17.2.23

15% dos jovens já foram vítimas de violência sexual durante o namoro, mais de 30% acham legítimo que isso aconteça

Marta Gonçalves, in Expresso

Forçar um beijo, dentro dos comportamentos de violência sexual, é o ato que os jovens mais consideram como não sendo violento. Após dois anos de intervalo, o Estudo Nacional de Violência no Namoro voltou a ser realizado nas escolas portuguesas: a maioria dos inquiridos, com uma idade média de 15 anos, legitima comportamentos de violência no namoro — controlo e perseguição são os mais prevalentes

Obrigar, constranger, violentar, atuar contra vontade: é assim que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa explica o conceito de “forçar”. De acordo com o Estudo Nacional de Violência no Namoro, lançado esta terça-feira, mais de 30,2% dos jovens acredita que é legítimo pressionar alguém a beijar. Este é uma das várias ações analisadas dentro da categoria “violência sexual”, na qual 31,1% dos jovens inquiridos considera que pelo menos um dos comportamentos descritos não é uma representa uma forma de violência.

“Forçar para beijar sem a vontade da outra pessoa é considerado um comportamento que viola a nossa autodeterminação”, vinca Cátia Pontedeira, uma das investigadoras responsáveis pelo estudo e que esteve na apresentação.

A maioria destes jovens considera legítimo algum tipo de comportamento de violência no namoro (67,5%)

O estudo apresentado em conferência de imprensa na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto foi realizado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) nas escolas portuguesas ao longo do último ano. Participaram 5916 pessoas com idades compreendidas entre os 11 e 25 anos, sendo que apenas 100 dos inquiridos é que já ultrapassaram a maioridade e que a média de idades da amostra é de 15 anos.

A maioria destes jovens considera legítimo algum tipo de comportamento de violência no namoro (67,5%), ou seja, não acham que sejam formas de violência. A questão da legitimação é uma das duas vertentes em estudo - a segunda é a vitimização, mas já lá vamos. “Se legitimam comportamentos é porque praticam esses comportamentos e permitem que outras pessoas tenham esses comportamentos para com eles”, explica Margarida Pacheco, uma das investigadoras. “Na legitimação também conseguimos ver o futuro de possíveis vítimas de violência no namoro ou de um casamento, mas também de potenciais agressores”, acrescenta.

É dentro do bolo dos “comportamentos de controlo” que a legitimação de ações ainda é uma maioria (53.1%), sendo que 35,7% dos inquiridos acredita não haver violência no ato de pegar e usar o telemóvel do namorado/a ou entrar nas redes sociais do parceiro sem autorização. A violência psicológica é a segunda categoria mais legitimada (36,8%), sendo que a troca de insultos durante uma discussão é o comportamento que menos vezes é apontado como violência (ou seja, 30,7% legitimam).

“Passamos uma ideia de um amor romântico que nem sempre é assim. Quando vemos um rapaz bate numa menina no pré-escolar, a sociedade diz que ele faz isso porque gosta dela.”

A perseguição, seja física ou digital, é considerada legitima por 25,5% dos jovens que participaram no estudo, enquanto 22,1% acha justificável a violência através das redes sociais. “Esta última acontece muito depois do fim dos relacionamentos”, notam as investigadoras.

Embora seja expressivamente menos legitimada do que qualquer outra categoria, a percentagem de jovens que admite a violência física no namoro continua a ser “muito significativa”. São 9,6% dos inquiridos. “Existirem estes dados aos 15 anos só nos diz que o trabalho de prevenção tem de começar ainda mais cedo e a nível nacional para que possa mais tarde surtir efeitos”, defende Cátia Pontedeira. “Passamos uma ideia de um amor romântico que nem sempre é assim. Quando vemos um rapaz bate numa menina no pré-escolar, a sociedade diz que ele faz isso porque gosta dela. E quando chegamos aos 15 anos há uma série de coisas sobre o que é o papel da mulher e do homem numa relação que já estão demasiado estereotipados”, acrescenta Margarida Pacheco.

Se olharmos para o género, os homens e rapazes legitimam mais a violência do que as mulheres ou raparigas. Por exemplo, no caso do controlo do parceiro: 64.1% dos questionados do género masculino acham justificável, enquanto no género feminino a percentagem está fixada nos 44,2%. O mesmo acontece em todos as outras categorias. Outro exemplo: violência psicológica, quase metade das pessoas que se identificam como homem legitima (49%), enquanto entre elas são 26,7%.

14.9% DOS JOVENS JÁ FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

A segunda parte do estudo incide sobre a vitimização e considera apenas os jovens que já confirmaram estar - ou terem estado - em relações de intimidade ou de namoro (65%). Uma das conclusões é que as situações de violência mais vivenciadas pelos inquiridos correspondem aos comportamentos mais legitimados. Ou seja, as categorias mais prevalentes continuam a ser o controlo e a violência psicológica.

Entre os inquiridos, 45,1% já passou por pelo menos uma situação de violência psicológica, sendo - uma vez mais - os insultos durante uma zanga ou discussão o comportamento mais repetido

“Os comportamentos de controlo não são naturais e recordo que estamos a falar de uma população com uma média de idades de 15 anos”, diz Cátia Pontedeira.

Entre os inquiridos, 45,1% já passou por pelo menos uma situação de violência psicológica, sendo - uma vez mais - os insultos durante uma zanga ou discussão o comportamento mais repetido. Seguem-se as ações de controlo, com 44,6% dos jovens a assegurarem que foram vítimas desta forma de violência. “A proibição de estar com colegas ou amigos, a restrição ao contacto social não é desejável numa relação”, refere a investigadora. Pouco mais de 23% já foi perseguido por um companheiro ou companheira, enquanto 21,2% passou por experiências de violência nas redes sociais, sobretudo através da publicação de insultos ou partilha de imagens.

Tal como na legitimação, forçar ou pressionar um beijo é o comportamento de violência sexual mais comum de acontecer. Segundo os dados divulgados, 14,9% dos jovens sofreu pelo menos uma forma de violência sexual. Por último, a violência física, da qual 12,2% das pessoas que responderam ao inquérito já foram alvo.

“Todas as formas de vitimização são relevantes e importa prevenir o mais rapidamente possível”

“São dados, que por maior ou menor que seja a percentagem, são relevantes”, vinca Cátia Pontedeira, apontando ainda que o género feminino e outras formas de identidade de género são as que já vivenciaram mais vezes situações de violência. “Todas as formas de vitimização são relevantes e importa prevenir o mais rapidamente possível. Há um padrão comportamento nas formas de legitimação.”

“Há um caminho de possíveis vitimas ou agressores que é preciso cortar”, acrescenta também Maria José Magalhães, coordenadora do estudo. Após dois anos de interrupção - devido à pandemia, os jovens não estavam nas escolas -, o estudo nacional volta a ser publicado, mas com uma nova metodologia de análise e, por isso, o grupo de trabalho recusa comparar os dados agora publicados com os dos anos anteriores.

“Não nos atrevamos a comparar a anos anteriores, fazer comparações com estes dois anos de intervalo podia ser perigoso. Percebemos que não há muitas diferenças comparativamente ao último estudo [2020] e este, mas não queremos arriscar comparações porque a ferramenta de análise diferente e há dois períodos de análise de interrupção”, justifica a coordenadora.

Estudo Nacional de Violência no Namoro 2023 foi apresentado esta terça-feira, quando se assinala o Dia dos Namorados. Já no começo do mês, ao Expresso, a PSP dava conta de uma diminuição do número de queixas apresentadas por violência no namoro (2019), o número mais baixo dos últimos quatro anos. No entanto, os especialistas deixavam o alerta: nestes casos há uma “cifra negra” que pode esconder uma realidade mais preocupante do que aquela que o número de denúncias revela.