17.2.23

Redes sociais são principal fonte de notícias para os portugueses e jornalistas já difundiram informação falsa baseados nelas

Por Lusa, in Expresso

O Observatório Ibérico de Media Digitais revela que maioria dos portugueses tem acesso a notícias através das redes sociais. Quase 90% dos media em Portugal estão presentes no Facebook e quase metade no Instagram

Oitenta e três por cento dos meios de comunicação em Portugal já difundiram notícias falsas baseadas nas redes sociais, mantendo-se nas redações os métodos de verificação tradicionais, apesar do reforço feito a este nível, revelam os dados, apresentados esta quarta-feira, do Observatório Ibérico de Media Digitais (Iberifier).

De um conjunto de entrevistas realizadas por este organismo, em setembro e outubro de 2022, a 17 diretores e editores de empresas de comunicação social em Portugal, resultou que mais de metade (58%) dos órgãos de comunicação não possuem protocolo de verificação da informação e em cerca de 80% não houve formação acrescida sobre verificação de factos.

De acordo com os resultados, a maioria dos entrevistados considera que "os portugueses reconhecem o trabalho desenvolvido pelos vários meios tradicionais", sendo mencionada "a existência de um canal público visto como 'âncora', a associação de jornalismo ao telejornal e a ausência de grandes escândalos relacionados com a atuação dos media".

Contudo, um terço dos entrevistados considera que o sentimento de confiança nos media em Portugal "pode estar relacionado com a iliteracia dos portugueses", o "fraco sentido crítico" e a "deferência em relação ao poder instituído", havendo quem assinale ainda a "excessiva tolerância dos portugueses".

JORNALISTAS PEDEM MELHORES CONDIÇÕES E MAIS TEMPO DE DESCANSO

Ao nível das questões laborais, os jornalistas reclamam mais respeito pelas escalas de trabalho e pelo tempo de descanso, o direito à vida familiar e ao 'desligar', melhores salários e contratos e mais formação.

Consensual entre os diretores e editores inquiridos é a necessidade de diferenciar os conteúdos jornalísticos dos restantes (recorrendo, por exemplo, a 'etiquetas de diferenciação que possam orientar os leitores'), defendendo-se também uma maior aposta na literacia dos cidadãos e uma regulação e fiscalização mais apertadas.

PUBLICIDADE É O PRINCIPAL MEIO DE FINANCIAMENTO DOS MEDIA

A sustentabilidade dos media e o desafio de encontrar um modelo de negócio viável é o problema mais apontado, com alguns diretores — "sobretudo de meios de comunicação mais recentes" — a defenderem que o jornalismo não deve ser visto como um negócio e a afirmarem preferir que o jornalismo abdique da publicidade.

A publicidade é o principal mecanismo de financiamento dos media em Portugal, tendo sido identificado em 69% dos meios, seguido das subscrições, com 28%. Os dados revelam que o 'branded content' (criação de conteúdo diretamente relacionado com uma marca) integra a estratégia de financiamento de 19% dos media, seguido dos subsídios (15%), do 'e-commerce' (9%), da consultoria (6%) e dos donativos (5%).

No que se refere às plataformas sociais mais utilizadas pelos meios de comunicação, destaca-se o Facebook, com 88%, e o Instagram, com 49%. Já o 'podcast' está presente em 14% dos meios, enquanto o recurso ao Tik Tok é mais discreto, com apenas 1%.

MAIORIA DOS PORTUGUESES CONSOMEM NOTÍCIAS ATRAVÉS DE REDES SOCIAIS

As redes sociais são a principal fonte de informação (87%) dos inquiridos. Os participantes no estudo (37%) referem que se deparam com desinformação várias vezes por dia, tendo 97% detetado desinformação no último mês.

Tendo por base 530 questionários válidos no âmbito de um estudo sobre o impacto da desinformação em Portugal, verifica-se que 77,6% da amostra aponta a 'fraca qualidade do jornalismo', nomeadamente os 'erros factuais' e a 'cobertura simplista', como o tipo de desinformação que mais identificaram no último mês.

Já 72,1% sublinham o problema dos 'factos parcialmente manipulados', 48,5% destacam as 'manchetes que parecem notícias mas são publicidade', 29,7% refere o 'recurso ao termo 'fake news' (por políticos, por exemplo) para desacreditar média que não lhes agradam', 20,9% mencionam as 'notícias completamente falsas com objetivos políticos ou comerciais' e 12,9% apontam os 'artigos de teor humorístico que se assemelham a notícias (sátiras)'.

Entre os inquiridos pelo Iberifier, 71,3% apontam a 'política' como sendo a área mais visada na desinformação, enquanto 59,2% destacam a 'guerra e os conflitos armados' como o assunto mais frequentemente alvo de 'fake news' e 50,8% referem os 'temas económicos' como os mais afetados.

Quando questionados sobre as áreas em que a desinformação mais os preocupa, 84,0% elegem a que tem origem no Governo, políticos e partidos e 79,0% referem a que é disseminada pelos comentadores nas redes sociais, enquanto 75,0% mencionam a que parte dos jornalistas ou dos media e 72,0% a proveniente de governos ou políticos internacionais.

No que se refere às plataformas de disseminação da falsa informação, 83,8% manifestam apreensão com a difusão feita através das redes sociais (como o Facebook, Twitter, Instagram ou YouTube), 68,6% apontam a divulgada nos 'sites' ou 'apps' (aplicações) dos 'social media', 59,9% estão preocupados com a desinformação veiculada em motores de busca (como o Google ou Bing) e 53,0% mencionam as aplicações de mensagens instantâneas, como o Whatsapp ou o Telegram.

Do inquérito resulta ainda que 72,0% dos inquiridos deixaram de confiar num meio de comunicação após terem detetado que este veiculou desinformação ou notícias falsas, 23,8% dizem que, na maior parte das vezes, não se pode confiar nas notícias e 77,2% declaram que não pode confiar na maior parte da informação das redes sociais.

Já 26,9% dos inquiridos consideram que, na maior parte das vezes, os media não são confiáveis, 26,8% afirmam o mesmo relativamente aos jornalistas e 55,9% dizem que as notícias constantes dos motores de busca não são, na sua grande parte, fidedignas.

PORTUGUESES CONFIAM MAIS EM ESPECIALISTAS E JORNALISTAS PARA OBTER INFORMAÇÃO

Relativamente às fontes em que mais confiam para obter informação ou saber mais sobre um tema, 78,7% escolhem os cientistas e 56,2% os jornalistas, seguidos dos médicos (39,6%), dos ativistas (14,7%) e dos comentadores (11,9%).

Quanto aos meios de comunicação aos quais mais recorrem para obter informação, 67,6% dos inquiridos referem a SIC Notícias, 61,6% o jornal Público, 61,3% a RTP1 e 53,1% o jornal Expresso. Segue-se a CNN Portugal (45,8%), a RTP 3 (41,4%), a SIC (40,8%), o Observador (39,1%) e a rádio TSF (34,0%).

Estes e outros resultados do mapeamento dos media em Portugal podem ser consultado a partir de hoje numa plataforma criada para esse efeito pelo Iberifier, que identificou e caracterizou os meios de comunicação existentes no país. Promovido pela Comissão Europeia e associado ao Observatório Europeu de Media Digitais (EDMO), o Iberifier é um observatório de media digitais em Portugal e Espanha que visa combater a desinformação.

O projeto é coordenado pela Universidade de Navarra, Espanha, mas tem como principal parceiro o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. No total, integra 12 universidades, cinco organizações de verificação e agências de notícias (entre as quais a agência Lusa) . O levantamento efetuado em 2022 pelo Iberifier conta com a participação de investigadores portugueses do Observatório da Comunicação (OberCom) e do Centro de Investigação em Estudos de Sociologia (CIES--ISCTE).