14.2.23

Mulheres tardam em chegar às posições de topo nas universidades

Samuel Silva, in Público

Menos de um terço dos lugares de carreira e de liderança são para elas, apesar de estarem em maioria na base da pirâmide, aponta estudo apresentado nesta segunda-feira.

Há uma assimetria de género nos lugares mais importantes da hierarquia do ensino superior nacional. Apesar de serem a maioria das estudantes e de estarem praticamente em igualdade na composição dos corpos docentes, as mulheres tardam em chegar às posições de topo do sector. Só cerca de um quarto dos lugares cimeiros das carreiras são para elas, que também ocupam menos de um terço das lideranças nas instituições de ensino e de investigação.

Este retrato é feito pelo estudo “Igualdade de Género nas Instituições de Ensino Superior”, coordenador pela investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Anália Torres. As suas conclusões são esta segunda-feira tornadas públicas numa conferência internacional, em Lisboa. “Havia quem defendesse uma ideia de que o desequilíbrio de género que existia no sector seria resolvido com o tempo”, lembra Anália Torres. “Mas já passaram muitos anos e os dados mostram que isso não vai acontecer se não forem tomadas medidas.”

Olhemos os números. O estudo reconhece uma evolução positiva na presença das mulheres no ensino superior. Tanto em termos absolutos como em percentagem, o número de professoras nas carreiras docentes do sector aumentou nas últimas duas décadas. Eram 15.454 em 2004/2005 (representando 42% do total de docentes). São agora 17.869, o que equivale a 46% de todos os professores das universidades e politécnicos.

A proporção de mulheres é maior no ensino politécnico, tanto no sector público (47,5%) como no sector privado, onde estão inclusivamente em maioria (50,7%) – é o único caso em que isso acontece.

“Nos últimos 20 anos, o emprego de mulheres no corpo docente aumentou, especialmente nas universidades públicas”, sublinha o estudo coordenado por Anália Torres. No entanto, notam os investigadores, foram encontrados “padrões assimétricos”. Desde logo, “as mulheres representam um quarto do escalão mais elevado da carreira docente”.

Mesmo que tenha havido uma evolução positiva, só 24% dos lugares de catedrático, o mais elevado na carreira universitária, são para professoras – eram 22% em 2014/15, ano usado como ponto de comparação para esta dimensão no estudo. Já as professoras assistentes, nível de entrada na carreira, passaram, no mesmo período, de 44 para 48%.

Em Portugal, as mulheres ainda estão em maioria entre os doutorandos e encontram-se numa posição paritária ainda na categoria de professor auxiliar, a posição de entrada nas carreiras docentes. Daí em diante, a proporção inverte-se

"Efeito tesoura"

Esta realidade no ensino superior não vem de hoje. Vários trabalhos académicos têm reflectido sobre ela ao longo dos últimos anos, o que leva Anália Torres a insistir na necessidade de serem tomadas medidas para inverter esta tendência: “Sem políticas nesse sentido”, as mulheres “não vão conseguir” romper o “tecto de vidro” que as impede de chegar ao topo das carreiras, defende.

Os dados nacionais trabalhados no estudo “Igualdade de Género nas Instituições de Ensino Superior” mostram um “efeito tesoura”, também identificado em estudos idênticos feitos em outros países, como por exemplo, na última edição do relatório SHE Figures 2021, editado pela Comissão Europeia. Esse documento apontava a existência de “disparidades consideráveis nas carreiras académicas de mulheres e homens na União Europeia a 27”.

É também isso que acontece também em Portugal, onde as mulheres estão em maioria entre os alunos dos diferentes níveis educativos do ensino superior (licenciaturas, mestrados e doutoramentos). Neste aspecto, o país até se destaca dos parceiros europeus, onde o “vértice” da tesoura é colocado logo nesta fase – os homens passam a estar em maioria logo ao nível do doutoramento na média da UE.

Em Portugal, as mulheres ainda estão em maioria entre os doutorandos e encontram-se numa posição paritária ainda na categoria de professor auxiliar, a posição de entrada nas carreiras docentes. Daí em diante, a proporção inverte-se e são os homens a estar em clara maioria nas categorias de professor associado e catedrático, as duas mais elevadas da carreira universitária. O fenómeno é semelhante na carreira do ensino superior politécnico.

“Há sempre mais homens nos lugares de chefia e nos postos mais elevados da carreira”, aponta o estudo. Além disso, “as mulheres estão sub-representadas em cargos de decisão na academia”.

De acordo com os dados recolhidos pelos investigadores, há nove mulheres reitoras ou presidentes de institutos politécnicos, que representam 19% das lideranças das instituições de ensino superior. Entre os vice-reitores e vice-presidentes, a proporção de mulheres é um pouco superior, mas não vai além de 36,4%. Já nos cargos de director de escola ou de faculdade, não chegam a ocupar sequer um terço (30,3%) das posições de chefia.

A questão coloca-se também no sector da Ciência onde, segundo o Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, as mulheres representam “metade da força de trabalho” alocada à Investigação e Desenvolvimento, tendo o seu número aumentado em todas as áreas científicas nos últimos anos.

Aliás, as mulheres “estão em maioria em quase todos os sectores, com excepção de duas áreas científicas”, as ciências naturais e a engenharia. Mas estão “sub-representadas na coordenação de unidades de investigação”, de acordo com os dados da Fundação para a Ciência e Tecnologia. O “tecto de vidro” impõe-se “tanto em instituições ou áreas onde as mulheres estão menos representadas, como nas engenharias, como nas instituições onde há uma base de recrutamento maior”, salienta Anália Torres.