9.2.23

Para que creche gratuita chegue a todos é preciso duplicar a oferta actual

Patricia Carvalho, in Público online

Graças à medida da gratuitidade, famílias estão a poupar entre cerca de 60 e quase 400 euros mensais, dependendo do agregado familiar, das despesas fixas e do rendimento.

A falta de vagas nas creches está a pôr em causa a universalização da medida de gratuitidade, que o Governo está a executar de forma faseada. E para que todas as crianças até aos três anos pudessem, efectivamente, ter direito a frequentar uma creche gratuitamente “seria necessário duplicar a actual capacidade instalada”. A conclusão está numa nota sobre a medida que a unidade de monitorização do Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração (PLANAPP) divulgou esta quarta-feira.

O documento, com data de 1 de Fevereiro, olhou para dois pontos essenciais: a capacidade de aplicação da medida, tendo em conta a oferta existente, e o que ela está a representar para as famílias que dela beneficiam, em termos de poupança.

Sobre o primeiro ponto, os técnicos não têm dúvidas: apesar de a medida da gratuitidade abranger, “potencialmente, todas a crianças nascidas após 1 de Setembro de 2021”, a sua “universalização” está a ser restringida “pela limitação na oferta e lugares nos equipamentos públicos e IPSS”. A receita fica traçada: “Para se alcançar uma eventual universalização do equipamento creche, seria necessário duplicar a actual capacidade instalada”, refere-se.

A justificação vem logo a seguir, na compilação de dados vertida na nota. Segundo a PLANAPP, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística e a Carta Social, em 2020, residiam em Portugal 248.263 crianças entre os zero e os três anos, mas o número de vagas nas creches nesse mesmo ano era de apenas 118.280. Ou seja, 129.983 destas crianças, mais de metade do total, não tinham lugar nestes equipamentos.

Os autores do documento referem que, olhando para os números entre 2011 e 2020, existe “uma trajectória gradual de convergência entre a capacidade de lugares disponíveis em creche, em aumento incremental na última década, e a diminuição, mais acelerada, do número de crianças entre os zero e os três anos”. Mas essa tendência é demasiado lenta e só duplicando as vagas se poderia fechar a brecha entre os dois valores, concluem.

“A capacidade instalada dos equipamentos continua a ser um obstáculo à plena realização da medida”, refere a unidade de monitorização, alertando que o alargamento da gratuitidade às creches privadas “não terá grande variação” no número de lugares disponíveis, já que cerca de três quartos da oferta existente pertencem ao sector social.

A única solução para que os benefícios da medida — reconhecidos pelos autores da informação — sejam mais abrangentes é mesmo alargar a rede de oferta e a nota também sugere como é que tal deve ser feito.

Tendo em conta a taxa de utilização das creches existentes, por distrito — apenas a Guarda está abaixo dos 70% e Bragança e o Porto estão muito perto dos 90% —, os autores da avaliação entendem que se deve olhar para o rácio entre a procura potencial de lugares e a capacidade existente para perceber os concelhos onde a aposta no alargamento de vagas deve ser feita. E esses estão, sobretudo, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas também em várias outras zonas do litoral e algumas do interior (como Mogadouro ou o Alandroal).
Poupança variada

Apesar da “disparidade” entre crianças e vagas existentes ser ainda “significativa”, as famílias que estão a beneficiar, efectivamente, da medida estão a conseguir poupar, mensalmente, entre cerca de 60 e quase 400 euros.

Os autores da análise traçaram diversos cenários, com base no número de pessoas do agregado familiar, do seu rendimento e das despesas fixas que têm, para chegar a esta conclusão. Quem poupa menos (entre 60 e 80 euros), curiosamente, são as famílias com menos rendimentos, que se encontram no 1.º e 2.º escalões de rendimentos, mas também porque, nessas condições, pagariam sempre uma mensalidade mais baixa nas creches sociais. Já um casal com dois filhos e um rendimento médio mensal do agregado de 4000 euros estará a poupar, segundo a estimativa do PLANAPP, cerca de 370 euros por mês.

A gratuitidade nas creches, uma medida actualmente denominada Creche Feliz, começou a ser adoptada em 2020, abrangendo, então, as crianças provenientes de famílias no 1.º escalão de rendimentos. No ano seguinte foi alargada às famílias do 2.º escalão e desde 1 de Setembro de 2022 que a gratuitidade abrange todas as crianças nascidas a partir de 1 de Setembro de 2021, que frequentem creches do sector solidário e social, independentemente dos rendimentos familiares. A 1 de Janeiro deste ano a medida foi alargada às creches do sector privado e prevê-se que até 2024 seja de novo alargada.

A falta de capacidade de resposta tem sido um problema constantemente referido e que já levou mesmo a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, a admitir alterar uma das premissas da medida — aquela que define que só haverá gratuitidade em creches privadas nos concelhos onde já não exista vaga no sector social.

A Creche Feliz implica que a Segurança Social pague, por cada criança abrangida, uma mensalidade de 460 euros, seja no sector social ou no privado.

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social lançou um aviso, no âmbito do PRR — Plano de Recuperação e Resiliência, para que sejam criados pelo menos mais cinco mil novas vagas até ao final deste ano, um valor ainda muito residual em relação às reais necessidades do país.​