20.2.23

Governo recusa imigração "à la carte" ou regresso às quotas

Inês Malhado, in JN

Ana Catarina Mendes revela que já foram registadas cerca de 140 mil manifestações de interesse no novo visto de trabalho

A ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, defendeu, este sábado, que a construção de "uma sociedade decente" que saiba acolher e integrar os migrantes não é compatível com uma política "à la carte" ou com a criação de quotas para a entrada de migrantes no país, criticando as declarações recentes do líder do PSD, Luís Montenegro, e do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas.

"Rejeitamos e rejeitaremos sempre uma imigração proposta agora pelo líder do PSD que é a migração 'à la carte' ou proposta pelo engenheiro Carlos Moedas, que é voltarmos às quotas", salientou Ana Catarina Mendes numa iniciativa do PS dedicada às migrações que decorreu no Largo do Rato, em Lisboa.

Na sessão de encerramento do Fórum das Migrações, organizado pelo PS e dedicado ao tema "Defender as Pessoas, Responder com Inclusão e Solidariedade", a dirigente lembrou que o Governo eliminou as quotas na última revisão à Lei de Estrangeiros por acreditar que "Portugal não é o orgulhosamente sós, mas orgulhosamente nós", fazendo alusão ao lema utilizado por Salazar durante a colonização portuguesa em África.

Quanto ao novo visto que permite aos migrantes terem um estado regularizado enquanto procuram trabalho por um período de seis meses, podendo desde logo estar acompanhados pela família, a ministra avança que já foram registadas cerca de 140 mil manifestações de interesse.

Ana Catarina Mendes lembrou ainda que os imigrantes vindos dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) vão beneficiar de um estatuto de proteção até um ano que lhes permitirá aceder diretamente ao número da Segurança Social, de contribuinte e de utente de saúde. A ministra disse que continuam pendentes 150 mil pedidos da CPLP que serão agora objeto desta proteção temporária, ao abrigo na nova operação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apontando que em 2024 a sua situação deverá ficar regularizada.

Salientou ainda que só se combate as imigrações ilegais se forem criados canais como estes. "O Estado tem de facilitar o acesso à documentação essencial. Com isto é mais um degrau na escada de uma sociedade decente e de uma boa integração dos nossos migrantes", advertiu. A proposta já tinha sido avançada esta manhã pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, no mesmo fórum.

"No último ano, entraram em Portugal 13 vezes mais refugiados do que os que aqui chegaram nos últimos cinco anos", afirmou Ana Catarina Mendes, salientando ainda que as características destes fluxos migratórios são agora diferentes. Até ao final do 1.º semestre do ano, o Governo espera construir mais dois centros de acolhimento e capacitação de migrantes, um em Lisboa e outro em Torres Novas, reafirmou.

Papel dos municípios

Lembrando "tragédias" que aconteceram recentemente, como o incêndio que deflagrou, no início do mês, num prédio sobrelotado com imigrantes no Bairro da Mouraria, em Lisboa, vitimando duas pessoas, a ministra alertou que as câmaras municipais devem ter um papel na fiscalização das habitações.

Em relação à restruturação do SEF, a ministra insistiu que criação da nova Agência Portuguesa para as Migrações visa melhorar o acolhimento de quem chega a Portugal, garantindo-lhes com uma maior celeridade o acesso aos documentos necessários para permanecerem no país, bem como se integrarem no mercado de trabalho.

"Há duas maneiras de olhar para a integração de migrantes na sociedade: ou se escolhe a via solidária, da inclusão e da solidariedade e da igualdade de oportunidades, e essa é aquela que é a visão do Partido Socialista, ou se escolhe a forma egoísta e individualista de quem ergue muros. E essa é mesmo a forma mais à direita", lançou.

Ana Catarina Mendes reforçou que o partido rejeita "qualquer tipo de discriminação a qualquer cidadão estrangeiro em Portugal" e que repudia "qualquer manifestação de violência, como a que foi recentemente conhecida", fazendo alusão aos casos de agressão de imigrantes das comunidades indianas e nepalesas em Olhão. No decorrer das investigações destes casos, a PSP já identificou 11 suspeitos e deteve três jovens de 16 anos.

Recorde-se que, no início da semana, Marcelo Rebelo de Sousa pediu "bom senso" ao líder do PSD e ao autarca lisboeta quanto a um "tema tão sensível" como o dos imigrantes, lembrando que "estas pessoas são vítimas, em muitos casos, de redes de utilização de seres humanos". Para o Presidente da República, as "declarações muito emocionais feitas em cima de casos correm o risco de ser irracionais".