14.5.20

Portugal é o país da UE em que menos pessoas LGBTI dizem sofrer agressão física ou sexual

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia lança maior estudo de sempre sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Nalguns países, a percepção de que a situação melhorou desde 2012 e noutros piorou.

Cada vez mais pessoas lésbicas, gays, bissexuais, “trans” e intersexo (LGBTI) se assumem como são, mas a discriminação perdura e o medo comanda a vida de muitos. No mapa da União Europeia (UE), Portugal sobressai como espaço de tolerância. É o país com menos ataques motivados pela orientação sexual ou identidade de género, revela a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA, na sigla inglesa), num estudo divulgado.
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Nunca houve um estudo tão amplo sobre discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI. Envolveu 140 mil pessoas da UE, do Reino Unido (que ainda não tinha saído), da Sérvia e da Macedónia do Norte (que desejam entrar) – 4294 das quais de Portugal.

Atendendo ao todo, até parece que se respira mais igualdade do que em 2012, ano do inquérito anterior – 40% das pessoas estão convencidas de que há hoje mais tolerância e menos preconceito. Olhando para cada Estado-membro, percebe-se que a realidade é muito diversa. Nalguns países, a noção de que a situação melhorou ultrapassa os 70% (Irlanda, Malta, Finlândia); noutros é o oposto: por exemplo, na Polónia, são 68% os inquiridos que dizem que a situação piorou.

“Apesar dos importantes passos que têm sido dados em direcção à igualdade, as pessoas LGBTI+ ainda reportam elevados níveis de discriminação”, enfatiza a comissária para a Igualdade, Helena Dalli, numa nota enviada pela FRA. “Mais preocupante: recentemente testemunhamos dentro da UE incidentes anti-LGBTI, como ataques a marchas do orgulho, declarações de ‘zona livre de ideologia LGBTI’, multas por anúncios LGBTI-friendly. Todas as pessoas dentro da União Europeia devem sentir-se seguras e livres para serem elas próprias. ”

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Em Portugal, 68% dos inquiridos acreditam que o preconceito e a intolerância diminuíram nos últimos cinco anos. Apesar dessa sensação, mais de metade (57%) confessam que ainda evitam sempre ou quase sempre andar de mãos dadas nas ruas de Portugal (a média na UE é 61%). E um quarto revela que evita sempre ou quase sempre determinados locais por medo de agressão (a média a UE é 33%).
“Muitas vezes, senti-me desconfortável ao andar pela rua de mãos dadas”, explicou uma bissexual portuguesa, de 21 anos. “Ouvia comentários de estranhos que passavam. Muitas vezes, senti-me insegura e intimidada na rua por estar com alguém do mesmo sexo e agi como se fosse heterossexual para evitar conflitos.”

A violência persiste, embora a níveis inferiores aos da média: 30% afirmaram que tinham sido vítimas de assédio no ano anterior (38% na UE); 5% que tinham sofrido algum ataque físico ou sexual nos cinco anos precedentes em razão da orientação sexual ou da identidade de género (11% na UE) - uma em cada cinco pessoas “trans" reportou ter passado por isso, muita acima dos outros grupos LGBTI. Foi na Polónia e na Roménia que mais pessoas disseram ter sofrido agressão física (15%). Logo a seguir, a Bélgica e a França (14%).

Sofreram ataque físico e / ou sexual por ser LGBTI, nos cinco anos anteriores à pesquisa (%)
Polónia 15
Roménia 15
Bélgica 14
França 14
Croácia 13
Dinamarca 13
Letónia 13
Bulgária 13
Lituânia 12
Hungria 11
Reino Unido 11
Países Baixos 11
Áustria 11
Estónia 11
Irlanda 11
Suécia 10
Luxemburgo 10
Eslováquia 10
Grécia 9
Finlândia 9
Chipre 9
Dinamarca 8
Espanha 8
República Checa 8
Itália 8
Malta 6
Portugal 5

Fonte: ‘A long way to go for LGBTI equality’

Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia
As denúncias de violência e discriminação mantêm-se muito abaixo, o que remete para as tão faladas cifras negras: 14% já foram à polícia em Portugal para denunciar ataques físicos ou sexuais (14% na UE) e 8% já denunciaram as suas experiências de discriminação a um órgão da igualdade ou a outra organização (11% ).
Embora mais seguro, Portugal (36%) fica abaixo da média quando o que está em causa é ser sempre ou quase sempre abertamente LGBTI (a média da UE é 47%). Os olhares de lado, indiciadores de homofobia ou transfobia, podem notar-se em qualquer lugar. Um quarto das pessoas inquiridas sentira discriminação no trabalho no ano anterior (média da UE é 21%). E 40% num café, num restaurante, numa loja ou num hospital (42% na UE).

Será que já se vê o B de LGBT?
As novas gerações dão sinais de maior abertura. Entre os jovens (18-24), há hoje menos pessoas (41%) a esconder ser LGBT no meio escolar/universitário do que em 2012 (47%). E os adolescentes (15-17) já estão a sair do armário: 28% confessam esconder a sua condição (30% na UE); 60% sentem que na escola há quem proteja os seus direitos (48% na UE) e 65% que os colegas ou professores os apoiam (60% na UE). Quase metade (43%) afiança que a sua educação escolar abordou as questões LGBTI de forma positiva ou equilibrada (33% na UE).

“Muitas pessoas LGBTI continuam a viver nas sombras, com medo de serem ridicularizadas, discriminadas ou mesmo atacadas”, comenta o director da FRA, Michael O'Flaherty, na nota à imprensa. “As suas dificuldades profissionais e de saúde podem piorar devido à covid-19. Os fazedores de políticas devem tomar nota disto e fazer mais para promover o pleno respeito pelos direitos das pessoas LGBTI”, remata.