Ana Dias Cordeiro, in Público online
Várias iniciativas da oposição para que a violação seja investigada sem que haja queixa deverão ser votadas em breve na especialidade. Maioria dos deputados posiciona-se contra.
Entrevista com Helena Leitão: “A violação é matéria de interesse público” e não apenas do “domínio da vida privada das vítimas”
Quase 40 Estados do Conselho da Europa ratificaram a Convenção de Istambul, comprometendo-se a que o crime de violação seja público, e assim a investigação deixe de depender de uma queixa da vítima. Mas destes apenas três não o cumpriram: Portugal, Itália e São Marino, um enclave de apenas 33 mil habitantes no centro de Itália.
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4.5.23
“A violação é matéria de interesse público” e não apenas do “domínio da vida privada das vítimas”
Ana Dias Cordeiro (texto) e Matilde Fieschi (fotografia), in Público online
Helena Leitão defende que o crime de violação passe a ser de natureza pública. “A sociedade deve assumir a responsabilidade pelo processo e pela punição do crime”, diz a magistrada.
Leia também: Portugal e Itália são excepção ao não darem à violação o estatuto de crime público
No fim deste mês a procuradora da República Helena Leitão termina o seu segundo mandato como membro do Grupo de Peritos sobre o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Grévio) do Conselho da Europa. A magistrada e docente no Centro de Estudos Judiciários não será reconduzida por já ter cumprido o máximo de dois mandatos (de quatro anos cada) desde que o Grévio foi constituído em 2015. São membros do Grévio 15 peritos eleitos num universo de 33 países, para fiscalizarem o cumprimento da Convenção de Istambul para combate à violência doméstica e contra as mulheres nos Estados-membros. Ao fazer depender um inquérito-crime de uma queixa por parte da vítima de violação, mantendo a natureza semipública deste crime, Portugal continua “a desrespeitar uma das obrigações a que se vincularam” todos os países que ratificaram este tratado, salienta Helena Leitão
Vê apenas vantagens em que o crime de violação seja de natureza pública?
A posição do Grévio é clara: a Convenção de Istambul, no seu artigo 55.º, ao referir que a investigação e o julgamento pelo crime de violação, entre outros, não depende inteiramente de queixa, e sobretudo quando diz que o processo pode prosseguir mesmo que a vítima retire a sua declaração ou queixa, não deixa dúvidas sobre a natureza pública que o crime de violação deve ter.
Por um lado, tendo em atenção o carácter particularmente traumatizante do crime de violação, pretendeu-se aliviar o ónus que recai sobre a vítima se o procedimento criminal por este crime depender exclusivamente de uma queixa por parte dela. Por outro lado, porque a violação não pertence tão-somente ao domínio da vida privada das vítimas. É uma matéria de interesse público, que compete ao Estado investigar, julgar e punir, no interesse de todos. Nesta perspectiva, é a sociedade que assume a responsabilidade pelo processo e pela punição do crime.
Não a convencem os argumentos de alguns partidos políticos de que tornar o crime público comprometeria a autonomia da vítima e evidenciaria um papel paternalista do Estado?
São argumentos quase de princípio, que defendem que a mulher tem vontade de entender e de querer. Foi exactamente o mesmo argumento utilizado no passado em relação à violência doméstica. O argumento era o de que estávamos a menorizar a mulher, ao presumir que ela não tinha capacidade para se manifestar sozinha e decidir avançar ou não com o procedimento criminal. Dizia-se ainda que o que íamos conseguir com esse regime era vitimizar duplamente as mulheres porque, não querendo apresentar queixa, estas tinham de enfrentar a oposição, muitas vezes da própria família, que via a situação como um estigma para a mulher.
Os grandes argumentos então apresentados era o paternalismo do Estado, no sentido de querer tomar conta das pessoas e não as deixar decidir pela sua própria cabeça, a autonomia das vítimas que deixavam de poder decidir sobre a sua vida, e depois o facto de a sociedade não estar preparada para compreender as vítimas, que rapidamente se tornavam culpadas de o crime ter acontecido.
Não podemos esquecer-nos de que a vítima fica normalmente a sofrer de stress pós-traumático, depressão e sintomatologias várias que podem persistir para o resto da sua vida. Exigir a essas mulheres, fragilizadas e inseguras, que sejam capazes de decidir se querem apresentar queixa num determinado lapso de tempo – seja ele de seis meses, um ano ou de vários anos –, é onerá-las com o peso desmedido de uma decisão, a pretexto de respeitar a autonomia da vontade da vítima e de evitar o paternalismo do Estado.
No seu entender, os argumentos de quem se opõe a que seja crime público não colhem de todo?
Apesar da minha posição, entendo que não podemos ignorar vários argumentos a favor da manutenção do carácter semipúblico do crime de violação. Falo, por exemplo, daqueles que apontam que a estratégia deve ser a de protecção das vítimas e que os serviços públicos e os tribunais não estão preparados para intervir, apoiar e compreender as vítimas de violação. Seja como for, o reconhecimento da natureza pública da violação implica a existência de uma rede de apoio a funcionar cabalmente, bem como a formação adequada de todos os profissionais envolvidos no seu acompanhamento.
Os Estados que não converteram a violação em crime público estão a incumprir os compromissos assumidos perante o Conselho da Europa?
Estão a desrespeitar uma das obrigações a que se vincularam ao ratificar a Convenção de Istambul: no caso, a de garantir que o inquérito e as investigações pelo crime de violação não dependem de queixa apresentada pela vítima. Estarão também a desrespeitar a obrigação de prosseguir com o procedimento criminal por violação caso a vítima tenha apresentado queixa e queira desistir da mesma.
Isso mesmo consta das avaliações do Grévio, a primeira em 2019 e a segunda em 2022.
Portugal foi avaliado pelo Grévio e o relatório final e respectivas recomendações são públicos desde 21 de Janeiro de 2019. Após análise cuidada da realidade portuguesa, o Grévio entendeu instar as autoridades portuguesas a alterarem a sua legislação, no que diz respeito, em particular aos crimes de violência física e sexual. Dito de outro modo, foi recomendado ao Estado português, com importância máxima revelada através da forma verbal "instar" que alterasse a sua legislação no sentido de converter o crime de violação, entre outros, em crime público. A força política desta recomendação formulada pelo Grévio, conjugada com os princípios da boa-fé e de que os acordos são para cumprir – pacta sunt servanda –, regula as relações entre os Estados do Conselho da Europa e deviam já ter sido levados em conta pelo legislador português. As convenções internacionais, por norma, são vinculativas.
Foi recomendado ao Estado português, com importância máxima revelada através da forma verbal ‘instar’ que alterasse a sua legislação
E quais são as consequências se não forem cumpridas?
Não existe um tribunal internacional, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por exemplo, para apreciar directamente queixas apresentadas pelos Estados-Parte, organizações ou pessoas por violações dos direitos consagrados na Convenção de Istambul ou por desobediência às recomendações do Grévio. Porém, e entendendo que os direitos das mulheres são obviamente direitos humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos está a começar sistematicamente a mencionar nos seus acórdãos de condenação dos Estados não só a Convenção Europeu dos Direitos Humanos, mas também a própria Convenção de Istambul.
O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação com os seus leitores. Quanto maior for o apoio dos leitores, maior será a nossa legitimidade e a relevância do nosso jornalismo. Apoiar o PÚBLICO é também um acto cívico, um sinal de empenho na defesa de uma sociedade aberta, baseada na lei e na razão em favor de todos ou, por outras palavras, na recusa do populismo e da manipulação para privilégio de alguns.
Helena Leitão defende que o crime de violação passe a ser de natureza pública. “A sociedade deve assumir a responsabilidade pelo processo e pela punição do crime”, diz a magistrada.
Leia também: Portugal e Itália são excepção ao não darem à violação o estatuto de crime público
No fim deste mês a procuradora da República Helena Leitão termina o seu segundo mandato como membro do Grupo de Peritos sobre o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Grévio) do Conselho da Europa. A magistrada e docente no Centro de Estudos Judiciários não será reconduzida por já ter cumprido o máximo de dois mandatos (de quatro anos cada) desde que o Grévio foi constituído em 2015. São membros do Grévio 15 peritos eleitos num universo de 33 países, para fiscalizarem o cumprimento da Convenção de Istambul para combate à violência doméstica e contra as mulheres nos Estados-membros. Ao fazer depender um inquérito-crime de uma queixa por parte da vítima de violação, mantendo a natureza semipública deste crime, Portugal continua “a desrespeitar uma das obrigações a que se vincularam” todos os países que ratificaram este tratado, salienta Helena Leitão
Vê apenas vantagens em que o crime de violação seja de natureza pública?
A posição do Grévio é clara: a Convenção de Istambul, no seu artigo 55.º, ao referir que a investigação e o julgamento pelo crime de violação, entre outros, não depende inteiramente de queixa, e sobretudo quando diz que o processo pode prosseguir mesmo que a vítima retire a sua declaração ou queixa, não deixa dúvidas sobre a natureza pública que o crime de violação deve ter.
Por um lado, tendo em atenção o carácter particularmente traumatizante do crime de violação, pretendeu-se aliviar o ónus que recai sobre a vítima se o procedimento criminal por este crime depender exclusivamente de uma queixa por parte dela. Por outro lado, porque a violação não pertence tão-somente ao domínio da vida privada das vítimas. É uma matéria de interesse público, que compete ao Estado investigar, julgar e punir, no interesse de todos. Nesta perspectiva, é a sociedade que assume a responsabilidade pelo processo e pela punição do crime.
Não a convencem os argumentos de alguns partidos políticos de que tornar o crime público comprometeria a autonomia da vítima e evidenciaria um papel paternalista do Estado?
São argumentos quase de princípio, que defendem que a mulher tem vontade de entender e de querer. Foi exactamente o mesmo argumento utilizado no passado em relação à violência doméstica. O argumento era o de que estávamos a menorizar a mulher, ao presumir que ela não tinha capacidade para se manifestar sozinha e decidir avançar ou não com o procedimento criminal. Dizia-se ainda que o que íamos conseguir com esse regime era vitimizar duplamente as mulheres porque, não querendo apresentar queixa, estas tinham de enfrentar a oposição, muitas vezes da própria família, que via a situação como um estigma para a mulher.
Os grandes argumentos então apresentados era o paternalismo do Estado, no sentido de querer tomar conta das pessoas e não as deixar decidir pela sua própria cabeça, a autonomia das vítimas que deixavam de poder decidir sobre a sua vida, e depois o facto de a sociedade não estar preparada para compreender as vítimas, que rapidamente se tornavam culpadas de o crime ter acontecido.
Não podemos esquecer-nos de que a vítima fica normalmente a sofrer de stress pós-traumático, depressão e sintomatologias várias que podem persistir para o resto da sua vida. Exigir a essas mulheres, fragilizadas e inseguras, que sejam capazes de decidir se querem apresentar queixa num determinado lapso de tempo – seja ele de seis meses, um ano ou de vários anos –, é onerá-las com o peso desmedido de uma decisão, a pretexto de respeitar a autonomia da vontade da vítima e de evitar o paternalismo do Estado.
No seu entender, os argumentos de quem se opõe a que seja crime público não colhem de todo?
Apesar da minha posição, entendo que não podemos ignorar vários argumentos a favor da manutenção do carácter semipúblico do crime de violação. Falo, por exemplo, daqueles que apontam que a estratégia deve ser a de protecção das vítimas e que os serviços públicos e os tribunais não estão preparados para intervir, apoiar e compreender as vítimas de violação. Seja como for, o reconhecimento da natureza pública da violação implica a existência de uma rede de apoio a funcionar cabalmente, bem como a formação adequada de todos os profissionais envolvidos no seu acompanhamento.
Os Estados que não converteram a violação em crime público estão a incumprir os compromissos assumidos perante o Conselho da Europa?
Estão a desrespeitar uma das obrigações a que se vincularam ao ratificar a Convenção de Istambul: no caso, a de garantir que o inquérito e as investigações pelo crime de violação não dependem de queixa apresentada pela vítima. Estarão também a desrespeitar a obrigação de prosseguir com o procedimento criminal por violação caso a vítima tenha apresentado queixa e queira desistir da mesma.
Isso mesmo consta das avaliações do Grévio, a primeira em 2019 e a segunda em 2022.
Portugal foi avaliado pelo Grévio e o relatório final e respectivas recomendações são públicos desde 21 de Janeiro de 2019. Após análise cuidada da realidade portuguesa, o Grévio entendeu instar as autoridades portuguesas a alterarem a sua legislação, no que diz respeito, em particular aos crimes de violência física e sexual. Dito de outro modo, foi recomendado ao Estado português, com importância máxima revelada através da forma verbal "instar" que alterasse a sua legislação no sentido de converter o crime de violação, entre outros, em crime público. A força política desta recomendação formulada pelo Grévio, conjugada com os princípios da boa-fé e de que os acordos são para cumprir – pacta sunt servanda –, regula as relações entre os Estados do Conselho da Europa e deviam já ter sido levados em conta pelo legislador português. As convenções internacionais, por norma, são vinculativas.
Foi recomendado ao Estado português, com importância máxima revelada através da forma verbal ‘instar’ que alterasse a sua legislação
E quais são as consequências se não forem cumpridas?
Não existe um tribunal internacional, como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por exemplo, para apreciar directamente queixas apresentadas pelos Estados-Parte, organizações ou pessoas por violações dos direitos consagrados na Convenção de Istambul ou por desobediência às recomendações do Grévio. Porém, e entendendo que os direitos das mulheres são obviamente direitos humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos está a começar sistematicamente a mencionar nos seus acórdãos de condenação dos Estados não só a Convenção Europeu dos Direitos Humanos, mas também a própria Convenção de Istambul.
O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação com os seus leitores. Quanto maior for o apoio dos leitores, maior será a nossa legitimidade e a relevância do nosso jornalismo. Apoiar o PÚBLICO é também um acto cívico, um sinal de empenho na defesa de uma sociedade aberta, baseada na lei e na razão em favor de todos ou, por outras palavras, na recusa do populismo e da manipulação para privilégio de alguns.
17.2.23
15% dos jovens já foram vítimas de violência sexual durante o namoro, mais de 30% acham legítimo que isso aconteça
Marta Gonçalves, in Expresso
Forçar um beijo, dentro dos comportamentos de violência sexual, é o ato que os jovens mais consideram como não sendo violento. Após dois anos de intervalo, o Estudo Nacional de Violência no Namoro voltou a ser realizado nas escolas portuguesas: a maioria dos inquiridos, com uma idade média de 15 anos, legitima comportamentos de violência no namoro — controlo e perseguição são os mais prevalentes
Obrigar, constranger, violentar, atuar contra vontade: é assim que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa explica o conceito de “forçar”. De acordo com o Estudo Nacional de Violência no Namoro, lançado esta terça-feira, mais de 30,2% dos jovens acredita que é legítimo pressionar alguém a beijar. Este é uma das várias ações analisadas dentro da categoria “violência sexual”, na qual 31,1% dos jovens inquiridos considera que pelo menos um dos comportamentos descritos não é uma representa uma forma de violência.
“Forçar para beijar sem a vontade da outra pessoa é considerado um comportamento que viola a nossa autodeterminação”, vinca Cátia Pontedeira, uma das investigadoras responsáveis pelo estudo e que esteve na apresentação.
A maioria destes jovens considera legítimo algum tipo de comportamento de violência no namoro (67,5%)
O estudo apresentado em conferência de imprensa na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto foi realizado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) nas escolas portuguesas ao longo do último ano. Participaram 5916 pessoas com idades compreendidas entre os 11 e 25 anos, sendo que apenas 100 dos inquiridos é que já ultrapassaram a maioridade e que a média de idades da amostra é de 15 anos.
A maioria destes jovens considera legítimo algum tipo de comportamento de violência no namoro (67,5%), ou seja, não acham que sejam formas de violência. A questão da legitimação é uma das duas vertentes em estudo - a segunda é a vitimização, mas já lá vamos. “Se legitimam comportamentos é porque praticam esses comportamentos e permitem que outras pessoas tenham esses comportamentos para com eles”, explica Margarida Pacheco, uma das investigadoras. “Na legitimação também conseguimos ver o futuro de possíveis vítimas de violência no namoro ou de um casamento, mas também de potenciais agressores”, acrescenta.
É dentro do bolo dos “comportamentos de controlo” que a legitimação de ações ainda é uma maioria (53.1%), sendo que 35,7% dos inquiridos acredita não haver violência no ato de pegar e usar o telemóvel do namorado/a ou entrar nas redes sociais do parceiro sem autorização. A violência psicológica é a segunda categoria mais legitimada (36,8%), sendo que a troca de insultos durante uma discussão é o comportamento que menos vezes é apontado como violência (ou seja, 30,7% legitimam).
“Passamos uma ideia de um amor romântico que nem sempre é assim. Quando vemos um rapaz bate numa menina no pré-escolar, a sociedade diz que ele faz isso porque gosta dela.”
A perseguição, seja física ou digital, é considerada legitima por 25,5% dos jovens que participaram no estudo, enquanto 22,1% acha justificável a violência através das redes sociais. “Esta última acontece muito depois do fim dos relacionamentos”, notam as investigadoras.
Embora seja expressivamente menos legitimada do que qualquer outra categoria, a percentagem de jovens que admite a violência física no namoro continua a ser “muito significativa”. São 9,6% dos inquiridos. “Existirem estes dados aos 15 anos só nos diz que o trabalho de prevenção tem de começar ainda mais cedo e a nível nacional para que possa mais tarde surtir efeitos”, defende Cátia Pontedeira. “Passamos uma ideia de um amor romântico que nem sempre é assim. Quando vemos um rapaz bate numa menina no pré-escolar, a sociedade diz que ele faz isso porque gosta dela. E quando chegamos aos 15 anos há uma série de coisas sobre o que é o papel da mulher e do homem numa relação que já estão demasiado estereotipados”, acrescenta Margarida Pacheco.
Se olharmos para o género, os homens e rapazes legitimam mais a violência do que as mulheres ou raparigas. Por exemplo, no caso do controlo do parceiro: 64.1% dos questionados do género masculino acham justificável, enquanto no género feminino a percentagem está fixada nos 44,2%. O mesmo acontece em todos as outras categorias. Outro exemplo: violência psicológica, quase metade das pessoas que se identificam como homem legitima (49%), enquanto entre elas são 26,7%.
14.9% DOS JOVENS JÁ FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL
A segunda parte do estudo incide sobre a vitimização e considera apenas os jovens que já confirmaram estar - ou terem estado - em relações de intimidade ou de namoro (65%). Uma das conclusões é que as situações de violência mais vivenciadas pelos inquiridos correspondem aos comportamentos mais legitimados. Ou seja, as categorias mais prevalentes continuam a ser o controlo e a violência psicológica.
Entre os inquiridos, 45,1% já passou por pelo menos uma situação de violência psicológica, sendo - uma vez mais - os insultos durante uma zanga ou discussão o comportamento mais repetido
“Os comportamentos de controlo não são naturais e recordo que estamos a falar de uma população com uma média de idades de 15 anos”, diz Cátia Pontedeira.
Entre os inquiridos, 45,1% já passou por pelo menos uma situação de violência psicológica, sendo - uma vez mais - os insultos durante uma zanga ou discussão o comportamento mais repetido. Seguem-se as ações de controlo, com 44,6% dos jovens a assegurarem que foram vítimas desta forma de violência. “A proibição de estar com colegas ou amigos, a restrição ao contacto social não é desejável numa relação”, refere a investigadora. Pouco mais de 23% já foi perseguido por um companheiro ou companheira, enquanto 21,2% passou por experiências de violência nas redes sociais, sobretudo através da publicação de insultos ou partilha de imagens.
Tal como na legitimação, forçar ou pressionar um beijo é o comportamento de violência sexual mais comum de acontecer. Segundo os dados divulgados, 14,9% dos jovens sofreu pelo menos uma forma de violência sexual. Por último, a violência física, da qual 12,2% das pessoas que responderam ao inquérito já foram alvo.
“Todas as formas de vitimização são relevantes e importa prevenir o mais rapidamente possível”
“São dados, que por maior ou menor que seja a percentagem, são relevantes”, vinca Cátia Pontedeira, apontando ainda que o género feminino e outras formas de identidade de género são as que já vivenciaram mais vezes situações de violência. “Todas as formas de vitimização são relevantes e importa prevenir o mais rapidamente possível. Há um padrão comportamento nas formas de legitimação.”
“Há um caminho de possíveis vitimas ou agressores que é preciso cortar”, acrescenta também Maria José Magalhães, coordenadora do estudo. Após dois anos de interrupção - devido à pandemia, os jovens não estavam nas escolas -, o estudo nacional volta a ser publicado, mas com uma nova metodologia de análise e, por isso, o grupo de trabalho recusa comparar os dados agora publicados com os dos anos anteriores.
“Não nos atrevamos a comparar a anos anteriores, fazer comparações com estes dois anos de intervalo podia ser perigoso. Percebemos que não há muitas diferenças comparativamente ao último estudo [2020] e este, mas não queremos arriscar comparações porque a ferramenta de análise diferente e há dois períodos de análise de interrupção”, justifica a coordenadora.
Estudo Nacional de Violência no Namoro 2023 foi apresentado esta terça-feira, quando se assinala o Dia dos Namorados. Já no começo do mês, ao Expresso, a PSP dava conta de uma diminuição do número de queixas apresentadas por violência no namoro (2019), o número mais baixo dos últimos quatro anos. No entanto, os especialistas deixavam o alerta: nestes casos há uma “cifra negra” que pode esconder uma realidade mais preocupante do que aquela que o número de denúncias revela.
24.10.22
Abusos sexuais: “A mensagem que a Igreja está a passar é ambígua e essa ambiguidade é prejudicial para as vítimas”
Natália Faria, in Público online
Ângelo Fernandes, autor do livro De que falamos quando falamos de violência sexual contra crianças, considera que o ruído em torno dos abusos sexuais na Igreja pode “intensificar a dor das vítimas”. Para acabar com a impunidade dos abusadores, defende, é preciso alargar os prazos de prescrição destes crimes.
A chave para perceber se uma criança foi exposta a uma situação de abuso ou violência sexual pode estar num simples desenho. Considerando que o abuso sexual de crianças é um fenómeno subidentificado, e que, ao contrário do que acreditam muitos pais, os menores podem demorar décadas a conseguir verbalizar o que lhes aconteceu, o livro De que falamos quando falamos de violência sexual contra crianças, agora lançado pela Pergaminho, é uma espécie de manual de instruções para pais e educadores. O autor, Ângelo Fernandes, ele próprio abusado sexualmente em criança, criou em 2017 a associação Quebrar o Silêncio, a primeira e única associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual. Cinco anos e 469 denúncias depois, uma certeza: é preciso alargar os prazos de prescrição destes crimes, sob pena de a impunidade continuar a ser a regra. De caminho, o autor acusa a Igreja Católica de não estar a conseguir respeitar a dor das vítimas.
A que sinais devem os pais estar atentos?
Há vários sinais que podem ser interpretados como tendo outras causas, os pais podem pensar que é uma fase ou que a criança está a ser vítima de bullying na escola. Mas costumo dizer aos pais que devem estar atentos a qualquer mudança comportamental. Alguns sinais concretos podem ser uma criança extrovertida passar a ser mais introvertida, começar a ter comportamentos de rebeldia, quando a criança começa a ter uma linguagem sexualizada muito precoce ou brincadeiras sexualizadas muito explícitas, fazendo desenhos com referências fálicas, por exemplo, como pénis erectos ou posições sexualizadas.
E como conseguir que as crianças falem?
Os pais muitas vezes vivem neste mito de que o filho ou a filha que tenha sido vítima de abuso ou de violência sexual vai falar. E nós sabemos que isso não é verdade. As crianças não partilham as histórias de abuso sexual. Se em casa não é trabalhado um ambiente propício ao diálogo, não é fomentado o hábito de conversarem ou de dialogarem, os pais não podem esperar que, numa situação destas, a criança consiga falar. Antes de mais, costumo dizer aos pais para criarem na rotina familiar momentos de diálogo e de conversa, em que a criança se sinta segura para expor as suas dúvidas sobre todo e qualquer tema que seja do seu interesse e da sua curiosidade. Se houver temas tabu, nomeadamente em relação à sexualidade, a criança poderá sentir que em casa os temas relacionados com sexo não são bem-vindos e, em caso de abuso, pode sentir que arrisca ser punida. E tudo isto contribui para que a criança não partilhe a sua história de abuso sexual.
Por que razão considera tão importante ensinar às crianças o nome correcto dos órgãos sexuais?
Porque os abusadores exploram todo o tipo de vulnerabilidades na criança. E não ter conhecimento correcto do seu corpo pode ser uma forma de vulnerabilidade. No livro, conto a história de uma menina que, no contexto escolar, refere que o tio lhe tocou na bolacha. E a professora, no meio de tantas outras partilhas das outras crianças, deixou passar isso. Só mais tarde, quando se apercebeu que na casa desta menina a família usa a palavra bolacha para se referir à vagina, é que a professora compreendeu que aquele episódio tinha sido uma tentativa de partilha de uma história de abuso sexual. Esta é uma das razões pelas quais oriento os pais e as mães para que ensinem os nomes correctos da genitália às crianças, tal como as ensinam a nomear o resto do corpo, o cérebro, pulmões…
Há nesta matéria mitos alimentados pelas próprias crianças que importa desfazer?
Desde logo, as crianças tendem a não considerar que a família ou os amigos possam ser abusadores sexuais. Muitas vezes as crianças acreditam que se deve manter um segredo, se um adulto lhes pedir, mesmo que seja um segredo mau. E isso são questões que os pais têm de trabalhar em casa. Não se trata de transmitir às crianças que qualquer adulto lhes pode fazer mal, porque não queremos que elas sintam que o mundo é um lugar perigoso, criando-lhes problemas de vinculação, mas, enquanto cuidadores, os pais têm de ter a percepção de que a maioria dos abusos ocorre dentro da própria família ou então de que o abusador é alguém próximo, como um professor, um vizinho ou amigo da família.
Devia haver prevenção nas escolas sobre esta matéria?
Se considerarmos que é onde as crianças passam a maior parte do seu tempo, não faz sentido que as escolas estejam desligadas ou demitidas deste papel, isto é, do mesmo modo que trabalham questões como lavar os dentes, o tomar banho ou a reciclagem, a escola pode dar um contributo fundamental para a prevenção dos abusos, desde que com o devido cuidado para respeitar o desenvolvimento da criança.
Mesmo apesar do receio, tão recorrente na questão da educação sexual, de que falar disto pode levar as crianças a uma exploração sexual prematura?
Esses receios são infundados, não têm qualquer validade científica, antes pelo contrário, sabemos que a educação para a sexualidade promove hábitos saudáveis nas crianças, tende a atrasar os primeiros contactos sexuais e a fazer com que estes decorram em maior segurança e também contribui para a diminuição da gravidez precoce.
A exposição a um episódio de abuso ou de violência sexual é automaticamente geradora de trauma, mesmo que esse episódio não tenha sido experienciado como traumático no momento em que ocorreu?
A violência sexual é uma experiência potencialmente traumática. Não podemos garantir a 100% que todos os episódios de violência sexual são traumáticos, mas o que a literatura indica e o que vemos no dia-a-dia é que a maior parte das pessoas que passou por uma experiência traumática tende a desenvolver stress pós-traumático. Portanto, mesmo que a vítima não tenha noção de que passou por uma experiência traumática, o trauma foi registado pelo corpo e acaba por somatizar e por ter consequências. É comum as vítimas dizerem que têm dificuldades em confiar nos outros, que não fazem amizades com facilidade, que não se entregam facilmente, que estão em constante estado de alerta, e muitas vezes apresentam isso como parte integrante da sua personalidade, apercebendo-se só mais tarde que isso é uma consequência do trauma por que passaram.
Muitos pais, até pelas jornadas laborais a que estão sujeitos, têm de deixar os seus filhos numa miríade de instituições. Que cuidados devem ter para garantir que os locais onde as crianças desenvolvem as suas actividades extracurriculares são seguros?
Eu costumo aconselhar os pais a exigirem desde logo o registo criminal de todos os profissionais dessas entidades ou organismos. E, depois, a questionarem a direcção desses espaços sobre os protocolos de actuação ou de prevenção da violência sexual contra crianças: o que é que eles fazem em caso de abuso sexual, como procedem à denúncia, como é que garantem a segurança das crianças? Quando os pais vão inscrever uma criança na natação, perguntam sobre horários, preço, o material que é preciso comprar, e o que lhes peço é para acrescentarem mais perguntas; que tentem saber, por exemplo, se há momentos em que o adulto fica a sós com a criança e quando; se há mais do que um adulto na sala quando as crianças têm de mudar de roupa. Não falar sobre abuso sexual de crianças é o maior favor que podemos fazer aos abusadores. Um abusador que esteja numa instituição destas, que seja, por exemplo, um professor de natação, sabendo que naquele espaço ninguém manifesta preocupações com isso, sente segurança para continuar a abusar. Se começa a haver conversas, se os pais exigem o registo criminal e forçam a entidade a tomar medidas no sentido da prevenção, então o abusador vai começar a sentir uma maior pressão e que perdeu a segurança e o espaço para abusar de crianças.
A Igreja não pode pedir às vítimas que dêem o seu testemunho e depois, por outro lado, desvalorizar esse testemunho e essa partilha
Ângelo Fernandes, autor do livro De que falamos quando falamos de violência sexual contra crianças, considera que o ruído em torno dos abusos sexuais na Igreja pode “intensificar a dor das vítimas”. Para acabar com a impunidade dos abusadores, defende, é preciso alargar os prazos de prescrição destes crimes.
A chave para perceber se uma criança foi exposta a uma situação de abuso ou violência sexual pode estar num simples desenho. Considerando que o abuso sexual de crianças é um fenómeno subidentificado, e que, ao contrário do que acreditam muitos pais, os menores podem demorar décadas a conseguir verbalizar o que lhes aconteceu, o livro De que falamos quando falamos de violência sexual contra crianças, agora lançado pela Pergaminho, é uma espécie de manual de instruções para pais e educadores. O autor, Ângelo Fernandes, ele próprio abusado sexualmente em criança, criou em 2017 a associação Quebrar o Silêncio, a primeira e única associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual. Cinco anos e 469 denúncias depois, uma certeza: é preciso alargar os prazos de prescrição destes crimes, sob pena de a impunidade continuar a ser a regra. De caminho, o autor acusa a Igreja Católica de não estar a conseguir respeitar a dor das vítimas.
A que sinais devem os pais estar atentos?
Há vários sinais que podem ser interpretados como tendo outras causas, os pais podem pensar que é uma fase ou que a criança está a ser vítima de bullying na escola. Mas costumo dizer aos pais que devem estar atentos a qualquer mudança comportamental. Alguns sinais concretos podem ser uma criança extrovertida passar a ser mais introvertida, começar a ter comportamentos de rebeldia, quando a criança começa a ter uma linguagem sexualizada muito precoce ou brincadeiras sexualizadas muito explícitas, fazendo desenhos com referências fálicas, por exemplo, como pénis erectos ou posições sexualizadas.
E como conseguir que as crianças falem?
Os pais muitas vezes vivem neste mito de que o filho ou a filha que tenha sido vítima de abuso ou de violência sexual vai falar. E nós sabemos que isso não é verdade. As crianças não partilham as histórias de abuso sexual. Se em casa não é trabalhado um ambiente propício ao diálogo, não é fomentado o hábito de conversarem ou de dialogarem, os pais não podem esperar que, numa situação destas, a criança consiga falar. Antes de mais, costumo dizer aos pais para criarem na rotina familiar momentos de diálogo e de conversa, em que a criança se sinta segura para expor as suas dúvidas sobre todo e qualquer tema que seja do seu interesse e da sua curiosidade. Se houver temas tabu, nomeadamente em relação à sexualidade, a criança poderá sentir que em casa os temas relacionados com sexo não são bem-vindos e, em caso de abuso, pode sentir que arrisca ser punida. E tudo isto contribui para que a criança não partilhe a sua história de abuso sexual.
Por que razão considera tão importante ensinar às crianças o nome correcto dos órgãos sexuais?
Porque os abusadores exploram todo o tipo de vulnerabilidades na criança. E não ter conhecimento correcto do seu corpo pode ser uma forma de vulnerabilidade. No livro, conto a história de uma menina que, no contexto escolar, refere que o tio lhe tocou na bolacha. E a professora, no meio de tantas outras partilhas das outras crianças, deixou passar isso. Só mais tarde, quando se apercebeu que na casa desta menina a família usa a palavra bolacha para se referir à vagina, é que a professora compreendeu que aquele episódio tinha sido uma tentativa de partilha de uma história de abuso sexual. Esta é uma das razões pelas quais oriento os pais e as mães para que ensinem os nomes correctos da genitália às crianças, tal como as ensinam a nomear o resto do corpo, o cérebro, pulmões…
Há nesta matéria mitos alimentados pelas próprias crianças que importa desfazer?
Desde logo, as crianças tendem a não considerar que a família ou os amigos possam ser abusadores sexuais. Muitas vezes as crianças acreditam que se deve manter um segredo, se um adulto lhes pedir, mesmo que seja um segredo mau. E isso são questões que os pais têm de trabalhar em casa. Não se trata de transmitir às crianças que qualquer adulto lhes pode fazer mal, porque não queremos que elas sintam que o mundo é um lugar perigoso, criando-lhes problemas de vinculação, mas, enquanto cuidadores, os pais têm de ter a percepção de que a maioria dos abusos ocorre dentro da própria família ou então de que o abusador é alguém próximo, como um professor, um vizinho ou amigo da família.
Devia haver prevenção nas escolas sobre esta matéria?
Se considerarmos que é onde as crianças passam a maior parte do seu tempo, não faz sentido que as escolas estejam desligadas ou demitidas deste papel, isto é, do mesmo modo que trabalham questões como lavar os dentes, o tomar banho ou a reciclagem, a escola pode dar um contributo fundamental para a prevenção dos abusos, desde que com o devido cuidado para respeitar o desenvolvimento da criança.
Mesmo apesar do receio, tão recorrente na questão da educação sexual, de que falar disto pode levar as crianças a uma exploração sexual prematura?
Esses receios são infundados, não têm qualquer validade científica, antes pelo contrário, sabemos que a educação para a sexualidade promove hábitos saudáveis nas crianças, tende a atrasar os primeiros contactos sexuais e a fazer com que estes decorram em maior segurança e também contribui para a diminuição da gravidez precoce.
A exposição a um episódio de abuso ou de violência sexual é automaticamente geradora de trauma, mesmo que esse episódio não tenha sido experienciado como traumático no momento em que ocorreu?
A violência sexual é uma experiência potencialmente traumática. Não podemos garantir a 100% que todos os episódios de violência sexual são traumáticos, mas o que a literatura indica e o que vemos no dia-a-dia é que a maior parte das pessoas que passou por uma experiência traumática tende a desenvolver stress pós-traumático. Portanto, mesmo que a vítima não tenha noção de que passou por uma experiência traumática, o trauma foi registado pelo corpo e acaba por somatizar e por ter consequências. É comum as vítimas dizerem que têm dificuldades em confiar nos outros, que não fazem amizades com facilidade, que não se entregam facilmente, que estão em constante estado de alerta, e muitas vezes apresentam isso como parte integrante da sua personalidade, apercebendo-se só mais tarde que isso é uma consequência do trauma por que passaram.
Muitos pais, até pelas jornadas laborais a que estão sujeitos, têm de deixar os seus filhos numa miríade de instituições. Que cuidados devem ter para garantir que os locais onde as crianças desenvolvem as suas actividades extracurriculares são seguros?
Eu costumo aconselhar os pais a exigirem desde logo o registo criminal de todos os profissionais dessas entidades ou organismos. E, depois, a questionarem a direcção desses espaços sobre os protocolos de actuação ou de prevenção da violência sexual contra crianças: o que é que eles fazem em caso de abuso sexual, como procedem à denúncia, como é que garantem a segurança das crianças? Quando os pais vão inscrever uma criança na natação, perguntam sobre horários, preço, o material que é preciso comprar, e o que lhes peço é para acrescentarem mais perguntas; que tentem saber, por exemplo, se há momentos em que o adulto fica a sós com a criança e quando; se há mais do que um adulto na sala quando as crianças têm de mudar de roupa. Não falar sobre abuso sexual de crianças é o maior favor que podemos fazer aos abusadores. Um abusador que esteja numa instituição destas, que seja, por exemplo, um professor de natação, sabendo que naquele espaço ninguém manifesta preocupações com isso, sente segurança para continuar a abusar. Se começa a haver conversas, se os pais exigem o registo criminal e forçam a entidade a tomar medidas no sentido da prevenção, então o abusador vai começar a sentir uma maior pressão e que perdeu a segurança e o espaço para abusar de crianças.
A Igreja não pode pedir às vítimas que dêem o seu testemunho e depois, por outro lado, desvalorizar esse testemunho e essa partilha
Este trazer para cima da mesa da questão dos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja tem feito aumentar os pedidos de ajuda na associação que lidera?
Não necessariamente. O que acontece é que todas estas notícias sobre a Igreja geram algum ruído que pode potenciar e intensificar o desconforto e a dor das vítimas, nomeadamente a ansiedade e o sentimento de injustiça e de solidão. Estas mensagens que vemos como a do bispo do Porto, D. Manuel Linda, e de outros representantes da Igreja, são mensagens que não são de todo sólidas no sentido de garantir o apoio às vítimas. A mensagem que a Igreja está a passar é ambígua e essa ambiguidade é potencialmente prejudicial para as vítimas.
E pode dissuadir a denúncia das situações?
Sim, porque a Igreja não pode pedir às vítimas que dêem o seu testemunho e depois, por outro lado, desvalorizar esse testemunho e essa partilha.
Entre as pessoas que ao longo destes anos têm chegado à Quebrar o Silêncio têm aparecido vítimas de abusos sexuais cometidos no seio da Igreja?
Sim, temos diferentes casos que ocorreram em contexto eclesial, na catequese, no seminário ou nos escuteiros.
E como fazem o encaminhamento dessas situações? Incentivam a denúncia junto das autoridades?
Temos de perceber desde logo se o crime já prescreveu ou não, porque, se for esse o caso, não há nada que se possa fazer em termos de denúncia. A vítima pode ir à Polícia Judiciária dar o nome do abusador, e ver se houve algum processo-crime ou algum caso arquivado, mas, se considerarmos que as vítimas demoram cerca de 20 a 30 anos a procurar apoio para os crimes de que foram vítimas na infância, percebemos que, na maior parte das vezes, quando isto acontece, então o crime já prescreveu, o que impossibilita essa denúncia.
Por que é que tende a haver um intervalo tão longo entre a ocorrência do crime e a sua denúncia?
Há várias questões que podem contribuir para o longo silêncio da vítima. Esta pode não compreender que foi vítima de violência sexual quando era criança, pode não saber expressar o que aconteceu; depois, à medida que vai crescendo, os sentimentos de vergonha e de culpa também contribuem para o silêncio. A vítima também pode estar ainda refém da manipulação ou das ameaças ou da chantagem que o abusador faz. Além disso, estamos perante experiências traumáticas em que cada vítima precisa do seu tempo para tomar consciência daquilo que aconteceu, partilhar a história e procurar apoio.
E encontram diferenças entre os abusos no seio da família e os ocorridos dentro da Igreja?
Claro que o facto de serem o pai ou a mãe os abusadores poderá intensificar algumas das questões no trauma. Mas isso pode acontecer também com um padre. Depende da relação que as vítimas tenham com o abusador. Não há uma fórmula matemática que nos diga que no contexto da Igreja é mais traumático que nos restantes.
Não tenhamos dúvidas, os abusadores sexuais só param quando o Estado os pára. Ou são parados pela Justiça ou continuam a abusar de crianças, porque (...) lhes é natural
A lei portuguesa estabelece os 14 anos como a idade a partir da qual as crianças ou jovens têm capacidade para dar consentimento sexual, embora haja restrições até aos 16 se a outra pessoa for maior. Sentem necessidade de alguma mudança no enquadramento legal deste crime?
A grande mudança nos abusos sexuais seria o alargamento da prescrição dos crimes. Quando o crime ocorre na menoridade, a vítima tem cinco anos após completar os 18 anos de idade para apresentar queixa, o que significa que qualquer vítima em criança tem até aos 23 anos para denunciar o abusador. Ora, se sabemos que as vítimas só partilham 20 ou 30 anos depois, torna-se evidente que este prazo de cinco anos após a maioridade não é suficiente. É fundamental que uma criança que tenha sido vitimada durante a sua infância tenha oportunidade de denunciar o crime quando chegar o tempo certo, quando tiver coragem e força para partilhar a sua história. Por outro lado, quando a violência sexual, como uma violação, ocorre na maioridade, o prazo de prescrição é de seis meses, quando sabemos que algumas pessoas demoram anos a conseguir falar do que lhes aconteceu. Por isso, o alargamento dos prazos de prescrição seria a mudança mais importante porque, deste modo, a maior parte dos casos não são denunciáveis.
E pode acontecer que, tendo este crime prescrito, o abusador continue a fazer novas vítimas.
Não tenhamos dúvidas, os abusadores sexuais só param quando o Estado os pára. Ou são parados pela Justiça ou continuam a abusar de crianças, porque podem, porque não há suspeitas sobre si e porque ninguém os vê como elementos perigosos. Portanto, ou o Estado os pára ou eles continuam a abusar de crianças, porque lhes é natural.
A discussão instalada sobre os abusos sexuais de menores na Igreja terá efeitos na forma como a sociedade encara este crime?
Sinceramente, não antevejo grandes mudanças, no sentido que isto não acontece só na Igreja, da mesma forma que não aconteceu só na Casa Pia. Enquanto sociedade, temos de compreender que estes casos não são exclusivos da Igreja ou de nenhuma outra instituição. Enquanto não dermos esse salto, vamos continuar a andar caso a caso, instituição a instituição, e não creio que possa haver grandes mudanças.
Não necessariamente. O que acontece é que todas estas notícias sobre a Igreja geram algum ruído que pode potenciar e intensificar o desconforto e a dor das vítimas, nomeadamente a ansiedade e o sentimento de injustiça e de solidão. Estas mensagens que vemos como a do bispo do Porto, D. Manuel Linda, e de outros representantes da Igreja, são mensagens que não são de todo sólidas no sentido de garantir o apoio às vítimas. A mensagem que a Igreja está a passar é ambígua e essa ambiguidade é potencialmente prejudicial para as vítimas.
E pode dissuadir a denúncia das situações?
Sim, porque a Igreja não pode pedir às vítimas que dêem o seu testemunho e depois, por outro lado, desvalorizar esse testemunho e essa partilha.
Entre as pessoas que ao longo destes anos têm chegado à Quebrar o Silêncio têm aparecido vítimas de abusos sexuais cometidos no seio da Igreja?
Sim, temos diferentes casos que ocorreram em contexto eclesial, na catequese, no seminário ou nos escuteiros.
E como fazem o encaminhamento dessas situações? Incentivam a denúncia junto das autoridades?
Temos de perceber desde logo se o crime já prescreveu ou não, porque, se for esse o caso, não há nada que se possa fazer em termos de denúncia. A vítima pode ir à Polícia Judiciária dar o nome do abusador, e ver se houve algum processo-crime ou algum caso arquivado, mas, se considerarmos que as vítimas demoram cerca de 20 a 30 anos a procurar apoio para os crimes de que foram vítimas na infância, percebemos que, na maior parte das vezes, quando isto acontece, então o crime já prescreveu, o que impossibilita essa denúncia.
Por que é que tende a haver um intervalo tão longo entre a ocorrência do crime e a sua denúncia?
Há várias questões que podem contribuir para o longo silêncio da vítima. Esta pode não compreender que foi vítima de violência sexual quando era criança, pode não saber expressar o que aconteceu; depois, à medida que vai crescendo, os sentimentos de vergonha e de culpa também contribuem para o silêncio. A vítima também pode estar ainda refém da manipulação ou das ameaças ou da chantagem que o abusador faz. Além disso, estamos perante experiências traumáticas em que cada vítima precisa do seu tempo para tomar consciência daquilo que aconteceu, partilhar a história e procurar apoio.
E encontram diferenças entre os abusos no seio da família e os ocorridos dentro da Igreja?
Claro que o facto de serem o pai ou a mãe os abusadores poderá intensificar algumas das questões no trauma. Mas isso pode acontecer também com um padre. Depende da relação que as vítimas tenham com o abusador. Não há uma fórmula matemática que nos diga que no contexto da Igreja é mais traumático que nos restantes.
Não tenhamos dúvidas, os abusadores sexuais só param quando o Estado os pára. Ou são parados pela Justiça ou continuam a abusar de crianças, porque (...) lhes é natural
A lei portuguesa estabelece os 14 anos como a idade a partir da qual as crianças ou jovens têm capacidade para dar consentimento sexual, embora haja restrições até aos 16 se a outra pessoa for maior. Sentem necessidade de alguma mudança no enquadramento legal deste crime?
A grande mudança nos abusos sexuais seria o alargamento da prescrição dos crimes. Quando o crime ocorre na menoridade, a vítima tem cinco anos após completar os 18 anos de idade para apresentar queixa, o que significa que qualquer vítima em criança tem até aos 23 anos para denunciar o abusador. Ora, se sabemos que as vítimas só partilham 20 ou 30 anos depois, torna-se evidente que este prazo de cinco anos após a maioridade não é suficiente. É fundamental que uma criança que tenha sido vitimada durante a sua infância tenha oportunidade de denunciar o crime quando chegar o tempo certo, quando tiver coragem e força para partilhar a sua história. Por outro lado, quando a violência sexual, como uma violação, ocorre na maioridade, o prazo de prescrição é de seis meses, quando sabemos que algumas pessoas demoram anos a conseguir falar do que lhes aconteceu. Por isso, o alargamento dos prazos de prescrição seria a mudança mais importante porque, deste modo, a maior parte dos casos não são denunciáveis.
E pode acontecer que, tendo este crime prescrito, o abusador continue a fazer novas vítimas.
Não tenhamos dúvidas, os abusadores sexuais só param quando o Estado os pára. Ou são parados pela Justiça ou continuam a abusar de crianças, porque podem, porque não há suspeitas sobre si e porque ninguém os vê como elementos perigosos. Portanto, ou o Estado os pára ou eles continuam a abusar de crianças, porque lhes é natural.
A discussão instalada sobre os abusos sexuais de menores na Igreja terá efeitos na forma como a sociedade encara este crime?
Sinceramente, não antevejo grandes mudanças, no sentido que isto não acontece só na Igreja, da mesma forma que não aconteceu só na Casa Pia. Enquanto sociedade, temos de compreender que estes casos não são exclusivos da Igreja ou de nenhuma outra instituição. Enquanto não dermos esse salto, vamos continuar a andar caso a caso, instituição a instituição, e não creio que possa haver grandes mudanças.
17.5.22
Amnistia Internacional na Ucrânia recolhe indícios de violência sexual sobre crianças
in RTP
Oksana Polalchuk confirma que as autoridades ucranianas já abriram investigação a mais de dez mil casos de alegados crimes de guerra.
Sobre os crimes de violência sexual, a diretora executiva da Amnistia Internacional na Ucrânia afirma à jornalista Ana Jordão que o que se sabe até agora é muito doloroso.
Oksana Polalchuk confirma que as autoridades ucranianas já abriram investigação a mais de dez mil casos de alegados crimes de guerra.
Sobre os crimes de violência sexual, a diretora executiva da Amnistia Internacional na Ucrânia afirma à jornalista Ana Jordão que o que se sabe até agora é muito doloroso.
18.11.21
Associação lança inquérito sobre violência através de imagens
Sofia Cristino, in JN
A Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (REDE) disponibilizou esta quarta-feira um inquérito online para obter dados sobre violência sexual baseada em imagens, o primeiro deste género dirigido apenas a mulheres entre os 18 e os 25 anos. A ideia é sensibilizar a comunidade e decisores políticos para esta forma de violência ainda "não reconhecida" como tal.
A REDE disponibilizou um inquérito online dirigido a todas as mulheres entre os 18 e os 25 anos com o objetivo de mapear as suas experiências e perceções sobre a violência sexual baseada em imagens. Entre estas formas de violência incluem-se a captação não consentida de fotografias ou vídeos na rua, em contextos íntimos ou de índole sexual, entre outras.
"Mulheres que estavam a tomar banho ou a ter relações sexuais e estavam a ser filmadas com câmara oculta, ou que foram vítimas de ameaça de partilha dessas imagens, por exemplo. Não é preciso concretizar nenhuma forma de divulgação para que a pessoa seja profundamente violentada, basta saber que existem vídeos que a qualquer momento podem ser partilhados", exemplifica Maria João Faustino, gestora do projeto Faz Delete: diagnosticar, sensibilizar e prevenir a violência sexual com base em imagens contra jovens mulheres.
O questionário, o primeiro deste género sobre mulheres nesta faixa etária em Portugal, estará disponível online até ao final de dezembro e os resultados deverão ser conhecidos em março do próximo ano. É apenas uma parte do estudo "Faz Delete: Experiências e perceções de jovens mulheres sobre a violência sexual baseada em imagens", que se insere num projeto financiado pelo Programa Cidadãos Ativos, um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Bissaya Barreto. Haverá ainda entrevistas, presenciais ou online, para analisar com mais profundidade estas experiências e os seus impactos.
Após a recolha e tratamento de dados a ideia é sensibilizar a comunidade, "fazendo campanhas dirigidas a jovens" e "entregar a decisores políticos um documento com recomendações para agirem sobre este problema, com o intuito de alterações legislativas".
Em Portugal, os dados sobre a violência sexual baseada em imagens, assim como o esforço preventivo e os mecanismos de intervenção, são ainda incipientes, lê-se no resumo do projeto. O tema tem ganho maior espaço na agenda pública nos últimos anos. Este ano, por exemplo, foi levada uma petição à Assembleia da República para tornar a partilha não consentida de imagens íntimas crime público. Um dos principais objetivos deste estudo é "conseguir reunir mais dados para dar mais visibilidade a esta questão".
"Pretendemos reconhecer o problema. O reconhecimento político, social e jurídico legal que damos a este tipo de violência, que nem reconhecemos como violência muitas vezes, está mesmo no início. Ainda é tratado nos media de uma forma que secundariza o problema, como pornografia de vingança, e trata-se de uma forma de violência. Há todo um caminho para fazer em termos de investigação e agenda política", alerta Maria João Faustino.
O projeto tem ainda a parceria da Associação de Mulheres Contra a Violência e da Associação Mulheres sem Fronteiras. A associação REDE, criada em 2000, uma das 29 associações que integra a Plataforma Portuguesa dos Direitos das Mulheres (PPDM), é uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo a promoção da igualdade de género na juventude.
A Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (REDE) disponibilizou esta quarta-feira um inquérito online para obter dados sobre violência sexual baseada em imagens, o primeiro deste género dirigido apenas a mulheres entre os 18 e os 25 anos. A ideia é sensibilizar a comunidade e decisores políticos para esta forma de violência ainda "não reconhecida" como tal.
A REDE disponibilizou um inquérito online dirigido a todas as mulheres entre os 18 e os 25 anos com o objetivo de mapear as suas experiências e perceções sobre a violência sexual baseada em imagens. Entre estas formas de violência incluem-se a captação não consentida de fotografias ou vídeos na rua, em contextos íntimos ou de índole sexual, entre outras.
"Mulheres que estavam a tomar banho ou a ter relações sexuais e estavam a ser filmadas com câmara oculta, ou que foram vítimas de ameaça de partilha dessas imagens, por exemplo. Não é preciso concretizar nenhuma forma de divulgação para que a pessoa seja profundamente violentada, basta saber que existem vídeos que a qualquer momento podem ser partilhados", exemplifica Maria João Faustino, gestora do projeto Faz Delete: diagnosticar, sensibilizar e prevenir a violência sexual com base em imagens contra jovens mulheres.
O questionário, o primeiro deste género sobre mulheres nesta faixa etária em Portugal, estará disponível online até ao final de dezembro e os resultados deverão ser conhecidos em março do próximo ano. É apenas uma parte do estudo "Faz Delete: Experiências e perceções de jovens mulheres sobre a violência sexual baseada em imagens", que se insere num projeto financiado pelo Programa Cidadãos Ativos, um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Bissaya Barreto. Haverá ainda entrevistas, presenciais ou online, para analisar com mais profundidade estas experiências e os seus impactos.
Após a recolha e tratamento de dados a ideia é sensibilizar a comunidade, "fazendo campanhas dirigidas a jovens" e "entregar a decisores políticos um documento com recomendações para agirem sobre este problema, com o intuito de alterações legislativas".
Em Portugal, os dados sobre a violência sexual baseada em imagens, assim como o esforço preventivo e os mecanismos de intervenção, são ainda incipientes, lê-se no resumo do projeto. O tema tem ganho maior espaço na agenda pública nos últimos anos. Este ano, por exemplo, foi levada uma petição à Assembleia da República para tornar a partilha não consentida de imagens íntimas crime público. Um dos principais objetivos deste estudo é "conseguir reunir mais dados para dar mais visibilidade a esta questão".
"Pretendemos reconhecer o problema. O reconhecimento político, social e jurídico legal que damos a este tipo de violência, que nem reconhecemos como violência muitas vezes, está mesmo no início. Ainda é tratado nos media de uma forma que secundariza o problema, como pornografia de vingança, e trata-se de uma forma de violência. Há todo um caminho para fazer em termos de investigação e agenda política", alerta Maria João Faustino.
O projeto tem ainda a parceria da Associação de Mulheres Contra a Violência e da Associação Mulheres sem Fronteiras. A associação REDE, criada em 2000, uma das 29 associações que integra a Plataforma Portuguesa dos Direitos das Mulheres (PPDM), é uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo a promoção da igualdade de género na juventude.
14.5.20
Portugal é o país da UE em que menos pessoas LGBTI dizem sofrer agressão física ou sexual
Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia lança maior estudo de sempre sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Nalguns países, a percepção de que a situação melhorou desde 2012 e noutros piorou.
Cada vez mais pessoas lésbicas, gays, bissexuais, “trans” e intersexo (LGBTI) se assumem como são, mas a discriminação perdura e o medo comanda a vida de muitos. No mapa da União Europeia (UE), Portugal sobressai como espaço de tolerância. É o país com menos ataques motivados pela orientação sexual ou identidade de género, revela a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA, na sigla inglesa), num estudo divulgado.
Mais populares
Nunca houve um estudo tão amplo sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Envolveu 140 mil pessoas da UE, do Reino Unido (que ainda não tinha saído), da Sérvia e da Macedónia do Norte (que desejam entrar) – 4294 das quais de Portugal.
Atendendo ao todo, até parece que se respira mais igualdade do que em 2012, ano do inquérito anterior – 40% das pessoas estão convencidas de que há hoje mais tolerância e menos preconceito. Olhando para cada Estado-membro, percebe-se que a realidade é muito diversa. Nalguns países, a noção de que a situação melhorou ultrapassa os 70% (Irlanda, Malta, Finlândia); noutros é o oposto: por exemplo, na Polónia, são 68% os inquiridos que dizem que a situação piorou.
“Apesar dos importantes passos que têm sido dados em direcção à igualdade, as pessoas LGBTI+ ainda reportam elevados níveis de discriminação”, enfatiza a comissária para a Igualdade, Helena Dalli, numa nota enviada pela FRA. “Mais preocupante: recentemente testemunhamos dentro da UE incidentes anti-LGBTI, como ataques a marchas do orgulho, declarações de ‘zona livre de ideologia LGBTI’, multas por anúncios LGBTI-friendly. Todas as pessoas dentro da União Europeia devem sentir-se seguras e livres para serem elas próprias. ”
Jovens LGBT+ e a pandemia de covid-19: quando a casa não é um porto de abrigo
Em Portugal, 68% dos inquiridos acreditam que o preconceito e a intolerância diminuíram nos últimos cinco anos. Apesar dessa sensação, mais de metade (57%) confessam que ainda evitam sempre ou quase sempre andar de mãos dadas nas ruas de Portugal (a média na UE é 61%). E um quarto revela que evita sempre ou quase sempre determinados locais por medo de agressão (a média a UE é 33%).
“Muitas vezes, senti-me desconfortável ao andar pela rua de mãos dadas”, explicou uma bissexual portuguesa, de 21 anos. “Ouvia comentários de estranhos que passavam. Muitas vezes, senti-me insegura e intimidada na rua por estar com alguém do mesmo sexo e agi como se fosse heterossexual para evitar conflitos.”
A violência persiste, embora a níveis inferiores aos da média: 30% afirmaram que tinham sido vítimas de assédio no ano anterior (38% na UE); 5% que tinham sofrido algum ataque físico ou sexual nos cinco anos precedentes em razão da orientação sexual ou da identidade de género (11% na UE) - uma em cada cinco pessoas “trans" reportou ter passado por isso, muita acima dos outros grupos LGBTI. Foi na Polónia e na Roménia que mais pessoas disseram ter sofrido agressão física (15%). Logo a seguir, a Bélgica e a França (14%).
Sofreram ataque físico e / ou sexual por ser LGBTI, nos cinco anos anteriores à pesquisa (%)
Polónia 15
Roménia 15
Bélgica 14
França 14
Croácia 13
Dinamarca 13
Letónia 13
Bulgária 13
Lituânia 12
Hungria 11
Reino Unido 11
Países Baixos 11
Áustria 11
Estónia 11
Irlanda 11
Suécia 10
Luxemburgo 10
Eslováquia 10
Grécia 9
Finlândia 9
Chipre 9
Dinamarca 8
Espanha 8
República Checa 8
Itália 8
Malta 6
Portugal 5
Fonte: ‘A long way to go for LGBTI equality’
Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia
As denúncias de violência e discriminação mantêm-se muito abaixo, o que remete para as tão faladas cifras negras: 14% já foram à polícia em Portugal para denunciar ataques físicos ou sexuais (14% na UE) e 8% já denunciaram as suas experiências de discriminação a um órgão da igualdade ou a outra organização (11% ).
Embora mais seguro, Portugal (36%) fica abaixo da média quando o que está em causa é ser sempre ou quase sempre abertamente LGBTI (a média da UE é 47%). Os olhares de lado, indiciadores de homofobia ou transfobia, podem notar-se em qualquer lugar. Um quarto das pessoas inquiridas sentira discriminação no trabalho no ano anterior (média da UE é 21%). E 40% num café, num restaurante, numa loja ou num hospital (42% na UE).
Será que já se vê o B de LGBT?
As novas gerações dão sinais de maior abertura. Entre os jovens (18-24), há hoje menos pessoas (41%) a esconder ser LGBT no meio escolar/universitário do que em 2012 (47%). E os adolescentes (15-17) já estão a sair do armário: 28% confessam esconder a sua condição (30% na UE); 60% sentem que na escola há quem proteja os seus direitos (48% na UE) e 65% que os colegas ou professores os apoiam (60% na UE). Quase metade (43%) afiança que a sua educação escolar abordou as questões LGBTI de forma positiva ou equilibrada (33% na UE).
“Muitas pessoas LGBTI continuam a viver nas sombras, com medo de serem ridicularizadas, discriminadas ou mesmo atacadas”, comenta o director da FRA, Michael O'Flaherty, na nota à imprensa. “As suas dificuldades profissionais e de saúde podem piorar devido à covid-19. Os fazedores de políticas devem tomar nota disto e fazer mais para promover o pleno respeito pelos direitos das pessoas LGBTI”, remata.
Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia lança maior estudo de sempre sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Nalguns países, a percepção de que a situação melhorou desde 2012 e noutros piorou.
Cada vez mais pessoas lésbicas, gays, bissexuais, “trans” e intersexo (LGBTI) se assumem como são, mas a discriminação perdura e o medo comanda a vida de muitos. No mapa da União Europeia (UE), Portugal sobressai como espaço de tolerância. É o país com menos ataques motivados pela orientação sexual ou identidade de género, revela a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA, na sigla inglesa), num estudo divulgado.
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Nunca houve um estudo tão amplo sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Envolveu 140 mil pessoas da UE, do Reino Unido (que ainda não tinha saído), da Sérvia e da Macedónia do Norte (que desejam entrar) – 4294 das quais de Portugal.
Atendendo ao todo, até parece que se respira mais igualdade do que em 2012, ano do inquérito anterior – 40% das pessoas estão convencidas de que há hoje mais tolerância e menos preconceito. Olhando para cada Estado-membro, percebe-se que a realidade é muito diversa. Nalguns países, a noção de que a situação melhorou ultrapassa os 70% (Irlanda, Malta, Finlândia); noutros é o oposto: por exemplo, na Polónia, são 68% os inquiridos que dizem que a situação piorou.
“Apesar dos importantes passos que têm sido dados em direcção à igualdade, as pessoas LGBTI+ ainda reportam elevados níveis de discriminação”, enfatiza a comissária para a Igualdade, Helena Dalli, numa nota enviada pela FRA. “Mais preocupante: recentemente testemunhamos dentro da UE incidentes anti-LGBTI, como ataques a marchas do orgulho, declarações de ‘zona livre de ideologia LGBTI’, multas por anúncios LGBTI-friendly. Todas as pessoas dentro da União Europeia devem sentir-se seguras e livres para serem elas próprias. ”
Jovens LGBT+ e a pandemia de covid-19: quando a casa não é um porto de abrigo
Em Portugal, 68% dos inquiridos acreditam que o preconceito e a intolerância diminuíram nos últimos cinco anos. Apesar dessa sensação, mais de metade (57%) confessam que ainda evitam sempre ou quase sempre andar de mãos dadas nas ruas de Portugal (a média na UE é 61%). E um quarto revela que evita sempre ou quase sempre determinados locais por medo de agressão (a média a UE é 33%).
“Muitas vezes, senti-me desconfortável ao andar pela rua de mãos dadas”, explicou uma bissexual portuguesa, de 21 anos. “Ouvia comentários de estranhos que passavam. Muitas vezes, senti-me insegura e intimidada na rua por estar com alguém do mesmo sexo e agi como se fosse heterossexual para evitar conflitos.”
A violência persiste, embora a níveis inferiores aos da média: 30% afirmaram que tinham sido vítimas de assédio no ano anterior (38% na UE); 5% que tinham sofrido algum ataque físico ou sexual nos cinco anos precedentes em razão da orientação sexual ou da identidade de género (11% na UE) - uma em cada cinco pessoas “trans" reportou ter passado por isso, muita acima dos outros grupos LGBTI. Foi na Polónia e na Roménia que mais pessoas disseram ter sofrido agressão física (15%). Logo a seguir, a Bélgica e a França (14%).
Sofreram ataque físico e / ou sexual por ser LGBTI, nos cinco anos anteriores à pesquisa (%)
Polónia 15
Roménia 15
Bélgica 14
França 14
Croácia 13
Dinamarca 13
Letónia 13
Bulgária 13
Lituânia 12
Hungria 11
Reino Unido 11
Países Baixos 11
Áustria 11
Estónia 11
Irlanda 11
Suécia 10
Luxemburgo 10
Eslováquia 10
Grécia 9
Finlândia 9
Chipre 9
Dinamarca 8
Espanha 8
República Checa 8
Itália 8
Malta 6
Portugal 5
Fonte: ‘A long way to go for LGBTI equality’
Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia
As denúncias de violência e discriminação mantêm-se muito abaixo, o que remete para as tão faladas cifras negras: 14% já foram à polícia em Portugal para denunciar ataques físicos ou sexuais (14% na UE) e 8% já denunciaram as suas experiências de discriminação a um órgão da igualdade ou a outra organização (11% ).
Embora mais seguro, Portugal (36%) fica abaixo da média quando o que está em causa é ser sempre ou quase sempre abertamente LGBTI (a média da UE é 47%). Os olhares de lado, indiciadores de homofobia ou transfobia, podem notar-se em qualquer lugar. Um quarto das pessoas inquiridas sentira discriminação no trabalho no ano anterior (média da UE é 21%). E 40% num café, num restaurante, numa loja ou num hospital (42% na UE).
Será que já se vê o B de LGBT?
As novas gerações dão sinais de maior abertura. Entre os jovens (18-24), há hoje menos pessoas (41%) a esconder ser LGBT no meio escolar/universitário do que em 2012 (47%). E os adolescentes (15-17) já estão a sair do armário: 28% confessam esconder a sua condição (30% na UE); 60% sentem que na escola há quem proteja os seus direitos (48% na UE) e 65% que os colegas ou professores os apoiam (60% na UE). Quase metade (43%) afiança que a sua educação escolar abordou as questões LGBTI de forma positiva ou equilibrada (33% na UE).
“Muitas pessoas LGBTI continuam a viver nas sombras, com medo de serem ridicularizadas, discriminadas ou mesmo atacadas”, comenta o director da FRA, Michael O'Flaherty, na nota à imprensa. “As suas dificuldades profissionais e de saúde podem piorar devido à covid-19. Os fazedores de políticas devem tomar nota disto e fazer mais para promover o pleno respeito pelos direitos das pessoas LGBTI”, remata.
14.11.18
Cerca de 140 grávidas da região centro queixaram-se de terem sido forçadas pelos companheiros a manter sexo
in o Observador
Um inquérito da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra a mil grávidas revela que 14% foram forçadas pelos companheiros a manterem práticas sexuais. E 40% foram alvo de violência psicológica.
Um estudo sobre a violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez concluiu que mais de 40% das mulheres na região Centro de Portugal são vítimas de agressão psicológica no período da gestação.
Envolvendo mais de mil mulheres, a pesquisa, desenvolvida por Rosa Maria dos Santos Moreira, investigadora na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), revela também que 14% das grávidas são forçadas pelos companheiros a manterem práticas sexuais.
De acordo com uma nota da ESEnfC enviada à agência Lusa, os dados da pesquisa agora divulgados foram “recolhidos entre 2012 e 2013, por meio de questionário respondido por 1.219 puérperas (após o parto)”, no âmbito do doutoramento de Rosa Moreira, intitulado ‘Violência por parceiro íntimo na gravidez e consequências perinatais (período compreendido entre a 28ª semana de gestação e o 7º dia de vida do recém-nascido)’.
Por ordem decrescente de prevalência, a agressão psicológica foi a mais assinalada pelas inquiridas (41,6%), seguida da coerção sexual (13,7%) e do abuso físico sem e com sequelas (8,4% e 2,5%, respetivamente).
Quanto à repetição das formas de violência pelo parceiro íntimo, “os atos de coerção sexual foram os mais frequentes (9,16%)”, revela ainda o estudo, que foi desenvolvido com “o contributo voluntário de puérperas internadas em hospitais de apoio perinatal e apoio perinatal diferenciado”, em Coimbra, Aveiro, Covilhã, Castelo Branco, Guarda e Leiria.
“Tem sido difícil provar a associação direta da violência pelo parceiro íntimo com os maus desfechos perinatais”, mas, salienta a investigadora, citada pela ESEnfC, algumas investigações destacam, “a este nível e como principais problemas durante a gravidez, a hemorragia genital, a rotura prematura de membranas, a diminuição dos movimentos fetais” e, ainda, hipertensão arterial, diabetes gestacional, anemia e descolamento prematuro da placenta, entre outros.
Trabalhos recentes “continuam a mostrar evidência de resultados adversos, como baixo peso ao nascer, recém-nascido pequeno para a idade gestacional, parto e nascimento prematuros e incidência de morte fetal, perinatal e neonatal (relativo às primeiras quatro semanas após o nascimento de um bebé)”, acrescenta a docente da ESEnfC e especialista em saúde materna e obstétrica.
“A maioria das mulheres que participou neste estudo” frequentou consultas pré-natais, “sendo que nos casos de agressão psicológica houve mais idas a estas consultas do que nas situações em que foram reportadas outras formas de violência”, destaca Rosa Moreira.
Registou-se, por outro lado, “maior probabilidade de ocorrência de agressão psicológica quando o início das consultas foi tardio, após o segundo mês de gestação, e maior probabilidade de abuso físico com e sem sequelas quando o início das consultas ocorreu antes do segundo mês de gestação”.
Rosa Moreira salienta igualmente, entre outros aspetos, a “associação entre a violência pelo parceiro íntimo e alguns comportamentos de risco comprometedores da saúde materna e fetal, como o hábito de fumar e o consumo de álcool durante a gravidez”.
Neste parâmetro, verificou-se “uma prevalência maior de comportamentos de violência pelo parceiro íntimo entre as mulheres que assumiram hábitos tabágicos e consumiram bebidas alcoólicas durante a gravidez, comparativamente com as que não tiveram esses hábitos de consumo, em todas as dimensões estudadas”.
Mas os estudos desenvolvidos em Portugal sobre este tema “ainda são insuficientes para que se compreenda a dimensão do problema”, sublinha Rosa Moreira, considerando que “o atraso na sistematização de recolha de dados tem condicionado o acesso a indicadores específicos relativos à violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez e seus fatores associados”.
Um inquérito da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra a mil grávidas revela que 14% foram forçadas pelos companheiros a manterem práticas sexuais. E 40% foram alvo de violência psicológica.
Um estudo sobre a violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez concluiu que mais de 40% das mulheres na região Centro de Portugal são vítimas de agressão psicológica no período da gestação.
Envolvendo mais de mil mulheres, a pesquisa, desenvolvida por Rosa Maria dos Santos Moreira, investigadora na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), revela também que 14% das grávidas são forçadas pelos companheiros a manterem práticas sexuais.
De acordo com uma nota da ESEnfC enviada à agência Lusa, os dados da pesquisa agora divulgados foram “recolhidos entre 2012 e 2013, por meio de questionário respondido por 1.219 puérperas (após o parto)”, no âmbito do doutoramento de Rosa Moreira, intitulado ‘Violência por parceiro íntimo na gravidez e consequências perinatais (período compreendido entre a 28ª semana de gestação e o 7º dia de vida do recém-nascido)’.
Por ordem decrescente de prevalência, a agressão psicológica foi a mais assinalada pelas inquiridas (41,6%), seguida da coerção sexual (13,7%) e do abuso físico sem e com sequelas (8,4% e 2,5%, respetivamente).
Quanto à repetição das formas de violência pelo parceiro íntimo, “os atos de coerção sexual foram os mais frequentes (9,16%)”, revela ainda o estudo, que foi desenvolvido com “o contributo voluntário de puérperas internadas em hospitais de apoio perinatal e apoio perinatal diferenciado”, em Coimbra, Aveiro, Covilhã, Castelo Branco, Guarda e Leiria.
“Tem sido difícil provar a associação direta da violência pelo parceiro íntimo com os maus desfechos perinatais”, mas, salienta a investigadora, citada pela ESEnfC, algumas investigações destacam, “a este nível e como principais problemas durante a gravidez, a hemorragia genital, a rotura prematura de membranas, a diminuição dos movimentos fetais” e, ainda, hipertensão arterial, diabetes gestacional, anemia e descolamento prematuro da placenta, entre outros.
Trabalhos recentes “continuam a mostrar evidência de resultados adversos, como baixo peso ao nascer, recém-nascido pequeno para a idade gestacional, parto e nascimento prematuros e incidência de morte fetal, perinatal e neonatal (relativo às primeiras quatro semanas após o nascimento de um bebé)”, acrescenta a docente da ESEnfC e especialista em saúde materna e obstétrica.
“A maioria das mulheres que participou neste estudo” frequentou consultas pré-natais, “sendo que nos casos de agressão psicológica houve mais idas a estas consultas do que nas situações em que foram reportadas outras formas de violência”, destaca Rosa Moreira.
Registou-se, por outro lado, “maior probabilidade de ocorrência de agressão psicológica quando o início das consultas foi tardio, após o segundo mês de gestação, e maior probabilidade de abuso físico com e sem sequelas quando o início das consultas ocorreu antes do segundo mês de gestação”.
Rosa Moreira salienta igualmente, entre outros aspetos, a “associação entre a violência pelo parceiro íntimo e alguns comportamentos de risco comprometedores da saúde materna e fetal, como o hábito de fumar e o consumo de álcool durante a gravidez”.
Neste parâmetro, verificou-se “uma prevalência maior de comportamentos de violência pelo parceiro íntimo entre as mulheres que assumiram hábitos tabágicos e consumiram bebidas alcoólicas durante a gravidez, comparativamente com as que não tiveram esses hábitos de consumo, em todas as dimensões estudadas”.
Mas os estudos desenvolvidos em Portugal sobre este tema “ainda são insuficientes para que se compreenda a dimensão do problema”, sublinha Rosa Moreira, considerando que “o atraso na sistematização de recolha de dados tem condicionado o acesso a indicadores específicos relativos à violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez e seus fatores associados”.
13.11.18
60% dos violadores são íntimos das vítimas
in Expresso
Dormindo com o A na tem bem presente na memória o momento em que uma parte dela morreu. Era de noite e havia um cheiro intenso ao creme de cereja que estava a usar. Sabia que o namorado queria fazer sexo anal, mas não sabia que a ia obrigar.
Resistiu. Primeiro disse não. A seguir gritou que não. “E, depois, sem perceber como, não houve nada a fazer.” Foi como se o corpo cedesse sem querer. “Durante muito tempo não consegui passar na rua da casa dele”, conta três anos depois de ter sido violada pelo namorado.
A maioria das vítimas de violação em Portugal são pessoas como Ana.
Foram abusadas por alguém que lhes é próximo, em quem confiavam. No primeiro semestre deste ano, 59% das queixas apresentadas na PJ referem-se a violações cometidas em contextos de intimidade, seja por namorados, companheiros e maridos (16%), amigos (35%) ou familiares (8%). Estes dados vão no mesmo sentido do Relatório Anual de Segurança Interna do ano passado, que mostrava que 55% das vítimas de violação tinham uma relação com o agressor.
Em 2017, o número de violações aumentou 21,8% face ao ano anterior. E um estudo recente, do Instituto Universitário da Maia, revelou que os profissionais que lidam com vítimas de crimes estão menos preparados para os casos de violência sexual. Por isso, a Comissão para a Cidadania e Igualdade (CIG) prepara um plano de formação nesta área (ver entrevista).
Dentro da violência sexual é ainda difícil perceber que uma violação pode ocorrer num contexto de intimidade.
Ana teve dificuldade em assumir o que lhe tinha acontecido.
“Ele manipulava-me. Dizia que eu tinha um bloqueio. E que todas as mulheres com quem ele tinha estado gostavam.” O problema era Ana. E ela começou a sentir que se tornava dispensável por não querer. Principalmente por lhe dizer não, e logo a ele, “um homem mais velho, tão mais inteligente, tão mais experiente”. Visto de fora, era um namorado “invejável”.
“Eu devia ter estado mais alerta. Sabia, na teoria, o que era uma violação”. Ana voltou para casa, ele pediu-lhe desculpa, explicou-lhe que era normal que, a princípio, ela não quisesse. Disse-lhe quanto gostava dela.
E voltou a acontecer. Outra e outra vez. “Era quase como se eu não pudesse dizer que não.” Como se a palavra ficasse congelada dentro da boca. Até ao dia em que teve uma hemorragia e foi parar ao hospital com fissuras no ânus. Só depois disso apresentou queixa. “Tinha medo que ninguém acreditasse em mim. E como é que eu permiti que aquilo acontecesse?” A pergunta continua a assombrá-la.
Tal como lhe custa pronunciar a palavra violação. “Namorar ou ter qualquer tipo de relação conjugal com outra pessoa é algo que está posto de parte.” Ana deu uma volta à vida. Depois da hemorragia, procurou um psiquiatra que lhe dissesse as palavras óbvias: que tinha sido violada. Passo decisivo.
DE VÍTIMAS A SOBREVIVENTES O médico disse-lhe que não valia a pena apresentar queixa, porque ia ser a palavra de um contra o outro, mas Ana tinha um e-mail com um pedido de desculpas e uma confissão: “Sou um violador”. Com um diagnóstico e uma prova, foi em busca de ajuda mais profunda e chegou ao centro de apoio a vítimas de violência sexual da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), o primeiro do país.
Um projeto-piloto, em Lisboa, financiado pelo Governo, que tem sido a âncora de centenas de mulheres, a maioria (60%) violadas por companheiros ou ex-companheiros.
Aqui, as vítimas chamam-se sobreviventes. “Ser sobrevivente tem que ver com o processo de cura e recuperação.
As vítimas não têm de ser vítimas para sempre”, defende Margarida Medina Martins, fundadora da AMCV.
Ao centro chegam diferentes mulheres. Umas apenas querem ser ouvidas.
Outras estão dispostas a litigar. A maioria tem muitas perguntas.
“Cada pessoa passa por um processo único”, diz Alberta Burity da Silva, a responsável pelo projeto. No centro, as mulheres têm ajuda individual, que pode ser feita usando diferentes formas de expressão, como a arte; grupos de ajuda mútua; apoio jurídico e podem ir para uma casa-abrigo. “Deixamos que sejam as mulheres a falar. Há dias em que apenas as conseguimos informar, em que não é possível falar mais com elas, mas pode ser que se abram mais noutro dia”, continua Alberta Burity da Silva.
No Porto, desde maio que a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) tem a funcionar um centro semelhante. “É muito comum a violência e a coação sexual ocorrerem dentro das relações de intimidade”, afirma a coordenadora, Ilda Afonso. As sete mulheres que acompanha estão agora a contar as suas histórias.
“A violência sexual tem como objetivo controlar e humilhar a outra pessoa”, frisa Margarida Medina Martins.
Foi por uma questão de controlo que Antónia sofreu violência física e sexual do marido. Aguentou em silêncio os primeiros 14 anos, o mesmo número que teve de filhos.
Um dia, saiu de casa, no interior norte do país, com os filhos mais novos e pediu ajuda. Arranjaram-lhe uma casa-abrigo no Algarve, porém o marido conseguiu encontrá-la. “Ele foi sempre muito mau para mim, mas acabei por voltar para ele. Foi um erro.” Fê-lo pelos filhos e porque era difícil pagar as contas sozinha.
“Ele mandava em tudo, não me deixava tomar a pílula, não me deixava laquear as trompas.” Tinham relações sexuais quando e como o marido queria.
Mas Antónia nunca pensou na palavra violação. “Ele fazia coisas horríveis, doía muito.” Antónia começou por ligar para o centro da AMCV. Foi-se abrindo de telefonema em telefonema. O primeiro passo foi voltar para uma casa-abrigo.
“Vou na rua e tenho medo que ele apareça de repente.” Era hábito ir buscá-la, durante o dia, e levá-la para uma casa abandonada perto do campo onde trabalhavam. “Estava sempre bêbado. Tinha muita força, abria-me as pernas, punha-me os joelhos contra o peito e eu não conseguia reagir.” À violação seguia-se pancada e vice-versa.
“É muito comum, mas as mulheres não lhes chamam violação”, diz Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Na rede de casas abrigo que coordena, é frequente as vítimas contarem que tinham relações sexuais como forma de os agressores deixarem de lhes bater. Quando se dá o nome de violação, o primeiro sentimento é de repulsa. “Porque há a ideia de que o corpo pertence ao marido e que a função das mulheres é servirem o marido”, frisa o psicólogo.
Só que a confiança e a intimidade não se resumem a maridos e namorados. Andreia tinha um melhor amigo feito nos bancos da faculdade. Eram parceiros de grupos de estudo, passavam tardes e serões juntos.
Depois de uma noite com muito álcool, Andreia acordou sem os collants. “Não sabia se era verdade ou se tinha imaginado, mas tinha na cabeça imagens aos beijos com ele.” Confrontou-o e ele justificou-se dizendo que tinham tido relações sexuais. A revelação foi o início de um calvário para tentar explicar à justiça que se trata de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.
Tal como o caso da jovem violada enquanto estava inconsciente por embriaguez e que, recentemente, o Tribunal da Relação do Porto desvalorizou considerando ter havido “um clima de sedução mútua”, também a violação de Andreia ocorreu numa zona de bares em Vila Nova de Gaia. “Estamos a perceber que há mais casos na zona. E que os agressores são pessoas que conhecem as vítimas”, frisa Ilda Afonso.
Andreia perdeu “uma parte da ingenuidade” naquela noite. Está cheia de “raiva” para seguir com o processo. E com pressa de se “reconstruir” quando “tudo” acabar.
“Cada pessoa tem o seu tempo. O importante é encontrarem um espaço seguro onde possam falar para se libertarem”, frisa Alberta Burity da Silva.
cbreis@expresso.impresa.pt * O nome das vítimas foi alterado para proteção das próprias Maioria dos crimes ocorre no círculo íntimo das vítimas. Governo prepara plano de formação para profissionais de saúde e polícias.
Reportagem no primeiro centro para vítimas de violência sexual Textos Carolina Reis Ilustração Alex Gozblau QUASE 60% DAS VIOLAÇÕES SÃO COMETIDAS POR COMPANHEIROS, AMIGOS OU FAMILIARES DAS VÍTIMAS CINCO PERGUNTAS A P A quem se destina este plano de formação? R Aos profissionais da Administração Pública Central provenientes de cinco sectores: educação, forças de segurança, justiça, saúde e segurança social. Pretende-se que aprendam a reconhecer, no contexto da sua intervenção, a problemática da violência sexual nas relações de intimidade. E adequar as suas atitudes, respostas e comportamentos à problemática. O projeto pretende a consciencialização do fenómeno e envolve, diretamente, cerca de 2500 profissionais. Mas, a longo prazo, considera-se que a população-alvo indireta que vai beneficiar do projeto através dos pares chegará aos 126 mil profissionais.
P Quanto vai custar este projeto? R O valor global, financiado pela Comissão Europeia, é de 216.900 euros.
P Em que fase está a implementação do projeto? R Neste momento, encontramos-nos em reuniões de preparação das ações de capacitação, quer com os parceiros da Administração Pública Direção-Geral da Educação, Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Direção Geral da Saúde, Instituto de Segurança Social quer com as organizações da sociedade civil e as ONG convidadas a implementar este trabalho.
Marta Silva Responsável na CIG pela área da violência sexual P Um estudo recente do Instituto Universitário da Maia (ISMAI) revela que várias áreas da Administração Pública, nomeadamente os profissionais de saúde e as forças de segurança, têm dificuldade em lidar com vítimas de violência sexual. O Governo vai intervir a este nível? R Sim. Após o estudo de diagnóstico das crenças e atitudes dos profissionais quanto à violência sexual nas relações de intimidade, realizado pelo ISMAI, desenvolvemos um plano de capacitação e todo o projeto é desenhado em função das características e necessidades específicas identificadas.
P Mas como será na prática? R As ações de formação, que são a segunda fase do projeto, irão decorrer de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. O formato será replicado por todo o país e consiste, genericamente, em reunir cerca de 50 profissionais, por ação, em plenário e em grupos de trabalho, com temas específicos fundamentados nas realidades regionais e sectoriais.
A terceira fase implica a produção de materiais informativos e de sensibilização publicados em março que consistirão numa campanha de sensibilização e informação para cada grupo profissional. Esta última atividade irá envolver todas as entidades que participaram no projeto.
INVESTIGAÇÃO VIOLÊNCIA SEXUAL Só 7% dos condenados por violência doméstica cumpriram pena efetiva Desde 2010 e até ao ano passado, 10.940 arguidos foram condenados por violência doméstica, mas apenas 723 cumpriram pena de prisão efetiva, de acordo com as estatísticas do Ministério da Justiça. Ou seja, apenas 6,6% dos agressores passaram algum tempo na cadeia durante os últimos oito anos.
No ano passado, apenas 119, num total de 1457 agressores, foram condenados e cumpriram pena efetiva por abusarem física e psicologicamente dos seus companheiros ou ex-companheiros. Em prisão suspensa ficaram 1287 condenados, outros nove pagaram uma multa, sete foram internados e 13 fizeram trabalho a favor da comunidade para evitar a prisão.
Mesmo assim, apesar da baixa percentagem de prisão efetiva neste tipo de crime, regista-se uma subida de 4,8%, em 2010, para quase o dobro (8%) no ano passado. Em 2010, num total de 1101 agressores, apenas 53 tiveram prisão efetiva; a esmagadora maioria (993) ficou com pena suspensa, enquanto 30 pagaram multa e nove trocaram a cadeia por trabalho comunitário.
Estes números vão no mesmo sentido das condenações na área da violência sexual, mostrando uma desvalorização deste tipo de crimes. Ainda de acordo com o Ministério da Justiça, entre 2010 e 2016, último ano com dados disponíveis, 176 homens condenados pelos crimes de violação, violação agravada e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência ficaram fora das prisões, o que representa 30% do total de condenados. Em média, 25 violadores ficam em liberdade todos os anos.
Um estudo lançado esta semana pela Comissão para a Cidadania e Igualdade (CIG) destaca que o número de condenações em violência doméstica ainda fica bastante aquém das participações registadas pelas forças de segurança. No ano passado, só 5% das 26.713 queixas apresentadas nas forças de segurança resultaram em condenações.
Violência doméstica e violência sexual são ainda crimes difíceis de provar. E muito mais quando se cruzam, isto é, quando em casos de violência doméstica existe violência sexual. “Não é que seja desvalorizado pelas forças de segurança no momento da queixa, mas é algo que não é abordado. Mesmo as mulheres não se queixam logo. É preciso ouvi-las, criar um ambiente de empatia e de confiança para que possam contar o que lhes aconteceu”, explica Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.
MORTES AUMENTAM Depois de quatro anos a descer, as mortes de mulheres vítimas de violência doméstica subiram.
Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas uma iniciativa da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) até setembro foram mortas pelos companheiros ou ex-companheiros 21 mulheres, mais uma do que no ano passado.
“A violência é muito complexa e tem vários fatores e dimensões.
É comum a coexistência de diferentes tipos de violação, a física, a psicológica e a sexual, sendo esta última a menos valorizada”, frisa Elisabete Brasil, responsável pelo Observatório da UMAR.
Os números parecem contraditórios com o investimento feito em meios de apoio às vítimas e em políticas públicas nos últimos anos. Ainda segundo a CIG, o financiamento da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica aumentou 42%. As casas-abrigo têm hoje mais vagas, com um aumento de 8% de capacidade. E o número de vagas para acolhimento de emergência subiu 14%.
As medidas de prevenção e combate também têm aumentado. O número de mulheres com teleassistência uma medida de apoio eletrónico para as vítimas que funciona como uma espécie de “botão de pânico” subiu de 302, em 2014, para 1060, no último ano. Já a vigilância eletrónica que controla à distância a proibição de contactos entre agressor e vítima quase que duplicou, subindo de 313 para 603 nos últimos quatro anos.
Maioria das queixas fica pelo caminho. Em 2017, apenas 5% de todas as participações acabaram em condenação FENÓMENO 723 agressores (6,6%) cumpriram pena de prisão efetiva por violência doméstica, num total de 10.940 condenados entre 2010 e 2017 176 homens condenados entre 2010 e 2016 pelos crimes de violação, violação agravada e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência ficaram em liberdade 5% das 26.713 queixas de violência doméstica apresentadas no ano passado resultaram em condenação 21 mulheres foram mortas pelos companheiros e ex-companheiros entre janeiro e setembro deste ano
Dormindo com o A na tem bem presente na memória o momento em que uma parte dela morreu. Era de noite e havia um cheiro intenso ao creme de cereja que estava a usar. Sabia que o namorado queria fazer sexo anal, mas não sabia que a ia obrigar.
Resistiu. Primeiro disse não. A seguir gritou que não. “E, depois, sem perceber como, não houve nada a fazer.” Foi como se o corpo cedesse sem querer. “Durante muito tempo não consegui passar na rua da casa dele”, conta três anos depois de ter sido violada pelo namorado.
A maioria das vítimas de violação em Portugal são pessoas como Ana.
Foram abusadas por alguém que lhes é próximo, em quem confiavam. No primeiro semestre deste ano, 59% das queixas apresentadas na PJ referem-se a violações cometidas em contextos de intimidade, seja por namorados, companheiros e maridos (16%), amigos (35%) ou familiares (8%). Estes dados vão no mesmo sentido do Relatório Anual de Segurança Interna do ano passado, que mostrava que 55% das vítimas de violação tinham uma relação com o agressor.
Em 2017, o número de violações aumentou 21,8% face ao ano anterior. E um estudo recente, do Instituto Universitário da Maia, revelou que os profissionais que lidam com vítimas de crimes estão menos preparados para os casos de violência sexual. Por isso, a Comissão para a Cidadania e Igualdade (CIG) prepara um plano de formação nesta área (ver entrevista).
Dentro da violência sexual é ainda difícil perceber que uma violação pode ocorrer num contexto de intimidade.
Ana teve dificuldade em assumir o que lhe tinha acontecido.
“Ele manipulava-me. Dizia que eu tinha um bloqueio. E que todas as mulheres com quem ele tinha estado gostavam.” O problema era Ana. E ela começou a sentir que se tornava dispensável por não querer. Principalmente por lhe dizer não, e logo a ele, “um homem mais velho, tão mais inteligente, tão mais experiente”. Visto de fora, era um namorado “invejável”.
“Eu devia ter estado mais alerta. Sabia, na teoria, o que era uma violação”. Ana voltou para casa, ele pediu-lhe desculpa, explicou-lhe que era normal que, a princípio, ela não quisesse. Disse-lhe quanto gostava dela.
E voltou a acontecer. Outra e outra vez. “Era quase como se eu não pudesse dizer que não.” Como se a palavra ficasse congelada dentro da boca. Até ao dia em que teve uma hemorragia e foi parar ao hospital com fissuras no ânus. Só depois disso apresentou queixa. “Tinha medo que ninguém acreditasse em mim. E como é que eu permiti que aquilo acontecesse?” A pergunta continua a assombrá-la.
Tal como lhe custa pronunciar a palavra violação. “Namorar ou ter qualquer tipo de relação conjugal com outra pessoa é algo que está posto de parte.” Ana deu uma volta à vida. Depois da hemorragia, procurou um psiquiatra que lhe dissesse as palavras óbvias: que tinha sido violada. Passo decisivo.
DE VÍTIMAS A SOBREVIVENTES O médico disse-lhe que não valia a pena apresentar queixa, porque ia ser a palavra de um contra o outro, mas Ana tinha um e-mail com um pedido de desculpas e uma confissão: “Sou um violador”. Com um diagnóstico e uma prova, foi em busca de ajuda mais profunda e chegou ao centro de apoio a vítimas de violência sexual da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), o primeiro do país.
Um projeto-piloto, em Lisboa, financiado pelo Governo, que tem sido a âncora de centenas de mulheres, a maioria (60%) violadas por companheiros ou ex-companheiros.
Aqui, as vítimas chamam-se sobreviventes. “Ser sobrevivente tem que ver com o processo de cura e recuperação.
As vítimas não têm de ser vítimas para sempre”, defende Margarida Medina Martins, fundadora da AMCV.
Ao centro chegam diferentes mulheres. Umas apenas querem ser ouvidas.
Outras estão dispostas a litigar. A maioria tem muitas perguntas.
“Cada pessoa passa por um processo único”, diz Alberta Burity da Silva, a responsável pelo projeto. No centro, as mulheres têm ajuda individual, que pode ser feita usando diferentes formas de expressão, como a arte; grupos de ajuda mútua; apoio jurídico e podem ir para uma casa-abrigo. “Deixamos que sejam as mulheres a falar. Há dias em que apenas as conseguimos informar, em que não é possível falar mais com elas, mas pode ser que se abram mais noutro dia”, continua Alberta Burity da Silva.
No Porto, desde maio que a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) tem a funcionar um centro semelhante. “É muito comum a violência e a coação sexual ocorrerem dentro das relações de intimidade”, afirma a coordenadora, Ilda Afonso. As sete mulheres que acompanha estão agora a contar as suas histórias.
“A violência sexual tem como objetivo controlar e humilhar a outra pessoa”, frisa Margarida Medina Martins.
Foi por uma questão de controlo que Antónia sofreu violência física e sexual do marido. Aguentou em silêncio os primeiros 14 anos, o mesmo número que teve de filhos.
Um dia, saiu de casa, no interior norte do país, com os filhos mais novos e pediu ajuda. Arranjaram-lhe uma casa-abrigo no Algarve, porém o marido conseguiu encontrá-la. “Ele foi sempre muito mau para mim, mas acabei por voltar para ele. Foi um erro.” Fê-lo pelos filhos e porque era difícil pagar as contas sozinha.
“Ele mandava em tudo, não me deixava tomar a pílula, não me deixava laquear as trompas.” Tinham relações sexuais quando e como o marido queria.
Mas Antónia nunca pensou na palavra violação. “Ele fazia coisas horríveis, doía muito.” Antónia começou por ligar para o centro da AMCV. Foi-se abrindo de telefonema em telefonema. O primeiro passo foi voltar para uma casa-abrigo.
“Vou na rua e tenho medo que ele apareça de repente.” Era hábito ir buscá-la, durante o dia, e levá-la para uma casa abandonada perto do campo onde trabalhavam. “Estava sempre bêbado. Tinha muita força, abria-me as pernas, punha-me os joelhos contra o peito e eu não conseguia reagir.” À violação seguia-se pancada e vice-versa.
“É muito comum, mas as mulheres não lhes chamam violação”, diz Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Na rede de casas abrigo que coordena, é frequente as vítimas contarem que tinham relações sexuais como forma de os agressores deixarem de lhes bater. Quando se dá o nome de violação, o primeiro sentimento é de repulsa. “Porque há a ideia de que o corpo pertence ao marido e que a função das mulheres é servirem o marido”, frisa o psicólogo.
Só que a confiança e a intimidade não se resumem a maridos e namorados. Andreia tinha um melhor amigo feito nos bancos da faculdade. Eram parceiros de grupos de estudo, passavam tardes e serões juntos.
Depois de uma noite com muito álcool, Andreia acordou sem os collants. “Não sabia se era verdade ou se tinha imaginado, mas tinha na cabeça imagens aos beijos com ele.” Confrontou-o e ele justificou-se dizendo que tinham tido relações sexuais. A revelação foi o início de um calvário para tentar explicar à justiça que se trata de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.
Tal como o caso da jovem violada enquanto estava inconsciente por embriaguez e que, recentemente, o Tribunal da Relação do Porto desvalorizou considerando ter havido “um clima de sedução mútua”, também a violação de Andreia ocorreu numa zona de bares em Vila Nova de Gaia. “Estamos a perceber que há mais casos na zona. E que os agressores são pessoas que conhecem as vítimas”, frisa Ilda Afonso.
Andreia perdeu “uma parte da ingenuidade” naquela noite. Está cheia de “raiva” para seguir com o processo. E com pressa de se “reconstruir” quando “tudo” acabar.
“Cada pessoa tem o seu tempo. O importante é encontrarem um espaço seguro onde possam falar para se libertarem”, frisa Alberta Burity da Silva.
cbreis@expresso.impresa.pt * O nome das vítimas foi alterado para proteção das próprias Maioria dos crimes ocorre no círculo íntimo das vítimas. Governo prepara plano de formação para profissionais de saúde e polícias.
Reportagem no primeiro centro para vítimas de violência sexual Textos Carolina Reis Ilustração Alex Gozblau QUASE 60% DAS VIOLAÇÕES SÃO COMETIDAS POR COMPANHEIROS, AMIGOS OU FAMILIARES DAS VÍTIMAS CINCO PERGUNTAS A P A quem se destina este plano de formação? R Aos profissionais da Administração Pública Central provenientes de cinco sectores: educação, forças de segurança, justiça, saúde e segurança social. Pretende-se que aprendam a reconhecer, no contexto da sua intervenção, a problemática da violência sexual nas relações de intimidade. E adequar as suas atitudes, respostas e comportamentos à problemática. O projeto pretende a consciencialização do fenómeno e envolve, diretamente, cerca de 2500 profissionais. Mas, a longo prazo, considera-se que a população-alvo indireta que vai beneficiar do projeto através dos pares chegará aos 126 mil profissionais.
P Quanto vai custar este projeto? R O valor global, financiado pela Comissão Europeia, é de 216.900 euros.
P Em que fase está a implementação do projeto? R Neste momento, encontramos-nos em reuniões de preparação das ações de capacitação, quer com os parceiros da Administração Pública Direção-Geral da Educação, Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Direção Geral da Saúde, Instituto de Segurança Social quer com as organizações da sociedade civil e as ONG convidadas a implementar este trabalho.
Marta Silva Responsável na CIG pela área da violência sexual P Um estudo recente do Instituto Universitário da Maia (ISMAI) revela que várias áreas da Administração Pública, nomeadamente os profissionais de saúde e as forças de segurança, têm dificuldade em lidar com vítimas de violência sexual. O Governo vai intervir a este nível? R Sim. Após o estudo de diagnóstico das crenças e atitudes dos profissionais quanto à violência sexual nas relações de intimidade, realizado pelo ISMAI, desenvolvemos um plano de capacitação e todo o projeto é desenhado em função das características e necessidades específicas identificadas.
P Mas como será na prática? R As ações de formação, que são a segunda fase do projeto, irão decorrer de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. O formato será replicado por todo o país e consiste, genericamente, em reunir cerca de 50 profissionais, por ação, em plenário e em grupos de trabalho, com temas específicos fundamentados nas realidades regionais e sectoriais.
A terceira fase implica a produção de materiais informativos e de sensibilização publicados em março que consistirão numa campanha de sensibilização e informação para cada grupo profissional. Esta última atividade irá envolver todas as entidades que participaram no projeto.
INVESTIGAÇÃO VIOLÊNCIA SEXUAL Só 7% dos condenados por violência doméstica cumpriram pena efetiva Desde 2010 e até ao ano passado, 10.940 arguidos foram condenados por violência doméstica, mas apenas 723 cumpriram pena de prisão efetiva, de acordo com as estatísticas do Ministério da Justiça. Ou seja, apenas 6,6% dos agressores passaram algum tempo na cadeia durante os últimos oito anos.
No ano passado, apenas 119, num total de 1457 agressores, foram condenados e cumpriram pena efetiva por abusarem física e psicologicamente dos seus companheiros ou ex-companheiros. Em prisão suspensa ficaram 1287 condenados, outros nove pagaram uma multa, sete foram internados e 13 fizeram trabalho a favor da comunidade para evitar a prisão.
Mesmo assim, apesar da baixa percentagem de prisão efetiva neste tipo de crime, regista-se uma subida de 4,8%, em 2010, para quase o dobro (8%) no ano passado. Em 2010, num total de 1101 agressores, apenas 53 tiveram prisão efetiva; a esmagadora maioria (993) ficou com pena suspensa, enquanto 30 pagaram multa e nove trocaram a cadeia por trabalho comunitário.
Estes números vão no mesmo sentido das condenações na área da violência sexual, mostrando uma desvalorização deste tipo de crimes. Ainda de acordo com o Ministério da Justiça, entre 2010 e 2016, último ano com dados disponíveis, 176 homens condenados pelos crimes de violação, violação agravada e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência ficaram fora das prisões, o que representa 30% do total de condenados. Em média, 25 violadores ficam em liberdade todos os anos.
Um estudo lançado esta semana pela Comissão para a Cidadania e Igualdade (CIG) destaca que o número de condenações em violência doméstica ainda fica bastante aquém das participações registadas pelas forças de segurança. No ano passado, só 5% das 26.713 queixas apresentadas nas forças de segurança resultaram em condenações.
Violência doméstica e violência sexual são ainda crimes difíceis de provar. E muito mais quando se cruzam, isto é, quando em casos de violência doméstica existe violência sexual. “Não é que seja desvalorizado pelas forças de segurança no momento da queixa, mas é algo que não é abordado. Mesmo as mulheres não se queixam logo. É preciso ouvi-las, criar um ambiente de empatia e de confiança para que possam contar o que lhes aconteceu”, explica Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direção da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.
MORTES AUMENTAM Depois de quatro anos a descer, as mortes de mulheres vítimas de violência doméstica subiram.
Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas uma iniciativa da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) até setembro foram mortas pelos companheiros ou ex-companheiros 21 mulheres, mais uma do que no ano passado.
“A violência é muito complexa e tem vários fatores e dimensões.
É comum a coexistência de diferentes tipos de violação, a física, a psicológica e a sexual, sendo esta última a menos valorizada”, frisa Elisabete Brasil, responsável pelo Observatório da UMAR.
Os números parecem contraditórios com o investimento feito em meios de apoio às vítimas e em políticas públicas nos últimos anos. Ainda segundo a CIG, o financiamento da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica aumentou 42%. As casas-abrigo têm hoje mais vagas, com um aumento de 8% de capacidade. E o número de vagas para acolhimento de emergência subiu 14%.
As medidas de prevenção e combate também têm aumentado. O número de mulheres com teleassistência uma medida de apoio eletrónico para as vítimas que funciona como uma espécie de “botão de pânico” subiu de 302, em 2014, para 1060, no último ano. Já a vigilância eletrónica que controla à distância a proibição de contactos entre agressor e vítima quase que duplicou, subindo de 313 para 603 nos últimos quatro anos.
Maioria das queixas fica pelo caminho. Em 2017, apenas 5% de todas as participações acabaram em condenação FENÓMENO 723 agressores (6,6%) cumpriram pena de prisão efetiva por violência doméstica, num total de 10.940 condenados entre 2010 e 2017 176 homens condenados entre 2010 e 2016 pelos crimes de violação, violação agravada e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência ficaram em liberdade 5% das 26.713 queixas de violência doméstica apresentadas no ano passado resultaram em condenação 21 mulheres foram mortas pelos companheiros e ex-companheiros entre janeiro e setembro deste ano
6.11.18
Mulheres na Coreia do Norte são violadas sempre que um homem quiser
Aline Raimundo, TVI24
Violência sexual realizada por homens em posição de poder é tão comum no país que passou a ser aceite como parte de vida quotidiana, revela relatório da Human Rights Watch
As mulheres norte-coreanas são vítimas de violação e abuso sexual cometidos por oficiais que abusam da autoridade. É a conclusão de um relatório divulgado pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, que entrevistou 54 refugiadas norte-coreanas e oito ex-funcionários do governo que fugiram do país desde 2011, quando Kim Jong-un assumiu o poder.
De acordo com o documento, divulgado na quinta-feira e citado pela estação de televisão britânica BBC, a violência sexual contra as mulheres realizada por homens em posição de poder é tão comum na Coreia do Norte que é vista como inevitável, passou a ser aceite como parte da vida quotidiana e pode ser considerada endémica.
A Human Rights Watch diz no relatório “You cry at Night, but Don’t Know Why (Chora-se à noite, sem se saber porquê)” que os responsáveis norte-coreanos atuam com impunidade, visto que governo não investiga denúncias nem oferece proteção às vítimas.
Embora a violência sexual e baseada no género seja motivo de preocupação em todo o lado, existem cada vez mais provas a sugerir que ela é endémica na Coreia do Norte”, refere a Human Rights Watch.
“Consideram-nos brinquedos sexuais”
De acordo com as entrevistadas, “os predadores sexuais incluem dirigentes de alto nível do partido, guardas e interrogadores de prisões, responsáveis da polícia, procuradores e soldados”. O medo das represálias políticas e a ausência de dispositivos legais para as proteger tornam as mulheres mais vulneráveis.
“Quando os polícias estão a patrulhar as ruas, se veem uma bela mulher, inventam um problema. Mesmo que ela tenha a identidade a em ordem, a autorização para viajar e todos os documentos necessários, eles dizem: ‘Ah, há algo errado’. Entregar o corpo a um polícia é tão comum… não há nada que se possa fazer”, disse Oh Jung-hee, uma antiga comerciante com cerca de 40 anos, da província de Ryanggang.
A mulher, que abandonou a Coreia do Norte em 2014, contou ter sido abusada várias vezes.
“Fui vítima muitas vezes. Quando lhes apetecia, guardas do mercado ou polícias pediam-me que os seguisse para uma sala vazia fora do mercado ou outro sítio qualquer. O que eu podia fazer?", questionou Oh Jung-hee, acrescentando que se sentia impotente para resistir ou denunciar os abusos. “Eles consideram-nos como brinquedos [sexuais]. Estamos à mercê dos homens”, referiu.
Oh Jung-hee acrescentou que, por a atitude ser tão comum, os homens não pensam que o que estão a fazer é errado e as mulheres passaram a aceitá-la.
É tão frequente que já se tornou banal. quase já nem damos conta do nosso sofrimento. Mas somos humanas. Então, às vezes, do nada, chora-se à noite sem se saber porquê”, confessou.
Para o marido de Oh Jung-hee, Kim Chul-kook, antigo professor universitário, também com cerca de 40 anos, os comerciantes como a mulher “têm de aceitar que a coerção sexual [por homens numa posição de poder] faz parte da dinâmica social e de mercado. É a única maneira de sobreviver”.
Questão de sobrevivência
Com a grave crise económica que atinge a Coreia do Norte, alvo de diversas sanções dos países ocidentais por causa do controverso programa nuclear, os lares são sustentados na maior parte do tempo pelas mulheres, que trabalham no mercado negro. Os homens, na maioria das vezes funcionários com baixos salários, têm menos liberdade de movimento. Uma situação que expõe as norte-coreanas a todo tipo de risco, sublinha o relatório.
De acordo com a Human Rigths Watch, a recusa pode significar a perda da principal fonte de rendimento, comprometendo a sobrevivência da família, o confisco de dinheiro e a apreensão de mercadorias, ou até mesmo o envio para campos de trabalho forçado ou de presos políticos por estar envolvida em atividades comerciais.
Quando um funcionário numa posição de poder “escolhe” uma mulher ela não tem opção que não seja obedecer a qualquer pedido que ele faça, seja relativo a sexo, dinheiro ou outros favores, disseram muitos dos norte-coreanos ouvidos pela organização de defesa dos direitos humanos
O relatório refere que, “na altura dos ataques, a maioria das vítimas estava sob custódia das autoridades ou era comerciante” e "tinham pouca escolha, caso tentassem recusar ou denunciar, arriscando-se a sofrer mais violência sexual, períodos mais longos de detenção, espancamentos e trabalho forçado".
Yoon Su-ryun, antiga contrabandista de ervas medicinais para a China, com cerca de 30 anos, esteve detida em agosto de 2012 e foi violada por um polícia.
“Quando ele me violou, apenas me tirou as cuecas, sem dizer uma palavra. Eu não tinha para onde fugir. Pensei: ‘o que pode acontecer-me se recusar?’. Então cedi. Fui libertada no dia seguinte. O próprio homem que me violou preencheu os documentos necessários para minha libertação.
Pensei que estava a oferecer o meu corpo para poder sair de lá e ir ter com a minha filha. Na altura nem sequer estava perturbada. Até pensei que tinha sorte. Agora que moro aqui [na Coreia do Sul], [eu sei que] é violência sexual e violação”.
O mesmo aconteceu com Park Young-hee, uma ex-proprietária rural na casa dos 40 anos, quando estava a ser interrogada por um polícia num centro de detenção preventiva, após ser apanhada a tentar fugir do país.
"Ele fez-me sentar bem perto dele... [e] tocou-me entre as pernas... diversas vezes durante vários dias", afirmou. "A minha vida estava nas mãos dele. Então, eu fiz tudo que ele queria. Como poderia ter agido de outra forma? Tudo o que fazemos na Coreia do Norte pode ser considerado ilegal, então, tudo depende da perceção ou da atitude de quem está a interrogar", realçou.
Pressão social
As norte-coreanas raramente denunciam qualquer abuso, num dos países mais repressivos e pobres do mundo, além do medo das represálias e da vergonha social, faltam apoio social e serviços legais.
"Se uma mulher é violada, é porque ela devia estar a flirtar", disse Lee Chun-seok, uma ex-professora e comerciante com quase 50 anos.
"Tive medo e vergonha", contou Yoon Soon-ae, outra vítima de violação. "Nunca contei a ninguém. Na Coreia do Norte, é como cuspir no próprio rosto. Toda a gente me teria culpado", relatou.
A violência sexual na Coreia do Norte é um segredo notório, sem resposta e amplamente tolerado”, disse o diretor executivo da Human Rigths Watch, Kenneth Roth, citado no comunicado de divulgação do relatório.
Centrado no abuso sexual por parte de homens em posições oficiais de poder e na resposta do governo em tais casos, o relatório utiliza pseudónimos porque “todos os sobreviventes entrevistados expressaram preocupação sobre possíveis consequências para si ou os familiares na Coreia do Norte”.
Apelo à Coreia do Norte para que trate violação como crime
A Human Rigths Watch, recomenda no relatório que o governo norte-coreano deve reconhecer o problema da violência sexual, exigir que a polícia investigue os casos independentemente da posição ou estatuto dos alegados autores e penalizar os infratores.
Pede ainda a criação de condições que permitam a existência de denúncias anónimas sobre violência sexual por parte de funcionários do governo e a recolha estatística das queixas.
A organização de defesa dos direitos humanos apela ainda à Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, União Europeia, agências da ONU e organizações não-governamentais com presença na Coreia do Norte para pressionarem Pyongyang a realizar as reformas recomendadas no relatório.
As mulheres norte-coreanas não deviam correr o risco de serem violadas por responsáveis governamentais ou trabalhadores quando deixam as suas casas para ganhar dinheiro para alimentar as suas famílias”, assinalou Kenneth Roth. “Kim Jong-un e o seu governo devem reconhecer o problema e tomar medidas urgentes para proteger as mulheres e garantir justiça para as vítimas de violência sexual”, insistiu.
Violência sexual realizada por homens em posição de poder é tão comum no país que passou a ser aceite como parte de vida quotidiana, revela relatório da Human Rights Watch
As mulheres norte-coreanas são vítimas de violação e abuso sexual cometidos por oficiais que abusam da autoridade. É a conclusão de um relatório divulgado pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, que entrevistou 54 refugiadas norte-coreanas e oito ex-funcionários do governo que fugiram do país desde 2011, quando Kim Jong-un assumiu o poder.
De acordo com o documento, divulgado na quinta-feira e citado pela estação de televisão britânica BBC, a violência sexual contra as mulheres realizada por homens em posição de poder é tão comum na Coreia do Norte que é vista como inevitável, passou a ser aceite como parte da vida quotidiana e pode ser considerada endémica.
A Human Rights Watch diz no relatório “You cry at Night, but Don’t Know Why (Chora-se à noite, sem se saber porquê)” que os responsáveis norte-coreanos atuam com impunidade, visto que governo não investiga denúncias nem oferece proteção às vítimas.
Embora a violência sexual e baseada no género seja motivo de preocupação em todo o lado, existem cada vez mais provas a sugerir que ela é endémica na Coreia do Norte”, refere a Human Rights Watch.
“Consideram-nos brinquedos sexuais”
De acordo com as entrevistadas, “os predadores sexuais incluem dirigentes de alto nível do partido, guardas e interrogadores de prisões, responsáveis da polícia, procuradores e soldados”. O medo das represálias políticas e a ausência de dispositivos legais para as proteger tornam as mulheres mais vulneráveis.
“Quando os polícias estão a patrulhar as ruas, se veem uma bela mulher, inventam um problema. Mesmo que ela tenha a identidade a em ordem, a autorização para viajar e todos os documentos necessários, eles dizem: ‘Ah, há algo errado’. Entregar o corpo a um polícia é tão comum… não há nada que se possa fazer”, disse Oh Jung-hee, uma antiga comerciante com cerca de 40 anos, da província de Ryanggang.
A mulher, que abandonou a Coreia do Norte em 2014, contou ter sido abusada várias vezes.
“Fui vítima muitas vezes. Quando lhes apetecia, guardas do mercado ou polícias pediam-me que os seguisse para uma sala vazia fora do mercado ou outro sítio qualquer. O que eu podia fazer?", questionou Oh Jung-hee, acrescentando que se sentia impotente para resistir ou denunciar os abusos. “Eles consideram-nos como brinquedos [sexuais]. Estamos à mercê dos homens”, referiu.
Oh Jung-hee acrescentou que, por a atitude ser tão comum, os homens não pensam que o que estão a fazer é errado e as mulheres passaram a aceitá-la.
É tão frequente que já se tornou banal. quase já nem damos conta do nosso sofrimento. Mas somos humanas. Então, às vezes, do nada, chora-se à noite sem se saber porquê”, confessou.
Para o marido de Oh Jung-hee, Kim Chul-kook, antigo professor universitário, também com cerca de 40 anos, os comerciantes como a mulher “têm de aceitar que a coerção sexual [por homens numa posição de poder] faz parte da dinâmica social e de mercado. É a única maneira de sobreviver”.
Questão de sobrevivência
Com a grave crise económica que atinge a Coreia do Norte, alvo de diversas sanções dos países ocidentais por causa do controverso programa nuclear, os lares são sustentados na maior parte do tempo pelas mulheres, que trabalham no mercado negro. Os homens, na maioria das vezes funcionários com baixos salários, têm menos liberdade de movimento. Uma situação que expõe as norte-coreanas a todo tipo de risco, sublinha o relatório.
De acordo com a Human Rigths Watch, a recusa pode significar a perda da principal fonte de rendimento, comprometendo a sobrevivência da família, o confisco de dinheiro e a apreensão de mercadorias, ou até mesmo o envio para campos de trabalho forçado ou de presos políticos por estar envolvida em atividades comerciais.
Quando um funcionário numa posição de poder “escolhe” uma mulher ela não tem opção que não seja obedecer a qualquer pedido que ele faça, seja relativo a sexo, dinheiro ou outros favores, disseram muitos dos norte-coreanos ouvidos pela organização de defesa dos direitos humanos
O relatório refere que, “na altura dos ataques, a maioria das vítimas estava sob custódia das autoridades ou era comerciante” e "tinham pouca escolha, caso tentassem recusar ou denunciar, arriscando-se a sofrer mais violência sexual, períodos mais longos de detenção, espancamentos e trabalho forçado".
Yoon Su-ryun, antiga contrabandista de ervas medicinais para a China, com cerca de 30 anos, esteve detida em agosto de 2012 e foi violada por um polícia.
“Quando ele me violou, apenas me tirou as cuecas, sem dizer uma palavra. Eu não tinha para onde fugir. Pensei: ‘o que pode acontecer-me se recusar?’. Então cedi. Fui libertada no dia seguinte. O próprio homem que me violou preencheu os documentos necessários para minha libertação.
Pensei que estava a oferecer o meu corpo para poder sair de lá e ir ter com a minha filha. Na altura nem sequer estava perturbada. Até pensei que tinha sorte. Agora que moro aqui [na Coreia do Sul], [eu sei que] é violência sexual e violação”.
O mesmo aconteceu com Park Young-hee, uma ex-proprietária rural na casa dos 40 anos, quando estava a ser interrogada por um polícia num centro de detenção preventiva, após ser apanhada a tentar fugir do país.
"Ele fez-me sentar bem perto dele... [e] tocou-me entre as pernas... diversas vezes durante vários dias", afirmou. "A minha vida estava nas mãos dele. Então, eu fiz tudo que ele queria. Como poderia ter agido de outra forma? Tudo o que fazemos na Coreia do Norte pode ser considerado ilegal, então, tudo depende da perceção ou da atitude de quem está a interrogar", realçou.
Pressão social
As norte-coreanas raramente denunciam qualquer abuso, num dos países mais repressivos e pobres do mundo, além do medo das represálias e da vergonha social, faltam apoio social e serviços legais.
"Se uma mulher é violada, é porque ela devia estar a flirtar", disse Lee Chun-seok, uma ex-professora e comerciante com quase 50 anos.
"Tive medo e vergonha", contou Yoon Soon-ae, outra vítima de violação. "Nunca contei a ninguém. Na Coreia do Norte, é como cuspir no próprio rosto. Toda a gente me teria culpado", relatou.
A violência sexual na Coreia do Norte é um segredo notório, sem resposta e amplamente tolerado”, disse o diretor executivo da Human Rigths Watch, Kenneth Roth, citado no comunicado de divulgação do relatório.
Centrado no abuso sexual por parte de homens em posições oficiais de poder e na resposta do governo em tais casos, o relatório utiliza pseudónimos porque “todos os sobreviventes entrevistados expressaram preocupação sobre possíveis consequências para si ou os familiares na Coreia do Norte”.
Apelo à Coreia do Norte para que trate violação como crime
A Human Rigths Watch, recomenda no relatório que o governo norte-coreano deve reconhecer o problema da violência sexual, exigir que a polícia investigue os casos independentemente da posição ou estatuto dos alegados autores e penalizar os infratores.
Pede ainda a criação de condições que permitam a existência de denúncias anónimas sobre violência sexual por parte de funcionários do governo e a recolha estatística das queixas.
A organização de defesa dos direitos humanos apela ainda à Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão, União Europeia, agências da ONU e organizações não-governamentais com presença na Coreia do Norte para pressionarem Pyongyang a realizar as reformas recomendadas no relatório.
As mulheres norte-coreanas não deviam correr o risco de serem violadas por responsáveis governamentais ou trabalhadores quando deixam as suas casas para ganhar dinheiro para alimentar as suas famílias”, assinalou Kenneth Roth. “Kim Jong-un e o seu governo devem reconhecer o problema e tomar medidas urgentes para proteger as mulheres e garantir justiça para as vítimas de violência sexual”, insistiu.
11.10.18
Formação de juízes sobre violência sexual tem falhas, diz secretária de Estado
in Público on-line
A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade considera que a formação de juízes nas áreas da violência contra as mulheres e da igualdade de género deveria ser obrigatória.
A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, admitiu nesta quarta-feira que existem falhas ao nível da formação dos juízes e magistrados sobre igualdade de género ou violência sexual, mas apontou que é um problema que não se resolve automaticamente.
Rosa Monteiro disse que existe um protocolo de formação de juízes e magistrados na área da violência contra as mulheres e da violência de género, incluído na formação do Centro de Estudos Judiciários, que, no entanto, não é obrigatória. Sobre essa questão, a secretária de Estado adiantou que cabe ao Conselho Superior da Magistratura tornar essa formação obrigatória para os juízes, mas garantiu que os magistrados de todo o país têm tido formação.
No meio de um campo de trigo, um escritório com várias caras
A secção portuguesa da Amnistia Internacional requereu nesta quarta-feira que os órgãos de soberania portugueses tomem todas as medidas necessárias para prevenir e combater à violência sexual e de género, apelo feito "no quadro de discussão pública generalizada sobre a violência sexual de género".
O pedido da Amnistia Internacional surge na sequência de uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a pena suspensa para dois homens condenados pelo crime de abuso sexual de uma mulher, numa discoteca em Vila Nova de Gaia, o que desencadeou várias acções de protesto no país e acusações de misoginia e preconceito aos juízes que assinaram o acórdão.
Confrontada com este pedido da Amnistia Internacional, a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade sublinhou que tem havido um debate intenso sobre esta matéria no último ano, mas admitiu que ainda "existem falhas".
Apontou que, na sequência do trabalho desenvolvido pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídios, foi feito um protocolo com a Direcção-geral da Administração da Justiça e a Procuradoria-geral da República para formar e capacitar os oficiais de justiça de todo o país que estão "na primeira linha de atendimento a uma vítima que se dirija a um tribunal".
APAV pede mais formação dos magistrados sobre abuso sexual de mulheres
A formação servirá para que os oficiais de justiça tenham toda a informação correcta e os modos de procedimento mais adequados para responderem de forma segura às vítimas.
Ainda assim, Rosa Monteiro admitiu que no cerne do problema está o facto de estarem em causa mentalidades e transformações culturais profundas, transversais a todos os subsistemas sociais.
Vítimas têm de ter respostas
"É demagógico dizer que o problema nasceu hoje, da mesma maneira que é demagógico dizer que o problema vai ser resolvido amanhã, de forma automática", sublinhou.
PUB
Por outro lado, Rosa Monteiro defendeu que as vítimas têm de ter a garantia no sistema de que há uma resposta para elas.
"É um trabalho que tem de ser persistente e actuar ao nível da prevenção. As situações de violência têm de ser objecto de queixa e de denúncia com a garantia de que protegemos a vítima depois da denúncia", apontou.
Ler mais
Mulheres Socialistas criticam acórdão que deixou em liberdade violadores de mulher
Oficiais de justiça e forças de segurança com formação em violência doméstica
Nesse sentido, disse que é preciso divulgar junto das mulheres que as práticas de violência sexual são uma chaga, mas que há uma resposta. "E essa é a mensagem que queremos passar porque também temos de olhar para as mulheres como sobreviventes", sublinhou.
Em 27 de Junho, o Tribunal da Relação do Porto justificou a recusa em transformar em prisão efectiva a pena suspensa decida no tribunal de Gaia para os dois homens que abusaram sexualmente da cliente da discoteca, argumentando que "a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica" e num "ambiente de sedução mútua".
A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade considera que a formação de juízes nas áreas da violência contra as mulheres e da igualdade de género deveria ser obrigatória.
A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, admitiu nesta quarta-feira que existem falhas ao nível da formação dos juízes e magistrados sobre igualdade de género ou violência sexual, mas apontou que é um problema que não se resolve automaticamente.
Rosa Monteiro disse que existe um protocolo de formação de juízes e magistrados na área da violência contra as mulheres e da violência de género, incluído na formação do Centro de Estudos Judiciários, que, no entanto, não é obrigatória. Sobre essa questão, a secretária de Estado adiantou que cabe ao Conselho Superior da Magistratura tornar essa formação obrigatória para os juízes, mas garantiu que os magistrados de todo o país têm tido formação.
No meio de um campo de trigo, um escritório com várias caras
A secção portuguesa da Amnistia Internacional requereu nesta quarta-feira que os órgãos de soberania portugueses tomem todas as medidas necessárias para prevenir e combater à violência sexual e de género, apelo feito "no quadro de discussão pública generalizada sobre a violência sexual de género".
O pedido da Amnistia Internacional surge na sequência de uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a pena suspensa para dois homens condenados pelo crime de abuso sexual de uma mulher, numa discoteca em Vila Nova de Gaia, o que desencadeou várias acções de protesto no país e acusações de misoginia e preconceito aos juízes que assinaram o acórdão.
Confrontada com este pedido da Amnistia Internacional, a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade sublinhou que tem havido um debate intenso sobre esta matéria no último ano, mas admitiu que ainda "existem falhas".
Apontou que, na sequência do trabalho desenvolvido pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídios, foi feito um protocolo com a Direcção-geral da Administração da Justiça e a Procuradoria-geral da República para formar e capacitar os oficiais de justiça de todo o país que estão "na primeira linha de atendimento a uma vítima que se dirija a um tribunal".
APAV pede mais formação dos magistrados sobre abuso sexual de mulheres
A formação servirá para que os oficiais de justiça tenham toda a informação correcta e os modos de procedimento mais adequados para responderem de forma segura às vítimas.
Ainda assim, Rosa Monteiro admitiu que no cerne do problema está o facto de estarem em causa mentalidades e transformações culturais profundas, transversais a todos os subsistemas sociais.
Vítimas têm de ter respostas
"É demagógico dizer que o problema nasceu hoje, da mesma maneira que é demagógico dizer que o problema vai ser resolvido amanhã, de forma automática", sublinhou.
PUB
Por outro lado, Rosa Monteiro defendeu que as vítimas têm de ter a garantia no sistema de que há uma resposta para elas.
"É um trabalho que tem de ser persistente e actuar ao nível da prevenção. As situações de violência têm de ser objecto de queixa e de denúncia com a garantia de que protegemos a vítima depois da denúncia", apontou.
Ler mais
Mulheres Socialistas criticam acórdão que deixou em liberdade violadores de mulher
Oficiais de justiça e forças de segurança com formação em violência doméstica
Nesse sentido, disse que é preciso divulgar junto das mulheres que as práticas de violência sexual são uma chaga, mas que há uma resposta. "E essa é a mensagem que queremos passar porque também temos de olhar para as mulheres como sobreviventes", sublinhou.
Em 27 de Junho, o Tribunal da Relação do Porto justificou a recusa em transformar em prisão efectiva a pena suspensa decida no tribunal de Gaia para os dois homens que abusaram sexualmente da cliente da discoteca, argumentando que "a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica" e num "ambiente de sedução mútua".
17.7.18
Criança de 12 anos violada na Índia por 22 homens durante sete meses
in DN
A vítima contou à irmã mais velha, que alertou os pais
Vinte e dois homens foram acusados pela polícia indiana de terem violado uma criança de 12 anos múltiplas vezes ao longo de um período de sete meses, em Chennai, no sul do país. Dezoito foram detidos e quatro são procurados pelas autoridades, segundo o Times of India.
Segundo a polícia, citada no jornal, os homens trabalhavam no complexo de apartamentos onde a criança, que sofre de problemas de audição, vivia com a família. Drogavam a menor antes de a violarem e gravavam as agressões. Os vídeos eram depois usados para chantagear a criança, forçando-a ao silêncio, ao mesmo tempo que a coagiam com ameaças de violência.
"Isto continuou até a rapariga ter dito à irmã mais velha, no sábado, uma estudante universitária de Deli, que veio a casa", informou o agente. Alertados pela filha mais velha, os pais apresentaram queixa e levaram a criança ao hospital, onde as agressões foram confirmadas.
Segundo a menor, foi o operador do elevador do enorme complexo de apartamento onde a família vive o primeiro a violá-la. Dias depois levou outro homem, iniciando um ciclo de agressões que se prolongou durante meses. Normalmente, esperavam que regressasse da escola e aoanhavam-na antes de chegar a casa.
Os pais não repararam já que era normal a criança ficar a brincar com outros amigos do complexo depois de sair da escola.
Os suspeitos já detidos trabalham todos para a mesma empresa de segurança e têm entre 23 e 66 anos.
A vítima contou à irmã mais velha, que alertou os pais
Vinte e dois homens foram acusados pela polícia indiana de terem violado uma criança de 12 anos múltiplas vezes ao longo de um período de sete meses, em Chennai, no sul do país. Dezoito foram detidos e quatro são procurados pelas autoridades, segundo o Times of India.
Segundo a polícia, citada no jornal, os homens trabalhavam no complexo de apartamentos onde a criança, que sofre de problemas de audição, vivia com a família. Drogavam a menor antes de a violarem e gravavam as agressões. Os vídeos eram depois usados para chantagear a criança, forçando-a ao silêncio, ao mesmo tempo que a coagiam com ameaças de violência.
"Isto continuou até a rapariga ter dito à irmã mais velha, no sábado, uma estudante universitária de Deli, que veio a casa", informou o agente. Alertados pela filha mais velha, os pais apresentaram queixa e levaram a criança ao hospital, onde as agressões foram confirmadas.
Segundo a menor, foi o operador do elevador do enorme complexo de apartamento onde a família vive o primeiro a violá-la. Dias depois levou outro homem, iniciando um ciclo de agressões que se prolongou durante meses. Normalmente, esperavam que regressasse da escola e aoanhavam-na antes de chegar a casa.
Os pais não repararam já que era normal a criança ficar a brincar com outros amigos do complexo depois de sair da escola.
Os suspeitos já detidos trabalham todos para a mesma empresa de segurança e têm entre 23 e 66 anos.
21.2.18
Rede Care acompanha 446 crianças e jovens vítimas de violência sexual
Rute Coelho, in Diário de Notícias
A APAV assinala amanhã o Dia Europeu da Vítima de Crime com enfoque nos abusos
São crianças e adolescentes, a maior parte deles abusados por familiares, "pelo pai, pela mãe, pelo padrasto", descreve a criminóloga Carla Ferreira, gestora técnica da Rede Care, uma unidade especializada em violência sexual que já acompanhou 446 menores vítimas de abusos em dois anos de existência. A Rede Care está integrada nos serviços de proximidade da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima).
A APAV assinala amanhã o Dia Europeu da Vítima de Crime com um seminário/debate sobre o apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual, onde se fará o balanço de dois anos de atividade da Rede Care. "A maior parte das crianças que nos chegam já tem 13, 14 anos mas muitas vezes começaram a ser vítima de violência sexual anos antes, aos 9 ou aos 10", explica Carla Ferreira.
Esta unidade especializada conta com nove técnicos efetivos, incluindo juristas e psicólogos, que se podem deslocar a qualquer ponto do país para dar apoio a casos urgentes que sejam denunciados à Rede. "A maior parte das denúnicas chega-nos da própria família da vítima e logo a seguir da Polícia Judiciária. Em 2016 e 2017 29% dos casos chegaram por via familiar e 25% através da PJ. Um quarto dessas vítimas ainda está a receber apoio". A Rede Care providencia um técnico de referência para acompanhar sempre as crianças nas diligências " e tenta garantir que o menor seja ouvido apenas as vezes necessárias". A criminóloga nota que "houve um grande impulso dos tribunais em providenciar apoio às crianças vítimas de crimes sexuais que têm de comparecer em diligências judiciais". Carla Ferreira regista que 9% das denúncias que chegaram à Rede Care nestes últimos dois anos foi através dos tribunais e Ministério Público. As outras participações chegam através dos hospitais e das comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ). A unidade especializada da APAV apoia jovens até aos 23 anos. "Os maiores de idade que tenham sido vítimas de crimes sexuais na infância podem apresentar queixa até aos 23 anos".
Entre os casos que têm chegado à Rede Care estão também alguns de "crianças filhas de emigrantes que vêm de férias com a família no Verão e acabam por ser vítimas de abusos nesse período".
A maior parte das participações vem da região de Lisboa e Vale do Tejo, logo seguida do Grande Porto.
O tipo de apoio que é prestado pela unidade especializada é extensível à família da vítima. "As as famílias vão precisando de esclarecimento ao longo do processo, sobre o timing para pedir advogado, para pedir indemnização, etc, e acabamos por ajudar no esclarecimento dessas dúvidas". Como explica Carla Ferreira, a Rede Care "é uma ponte entre o processo crime e as famílias". "Há situações que ficam na zona cinzenta, em que as pessoas não são elegíveis para ter o apoio jurídico via Segurança Social nem têm capacidade para pagar a nível particular". Depois de um primeiro contacto da vítima com a unidade, os técnicos avaliam da necessidade que há (ou não) de apoio psicológico. "Temos de ver se foram atos físicos violentos, qual a relação da criança com o agressor, se tem vindo a acontecer há muito tempo, se há reataguarda familiar ou não. Depois fazemos a avaliação do processo crime como um todo, até para apoiar a vítima e a família".
A APAV assinala amanhã o Dia Europeu da Vítima de Crime com enfoque nos abusos
São crianças e adolescentes, a maior parte deles abusados por familiares, "pelo pai, pela mãe, pelo padrasto", descreve a criminóloga Carla Ferreira, gestora técnica da Rede Care, uma unidade especializada em violência sexual que já acompanhou 446 menores vítimas de abusos em dois anos de existência. A Rede Care está integrada nos serviços de proximidade da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima).
A APAV assinala amanhã o Dia Europeu da Vítima de Crime com um seminário/debate sobre o apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual, onde se fará o balanço de dois anos de atividade da Rede Care. "A maior parte das crianças que nos chegam já tem 13, 14 anos mas muitas vezes começaram a ser vítima de violência sexual anos antes, aos 9 ou aos 10", explica Carla Ferreira.
Esta unidade especializada conta com nove técnicos efetivos, incluindo juristas e psicólogos, que se podem deslocar a qualquer ponto do país para dar apoio a casos urgentes que sejam denunciados à Rede. "A maior parte das denúnicas chega-nos da própria família da vítima e logo a seguir da Polícia Judiciária. Em 2016 e 2017 29% dos casos chegaram por via familiar e 25% através da PJ. Um quarto dessas vítimas ainda está a receber apoio". A Rede Care providencia um técnico de referência para acompanhar sempre as crianças nas diligências " e tenta garantir que o menor seja ouvido apenas as vezes necessárias". A criminóloga nota que "houve um grande impulso dos tribunais em providenciar apoio às crianças vítimas de crimes sexuais que têm de comparecer em diligências judiciais". Carla Ferreira regista que 9% das denúncias que chegaram à Rede Care nestes últimos dois anos foi através dos tribunais e Ministério Público. As outras participações chegam através dos hospitais e das comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ). A unidade especializada da APAV apoia jovens até aos 23 anos. "Os maiores de idade que tenham sido vítimas de crimes sexuais na infância podem apresentar queixa até aos 23 anos".
Entre os casos que têm chegado à Rede Care estão também alguns de "crianças filhas de emigrantes que vêm de férias com a família no Verão e acabam por ser vítimas de abusos nesse período".
A maior parte das participações vem da região de Lisboa e Vale do Tejo, logo seguida do Grande Porto.
O tipo de apoio que é prestado pela unidade especializada é extensível à família da vítima. "As as famílias vão precisando de esclarecimento ao longo do processo, sobre o timing para pedir advogado, para pedir indemnização, etc, e acabamos por ajudar no esclarecimento dessas dúvidas". Como explica Carla Ferreira, a Rede Care "é uma ponte entre o processo crime e as famílias". "Há situações que ficam na zona cinzenta, em que as pessoas não são elegíveis para ter o apoio jurídico via Segurança Social nem têm capacidade para pagar a nível particular". Depois de um primeiro contacto da vítima com a unidade, os técnicos avaliam da necessidade que há (ou não) de apoio psicológico. "Temos de ver se foram atos físicos violentos, qual a relação da criança com o agressor, se tem vindo a acontecer há muito tempo, se há reataguarda familiar ou não. Depois fazemos a avaliação do processo crime como um todo, até para apoiar a vítima e a família".
19.1.18
Homens vítimas de abuso sexual demoram mais de 20 anos a "quebrar o silêncio"
Aline Flor, in Público on-line
A associação Quebrar o Silêncio, que presta apoio a homens vítimas de abuso sexual, completa um ano de funcionamento nesta sexta-feira. Desde Janeiro de 2017, recebeu pedidos de apoio de cerca de 50 homens, mas também de familiares e amigos. Em cerca de 90% dos casos, os agressores são pessoas conhecidas das vítimas.
Mais de 20 anos. É o período de tempo que grande parte dos homens vítimas de abuso sexual demora a denunciar o caso. A vergonha, o medo, a incapacidade de reconhecer o que aconteceu, a dificuldade de se ver na posição de vítima - são alguns dos factores que jogam para que este período de silêncio seja tão prolongado.
A associação Quebrar o Silêncio, que presta apoio especializado a homens que sofreram abuso sexual, completa o primeiro ano de funcionamento nesta sexta-feira e apresenta dados que retratam o longo período que os homens demoram a falar sobre os abusos. “Grande parte dos casos acontece na infância”, explica Ângelo Fernandes, fundador da associação. Acrescenta que a fatia maior dos homens que procuram apoio está na casa dos 35, 40 anos, mas o leque é vasto: vão desde os 22 aos 65 anos. A percentagem dos que procuraram apoio pela primeira vez é de 78%.
A sede da Quebrar o Silêncio funciona em Marvila, Lisboa. Ângelo Fernandes, 36 anos, técnico de apoio à vítima, conta com a colaboração de uma psicóloga que faz o atendimento especializado, como consultas de psicoterapia (presenciais e por Skype) e grupos de apoio, que se reúnem às quartas-feiras ou partilham experiências através do WhatsApp.
A Quebrar o Silêncio também trabalha com outras associações. Por exemplo, os casos de jovens LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais) são por vezes reencaminhados para associações como a Casa Qui, que tem um atendimento mais especializado em questões de género. Mas também as mulheres procuram a Quebrar o Silêncio. Foram quase 20, ao longo do último ano. São reencaminhadas para organizações como a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), que também actua em Lisboa.
"Agora é que vou procurar apoio"
“O contacto com alguma mensagem da nossa associação pode servir como elemento desencadeador, ou que surge no momento certo e as faz pensar ‘agora é que vou procurar apoio’”. “Até já podiam ter conhecimento de associações como a AMCV, mas quando tiveram esse contacto ainda não estavam preparadas para procurar apoio.”
Para homens ou mulheres, o que podem ser estes elementos desencadeadores? Um filme, um livro, um artigo num jornal, um comentário ouvido na rua. “Muitas vezes pode ser um evento de vida, o nascimento de um filho... Às vezes pode acontecer quando o filho chega à idade na qual o homem foi vítima de abuso.”
No caso de Ângelo, foi uma notícia que leu logo após ter chegado ao Reino Unido, através da qual descobriu que um antigo colega tinha abusado de centenas de raparigas. O choque ao ver uma cara conhecida associada a uma notícia tão assombrosa trouxe memórias dos abusos que tinha sofrido na infância, por alguém conhecido da família. “Desencadeou em mim alguma coisa que estava a tentar reprimir havia muitos anos. E foi nesse momento que percebi que estava ali qualquer coisa que precisava de resolver.” Procurou aconselhamento e chegou à Survivors Manchester, uma associação onde encontrou apoio para recuperar do trauma.
Já em 2016, depois de terminar o acompanhamento, resolveu deixar o trabalho como designer 3D e regressar a Portugal. Pensou que, se o “elemento desencadeador” tivesse acontecido enquanto estivesse no seu país, não teria encontrado nenhuma associação especificamente voltada aos homens que sofreram abuso sexual. E achou que era uma missão que não podia deixar de cumprir.
Associação de apoio a homens vítimas de abuso sexual recebeu 67 pedidos de ajuda este ano
O que é que define ser homem?
Dois terços dos 46 homens que procuraram a Quebrar o Silêncio desde Janeiro do ano passado foram abusados antes dos 11 anos. A duração média destes abusos é entre três e quatro anos. Mais de metade dos casos aconteceram na família, enquanto 40% foram abusados por conhecidos da família e apenas um dos homens foi vítima de uma pessoa desconhecida. Contudo, é depois de 25 anos que, em média, estes homens procuram o apoio da associação.
Como ajudar os homens que sofreram abusos sexuais a procurar ajuda mais cedo? Para Ângelo Fernandes, é preciso conversar. Lançar o debate. Levar o tema às escolas, organizar e participar em eventos que possam informar, procurar as crianças mas também os pais.
A Quebrar o Silêncio aposta, por isso, no trabalho com estudantes. Foram quase 900 alunos que participaram em acções de sensibilização ao longo do último ano. Para já, o trabalho tem sido feito com turmas do ensino secundário e em cursos do ensino superior ligados à psicologia e educação. Mas o plano é preparar acções de sensibilização adaptadas a turmas do ensino básico.
Na reunião de arranque desta semana de aniversário, os colaboradores da associação partilham impressões sobre as sessões de sensibilização realizadas numa escola em Portimão na semana passada. “Um rapaz não pode chorar.” “Um rapaz tem que ser forte.” “Ser homem é ser o pilar que sustenta a família.” Os estereótipos sobre o que define a masculinidade são vários. Muitos alunos ficam surpresos quando descobrem que um em cada seis rapazes são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos. Alguns nunca pensaram no assunto, ou pensavam que acontecia só às raparigas.
O trabalho passa por cultivar outras formas de masculinidade entre os mais novos, desbloqueando barreiras que os impeçam de assumir que foram vítimas. “Enquanto continuarmos a dizer aos homens que não podem chorar, não podem falar das suas emoções, que têm que ser capazes de se defender e têm que ser eles próprios a resolver qualquer problema, cria-se uma barreira enorme”, lamenta Ângelo Fernandes.
É preciso preparar os rapazes para se tornarem homens que não tenham medo de denunciar. “Se formos para a educação e desde cedo educarmos os rapazes a dizer que podem chorar, que podem falar dos sentimentos e que isso não afecta a sua masculinidade, que não há problema em dizerem que precisam de ajuda, mais tarde eles vão procurar apoio.”
Há uma série de mitos
Entre os alunos, também se ouviu que “um homem sério não pode ser abusado por uma mulher”. Para muitos, o próprio conceito de abuso gera perplexidade. E há uma série de mitos, em particular no que toca ao abuso sexual masculino: “a ideia de que um rapaz teve sorte se for vítima de uma mulher agressora, que o abuso sexual entre homens só acontece nas prisões ou entre homossexuais, a ideia de que o homem é sempre o agressor, e nunca a vítima”, exemplifica Ângelo. “Há uma ideia errada de que o abuso sexual é só penetração. A ideia de que se um rapaz tiver uma erecção durante o abuso não é abuso, porque se estava sexualmente excitado é porque estava a consentir. E que se a vítima não tentar fugir ou não tentar impedir o abuso, é sinal de consentimento.”
Enquanto continuarmos a dizer aos homens que não podem chorar, não podem falar das suas emoções, que têm que ser capazes de se defender, cria-se uma barreira enorme”
Ângelo Fernandes
Estereótipos como estes, aliados a estratégias de manipulação dos agressores, fazem com que seja ainda mais difícil para um homem assumir que sofreu abuso sexual. Para explicar aos estudantes, Ângelo regressa à estratégia dos números. “Quando dizemos que só 16% dos homens sobreviventes é que se reconhecem como vítimas de abuso sexual ou que só 4% é que denunciam o caso, eles percebem o impacto que isto tem.”
Ler mais
Associação para homens vítimas de abuso sexual ajuda seis pessoas no primeiro dia
Maioria dos homens vítimas de violência doméstica reage "com silêncio"
O desafio para o segundo ano da Quebrar o Silêncio é chegar a mais pessoas. Para os primeiros meses de 2018 está previsto o lançamento de um podcast, que conta no primeiro episódio com o testemunho do músico Tozé Brito. Em Novembro, deverá acontecer a segunda edição do encontro sobre o tema “O homem promotor da igualdade”.
Na manhã desta sexta-feira, num encontro onde se vai reflectir sobre o primeiro ano de actividade, brinda-se também aos mais de 40 homens que decidiram reescrever as suas histórias.
A associação Quebrar o Silêncio, que presta apoio a homens vítimas de abuso sexual, completa um ano de funcionamento nesta sexta-feira. Desde Janeiro de 2017, recebeu pedidos de apoio de cerca de 50 homens, mas também de familiares e amigos. Em cerca de 90% dos casos, os agressores são pessoas conhecidas das vítimas.
Mais de 20 anos. É o período de tempo que grande parte dos homens vítimas de abuso sexual demora a denunciar o caso. A vergonha, o medo, a incapacidade de reconhecer o que aconteceu, a dificuldade de se ver na posição de vítima - são alguns dos factores que jogam para que este período de silêncio seja tão prolongado.
A associação Quebrar o Silêncio, que presta apoio especializado a homens que sofreram abuso sexual, completa o primeiro ano de funcionamento nesta sexta-feira e apresenta dados que retratam o longo período que os homens demoram a falar sobre os abusos. “Grande parte dos casos acontece na infância”, explica Ângelo Fernandes, fundador da associação. Acrescenta que a fatia maior dos homens que procuram apoio está na casa dos 35, 40 anos, mas o leque é vasto: vão desde os 22 aos 65 anos. A percentagem dos que procuraram apoio pela primeira vez é de 78%.
A sede da Quebrar o Silêncio funciona em Marvila, Lisboa. Ângelo Fernandes, 36 anos, técnico de apoio à vítima, conta com a colaboração de uma psicóloga que faz o atendimento especializado, como consultas de psicoterapia (presenciais e por Skype) e grupos de apoio, que se reúnem às quartas-feiras ou partilham experiências através do WhatsApp.
A Quebrar o Silêncio também trabalha com outras associações. Por exemplo, os casos de jovens LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e intersexuais) são por vezes reencaminhados para associações como a Casa Qui, que tem um atendimento mais especializado em questões de género. Mas também as mulheres procuram a Quebrar o Silêncio. Foram quase 20, ao longo do último ano. São reencaminhadas para organizações como a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), que também actua em Lisboa.
"Agora é que vou procurar apoio"
“O contacto com alguma mensagem da nossa associação pode servir como elemento desencadeador, ou que surge no momento certo e as faz pensar ‘agora é que vou procurar apoio’”. “Até já podiam ter conhecimento de associações como a AMCV, mas quando tiveram esse contacto ainda não estavam preparadas para procurar apoio.”
Para homens ou mulheres, o que podem ser estes elementos desencadeadores? Um filme, um livro, um artigo num jornal, um comentário ouvido na rua. “Muitas vezes pode ser um evento de vida, o nascimento de um filho... Às vezes pode acontecer quando o filho chega à idade na qual o homem foi vítima de abuso.”
No caso de Ângelo, foi uma notícia que leu logo após ter chegado ao Reino Unido, através da qual descobriu que um antigo colega tinha abusado de centenas de raparigas. O choque ao ver uma cara conhecida associada a uma notícia tão assombrosa trouxe memórias dos abusos que tinha sofrido na infância, por alguém conhecido da família. “Desencadeou em mim alguma coisa que estava a tentar reprimir havia muitos anos. E foi nesse momento que percebi que estava ali qualquer coisa que precisava de resolver.” Procurou aconselhamento e chegou à Survivors Manchester, uma associação onde encontrou apoio para recuperar do trauma.
Já em 2016, depois de terminar o acompanhamento, resolveu deixar o trabalho como designer 3D e regressar a Portugal. Pensou que, se o “elemento desencadeador” tivesse acontecido enquanto estivesse no seu país, não teria encontrado nenhuma associação especificamente voltada aos homens que sofreram abuso sexual. E achou que era uma missão que não podia deixar de cumprir.
Associação de apoio a homens vítimas de abuso sexual recebeu 67 pedidos de ajuda este ano
O que é que define ser homem?
Dois terços dos 46 homens que procuraram a Quebrar o Silêncio desde Janeiro do ano passado foram abusados antes dos 11 anos. A duração média destes abusos é entre três e quatro anos. Mais de metade dos casos aconteceram na família, enquanto 40% foram abusados por conhecidos da família e apenas um dos homens foi vítima de uma pessoa desconhecida. Contudo, é depois de 25 anos que, em média, estes homens procuram o apoio da associação.
Como ajudar os homens que sofreram abusos sexuais a procurar ajuda mais cedo? Para Ângelo Fernandes, é preciso conversar. Lançar o debate. Levar o tema às escolas, organizar e participar em eventos que possam informar, procurar as crianças mas também os pais.
A Quebrar o Silêncio aposta, por isso, no trabalho com estudantes. Foram quase 900 alunos que participaram em acções de sensibilização ao longo do último ano. Para já, o trabalho tem sido feito com turmas do ensino secundário e em cursos do ensino superior ligados à psicologia e educação. Mas o plano é preparar acções de sensibilização adaptadas a turmas do ensino básico.
Na reunião de arranque desta semana de aniversário, os colaboradores da associação partilham impressões sobre as sessões de sensibilização realizadas numa escola em Portimão na semana passada. “Um rapaz não pode chorar.” “Um rapaz tem que ser forte.” “Ser homem é ser o pilar que sustenta a família.” Os estereótipos sobre o que define a masculinidade são vários. Muitos alunos ficam surpresos quando descobrem que um em cada seis rapazes são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos. Alguns nunca pensaram no assunto, ou pensavam que acontecia só às raparigas.
O trabalho passa por cultivar outras formas de masculinidade entre os mais novos, desbloqueando barreiras que os impeçam de assumir que foram vítimas. “Enquanto continuarmos a dizer aos homens que não podem chorar, não podem falar das suas emoções, que têm que ser capazes de se defender e têm que ser eles próprios a resolver qualquer problema, cria-se uma barreira enorme”, lamenta Ângelo Fernandes.
É preciso preparar os rapazes para se tornarem homens que não tenham medo de denunciar. “Se formos para a educação e desde cedo educarmos os rapazes a dizer que podem chorar, que podem falar dos sentimentos e que isso não afecta a sua masculinidade, que não há problema em dizerem que precisam de ajuda, mais tarde eles vão procurar apoio.”
Há uma série de mitos
Entre os alunos, também se ouviu que “um homem sério não pode ser abusado por uma mulher”. Para muitos, o próprio conceito de abuso gera perplexidade. E há uma série de mitos, em particular no que toca ao abuso sexual masculino: “a ideia de que um rapaz teve sorte se for vítima de uma mulher agressora, que o abuso sexual entre homens só acontece nas prisões ou entre homossexuais, a ideia de que o homem é sempre o agressor, e nunca a vítima”, exemplifica Ângelo. “Há uma ideia errada de que o abuso sexual é só penetração. A ideia de que se um rapaz tiver uma erecção durante o abuso não é abuso, porque se estava sexualmente excitado é porque estava a consentir. E que se a vítima não tentar fugir ou não tentar impedir o abuso, é sinal de consentimento.”
Enquanto continuarmos a dizer aos homens que não podem chorar, não podem falar das suas emoções, que têm que ser capazes de se defender, cria-se uma barreira enorme”
Ângelo Fernandes
Estereótipos como estes, aliados a estratégias de manipulação dos agressores, fazem com que seja ainda mais difícil para um homem assumir que sofreu abuso sexual. Para explicar aos estudantes, Ângelo regressa à estratégia dos números. “Quando dizemos que só 16% dos homens sobreviventes é que se reconhecem como vítimas de abuso sexual ou que só 4% é que denunciam o caso, eles percebem o impacto que isto tem.”
Ler mais
Associação para homens vítimas de abuso sexual ajuda seis pessoas no primeiro dia
Maioria dos homens vítimas de violência doméstica reage "com silêncio"
O desafio para o segundo ano da Quebrar o Silêncio é chegar a mais pessoas. Para os primeiros meses de 2018 está previsto o lançamento de um podcast, que conta no primeiro episódio com o testemunho do músico Tozé Brito. Em Novembro, deverá acontecer a segunda edição do encontro sobre o tema “O homem promotor da igualdade”.
Na manhã desta sexta-feira, num encontro onde se vai reflectir sobre o primeiro ano de actividade, brinda-se também aos mais de 40 homens que decidiram reescrever as suas histórias.
1.3.17
Espancamentos, fome, abusos sexuais. Menores em risco na rota do Mediterrâneo
>Catarina Santos, in RR
A Unicef denuncia que há refugiados e migrantes menores que são vítimas de violência sexual e outros abusos em centros de detenção na rota do Mediterrâneo Central. Num relatório publicado esta terça-feira, mulheres e crianças descreveram condições desumanas em locais sobrelotados, em todo o trajecto desde o continente africano até Itália - sobretudo na Líbia, onde os centros de detenção são geridos pelo governo e por milícias armadas.
[veja aqui a reportagem]
A Unicef denuncia que há refugiados e migrantes menores que são vítimas de violência sexual e outros abusos em centros de detenção na rota do Mediterrâneo Central. Num relatório publicado esta terça-feira, mulheres e crianças descreveram condições desumanas em locais sobrelotados, em todo o trajecto desde o continente africano até Itália - sobretudo na Líbia, onde os centros de detenção são geridos pelo governo e por milícias armadas.
[veja aqui a reportagem]
22.7.16
"Limpeza sexual". Ele é pago para tirar a virgindade a crianças
in Diário de Notícias
Chama-se Hiena e é uma espécie de entidade e autoridade nas zonas rurais do Malaui.
A sua função é realizar "limpezas sexuais", que na prática quer dizer tirar a virgindade a meninas, a pedido dos pais e sendo pago para isso, como manda a tradição no sul deste país.
As raparigas, após a primeira menstruação, devem ter relações sexuais com o Hiena durante três dias para marcar a passagem da infância para a idade adulta, como conta a BBC. Antes de dormirem com o Hiena, as meninas devem aprender como podem ser boas mulheres e como dar prazer a um homem.
"Algumas das meninas têm 12 ou 13 anos, mas eu prefiro as mais velhas", explicou Aniva, um Hiena de cerca de 40 anos que diz ter dormido com mais de 100 meninas. "Todas estas raparigas têm prazer ao ter-me como a 'hiena' delas. Na verdade elas ficam orgulhosas e contam às outras pessoas que este homem é um homem a sério, ele sabe como agradar a uma mulher".
Aniva conta que tem cinco filhos mas admite que pode ter mais espalhados por aí, pois o ritual não permite o uso de preservativo.
Segundo as crenças da zona, caso uma menina recuse dormir com o Hiena, os seus familiares sofrem alguma desgraça ou ficam gravemente doentes. Alguns contam ainda que a rejeição da rapariga pode trazer azar para a aldeia inteira.
A "limpeza sexual", feita para evitar doenças e proteger as famílias da zona pode ser, no entanto, a condenação destas aldeias do Malaui. Aniva confessou à BBC que é HIV positivo e que não conta aos pais das crianças, que pagam entre 4 a 6 euros para ele fazer o ritual.
"Não havia nada que poderia ter feito", contou Maria, uma das jovens que dormiu com o Hiena, ao repórter da BBC.
"Tinha de fazê-lo pelos meus pais. Se recusasse os meus familiares seriam atacados por doenças ou iriam morrer, por isso estava muito assustada"
Aniva, contraditoriamente, afirma que nunca vai deixar que a sua filha seja submetida a este ritual. "A minha filha, não. Não posso permitir isto".
A "limpeza sexual" do Hiena não é só para as meninas. Quando uma mulher fica viúva, por exemplo, deve dormir com o Hiena ainda antes de enterrar o marido, e caso uma mulher tenha um aborto ou seja infértil deve fazer o mesmo tratamento.
Esta tradição está mais associada às áreas remotas e rurais e é criticada tanto pelo governo de Malaui, que lançou uma campanha contra esta "prática cultural prejudicial", como pela igreja e pelas organizações não-governamentais do país.
Aniva, por sua vez, diz que vai deixar de ser Hiena em breve e que a prática deve acabar.
Chama-se Hiena e é uma espécie de entidade e autoridade nas zonas rurais do Malaui.
A sua função é realizar "limpezas sexuais", que na prática quer dizer tirar a virgindade a meninas, a pedido dos pais e sendo pago para isso, como manda a tradição no sul deste país.
As raparigas, após a primeira menstruação, devem ter relações sexuais com o Hiena durante três dias para marcar a passagem da infância para a idade adulta, como conta a BBC. Antes de dormirem com o Hiena, as meninas devem aprender como podem ser boas mulheres e como dar prazer a um homem.
"Algumas das meninas têm 12 ou 13 anos, mas eu prefiro as mais velhas", explicou Aniva, um Hiena de cerca de 40 anos que diz ter dormido com mais de 100 meninas. "Todas estas raparigas têm prazer ao ter-me como a 'hiena' delas. Na verdade elas ficam orgulhosas e contam às outras pessoas que este homem é um homem a sério, ele sabe como agradar a uma mulher".
Aniva conta que tem cinco filhos mas admite que pode ter mais espalhados por aí, pois o ritual não permite o uso de preservativo.
Segundo as crenças da zona, caso uma menina recuse dormir com o Hiena, os seus familiares sofrem alguma desgraça ou ficam gravemente doentes. Alguns contam ainda que a rejeição da rapariga pode trazer azar para a aldeia inteira.
A "limpeza sexual", feita para evitar doenças e proteger as famílias da zona pode ser, no entanto, a condenação destas aldeias do Malaui. Aniva confessou à BBC que é HIV positivo e que não conta aos pais das crianças, que pagam entre 4 a 6 euros para ele fazer o ritual.
"Não havia nada que poderia ter feito", contou Maria, uma das jovens que dormiu com o Hiena, ao repórter da BBC.
"Tinha de fazê-lo pelos meus pais. Se recusasse os meus familiares seriam atacados por doenças ou iriam morrer, por isso estava muito assustada"
Aniva, contraditoriamente, afirma que nunca vai deixar que a sua filha seja submetida a este ritual. "A minha filha, não. Não posso permitir isto".
A "limpeza sexual" do Hiena não é só para as meninas. Quando uma mulher fica viúva, por exemplo, deve dormir com o Hiena ainda antes de enterrar o marido, e caso uma mulher tenha um aborto ou seja infértil deve fazer o mesmo tratamento.
Esta tradição está mais associada às áreas remotas e rurais e é criticada tanto pelo governo de Malaui, que lançou uma campanha contra esta "prática cultural prejudicial", como pela igreja e pelas organizações não-governamentais do país.
Aniva, por sua vez, diz que vai deixar de ser Hiena em breve e que a prática deve acabar.
21.7.16
APAV apoiou 103 vítimas de violência sexual
in Correio da Manhã
Maioria dos crimes são cometidos em contexto familiar.
A rede de apoio especializado da APAV a crianças e jovens vítimas de violência sexual, criada em janeiro, acompanhou, em média, 17 menores por mês, a maioria vítima de crimes cometidos em contexto familiar.
"A Rede CARE surgiu do projeto CARE, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, e tem como objetivo especializar o apoio que é dado a crianças e jovens vítimas de violência sexual", disse à Lusa o gestor da rede, Bruno Brito.
Num relatório que reflete o trabalho desenvolvido pela Associação Portuguesa de Apio à Vítima (APAV) e pela rede, que será divulgado esta quinta-feira, a associação pretende demonstrar o impacto da CARE no acompanhamento aos menores, através da comparação dos dados do apoio prestados entre 2013 e 2015 e o primeiro semestre de 2016.
Entre 2013 e 2015, a APAV apoiou 281 crianças e jovens e no primeiro semestre deste ano, já com a rede a funcionar, acompanhou 103, a maioria meninas (83%), 35% das quais com idades entre os 14 e os 17 anos.
Em 48% dos casos apoiados pela rede, a vítima era filho/a ou enteado/a do agressor, refere o Relatório Estatístico da Rede CARE.
"Confirma-se a tendência de a violência sexual contra menores ser cometida em contexto intrafamiliar (67%)", afirma o documento, sublinhando que, em 57,5% dos casos, os jovens foram alvo de vitimação continuada.
No primeiro semestre, foram identificados 110 agressores, a maioria (93%) homens, 29% com idades entre 35 e 50 anos.
O abuso sexual representou o maior número de casos (66), havendo ainda nove situações de abuso sexual de menor dependente, nove casos de atos sexuais com adolescentes, oito de importunação sexual, cinco de coação sexual, três de violação, dois por recursos à prostituição de menores, dois por lenocínio de menores e um de pornografia de menores.
Mais de metade dos casos (52,4%) ocorreu na região centro e distrito de Setúbal, 33% na região norte e 11,7% nos distritos de Évora, Beja e Faro.
Relativamente às vítimas de crime de abuso sexual, a APAV aponta que tem vindo a aumentar o número de crianças apoiadas (60, em 2013, 74 em 2014, 71 em 2015), acompanhando a tendência dos casos registados nas Estatísticas Oficiais da Justiça: 859 situações em 2013, 1.013 em 2014 e 1.044 em 2015.
A previsão da APAV é conseguir ajudar, em 2016, 150 crianças, o dobro das apoiadas em 2015, com a ajuda dos técnicos da rede.
Quase um quarto dos casos foi referenciado para a APAV pela Polícia Judiciária, 13% por familiares, 8% por amigos, 5% pela escola, 3% pelo estabelecimento de saúde, 3% pela GNR, 2% pela PSP, 3% pelo tribunal e 2% pelas comissões de proteção de menores.
Segundo a associação, a CARE contribuiu para que "todos os crimes sinalizados para a APAV fossem investigados pela justiça, apoiando as vítimas e as suas famílias no ato da denúncia".
Em 83% dos processos de apoio foi apresentada queixa, sendo que 59% dos casos já estavam a ser investigados quando foram referenciados.
A Rede CARE - que acompanhou 7% das vítimas nas declarações para memória futura - presta apoio jurídico e tem ainda como objetivo sensibilizar "os magistrados do Ministério Público para a importância deste acompanhamento para as crianças e jovens, numa lógica continuada".
APAV lança campanha de prevenção de abusos sexuais
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) lança uma campanha de prevenção de abusos sexuais de crianças e jovens, apelando à denúncia deste crime, para que possa ser investigado e a criança apoiada.
Em declarações à Lusa, o gestor da Rede CARE, Bruno Brito, explicou que "um dos objetivos da rede, além do apoio, é sensibilizar a comunidade de que estes crimes existem e devem ser denunciados de modo a que possam ser investigados e as crianças apoiadas".
"A campanha terá o propósito de não haver um silêncio dos crimes", sensibilizando para os seus efeitos nas crianças e famílias e dando a conhecer "alguns sinais envolvidos na violência sexual", para que sejam denunciados, disse Bruno Brito.
Outro dos objetivos da campanha é que pessoas compreendam que podem confiar "no sistema como uma solução para o problema criado", explicou.
"A ideia que temos, até pelos casos que começámos a receber, desde que a rede foi criada", é que "alguns crimes ainda são escondidos dentro da família, apesar de serem crimes públicos e de terem de ser investigados", sublinhou.
Apesar de considerar que as pessoas estão "um pouco mais interventivas" na denúncia destes crimes, Bruno Brito disse que ainda não está ao nível do desejado.
Uma das missões da rede é prestar apoio jurídico, informando sobre como interagir com o sistema judicial, apoiando na apresentação de queixa ou na realização de pedido de indemnização e até no acompanhamento em diligências.
"Estamos a fazer um esforço para que seja um projeto exemplar na forma como está a trabalhar em prol das crianças e esperamos que seja uma rede que não se extinga com o projeto, mas que perdure dentro do sistema e que venha a ser reforçada", sublinhou Bruno Brito.
Maioria dos crimes são cometidos em contexto familiar.
A rede de apoio especializado da APAV a crianças e jovens vítimas de violência sexual, criada em janeiro, acompanhou, em média, 17 menores por mês, a maioria vítima de crimes cometidos em contexto familiar.
"A Rede CARE surgiu do projeto CARE, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, e tem como objetivo especializar o apoio que é dado a crianças e jovens vítimas de violência sexual", disse à Lusa o gestor da rede, Bruno Brito.
Num relatório que reflete o trabalho desenvolvido pela Associação Portuguesa de Apio à Vítima (APAV) e pela rede, que será divulgado esta quinta-feira, a associação pretende demonstrar o impacto da CARE no acompanhamento aos menores, através da comparação dos dados do apoio prestados entre 2013 e 2015 e o primeiro semestre de 2016.
Entre 2013 e 2015, a APAV apoiou 281 crianças e jovens e no primeiro semestre deste ano, já com a rede a funcionar, acompanhou 103, a maioria meninas (83%), 35% das quais com idades entre os 14 e os 17 anos.
Em 48% dos casos apoiados pela rede, a vítima era filho/a ou enteado/a do agressor, refere o Relatório Estatístico da Rede CARE.
"Confirma-se a tendência de a violência sexual contra menores ser cometida em contexto intrafamiliar (67%)", afirma o documento, sublinhando que, em 57,5% dos casos, os jovens foram alvo de vitimação continuada.
No primeiro semestre, foram identificados 110 agressores, a maioria (93%) homens, 29% com idades entre 35 e 50 anos.
O abuso sexual representou o maior número de casos (66), havendo ainda nove situações de abuso sexual de menor dependente, nove casos de atos sexuais com adolescentes, oito de importunação sexual, cinco de coação sexual, três de violação, dois por recursos à prostituição de menores, dois por lenocínio de menores e um de pornografia de menores.
Mais de metade dos casos (52,4%) ocorreu na região centro e distrito de Setúbal, 33% na região norte e 11,7% nos distritos de Évora, Beja e Faro.
Relativamente às vítimas de crime de abuso sexual, a APAV aponta que tem vindo a aumentar o número de crianças apoiadas (60, em 2013, 74 em 2014, 71 em 2015), acompanhando a tendência dos casos registados nas Estatísticas Oficiais da Justiça: 859 situações em 2013, 1.013 em 2014 e 1.044 em 2015.
A previsão da APAV é conseguir ajudar, em 2016, 150 crianças, o dobro das apoiadas em 2015, com a ajuda dos técnicos da rede.
Quase um quarto dos casos foi referenciado para a APAV pela Polícia Judiciária, 13% por familiares, 8% por amigos, 5% pela escola, 3% pelo estabelecimento de saúde, 3% pela GNR, 2% pela PSP, 3% pelo tribunal e 2% pelas comissões de proteção de menores.
Segundo a associação, a CARE contribuiu para que "todos os crimes sinalizados para a APAV fossem investigados pela justiça, apoiando as vítimas e as suas famílias no ato da denúncia".
Em 83% dos processos de apoio foi apresentada queixa, sendo que 59% dos casos já estavam a ser investigados quando foram referenciados.
A Rede CARE - que acompanhou 7% das vítimas nas declarações para memória futura - presta apoio jurídico e tem ainda como objetivo sensibilizar "os magistrados do Ministério Público para a importância deste acompanhamento para as crianças e jovens, numa lógica continuada".
APAV lança campanha de prevenção de abusos sexuais
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) lança uma campanha de prevenção de abusos sexuais de crianças e jovens, apelando à denúncia deste crime, para que possa ser investigado e a criança apoiada.
Em declarações à Lusa, o gestor da Rede CARE, Bruno Brito, explicou que "um dos objetivos da rede, além do apoio, é sensibilizar a comunidade de que estes crimes existem e devem ser denunciados de modo a que possam ser investigados e as crianças apoiadas".
"A campanha terá o propósito de não haver um silêncio dos crimes", sensibilizando para os seus efeitos nas crianças e famílias e dando a conhecer "alguns sinais envolvidos na violência sexual", para que sejam denunciados, disse Bruno Brito.
Outro dos objetivos da campanha é que pessoas compreendam que podem confiar "no sistema como uma solução para o problema criado", explicou.
"A ideia que temos, até pelos casos que começámos a receber, desde que a rede foi criada", é que "alguns crimes ainda são escondidos dentro da família, apesar de serem crimes públicos e de terem de ser investigados", sublinhou.
Apesar de considerar que as pessoas estão "um pouco mais interventivas" na denúncia destes crimes, Bruno Brito disse que ainda não está ao nível do desejado.
Uma das missões da rede é prestar apoio jurídico, informando sobre como interagir com o sistema judicial, apoiando na apresentação de queixa ou na realização de pedido de indemnização e até no acompanhamento em diligências.
"Estamos a fazer um esforço para que seja um projeto exemplar na forma como está a trabalhar em prol das crianças e esperamos que seja uma rede que não se extinga com o projeto, mas que perdure dentro do sistema e que venha a ser reforçada", sublinhou Bruno Brito.
15.6.16
Mulheres continuam a ser as principais vítimas de violência sexual
In "TVI 24"
Dados divulgados pelo Instituto de Medicina Legal, que realizou mais de dois mil exames em dois anos e meio, revelam igualmente que 50% desses casos estão inseridos num quadro de violência doméstica
Dados divulgados pelo Instituto de Medicina Legal, que realizou mais de dois mil exames em dois anos e meio, revelam igualmente que 50% desses casos estão inseridos num quadro de violência doméstica
9.3.16
Quero que todas as mulheres se sintam seguras!
Vera Jourová, in "Público"
As vítimas de violência sexual precisam de algo mais do que de simples palavras de consolo.
Os acontecimentos registados na véspera do Ano Novo em Colónia sensibilizaram as pessoas para o sofrimento de milhões de mulheres em toda a Europa: o assédio sexual é um fenómeno diário, que afecta uma em cada duas mulheres europeias. Entre as mulheres com mais de 15 anos, uma em cada 20 já foi violada. Em Portugal, 24% das mulheres já sofreram de violência física ou sexual por um parceiro ou não parceiro (sendo que a média europeia são 33%).
No entanto, contrariamente às mulheres alemãs que tiveram a coragem de apresentar queixa na polícia e de falar à imprensa, muitas mulheres (uma em cada quatro), optam pelo silêncio. Não querem que as outras pessoas saibam, sentem vergonha ou estão convencidas de que a polícia não pode – ou pior, não as quer – ajudar.
Sei como é difícil ser vítima de violência, mas deixem que vos diga: para as vítimas, as palavras de consolo não são suficientes.
Na próxima semana, na reunião dos ministros da justiça da União Europeia, apelarei a que sejam tomadas medidas fortes para lutar contra a violência sexual.
Cada Estado-Membro da União dispõe da sua própria legislação penal, o que significa que os actos de violência, como a violação, são definidos e julgados de forma diferente consoante o país. Por outras palavras, a probabilidade de a vítima ver o agressor ser julgado em tribunal depende do país de residência. Esta situação é intolerável, pelo que estou a fazer todos os possíveis para assegurar que as vítimas tenham acesso idêntico à justiça independentemente do país em que vivam.
Na mesma linha, apresentarei igualmente aos ministros uma proposta de adesão da União Europeia à Convenção de Istambul.
Esta convenção é o primeiro tratado europeu que regula especificamente a violência contra as mulheres e a violência doméstica.
Trata-se de um poderoso instrumento na medida em que todos os países que o ratificarem ficam legalmente obrigados a proteger e apoiar as mulheres vítimas de violência, criando diferentes tipos de serviços (linhas telefónicas directas, refúgios, serviços médicos, ajuda psicológica e assistência jurídica).
Por exemplo, se uma mulher for vítima de maus-tratos por parte do marido, a polícia poderá afastá-lo do domicílio conjugal, mesmo se este for proprietário da casa.
Se uma mulher temer pela vida, terá acesso a um número telefónico nacional gratuito, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, através do qual beneficia imediatamente do conselho de peritos.
As mulheres vítimas de violação podem dirigir-se a centros de ajuda especializada, que lhe prestarão de imediato serviços de aconselhamento e assistência médica, bem como serviços de medicina legal.
A Convenção prevê igualmente a prevenção. Combater os estereótipos sexistas e fazer evoluir as mentalidades e os comportamentos em relação às mulheres e às jovens na sociedade pode contribuir para salvar vidas e reduzir o sofrimento humano.
Por esta razão, os países vinculados pela convenção devem igualmente sensibilizar o grande público – em especial homens e rapazes – e formar profissionais para intervir junto das mulheres vítimas de violência ou expostas ao risco de violência e que trabalharão em estreita cooperação com ONG especializadas.
Não podemos continuar a fechar os olhos ao assédio sexual e às violências sexuais. Exorto todas as mulheres vítimas deste tipo de actos a terem a coragem de os denunciar à polícia. Está na hora de a nossa sociedade tomar consciência da dimensão deste flagelo e de os nossos sistemas de justiça penal trabalharem em conjunto para garantir a segurança das mulheres na rua, em casa e no local de trabalho. Ao aderir à Convenção de Istambul e ao alinhar as nossas políticas, poderemos responder com mais força à violência de género e ajudar todas as mulheres europeias a sentir-se seguras em casa, no local de trabalho e na rua.
As vítimas de violência sexual precisam de algo mais do que de simples palavras de consolo.
Os acontecimentos registados na véspera do Ano Novo em Colónia sensibilizaram as pessoas para o sofrimento de milhões de mulheres em toda a Europa: o assédio sexual é um fenómeno diário, que afecta uma em cada duas mulheres europeias. Entre as mulheres com mais de 15 anos, uma em cada 20 já foi violada. Em Portugal, 24% das mulheres já sofreram de violência física ou sexual por um parceiro ou não parceiro (sendo que a média europeia são 33%).
No entanto, contrariamente às mulheres alemãs que tiveram a coragem de apresentar queixa na polícia e de falar à imprensa, muitas mulheres (uma em cada quatro), optam pelo silêncio. Não querem que as outras pessoas saibam, sentem vergonha ou estão convencidas de que a polícia não pode – ou pior, não as quer – ajudar.
Sei como é difícil ser vítima de violência, mas deixem que vos diga: para as vítimas, as palavras de consolo não são suficientes.
Na próxima semana, na reunião dos ministros da justiça da União Europeia, apelarei a que sejam tomadas medidas fortes para lutar contra a violência sexual.
Cada Estado-Membro da União dispõe da sua própria legislação penal, o que significa que os actos de violência, como a violação, são definidos e julgados de forma diferente consoante o país. Por outras palavras, a probabilidade de a vítima ver o agressor ser julgado em tribunal depende do país de residência. Esta situação é intolerável, pelo que estou a fazer todos os possíveis para assegurar que as vítimas tenham acesso idêntico à justiça independentemente do país em que vivam.
Na mesma linha, apresentarei igualmente aos ministros uma proposta de adesão da União Europeia à Convenção de Istambul.
Esta convenção é o primeiro tratado europeu que regula especificamente a violência contra as mulheres e a violência doméstica.
Trata-se de um poderoso instrumento na medida em que todos os países que o ratificarem ficam legalmente obrigados a proteger e apoiar as mulheres vítimas de violência, criando diferentes tipos de serviços (linhas telefónicas directas, refúgios, serviços médicos, ajuda psicológica e assistência jurídica).
Por exemplo, se uma mulher for vítima de maus-tratos por parte do marido, a polícia poderá afastá-lo do domicílio conjugal, mesmo se este for proprietário da casa.
Se uma mulher temer pela vida, terá acesso a um número telefónico nacional gratuito, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, através do qual beneficia imediatamente do conselho de peritos.
As mulheres vítimas de violação podem dirigir-se a centros de ajuda especializada, que lhe prestarão de imediato serviços de aconselhamento e assistência médica, bem como serviços de medicina legal.
A Convenção prevê igualmente a prevenção. Combater os estereótipos sexistas e fazer evoluir as mentalidades e os comportamentos em relação às mulheres e às jovens na sociedade pode contribuir para salvar vidas e reduzir o sofrimento humano.
Por esta razão, os países vinculados pela convenção devem igualmente sensibilizar o grande público – em especial homens e rapazes – e formar profissionais para intervir junto das mulheres vítimas de violência ou expostas ao risco de violência e que trabalharão em estreita cooperação com ONG especializadas.
Não podemos continuar a fechar os olhos ao assédio sexual e às violências sexuais. Exorto todas as mulheres vítimas deste tipo de actos a terem a coragem de os denunciar à polícia. Está na hora de a nossa sociedade tomar consciência da dimensão deste flagelo e de os nossos sistemas de justiça penal trabalharem em conjunto para garantir a segurança das mulheres na rua, em casa e no local de trabalho. Ao aderir à Convenção de Istambul e ao alinhar as nossas políticas, poderemos responder com mais força à violência de género e ajudar todas as mulheres europeias a sentir-se seguras em casa, no local de trabalho e na rua.
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