documento do IPCC, sobretudo com a subida da temperatura global perto ultrapassar os 1.5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Este risco pode levar a uma perda de habitats e de ecossistemas, falhas na produção agrícola e até a um racionamento de água durante as secas no sul da Europa.
O IPCC refere precisamente que as zonas a sul da Europa serão as mais afectadas do continente e que haverá perdas significativas na produção agrícola na maior parte da Europa. A escassez de água agravará este cenário. No Sul da Europa, aliás, “mais de um terço da população estará exposta à escassez de água”, se as temperaturas subirem 2ºC. Isto também afectará as indústrias que estão dependentes da água e da energia hidroeléctrica.
A subida do nível médio da água do mar é outro dos riscos identificados na Europa. Os danos causados pelas inundações costeiras poderão ser dez vezes mais frequentes até ao final do século. “A subida do nível do mar representa uma ameaça da existência de comunidades costeiras e da sua herança cultural, sobretudo depois de 2100”, lê-se.
As soluções passam por uma melhor gestão da água, repensar a forma como se rega na agricultura, uma melhor gestão dos incêndios florestais, sistemas de aviso para inundações, e também intervenções em edifícios para se enfrentar as ondas de calor.
Como “barreira” a estas medidas está o pouco financiamento, “um reduzido sentido de urgência” e também “falta de liderança política”. É urgente deixar de pensar a curto-prazo, ressalva o IPCC. E há que pensar a nível local: “O sucesso da adaptação dependerá do nosso conhecimento de quais as opções de adaptação são fazíveis e eficazes num contexto local”.
15.9.21
Quase dois terços dos jovens portugueses acreditam que o mundo está condenado, diz estudo
Diana Baptista Vicente, in Público on-line
Quase seis em cada dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática, diz um estudo feito em dez países, que “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos jovens estão ligados à inércia dos Governos”. Jovens portugueses estão entre os mais preocupados.
Foto Cerca de seis em dez jovens considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais
Oito em cada dez jovens portugueses acreditam que “o futuro é assustador” face às alterações climáticas. E mais de dois terços acreditam que o Governo está a falhar na resposta à crise climática (apenas atrás dos jovens do Brasil). Os resultados fazem parte de um estudo científico com base em inquéritos a jovens de dez países e que revelou que, dos países desenvolvidos analisados, os jovens portugueses são os que demonstram um maior nível de preocupação com a crise ambiental.
O estudo divulgado esta terça-feira ilustra o profundo nível de preocupação que os mais jovens, entre os 16 e os 25 anos, sentem em relação às alterações climáticas, com um impacto na forma como olham para o futuro. No que diz respeito aos pensamentos negativos sobre as alterações climáticas, os jovens portugueses expressam, no geral, uma maior preocupação do que a média dos dez países.
Quase dois terços dos jovens portugueses acreditam que a humanidade está condenada, apenas abaixo dos jovens da Índia (74%) das Filipinas (73%) e do Brasil (67%). E quase nove em dez jovens portugueses afirmaram que as pessoas falharam na protecção do planeta, por oposição aos 83% do total dos inquiridos.
Mais de metade dos portugueses questionados (54%) acredita ter menos oportunidades do que os pais, apenas um valor percentual abaixo da média. E se 39% dos jovens inquiridos estão reticentes em ter filhos devido à crise climática, em Portugal esse número é só ligeiramente inferior (37%).
Segundo o estudo, quase seis em dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática. Um número semelhante considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais. Neste campo, Portugal é o terceiro país (62%) a sentir que o Governo está a trair esta geração e as próximas, depois do Brasil (77%) e da Índia (66%).
Ao mesmo tempo, 65% dos portugueses inquiridos sentem que o Governo está a ignorar a angústia das pessoas em relação às alterações climáticas, estando acima dos 60% do total de jovens inquiridos.
No total, os autores do estudo referem que os níveis de ansiedade parecem ser superiores nos países onde as políticas ambientais são consideradas menos robustas, tendo sido relatada uma maior preocupação no Sul do globo.
Os activistas ambientais afirmam que a preocupação e ansiedade ligadas às alterações climáticas afectam grande parte da população jovem. Mitzi Tan, de 23 anos e das Filipinas, disse que cresceu com o medo de se “afogar no próprio quarto”. Também se tornou comum os jovens preocuparem-se em ter ou não ter filhos por causa dos problemas do planeta. Segundo Luisa Neubauer, activista de 25 anos e uma das organizadoras do movimento climático estudantil na Alemanha, “é uma questão simples, mas diz tanto sobre a realidade climática onde vivemos.
Ecoansiedade e inércia governamental
Para o estudo, financiado pelo grupo de pesquisa e mobilização Avaaz, fizeram-se inquéritos com jovens de Portugal, Austrália, Brasil, Finlândia, França, Filipinas, Estados Unidos, Índia, Nigéria e Reino Unido. Pré-publicado na Lancet e ainda à espera de revisão pelos pares, o estudo foi conduzido e analisado por sete instituições académicas da Europa e EUA, incluindo a Universidade de Bath e o Oxford Health NHS Foundation Trust. É considerado o maior estudo científico feito até à data sobre a ansiedade climática e os jovens.
Os autores da investigação indicam que o stress crónico ligado às alterações climáticas está a aumentar o risco de desenvolver problemas mentais e físicos. E se os eventos climáticos extremos se intensificarem, vão ser acompanhados por impactos na saúde mental. Os jovens são especialmente afectados, uma vez que estão em processo de desenvolvimento psicológico, físico e social.
Caroline Hickman, da Universidade de Bath e co-autora do estudo, disse que a análise “ilustra a terrível ansiedade climática difundida nas nossas crianças e jovens” e “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos nossos jovens estão ligados à inércia dos governos”, continuou.
Tom Burke, do think tank E3G, afirmou à BBC que “é lógico que os jovens estejam ansiosos”, porque “estão a ver a evolução [das alterações climáticas] diante dos próprios olhos”.
Quase seis em cada dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática, diz um estudo feito em dez países, que “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos jovens estão ligados à inércia dos Governos”. Jovens portugueses estão entre os mais preocupados.
Foto Cerca de seis em dez jovens considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais
Oito em cada dez jovens portugueses acreditam que “o futuro é assustador” face às alterações climáticas. E mais de dois terços acreditam que o Governo está a falhar na resposta à crise climática (apenas atrás dos jovens do Brasil). Os resultados fazem parte de um estudo científico com base em inquéritos a jovens de dez países e que revelou que, dos países desenvolvidos analisados, os jovens portugueses são os que demonstram um maior nível de preocupação com a crise ambiental.
O estudo divulgado esta terça-feira ilustra o profundo nível de preocupação que os mais jovens, entre os 16 e os 25 anos, sentem em relação às alterações climáticas, com um impacto na forma como olham para o futuro. No que diz respeito aos pensamentos negativos sobre as alterações climáticas, os jovens portugueses expressam, no geral, uma maior preocupação do que a média dos dez países.
Quase dois terços dos jovens portugueses acreditam que a humanidade está condenada, apenas abaixo dos jovens da Índia (74%) das Filipinas (73%) e do Brasil (67%). E quase nove em dez jovens portugueses afirmaram que as pessoas falharam na protecção do planeta, por oposição aos 83% do total dos inquiridos.
Mais de metade dos portugueses questionados (54%) acredita ter menos oportunidades do que os pais, apenas um valor percentual abaixo da média. E se 39% dos jovens inquiridos estão reticentes em ter filhos devido à crise climática, em Portugal esse número é só ligeiramente inferior (37%).
Segundo o estudo, quase seis em dez jovens estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática. Um número semelhante considera que os Governos não estão a proteger os jovens, o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais antigas e entidades governamentais. Neste campo, Portugal é o terceiro país (62%) a sentir que o Governo está a trair esta geração e as próximas, depois do Brasil (77%) e da Índia (66%).
Ao mesmo tempo, 65% dos portugueses inquiridos sentem que o Governo está a ignorar a angústia das pessoas em relação às alterações climáticas, estando acima dos 60% do total de jovens inquiridos.
No total, os autores do estudo referem que os níveis de ansiedade parecem ser superiores nos países onde as políticas ambientais são consideradas menos robustas, tendo sido relatada uma maior preocupação no Sul do globo.
Os activistas ambientais afirmam que a preocupação e ansiedade ligadas às alterações climáticas afectam grande parte da população jovem. Mitzi Tan, de 23 anos e das Filipinas, disse que cresceu com o medo de se “afogar no próprio quarto”. Também se tornou comum os jovens preocuparem-se em ter ou não ter filhos por causa dos problemas do planeta. Segundo Luisa Neubauer, activista de 25 anos e uma das organizadoras do movimento climático estudantil na Alemanha, “é uma questão simples, mas diz tanto sobre a realidade climática onde vivemos.
Ecoansiedade e inércia governamental
Para o estudo, financiado pelo grupo de pesquisa e mobilização Avaaz, fizeram-se inquéritos com jovens de Portugal, Austrália, Brasil, Finlândia, França, Filipinas, Estados Unidos, Índia, Nigéria e Reino Unido. Pré-publicado na Lancet e ainda à espera de revisão pelos pares, o estudo foi conduzido e analisado por sete instituições académicas da Europa e EUA, incluindo a Universidade de Bath e o Oxford Health NHS Foundation Trust. É considerado o maior estudo científico feito até à data sobre a ansiedade climática e os jovens.
Os autores da investigação indicam que o stress crónico ligado às alterações climáticas está a aumentar o risco de desenvolver problemas mentais e físicos. E se os eventos climáticos extremos se intensificarem, vão ser acompanhados por impactos na saúde mental. Os jovens são especialmente afectados, uma vez que estão em processo de desenvolvimento psicológico, físico e social.
Caroline Hickman, da Universidade de Bath e co-autora do estudo, disse que a análise “ilustra a terrível ansiedade climática difundida nas nossas crianças e jovens” e “sugere pela primeira vez que elevados níveis de angústia psicológica nos nossos jovens estão ligados à inércia dos governos”, continuou.
Tom Burke, do think tank E3G, afirmou à BBC que “é lógico que os jovens estejam ansiosos”, porque “estão a ver a evolução [das alterações climáticas] diante dos próprios olhos”.
11.8.21
Alterações climáticas: Portugal já sabia o que aí vem, mas não está totalmente preparado
Patrícia Carvalho, in Público on-line
Portugal, a par com os restantes países do Sul da Europa, enfrenta um futuro mais quente, com mais ondas de calor, secas e a possibilidade de cheias causadas por períodos de chuva muito muito intensos. “A chuva de um ano a cair numa semana”, alerta um dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
Os cientistas que há anos estudam as alterações climáticas em Portugal são unânimes: o mais recente relatório do IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) não traz grandes novidades quanto à forma como o país, e a região do Mediterrâneo em geral, serão afectados. Subida de temperatura, aumento dos períodos de seca e ondas de calor, períodos de chuva menos frequentes mas mais intensos, e uma linha de costa ameaçada pela subida do nível médio do mar são as principais consequências que se retiram das conclusões do IPCC - que se basearam em milhares de artigos científicos, incluindo portugueses -, mas se estamos preparados para isso já é outra questão.
“Por muito que os decisores políticos queiram tomar este relatório como novidade, isso pode ser visto como uma desresponsabilização. É claro que hoje temos uma informação mais detalhada, um conhecimento mais vasto, mas do ponto de vista substancial, não há ali grandes novidades”, diz Pedro Matos Soares, físico da atmosfera do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), reforçando: “Os resultados não são manifestamente diferentes do que sabíamos, o que mostra coerência [no trabalho desenvolvido], mas têm uma fundamentação mais forte. Há mais corpo científico, mais observações e melhores modelos.”
Também Filipe Duarte Santos, coordenador, em 2006, do Projecto SIAM II - Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures (Mudanças do Clima em Portugal. Cenário, impactos e medidas de adaptação), em que já eram apresentadas projecções da evolução do clima na linha do que o IPCC vem agora definir, afirma: “Em relação à região do Mediterrâneo, o relatório confirma-o como um hot spot das alterações climáticas. A temperatura média tem estado a aumentar mais do que à escala global, na ordem de 1,5 graus Celsius, quando a nível global rondará os 1,09, 1,1graus. Também já se observa uma redução da precipitação média anual, que é muito clara em Portugal e é um dos aspectos mais preocupantes, por causa dos recursos hídricos e também por causa dos fogos florestais. Na Europa há uma área ardida anual muitíssimo maior na região do Mediterrâneo - Portugal, Espanha, sul de França, Itália, Grécia - e a tendência é para continuar porque vamos ter ondas de calor mais frequentes, mais intensas e secas”, diz o especialista em alterações climáticas da FCUL.
Rui Perdigão, professor catedrático em Física de Sistemas Complexos e Dinâmica do Clima e presidente do Meteoceanics Institute for Complex System Science, em Viena (Áustria) diz “passar a vida a fazer contas para salvar vidas”, trabalhando com modelos que permitiram, por exemplo, antecipar em algumas semanas a probabilidade da chegada das cheias que, no mês passado, deixaram devastadas várias partes da Europa central. Saúda no relatório do IPCC, a maior atenção dada aos extremos, e em relação a Portugal, deixa um alerta: “Não nos podemos esquecer das cheias. Não é por o sul da Europa esperar uma probabilidade inferior de termos cheias regulares que devemos pensar que o nosso problema é apenas a seca. Porque a quota de água [da região] continua a existir na atmosfera e vai ter de ser escoada. Ou seja, o que veremos é uma excessiva concentração [de água] na atmosfera, que em vez de cair regularmente, cai de repente, é a chuva de um ano a cair numa semana. Esse é o problema: num clima árido haver situações em que se passam meses a fio sem cair um pingo e depois cair uma quantidade brutal extremamente concentrada no tempo e o espaço, o que faz com que áreas como o Alentejo, com a terra ressequida, percam capacidade de infiltração. Mesmo em Lisboa, os planos de drenagem são para um regime de extremos que já não existe”, diz.
Mais adaptação
O ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, reconhece que o país tem um caminho a fazer do lado da adaptação. Apesar de Portugal ser várias vezes citado como um exemplo no trabalho desenvolvido ao nível de clima - nomeadamente, ao nível energético e de redução de emissões -, o ministro defende que “quem está na linha da frente da redução de emissões tem a obrigação de começar a fazer um discurso complementar a esse, que é o do restauro e valorização dos ecossistemas, do território”. E aí, diz ao PÚBLICO, ainda não estamos “na linha da frente”.
No rescaldo da divulgação das principais conclusões do relatório do IPCC, Matos Fernandes diz ter encontrado sobretudo “duas novidades, uma técnica e outra de linguagem”. Do lado técnico, o ritmo a que o planeta poderá tornar-se 1,5 graus mais quente do que no período pré-industrial, foi o que mais o marcou. “Chegarmos a esse valor em menos de 20 anos é um factor novo, há um sentimento de urgência maior do que o que vinha de trás”. E que, refere, a própria linguagem usada na transmissão das conclusões sustenta: “Não me recordo de ver uma linguagem tão escatológica como esta num documento destes, tão de vida ou de morte. E este sentido de comunicação é de maior importância, a três meses da cimeira [da COP26] de Glasgow, que é importantíssima, diria mesmo a mais importante desde Paris”.
Esta segunda-feira, na apresentação do relatório, a co-presidente do Grupo I, responsável pelo documento, Valérie Masson-Delmotte, frisava que a comunidade científica estava a dar aos decisores políticos o conhecimento e os instrumentos para saberem o que vai acontecer em diferentes cenários de aquecimento do planeta, cabendo-lhes decidir o que fazer e até onde estão dispostos a ir.
Filipe Duarte Santos mostra algumas dúvidas sobre se haverá a capacidade de dar a resposta necessária, que tem de ser, obrigatoriamente, global. “Em relação ao resto do mundo, a União Europeia está a fazer bastante. Pode-se fazer mais, mas é indiscutivelmente líder no processo de descarbonização. O problema é que o mundo é muito fragmentado, muito complexo, e temos casos muito complicados, que não conseguirão fazer a transição sem um grande auxílio exterior. Mas o sentido de urgência em diminuir as emissões de gases com efeito de estufa vem no momento certo”, diz.
Pedro Matos Soares também chama a atenção para a antecipação da data em que o planeta poderá ultrapassar a barreira do aumento do aquecimento global de 1,5 graus, o que considera “muitíssimo severo”, já que, defende: “Estamos a falar de uma sociedade impreparada para este tipo de extremos, tanto ao nível das pessoas como economicamente.” E Portugal tem pela frente “grandes desafios”. Se seremos capazes de responder é uma incógnita: “Portugal até é pioneiro em algumas áreas, mas há quatro anos ainda estávamos a manifestar-nos contra a exploração de petróleo em Portugal. É tudo muitíssimo recente”, diz.
Num mundo em mudança e em que a componente humana tem uma quota parte inegável no que aconteceu e no que irá acontecer, Rui Perdigão deixa mais um aviso: “As autarquias, os agricultores, os agentes económicos têm de redimensionar as perspectivas de adaptação e mitigação. As estruturas têm de ser dimensionadas para extremos em que a magnitude e frequência não se coadunam mais com o que foi desenhado. Na altura, fizeram-no correctamente com os dados que havia, mas esses modelos já não servem, têm de ser refeitos com a ciência construída hoje. A agricultura, por exemplo, tem de preparar um sistema de resposta a infiltrações num regime de precipitação brutal. Há que redimensionar estruturas de engenharia civil, práticas agrícolas, tendo em atenção esta ciência emergente que nos fornece informação clara e objectiva quanto às tendências.”
Portugal, a par com os restantes países do Sul da Europa, enfrenta um futuro mais quente, com mais ondas de calor, secas e a possibilidade de cheias causadas por períodos de chuva muito muito intensos. “A chuva de um ano a cair numa semana”, alerta um dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
Os cientistas que há anos estudam as alterações climáticas em Portugal são unânimes: o mais recente relatório do IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) não traz grandes novidades quanto à forma como o país, e a região do Mediterrâneo em geral, serão afectados. Subida de temperatura, aumento dos períodos de seca e ondas de calor, períodos de chuva menos frequentes mas mais intensos, e uma linha de costa ameaçada pela subida do nível médio do mar são as principais consequências que se retiram das conclusões do IPCC - que se basearam em milhares de artigos científicos, incluindo portugueses -, mas se estamos preparados para isso já é outra questão.
“Por muito que os decisores políticos queiram tomar este relatório como novidade, isso pode ser visto como uma desresponsabilização. É claro que hoje temos uma informação mais detalhada, um conhecimento mais vasto, mas do ponto de vista substancial, não há ali grandes novidades”, diz Pedro Matos Soares, físico da atmosfera do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), reforçando: “Os resultados não são manifestamente diferentes do que sabíamos, o que mostra coerência [no trabalho desenvolvido], mas têm uma fundamentação mais forte. Há mais corpo científico, mais observações e melhores modelos.”
Também Filipe Duarte Santos, coordenador, em 2006, do Projecto SIAM II - Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures (Mudanças do Clima em Portugal. Cenário, impactos e medidas de adaptação), em que já eram apresentadas projecções da evolução do clima na linha do que o IPCC vem agora definir, afirma: “Em relação à região do Mediterrâneo, o relatório confirma-o como um hot spot das alterações climáticas. A temperatura média tem estado a aumentar mais do que à escala global, na ordem de 1,5 graus Celsius, quando a nível global rondará os 1,09, 1,1graus. Também já se observa uma redução da precipitação média anual, que é muito clara em Portugal e é um dos aspectos mais preocupantes, por causa dos recursos hídricos e também por causa dos fogos florestais. Na Europa há uma área ardida anual muitíssimo maior na região do Mediterrâneo - Portugal, Espanha, sul de França, Itália, Grécia - e a tendência é para continuar porque vamos ter ondas de calor mais frequentes, mais intensas e secas”, diz o especialista em alterações climáticas da FCUL.
Rui Perdigão, professor catedrático em Física de Sistemas Complexos e Dinâmica do Clima e presidente do Meteoceanics Institute for Complex System Science, em Viena (Áustria) diz “passar a vida a fazer contas para salvar vidas”, trabalhando com modelos que permitiram, por exemplo, antecipar em algumas semanas a probabilidade da chegada das cheias que, no mês passado, deixaram devastadas várias partes da Europa central. Saúda no relatório do IPCC, a maior atenção dada aos extremos, e em relação a Portugal, deixa um alerta: “Não nos podemos esquecer das cheias. Não é por o sul da Europa esperar uma probabilidade inferior de termos cheias regulares que devemos pensar que o nosso problema é apenas a seca. Porque a quota de água [da região] continua a existir na atmosfera e vai ter de ser escoada. Ou seja, o que veremos é uma excessiva concentração [de água] na atmosfera, que em vez de cair regularmente, cai de repente, é a chuva de um ano a cair numa semana. Esse é o problema: num clima árido haver situações em que se passam meses a fio sem cair um pingo e depois cair uma quantidade brutal extremamente concentrada no tempo e o espaço, o que faz com que áreas como o Alentejo, com a terra ressequida, percam capacidade de infiltração. Mesmo em Lisboa, os planos de drenagem são para um regime de extremos que já não existe”, diz.
Mais adaptação
O ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, reconhece que o país tem um caminho a fazer do lado da adaptação. Apesar de Portugal ser várias vezes citado como um exemplo no trabalho desenvolvido ao nível de clima - nomeadamente, ao nível energético e de redução de emissões -, o ministro defende que “quem está na linha da frente da redução de emissões tem a obrigação de começar a fazer um discurso complementar a esse, que é o do restauro e valorização dos ecossistemas, do território”. E aí, diz ao PÚBLICO, ainda não estamos “na linha da frente”.
No rescaldo da divulgação das principais conclusões do relatório do IPCC, Matos Fernandes diz ter encontrado sobretudo “duas novidades, uma técnica e outra de linguagem”. Do lado técnico, o ritmo a que o planeta poderá tornar-se 1,5 graus mais quente do que no período pré-industrial, foi o que mais o marcou. “Chegarmos a esse valor em menos de 20 anos é um factor novo, há um sentimento de urgência maior do que o que vinha de trás”. E que, refere, a própria linguagem usada na transmissão das conclusões sustenta: “Não me recordo de ver uma linguagem tão escatológica como esta num documento destes, tão de vida ou de morte. E este sentido de comunicação é de maior importância, a três meses da cimeira [da COP26] de Glasgow, que é importantíssima, diria mesmo a mais importante desde Paris”.
Esta segunda-feira, na apresentação do relatório, a co-presidente do Grupo I, responsável pelo documento, Valérie Masson-Delmotte, frisava que a comunidade científica estava a dar aos decisores políticos o conhecimento e os instrumentos para saberem o que vai acontecer em diferentes cenários de aquecimento do planeta, cabendo-lhes decidir o que fazer e até onde estão dispostos a ir.
Filipe Duarte Santos mostra algumas dúvidas sobre se haverá a capacidade de dar a resposta necessária, que tem de ser, obrigatoriamente, global. “Em relação ao resto do mundo, a União Europeia está a fazer bastante. Pode-se fazer mais, mas é indiscutivelmente líder no processo de descarbonização. O problema é que o mundo é muito fragmentado, muito complexo, e temos casos muito complicados, que não conseguirão fazer a transição sem um grande auxílio exterior. Mas o sentido de urgência em diminuir as emissões de gases com efeito de estufa vem no momento certo”, diz.
Pedro Matos Soares também chama a atenção para a antecipação da data em que o planeta poderá ultrapassar a barreira do aumento do aquecimento global de 1,5 graus, o que considera “muitíssimo severo”, já que, defende: “Estamos a falar de uma sociedade impreparada para este tipo de extremos, tanto ao nível das pessoas como economicamente.” E Portugal tem pela frente “grandes desafios”. Se seremos capazes de responder é uma incógnita: “Portugal até é pioneiro em algumas áreas, mas há quatro anos ainda estávamos a manifestar-nos contra a exploração de petróleo em Portugal. É tudo muitíssimo recente”, diz.
Num mundo em mudança e em que a componente humana tem uma quota parte inegável no que aconteceu e no que irá acontecer, Rui Perdigão deixa mais um aviso: “As autarquias, os agricultores, os agentes económicos têm de redimensionar as perspectivas de adaptação e mitigação. As estruturas têm de ser dimensionadas para extremos em que a magnitude e frequência não se coadunam mais com o que foi desenhado. Na altura, fizeram-no correctamente com os dados que havia, mas esses modelos já não servem, têm de ser refeitos com a ciência construída hoje. A agricultura, por exemplo, tem de preparar um sistema de resposta a infiltrações num regime de precipitação brutal. Há que redimensionar estruturas de engenharia civil, práticas agrícolas, tendo em atenção esta ciência emergente que nos fornece informação clara e objectiva quanto às tendências.”
10.8.21
É pior do que se previa. Que alertas traz o relatório da ONU sobre o clima?
Miguel Coelho, in RR
O que fazemos todos os dias tem neste momento impacto nas alterações climáticas. A meta de subida da temperatura prevista para 2100 recuou para 2040 ou mesmo 2030. Em que situação estamos?
As Nações Unidas lançaram o alerta vermelho com um novo relatório sobre as alterações climáticas, de cinco mil páginas, segundo o qual a situação é pior do que se temia e é preciso fazer mais e mais depressa para tentar atenuar a atual trajetória.
O que concluíram, em resumo, os peritos?
Antes do mais, uma das conclusões é que são inequívocas as provas de que é a atividade humana a responsável pelo aumento médio das temperaturas a que o planeta tem vindo a assistir.
Cada uma das últimas quatro décadas foi mais quente do que a anterior, com a responsabilidade a ser atribuída, sobretudo, às emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito estufa como o metano, produzidos pela queima de petróleo e outros combustíveis fósseis, mas também pela agricultura.
Mas há anos que somos avisados sobre o aquecimento global…
Sim, a questão é que, apesar de tudo o que se tem dito sobre o assunto, a velocidade do aquecimento global é cada vez maior. Basta dizer que o objetivo que saiu da célebre Cimeira do Clima que aconteceu em Paris em 2015 era tentar evitar que a temperatura da Terra subisse mais de um grau e meio até 2100.
Ora, este relatório indica agora que, no cenário mais otimista, isso vai acontecer já em 2040 e há mesmo o risco de acontecer já em 2030.
Até 2100, as previsões mais prováveis apontam agora para um aumento médio da temperatura de 2,7 graus. E é uma tendência considerada irreversível – ou seja, pode ser atenuada, mas já não vamos a tempo de a reverter.
E que consequências podemos esperar?
À maior parte delas já começámos a assistir, com as alterações no clima e fenómenos cada vez mais extremos, com tempestades mais frequentes, mais violentas, mesmo em locais pouco habituais.
Além disso, fenómenos de seca e incêndios florestais – e Portugal é, neste capítulo, um dos países mais expostos, tal como à subida do nível do mar, causada pelo degelo dos glaciares. Prevê-se esse aumento do nível do mar possa chegar aos dois metros até 2100. Parece pouco, mas não é: há mesmo territórios que podem desaparecer, nomeadamente algumas ilhas do Pacífico.
E esta não é uma previsão de longo prazo, são efeitos que já começámos a sentir e que progressivamente vão ser sentidos nos próximos anos e nas próximas décadas.
Como agir e em quê?
Os governos têm uma palavra especialmente decisiva, porque são quem pode regular ou mesmo proibir a utilização dos combustíveis, apostar em energias mais limpas, financiar também países mais pobres para transformarem as suas economias – porque se eles não mudarem, a poluição continua, por essa via, a ir parar à atmosfera.
Mas, além dos governos, cada um de nós tem um papel a desempenhar. Podemos deixar o transporte individual sempre que possível, optar pelo transporte público ou por outros meios de locomoção ainda mais amigos do ambiente, como a bicicleta e até andar a pé (o que se tem tornado mais frequente nas nossas cidades).
E mais. Produzir a nossa energia com recurso a painéis solares, reduzir o consumo de carne (porque sabemos que a produção pecuária é uma das principais fontes da emissão de metano para a atmosfera), a reciclagem também é importante, porque ao reciclarmos estamos a impedir que esse circuito se tenha de renovar com nova produção de materiais e emissão de combustíveis uma vez mais poluentes, gastos de energia adicionais… Enfim, no dia-a-dia, há uma quantidade de contributos que podemos dar para travar esta tendência já tão acentuada e acelerada.
Como comer fruta da época!
Sim, comer fruta da época é outro bom exemplo. Ao comermos fruta que é produzida no outro lado do mundo, temos de ter a consciência que ela precisa de ser transportada e esse transporte é muitas vezes feito por via marítima. Ora, os grandes cargueiros que atravessam o oceano são movidos por combustíveis da pior espécie, porque são os mais baratos que fazem mover navios de tonelagem imensa; são os principais meios de poluição.
Da próxima vez que formos ao supermercado comprar fruta, é bom pensar nisso.
Não podemos é colocar-nos, como disse Soromenho-Marques à Renascença, na situação cómoda de espectadores de sofá. Devemos pensar que cada um de nós, no seu dia-a-dia, tem comportamentos em que pode agir decisivamente nesta travagem tão necessária e urgente.
O que fazemos todos os dias tem neste momento impacto nas alterações climáticas. A meta de subida da temperatura prevista para 2100 recuou para 2040 ou mesmo 2030. Em que situação estamos?
As Nações Unidas lançaram o alerta vermelho com um novo relatório sobre as alterações climáticas, de cinco mil páginas, segundo o qual a situação é pior do que se temia e é preciso fazer mais e mais depressa para tentar atenuar a atual trajetória.
O que concluíram, em resumo, os peritos?
Antes do mais, uma das conclusões é que são inequívocas as provas de que é a atividade humana a responsável pelo aumento médio das temperaturas a que o planeta tem vindo a assistir.
Cada uma das últimas quatro décadas foi mais quente do que a anterior, com a responsabilidade a ser atribuída, sobretudo, às emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito estufa como o metano, produzidos pela queima de petróleo e outros combustíveis fósseis, mas também pela agricultura.
Mas há anos que somos avisados sobre o aquecimento global…
Sim, a questão é que, apesar de tudo o que se tem dito sobre o assunto, a velocidade do aquecimento global é cada vez maior. Basta dizer que o objetivo que saiu da célebre Cimeira do Clima que aconteceu em Paris em 2015 era tentar evitar que a temperatura da Terra subisse mais de um grau e meio até 2100.
Ora, este relatório indica agora que, no cenário mais otimista, isso vai acontecer já em 2040 e há mesmo o risco de acontecer já em 2030.
Até 2100, as previsões mais prováveis apontam agora para um aumento médio da temperatura de 2,7 graus. E é uma tendência considerada irreversível – ou seja, pode ser atenuada, mas já não vamos a tempo de a reverter.
E que consequências podemos esperar?
À maior parte delas já começámos a assistir, com as alterações no clima e fenómenos cada vez mais extremos, com tempestades mais frequentes, mais violentas, mesmo em locais pouco habituais.
Além disso, fenómenos de seca e incêndios florestais – e Portugal é, neste capítulo, um dos países mais expostos, tal como à subida do nível do mar, causada pelo degelo dos glaciares. Prevê-se esse aumento do nível do mar possa chegar aos dois metros até 2100. Parece pouco, mas não é: há mesmo territórios que podem desaparecer, nomeadamente algumas ilhas do Pacífico.
E esta não é uma previsão de longo prazo, são efeitos que já começámos a sentir e que progressivamente vão ser sentidos nos próximos anos e nas próximas décadas.
Como agir e em quê?
Os governos têm uma palavra especialmente decisiva, porque são quem pode regular ou mesmo proibir a utilização dos combustíveis, apostar em energias mais limpas, financiar também países mais pobres para transformarem as suas economias – porque se eles não mudarem, a poluição continua, por essa via, a ir parar à atmosfera.
Mas, além dos governos, cada um de nós tem um papel a desempenhar. Podemos deixar o transporte individual sempre que possível, optar pelo transporte público ou por outros meios de locomoção ainda mais amigos do ambiente, como a bicicleta e até andar a pé (o que se tem tornado mais frequente nas nossas cidades).
E mais. Produzir a nossa energia com recurso a painéis solares, reduzir o consumo de carne (porque sabemos que a produção pecuária é uma das principais fontes da emissão de metano para a atmosfera), a reciclagem também é importante, porque ao reciclarmos estamos a impedir que esse circuito se tenha de renovar com nova produção de materiais e emissão de combustíveis uma vez mais poluentes, gastos de energia adicionais… Enfim, no dia-a-dia, há uma quantidade de contributos que podemos dar para travar esta tendência já tão acentuada e acelerada.
Como comer fruta da época!
Sim, comer fruta da época é outro bom exemplo. Ao comermos fruta que é produzida no outro lado do mundo, temos de ter a consciência que ela precisa de ser transportada e esse transporte é muitas vezes feito por via marítima. Ora, os grandes cargueiros que atravessam o oceano são movidos por combustíveis da pior espécie, porque são os mais baratos que fazem mover navios de tonelagem imensa; são os principais meios de poluição.
Da próxima vez que formos ao supermercado comprar fruta, é bom pensar nisso.
Não podemos é colocar-nos, como disse Soromenho-Marques à Renascença, na situação cómoda de espectadores de sofá. Devemos pensar que cada um de nós, no seu dia-a-dia, tem comportamentos em que pode agir decisivamente nesta travagem tão necessária e urgente.
30.7.21
Beneficiário do apoio à eficiência energética esperou dois anos pelo cheque das janelas
Ana Brito, in Público on-line
Ministério do Ambiente reconhece atrasos na análise e liquidação dos pagamentos das comparticipações dos avisos de 2016, 2017 e 2018, mas diz que “constrangimentos” estão ultrapassados e não vão afectar candidaturas à segunda fase do Programa Edifícios +Sustentáveis.
Em Julho de 2019, quando concluiu os trabalhos de substituição das janelas da sua moradia, no concelho da Batalha, Miguel Elói Duarte não calculava que teria de esperar dois anos para receber os incentivos que o motivaram a melhorar as condições de eficiência energética da casa que já antes era dos seus pais.
Os 1500 euros do apoio que lhe foi atribuído no “Aviso 25 do FEE – Fundo de Eficiência Energética de 2018”, já em Novembro de 2020, chegaram-lhe ao banco apenas na última semana do passado mês de Junho, depois de sucessivos adiamentos nos prazos indicativos (final de Março, primeira quinzena de Maio, primeira quinzena de Junho) e reiterados pedidos de desculpa por parte da Estrutura de Gestão do Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética (PNAEE), como contou ao PÚBLICO.
Convicto de que respeitava os critérios de elegibilidade do programa, Miguel Elói Duarte fez os trabalhos de substituição, investindo três mil euros para dotar a sua casa de janelas de “classe igual ou superior a ‘A'”.
“Se não houvesse aquela ajuda [do FEE], talvez tivesse optado por uma solução mais barata” para mudar as sete janelas e uma porta da moradia “de 40 e tal anos”, admitiu.
Miguel Elói Duarte recordou um processo que se arrastou no tempo, mas que também foi de elevado “grau de complexidade”, quer na necessidade de assegurar ao milímetro o cumprimento das especificações técnicas relativas à certificação energética, quer no próprio preenchimento do formulário e na entrega de grande quantidade de documentos.
“Enviei a candidatura em Setembro de 2019 e tive de aguardar até 3 de Junho de 2020 para receber o relatório preliminar” do programa de eficiência energética. Depois, seguiram-se mais de quatro meses de espera e, no final de Novembro de 2020, recebeu finalmente o relatório final, onde lhe “foi comunicado que a candidatura foi aceite, com uma verba atribuída de 1500 euros” (o valor máximo de comparticipação).
Mal sabia que teria ainda de aguardar mais meio ano para que o dinheiro lhe entrasse na conta, algo que acabou por acontecer já a 28 de de Junho.
Atrasos nos programas anteriores
O atraso na análise dos pedidos de pagamento do Aviso 25 “deveu-se principalmente à priorização do pagamento de candidaturas já implementadas por beneficiários” dos avisos de 2016 e 2017, disse o Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) ao PÚBLICO, acrescentando, sem detalhar valores, que “em 2019 foram pagos, não só em montante como em número de beneficiários, mais que os quatro anos anteriores somados”.
O relatório preliminar do aviso de 2018 foi encerrado no final de Março de 2020, mas o relatório final só foi aprovado pela comissão executiva do PNAEE a 9 de Outubro. Por outro lado, “a entrada do FEE no perímetro orçamental teve por consequência uma alteração ao modelo de liquidação de pagamentos”.
Isto tornou necessário “fazer a migração dos dados de todos os fornecedores e clientes do FEE para uma nova plataforma”, motivando um “atraso no processo, que foi, entretanto, concluído”.
Os pagamentos estão agora em condições de ser feitos com maior celeridade, à medida que vão sendo submetidos os pedidos, assegurou o ministério, revelando que grande número dos beneficiários ainda não reclamou a sua comparticipação.
No início de Julho, de acordo com os dados enviados à data pelo MAAC ao PÚBLICO, já haviam sido liquidados cerca de 400 mil euros, referentes a 259 decisões finais de pagamento do Aviso 25 2018. Para os beneficiários receberem o financiamento, têm de apresentar uma submissão de pedido de pagamento, mas, nessa ocasião, o FEE ainda aguardava por 575 pedidos de pagamento.
Pagamentos em “um mês"
Considerando que “os constrangimentos foram já ultrapassados na sua totalidade”, o Ministério do Ambiente garantiu que “os futuros pedidos de pagamento serão liquidados no prazo máximo de um mês” e notou que, “desde o final de Fevereiro, a análise dos pedidos de pagamento tem sido efectuada, em média, num prazo inferior a uma semana”.
O Ministério também afastou a ideia de que os atrasos nos pagamentos possam repetir-se com a segunda fase do Programa Edifícios +Sustentáveis, com uma dotação de 30 milhões de euros, cujas candidaturas abriram no mês passado.
Não se irá verificar a mesma situação “porque os constrangimentos que se verificaram ao nível do FEE não se irão repetir”, assegurou fonte do MAAC, notando que “é possível verificar pelo programa anterior [de 2020] que não se verificaram situações desta natureza”.
Os prazos iniciais de submissão de candidaturas ao Aviso 25 resvalaram da data inicial de 2018 para meados de 2019 porque, “a menos de um mês do encerramento do período de submissão de candidaturas, o FEE apenas tinha recebido cerca de 300”. À boa maneira portuguesa, o “FEE recebeu cerca de 70% das candidaturas na última semana do período de submissão de candidaturas” e “60% nos últimos três dias do período de submissão”, segundo os dados do Ministério do Ambiente.
O aviso, que entre as medidas elegíveis tinha, além da substituição de janelas, a requalificação de sistemas de aquecimento de águas quentes sanitárias, a instalação de iluminação eficiente interior ou exterior e a requalificação do isolamento térmico em paredes, coberturas e pavimentos, contava inicialmente com uma dotação orçamental máxima de 3,1 milhões de euros, para repartir entre candidaturas de pessoas singulares e pessoas colectivas.
No caso das primeiras (categoria a que concorreu Miguel Elói Duarte), segundo o relatório final aprovado pelo PNAE, foram aprovadas 853 candidaturas, num montante de investimento elegível de três milhões de euros, e comparticipação pelo FEE de 1,3 milhões.
Ministério do Ambiente reconhece atrasos na análise e liquidação dos pagamentos das comparticipações dos avisos de 2016, 2017 e 2018, mas diz que “constrangimentos” estão ultrapassados e não vão afectar candidaturas à segunda fase do Programa Edifícios +Sustentáveis.
Em Julho de 2019, quando concluiu os trabalhos de substituição das janelas da sua moradia, no concelho da Batalha, Miguel Elói Duarte não calculava que teria de esperar dois anos para receber os incentivos que o motivaram a melhorar as condições de eficiência energética da casa que já antes era dos seus pais.
Os 1500 euros do apoio que lhe foi atribuído no “Aviso 25 do FEE – Fundo de Eficiência Energética de 2018”, já em Novembro de 2020, chegaram-lhe ao banco apenas na última semana do passado mês de Junho, depois de sucessivos adiamentos nos prazos indicativos (final de Março, primeira quinzena de Maio, primeira quinzena de Junho) e reiterados pedidos de desculpa por parte da Estrutura de Gestão do Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética (PNAEE), como contou ao PÚBLICO.
Convicto de que respeitava os critérios de elegibilidade do programa, Miguel Elói Duarte fez os trabalhos de substituição, investindo três mil euros para dotar a sua casa de janelas de “classe igual ou superior a ‘A'”.
“Se não houvesse aquela ajuda [do FEE], talvez tivesse optado por uma solução mais barata” para mudar as sete janelas e uma porta da moradia “de 40 e tal anos”, admitiu.
Miguel Elói Duarte recordou um processo que se arrastou no tempo, mas que também foi de elevado “grau de complexidade”, quer na necessidade de assegurar ao milímetro o cumprimento das especificações técnicas relativas à certificação energética, quer no próprio preenchimento do formulário e na entrega de grande quantidade de documentos.
“Enviei a candidatura em Setembro de 2019 e tive de aguardar até 3 de Junho de 2020 para receber o relatório preliminar” do programa de eficiência energética. Depois, seguiram-se mais de quatro meses de espera e, no final de Novembro de 2020, recebeu finalmente o relatório final, onde lhe “foi comunicado que a candidatura foi aceite, com uma verba atribuída de 1500 euros” (o valor máximo de comparticipação).
Mal sabia que teria ainda de aguardar mais meio ano para que o dinheiro lhe entrasse na conta, algo que acabou por acontecer já a 28 de de Junho.
Atrasos nos programas anteriores
O atraso na análise dos pedidos de pagamento do Aviso 25 “deveu-se principalmente à priorização do pagamento de candidaturas já implementadas por beneficiários” dos avisos de 2016 e 2017, disse o Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) ao PÚBLICO, acrescentando, sem detalhar valores, que “em 2019 foram pagos, não só em montante como em número de beneficiários, mais que os quatro anos anteriores somados”.
O relatório preliminar do aviso de 2018 foi encerrado no final de Março de 2020, mas o relatório final só foi aprovado pela comissão executiva do PNAEE a 9 de Outubro. Por outro lado, “a entrada do FEE no perímetro orçamental teve por consequência uma alteração ao modelo de liquidação de pagamentos”.
Isto tornou necessário “fazer a migração dos dados de todos os fornecedores e clientes do FEE para uma nova plataforma”, motivando um “atraso no processo, que foi, entretanto, concluído”.
Os pagamentos estão agora em condições de ser feitos com maior celeridade, à medida que vão sendo submetidos os pedidos, assegurou o ministério, revelando que grande número dos beneficiários ainda não reclamou a sua comparticipação.
No início de Julho, de acordo com os dados enviados à data pelo MAAC ao PÚBLICO, já haviam sido liquidados cerca de 400 mil euros, referentes a 259 decisões finais de pagamento do Aviso 25 2018. Para os beneficiários receberem o financiamento, têm de apresentar uma submissão de pedido de pagamento, mas, nessa ocasião, o FEE ainda aguardava por 575 pedidos de pagamento.
Pagamentos em “um mês"
Considerando que “os constrangimentos foram já ultrapassados na sua totalidade”, o Ministério do Ambiente garantiu que “os futuros pedidos de pagamento serão liquidados no prazo máximo de um mês” e notou que, “desde o final de Fevereiro, a análise dos pedidos de pagamento tem sido efectuada, em média, num prazo inferior a uma semana”.
O Ministério também afastou a ideia de que os atrasos nos pagamentos possam repetir-se com a segunda fase do Programa Edifícios +Sustentáveis, com uma dotação de 30 milhões de euros, cujas candidaturas abriram no mês passado.
Não se irá verificar a mesma situação “porque os constrangimentos que se verificaram ao nível do FEE não se irão repetir”, assegurou fonte do MAAC, notando que “é possível verificar pelo programa anterior [de 2020] que não se verificaram situações desta natureza”.
Os prazos iniciais de submissão de candidaturas ao Aviso 25 resvalaram da data inicial de 2018 para meados de 2019 porque, “a menos de um mês do encerramento do período de submissão de candidaturas, o FEE apenas tinha recebido cerca de 300”. À boa maneira portuguesa, o “FEE recebeu cerca de 70% das candidaturas na última semana do período de submissão de candidaturas” e “60% nos últimos três dias do período de submissão”, segundo os dados do Ministério do Ambiente.
O aviso, que entre as medidas elegíveis tinha, além da substituição de janelas, a requalificação de sistemas de aquecimento de águas quentes sanitárias, a instalação de iluminação eficiente interior ou exterior e a requalificação do isolamento térmico em paredes, coberturas e pavimentos, contava inicialmente com uma dotação orçamental máxima de 3,1 milhões de euros, para repartir entre candidaturas de pessoas singulares e pessoas colectivas.
No caso das primeiras (categoria a que concorreu Miguel Elói Duarte), segundo o relatório final aprovado pelo PNAE, foram aprovadas 853 candidaturas, num montante de investimento elegível de três milhões de euros, e comparticipação pelo FEE de 1,3 milhões.
27.7.21
Alterações climáticas e conflitos são causa e consequência de pobreza e fome-ONU
in Visão
O secretário-geral da ONU, António Guterres disse que as alterações climáticas e os conflitos são causa e consequência de pobreza e da desigualdade de rendimentos e preços da alimentação
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres disse hoje que as alterações climáticas e os conflitos são causa e consequência de pobreza e da desigualdade de rendimentos e preços da alimentação.
Guterres também afirmou, durante uma reunião em Roma, que o sistema alimentar mundial produz um terço de todas as emissões de gases com efeito de estufa. Em mensagem transmitida por vídeo, Guterres lamentou também que este mesmo Sistema seja responsável pela perda de 80% da biodiversidade.
A reunião foi convocada para preparar uma cimeira da ONU sobre sistemas de alimentação, que vai decorrer em Nova Iorque, em setembro.
No início deste mês, um relatório da ONU salientava que havia mais 161 milhões de pessoas a passar fome do que em 2019, com muito deste agravamento a resultar da pandemia do novo coronavírus.
“Pobreza, desigualdade de rendimentos e o elevado custo da alimentação continuam a manter as dietas saudáveis fora de alcance de três mil milhões de pessoas”, disse Guterres. “As alterações climáticas e os conflitos são ambos consequências e causas desta catástrofe”.
O Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) apelou aos decisores políticos que “resolvam as falhas dos sistemas de alimentação”, que deixam centenas de milhões de pessoas pobres e com fome. O FIDA é uma agência da ONU destinada a ajudar a agricultura de pequena escala.
O FIAD considerou que os sistemas alimentares têm de “mudar radicalmente” para garantir acesso a comida saudável, onde a produção alimentar “protege o ambiente e a biodiversidade e onde as pessoas que produzem a comida são pagas decentemente pelo seu trabalho”.
Em 2020, pelo menos 811 milhões de pessoas passaram fome, segundo aquele relatório da ONU.
Guterres adiantou que os trabalhos preparatórios, em Roma, vão ajudar a definir o tom para a ação durante esta década e para uma “recuperação equitativa e sustentável” da pandemia do novo coronavírus.
Estes esforços têm implicações financeiras. O economista-chefe da Organização da Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em Inglês) estimou que a remoção de 100 milhões de pessoas do estado de subalimentação crónica exigiria 14 mil milhões de dólares (cerca de 12 mil milhões de euros) todos os anos, até 2030, e cerca do triplo para conseguir o objetivo da ONU de fome zero até 2030.
RN // RBF
O secretário-geral da ONU, António Guterres disse que as alterações climáticas e os conflitos são causa e consequência de pobreza e da desigualdade de rendimentos e preços da alimentação
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres disse hoje que as alterações climáticas e os conflitos são causa e consequência de pobreza e da desigualdade de rendimentos e preços da alimentação.
Guterres também afirmou, durante uma reunião em Roma, que o sistema alimentar mundial produz um terço de todas as emissões de gases com efeito de estufa. Em mensagem transmitida por vídeo, Guterres lamentou também que este mesmo Sistema seja responsável pela perda de 80% da biodiversidade.
A reunião foi convocada para preparar uma cimeira da ONU sobre sistemas de alimentação, que vai decorrer em Nova Iorque, em setembro.
No início deste mês, um relatório da ONU salientava que havia mais 161 milhões de pessoas a passar fome do que em 2019, com muito deste agravamento a resultar da pandemia do novo coronavírus.
“Pobreza, desigualdade de rendimentos e o elevado custo da alimentação continuam a manter as dietas saudáveis fora de alcance de três mil milhões de pessoas”, disse Guterres. “As alterações climáticas e os conflitos são ambos consequências e causas desta catástrofe”.
O Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) apelou aos decisores políticos que “resolvam as falhas dos sistemas de alimentação”, que deixam centenas de milhões de pessoas pobres e com fome. O FIDA é uma agência da ONU destinada a ajudar a agricultura de pequena escala.
O FIAD considerou que os sistemas alimentares têm de “mudar radicalmente” para garantir acesso a comida saudável, onde a produção alimentar “protege o ambiente e a biodiversidade e onde as pessoas que produzem a comida são pagas decentemente pelo seu trabalho”.
Em 2020, pelo menos 811 milhões de pessoas passaram fome, segundo aquele relatório da ONU.
Guterres adiantou que os trabalhos preparatórios, em Roma, vão ajudar a definir o tom para a ação durante esta década e para uma “recuperação equitativa e sustentável” da pandemia do novo coronavírus.
Estes esforços têm implicações financeiras. O economista-chefe da Organização da Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em Inglês) estimou que a remoção de 100 milhões de pessoas do estado de subalimentação crónica exigiria 14 mil milhões de dólares (cerca de 12 mil milhões de euros) todos os anos, até 2030, e cerca do triplo para conseguir o objetivo da ONU de fome zero até 2030.
RN // RBF
18.1.21
Alfama: estudo calcula em 45 milhões investimento para pôr fim à pobreza energética
Ana Brito, in Público on-line
Estudo do Center for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova calculou o potencial de renovação do edificado e da integração de energias renováveis em Alfama, para descarbonizar o bairro e combater a pobreza energética.
Num país em que “só se consome 5% da energia que se deveria consumir para cumprir o regulamento térmico de conforto interior” das habitações, a capital, Lisboa, é um exemplo de como a má qualidade dos edifícios, aliada às condições socio-económicas da população, pode empurrar uma franja significativa de portugueses para uma situação de pobreza energética que só agora começa a estar no topo das prioridades a nível europeu e nacional.
A aplicação a Lisboa do índice de vulnerabilidade à pobreza energética por freguesia desenvolvido por investigadores do Cense (Center for Environmental and Sustainability Research) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT – UNL) mostra as zonas da cidade onde há maior probabilidade de encontrar pessoas em situação de pobreza energética, no Inverno e no Verão, ou seja, pessoas cuja qualidade de vida e saúde são directamente afectadas pelo desconforto térmico das suas habitações. E Alfama está entre as mais vulneráveis do município, principalmente no Inverno.
“A pobreza energética está intimamente ligada à qualidade dos edifícios, não há volta a dar”, sublinha ao PÚBLICO o investigador do Cense que lidera a equipa que desenvolveu o índice regional de pobreza energética, João Pedro Gouveia. “É claro que as pessoas também não têm dinheiro para se aquecer, mas se tivessem uma casa minimamente confortável, outros problemas já não seriam tão graves”, refere o investigador, que liderou um projecto (incluído na iniciativa europeia Sushi – Sustainable Historic City District) que diagnosticou o problema de pobreza energética em Alfama e traçou um roteiro de soluções para aplicar nesta zona emblemática da capital portuguesa o conceito de bairro de energia positiva.
Neste conceito, que está a desenvolver-se a nível europeu, exploram-se várias dimensões como a renovação do edificado e a integração de energias renováveis para se criarem localizações neutras em termos de emissões, em que se procura que a energia produzida supere a que é consumida.
Em Alfama, concluiu-se que “a reabilitação total resulta numa redução das necessidades energéticas no Inverno e no Verão respectivamente de 84% e 20%, com um investimento total de 45 milhões de euros”, que inclui a renovação de coberturas e janelas, isolamento de paredes e a instalação de tecnologias de produção fotovoltaica.
Com este diagnóstico feito (e que pode ser replicado para o resto do país), a autarquia lisboeta poderá usar os dados “para perceber que tipo de financiamento é que consegue desenhar, com base naquelas que são as suas prioridades”, explica João Pedro Gouveia.
Transição equitativa
Considerando a cidade de Lisboa como “um bom exemplo”, em que existem “objectivos concretos” de mitigação da pobreza energética e de descarbonização, o investigador considera que um dos grandes desafios é saber como é que se pode apoiar a transição nas cidades sem “sem deixar os consumidores mais vulneráveis para trás; isso é que é o mais importante”.
Se o Governo lançar programas que co-financiem, “por exemplo, 70% de investimento em janelas ou carros eléctricos, estará a alcançar a classe média, média alta”. Se assim for, “vamos ter uma parte da população com solar fotovoltaico e carro eléctrico e que se calhar até conseguiu isolar a sua casa, mas os restantes ficam ainda mais vulneráveis, porque em vez de usarem as renováveis para conseguir baixar o preço da energia, se calhar, como há menos consumidores [a pagar os custos fixos da rede] o preço ainda pode subir”, exemplifica.
A descarbonização do país e das cidades “tem de ser equitativa, porque senão ainda vão aumentar ainda mais as desigualdades sociais, num país que já é dos mais desiguais a nível europeu em termos de rendimentos”, sublinha o especialista, que defende a criação de “programas orientados para as pessoas com menos capacidade socio-económicas”.
Hoje, o único instrumento directo de apoio à população em pobreza energética (que se estima que em Portugal sejam pelo menos dois milhões de pessoas) são as tarifas sociais de electricidade e de gás natural, que são soluções de curto prazo e não atacam o problema na raiz.
João Pedro Gouveia, que está a ajudar o executivo a desenhar a estratégia nacional de combate à pobreza energética, entende que os municípios são fundamentais “numa escala mais alargada de longo prazo” no combate a este problema, porque têm um contacto mais directo com certas fatias da população. Em Lisboa, os dados indicam que há muito trabalho pela frente.
O índice do Cense, que mede a diferença entre a quantidade de energia que, em teoria, um edifício deveria consumir para garantir uma temperatura interior confortável e aquela que é consumida, e que avalia também a capacidade das famílias em implementar medidas de mitigação do desconforto (avaliando variáveis socio-económicas como o rendimento, a idade e a escolaridade), demonstra que é em freguesias como Ajuda, Santa Maria Maior, São Vicente, Penha de França, Beato e Marvila que é mais provável encontrar pessoas que não têm capacidade financeira para aquecer devidamente as suas casas nos meses frios.
Já no Verão, estão no topo do ranking Ajuda, Beato, Marvila e Santa Clara, o que significa que nos meses quentes haverá mais probabilidade de encontrar aqui as pessoas que não se conseguem proteger dos efeitos do calor.
Repartido entre Santa Maria Maior e São Vicente, Alfama (com uma população de cerca de 2400 habitantes nos Censos de 2011) é extremamente vulnerável ao frio, mas também fica mal na foto com temperaturas elevadas. Para “estudar a viabilidade da implementação do conceito Positive Energy District [distrito de energia positiva] no bairro de Alfama”, o Cense FCT-NOVA analisou “o potencial de medidas de renovação do edificado para a redução das necessidades energéticas para aquecimento e arrefecimento, por subsecção administrativa”, o que corresponde mais ou menos a uma análise quarteirão a quarteirão.
Testaram-se soluções de renovação dos telhados, janelas e paredes da fachada em todo o edificado do bairro, representado por seis tipologias de edifícios utilizando dados de uma amostra de cerca de 4140 certificados energéticos.
Estas medidas, que garantem o cumprimento dos requisitos definidos no actual regulamento de desempenho energético dos edifícios de habitação, resultaram, num cenário de reabilitação total, numa redução das necessidades energéticas no Inverno e no Verão (considerando não os consumos energéticos reais, mas aqueles que seriam necessários para as pessoas estarem confortáveis no interior) de 84% no Inverno e de 20% no Verão.
Para a redução das necessidades de aquecimento, concluiu-se que a renovação das paredes é a solução mais eficaz, resultando numa redução de 48%, seguida da renovação das coberturas (27%) e das janelas (10%). “Para o arrefecimento, a renovação das coberturas é de longe a medida mais eficaz (27%)” – de uma forma geral, a renovação das coberturas foi considerada a medida “mais custo eficaz”, ou seja, com melhores resultados para o investimento necessário.
Foi também estudado o potencial de produção de electricidade com painéis fotovoltaicos, avaliando-se diferentes energias, e concluiu-se que a parte nordeste de Alfama, com maiores alojamentos tipo moradia, ou seja, prédios de dois andares, tem maior potencial para produção (cerca de 87% das subsecções têm um potencial de produção menor ou igual a 0,67 GWh por ano, enquanto que cerca de 17% regista potenciais entre 1,3 e 2 GWh por ano).
Dinheiro e informação
João Pedro Gouveia reconhece que a transição energética dos bairros e cidades do país não acontecerá “de hoje para amanhã”, nem existe uma receita certa para todos os municípios. No caso de Alfama, “esse investimento [45 milhões de euros] é se formos melhorar tudo. Mas o município, consoante os seus objectivos estratégicos, é que vê o que vai priorizar”. Aplicar conceitos de bairros de energia positiva em edificações novas “é fácil”, defende.
Uma zona histórica é de “muito mais difícil intervenção”, porque tem ruas estreitas, edifícios antigos e degradados e uma população envelhecida, características a que se somam regulamentações mais exigentes quanto ao tipo de intervenções nos edifícios e espaço público para preservar o valor histórico e arquitectónico. A análise do Cense acomodou já várias restrições, como a escolha de isolamento pelo interior para não alterar as fachas, e de tecnologias fotovoltaicas “se calhar mais caras e com menos rendimento”, como as telhas para produção de energia, mas sem o impacto visual dos painéis solares nos telhados.
“Se calhar, para testar projectos de renovação e quais são os melhores esquemas de financiamento e como se integram bem as renováveis, devíamos começar pelos bairros sociais, já que os municípios são donos dos bairros e é mais fácil fazer essa intervenção”, sugere o perito.
O problema que se encontra em Alfama “é transversal ao país inteiro e a questão que se coloca é perceber como é que se financia esta dinâmica, seja em Lisboa, seja no Porto ou noutra cidade”. É preciso muito dinheiro, e o contexto de pandemia não é fácil, porque é preciso acudir a tudo, “mas a realidade existe e é mesmo preciso trabalhar nisto”, frisa João Pedro Gouveia. “Quase me questiono como é que Portugal se pode chamar um país desenvolvido quando está nesta situação e há pessoas com dez graus ou menos em casa”, afirma.
Certo de que “é preciso fazer uma ligação muito estreita entre a pobreza energética e a vaga da renovação de edifícios” anunciada pela Comissão Europeia para melhorar o desempenho energético de cerca de 35 milhões de edifícios até 2030, o perito também defende que se combata a “burocracia e o desconhecimento”.
No caso dos municípios sugere mesmo a criação de pólos de apoio ao munícipe no âmbito da eficiência energética, que ajudem a esclarecer dúvidas sobre as melhores opções, indiquem empresas certificadas e informem sobre regulamentos e requisitos a cumprir. “Se vamos sempre pelas políticas nacionais em que o Governo diz ‘estão aqui 600 milhões para eficiência energética e agora vão a este fundo e concorram’, não chegamos lá, porque há muita iliteracia sobre estes temas”, vaticina.
Estudo do Center for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova calculou o potencial de renovação do edificado e da integração de energias renováveis em Alfama, para descarbonizar o bairro e combater a pobreza energética.
Num país em que “só se consome 5% da energia que se deveria consumir para cumprir o regulamento térmico de conforto interior” das habitações, a capital, Lisboa, é um exemplo de como a má qualidade dos edifícios, aliada às condições socio-económicas da população, pode empurrar uma franja significativa de portugueses para uma situação de pobreza energética que só agora começa a estar no topo das prioridades a nível europeu e nacional.
A aplicação a Lisboa do índice de vulnerabilidade à pobreza energética por freguesia desenvolvido por investigadores do Cense (Center for Environmental and Sustainability Research) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT – UNL) mostra as zonas da cidade onde há maior probabilidade de encontrar pessoas em situação de pobreza energética, no Inverno e no Verão, ou seja, pessoas cuja qualidade de vida e saúde são directamente afectadas pelo desconforto térmico das suas habitações. E Alfama está entre as mais vulneráveis do município, principalmente no Inverno.
“A pobreza energética está intimamente ligada à qualidade dos edifícios, não há volta a dar”, sublinha ao PÚBLICO o investigador do Cense que lidera a equipa que desenvolveu o índice regional de pobreza energética, João Pedro Gouveia. “É claro que as pessoas também não têm dinheiro para se aquecer, mas se tivessem uma casa minimamente confortável, outros problemas já não seriam tão graves”, refere o investigador, que liderou um projecto (incluído na iniciativa europeia Sushi – Sustainable Historic City District) que diagnosticou o problema de pobreza energética em Alfama e traçou um roteiro de soluções para aplicar nesta zona emblemática da capital portuguesa o conceito de bairro de energia positiva.
Neste conceito, que está a desenvolver-se a nível europeu, exploram-se várias dimensões como a renovação do edificado e a integração de energias renováveis para se criarem localizações neutras em termos de emissões, em que se procura que a energia produzida supere a que é consumida.
Em Alfama, concluiu-se que “a reabilitação total resulta numa redução das necessidades energéticas no Inverno e no Verão respectivamente de 84% e 20%, com um investimento total de 45 milhões de euros”, que inclui a renovação de coberturas e janelas, isolamento de paredes e a instalação de tecnologias de produção fotovoltaica.
Com este diagnóstico feito (e que pode ser replicado para o resto do país), a autarquia lisboeta poderá usar os dados “para perceber que tipo de financiamento é que consegue desenhar, com base naquelas que são as suas prioridades”, explica João Pedro Gouveia.
Transição equitativa
Considerando a cidade de Lisboa como “um bom exemplo”, em que existem “objectivos concretos” de mitigação da pobreza energética e de descarbonização, o investigador considera que um dos grandes desafios é saber como é que se pode apoiar a transição nas cidades sem “sem deixar os consumidores mais vulneráveis para trás; isso é que é o mais importante”.
Se o Governo lançar programas que co-financiem, “por exemplo, 70% de investimento em janelas ou carros eléctricos, estará a alcançar a classe média, média alta”. Se assim for, “vamos ter uma parte da população com solar fotovoltaico e carro eléctrico e que se calhar até conseguiu isolar a sua casa, mas os restantes ficam ainda mais vulneráveis, porque em vez de usarem as renováveis para conseguir baixar o preço da energia, se calhar, como há menos consumidores [a pagar os custos fixos da rede] o preço ainda pode subir”, exemplifica.
A descarbonização do país e das cidades “tem de ser equitativa, porque senão ainda vão aumentar ainda mais as desigualdades sociais, num país que já é dos mais desiguais a nível europeu em termos de rendimentos”, sublinha o especialista, que defende a criação de “programas orientados para as pessoas com menos capacidade socio-económicas”.
Hoje, o único instrumento directo de apoio à população em pobreza energética (que se estima que em Portugal sejam pelo menos dois milhões de pessoas) são as tarifas sociais de electricidade e de gás natural, que são soluções de curto prazo e não atacam o problema na raiz.
João Pedro Gouveia, que está a ajudar o executivo a desenhar a estratégia nacional de combate à pobreza energética, entende que os municípios são fundamentais “numa escala mais alargada de longo prazo” no combate a este problema, porque têm um contacto mais directo com certas fatias da população. Em Lisboa, os dados indicam que há muito trabalho pela frente.
O índice do Cense, que mede a diferença entre a quantidade de energia que, em teoria, um edifício deveria consumir para garantir uma temperatura interior confortável e aquela que é consumida, e que avalia também a capacidade das famílias em implementar medidas de mitigação do desconforto (avaliando variáveis socio-económicas como o rendimento, a idade e a escolaridade), demonstra que é em freguesias como Ajuda, Santa Maria Maior, São Vicente, Penha de França, Beato e Marvila que é mais provável encontrar pessoas que não têm capacidade financeira para aquecer devidamente as suas casas nos meses frios.
Já no Verão, estão no topo do ranking Ajuda, Beato, Marvila e Santa Clara, o que significa que nos meses quentes haverá mais probabilidade de encontrar aqui as pessoas que não se conseguem proteger dos efeitos do calor.
Repartido entre Santa Maria Maior e São Vicente, Alfama (com uma população de cerca de 2400 habitantes nos Censos de 2011) é extremamente vulnerável ao frio, mas também fica mal na foto com temperaturas elevadas. Para “estudar a viabilidade da implementação do conceito Positive Energy District [distrito de energia positiva] no bairro de Alfama”, o Cense FCT-NOVA analisou “o potencial de medidas de renovação do edificado para a redução das necessidades energéticas para aquecimento e arrefecimento, por subsecção administrativa”, o que corresponde mais ou menos a uma análise quarteirão a quarteirão.
Testaram-se soluções de renovação dos telhados, janelas e paredes da fachada em todo o edificado do bairro, representado por seis tipologias de edifícios utilizando dados de uma amostra de cerca de 4140 certificados energéticos.
Estas medidas, que garantem o cumprimento dos requisitos definidos no actual regulamento de desempenho energético dos edifícios de habitação, resultaram, num cenário de reabilitação total, numa redução das necessidades energéticas no Inverno e no Verão (considerando não os consumos energéticos reais, mas aqueles que seriam necessários para as pessoas estarem confortáveis no interior) de 84% no Inverno e de 20% no Verão.
Para a redução das necessidades de aquecimento, concluiu-se que a renovação das paredes é a solução mais eficaz, resultando numa redução de 48%, seguida da renovação das coberturas (27%) e das janelas (10%). “Para o arrefecimento, a renovação das coberturas é de longe a medida mais eficaz (27%)” – de uma forma geral, a renovação das coberturas foi considerada a medida “mais custo eficaz”, ou seja, com melhores resultados para o investimento necessário.
Foi também estudado o potencial de produção de electricidade com painéis fotovoltaicos, avaliando-se diferentes energias, e concluiu-se que a parte nordeste de Alfama, com maiores alojamentos tipo moradia, ou seja, prédios de dois andares, tem maior potencial para produção (cerca de 87% das subsecções têm um potencial de produção menor ou igual a 0,67 GWh por ano, enquanto que cerca de 17% regista potenciais entre 1,3 e 2 GWh por ano).
Dinheiro e informação
João Pedro Gouveia reconhece que a transição energética dos bairros e cidades do país não acontecerá “de hoje para amanhã”, nem existe uma receita certa para todos os municípios. No caso de Alfama, “esse investimento [45 milhões de euros] é se formos melhorar tudo. Mas o município, consoante os seus objectivos estratégicos, é que vê o que vai priorizar”. Aplicar conceitos de bairros de energia positiva em edificações novas “é fácil”, defende.
Uma zona histórica é de “muito mais difícil intervenção”, porque tem ruas estreitas, edifícios antigos e degradados e uma população envelhecida, características a que se somam regulamentações mais exigentes quanto ao tipo de intervenções nos edifícios e espaço público para preservar o valor histórico e arquitectónico. A análise do Cense acomodou já várias restrições, como a escolha de isolamento pelo interior para não alterar as fachas, e de tecnologias fotovoltaicas “se calhar mais caras e com menos rendimento”, como as telhas para produção de energia, mas sem o impacto visual dos painéis solares nos telhados.
“Se calhar, para testar projectos de renovação e quais são os melhores esquemas de financiamento e como se integram bem as renováveis, devíamos começar pelos bairros sociais, já que os municípios são donos dos bairros e é mais fácil fazer essa intervenção”, sugere o perito.
O problema que se encontra em Alfama “é transversal ao país inteiro e a questão que se coloca é perceber como é que se financia esta dinâmica, seja em Lisboa, seja no Porto ou noutra cidade”. É preciso muito dinheiro, e o contexto de pandemia não é fácil, porque é preciso acudir a tudo, “mas a realidade existe e é mesmo preciso trabalhar nisto”, frisa João Pedro Gouveia. “Quase me questiono como é que Portugal se pode chamar um país desenvolvido quando está nesta situação e há pessoas com dez graus ou menos em casa”, afirma.
Certo de que “é preciso fazer uma ligação muito estreita entre a pobreza energética e a vaga da renovação de edifícios” anunciada pela Comissão Europeia para melhorar o desempenho energético de cerca de 35 milhões de edifícios até 2030, o perito também defende que se combata a “burocracia e o desconhecimento”.
No caso dos municípios sugere mesmo a criação de pólos de apoio ao munícipe no âmbito da eficiência energética, que ajudem a esclarecer dúvidas sobre as melhores opções, indiquem empresas certificadas e informem sobre regulamentos e requisitos a cumprir. “Se vamos sempre pelas políticas nacionais em que o Governo diz ‘estão aqui 600 milhões para eficiência energética e agora vão a este fundo e concorram’, não chegamos lá, porque há muita iliteracia sobre estes temas”, vaticina.
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