26.5.20

Residentes em bairros sociais e “ilhas” têm maior risco de morte

Por Diana Seabra / ISPUP

A conclusão é de um estudo liderado pelo Instituto de Saúde Pública da U.Porto, recentemente publicado na prestigiada revista "American Journal of Public Health".

Investigação demonstrou que viver em bairros sociais e "ilhas" é mais determinante para a mortalidade do que fatores de risco como a hipertensão, ou a obesidade. Foto: Pixabay/emsquared
As pessoas que vivem nas chamadas “ilhas do Porto” e bairros sociais, apresentam um risco de mortalidade mais elevado face a quem mora em casas convencionais (não subsidiadas), alerta um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que acaba de ser publicado na prestigiada revista American Journal of Public Health.

O mesmo estudo conclui igualmente que viver neste tipo de habitações é mais determinante para a mortalidade do que fatores de risco bem estabelecidos como a hipertensão, a inatividade física ou a obesidade, mostrou também a investigação.

Segundo Ana Isabel Ribeiro, primeira autora do estudo, coordenado pelo investigador Henrique Barros, “no Porto, a habitação sempre foi uma problemática recorrente e estrutural, primeiro com a questão das ‘ilhas’, fustigadas pelas epidemias de tuberculose, cólera e peste bubónica, nos séculos XIX e XX, e mais tarde com a degradação e marginalidade de muitos bairros sociais. A casa é um dos espaços onde passamos mais tempo, pelo que as exposições biofísicas e sociais que aí decorrem podem ter um efeito determinante na nossa saúde”.

Por esse motivo, “quisemos perceber se, no Porto, nos dias de hoje, as pessoas que vivem nas chamadas ‘ilhas’ e nas casas subsidiadas pelo Estado (habitações sociais e casas económicas) têm maior carga de doença e, consequentemente, maiores níveis de mortalidade”, refere.

Para estudarem a associação entre o tipo de habitação e a mortalidade, os investigadores usaram dados de 2485 indivíduos adultos da cidade, que integram a coorte EPIPorto – um estudo longitudinal do ISPUP que acompanha, desde 1999 até hoje, a saúde destes participantes.

Através da georreferenciação dos seus endereços, conseguiram perceber a distribuição dos indivíduos pelas várias tipologias de habitação: “ilhas” (casas operárias de baixa qualidade que surgiram nos finais do século XIX com a industrialização e êxodo rural), habitações sociais (construções em altura, mais conhecidas por “bairros sociais”, destinadas à população mais carenciada), casas económicas (construções a preços acessíveis, normalmente atribuídas a famílias de classe média baixa) e casas convencionais, não subsidiadas.

Foram ainda tidas em conta as características sociodemográficas, comportamentais e clínicas dos participantes, através dos dados provenientes das várias avaliações da coorte, ao longo de 20 anos de seguimento.

E foi possível perceber que…
Dos 2485 moradores da cidade do Porto que participaram no estudo, 75,1% (a grande maioria) vivem em casas convencionais, 15,9% moram em habitações sociais, 4,8% em “ilhas” e 4,3% em casas económicas.

O maior número de mortes ocorreu entre os habitantes das “ilhas” (28,3%), moradores das casas económicas (21,7%) e entre as pessoas que viviam em habitações sociais (21,3%). Apenas 14,6% dos participantes que viviam em casas convencionais faleceram durante o período temporal analisado.

Observou-se também que quem vive em “ilhas” e habitações sociais apresenta um risco de morte 46% mais elevado do que os habitantes de casas convencionais. “E isto é verdade, independentemente de fatores como a profissão e a escolaridade dos indivíduos, o que significa que pessoas com exatamente a mesma idade, sexo, educação e profissão apresentam um risco diferente de mortalidade, consoante o tipo de casa e bairro em que habitam”, destaca a investigadora.

Em particular, o risco de morte prematura (antes dos 70 anos de idade) é superior nos habitantes das “ilhas”, os quais também têm 2,4 vezes mais probabilidade de falecer por doenças cardiovasculares do que as pessoas que vivem em casas convencionais.

Outro dos resultados que sobressaiu do estudo foi a constatação de que viver num contexto habitacional de algum modo degradado é mais determinante para a mortalidade do que fatores de risco bem estabelecidos, como a hipertensão, baixo nível de escolaridade, a inatividade física, o consumo excessivo de álcool, ser trabalhador manual e ser obeso.

Como se explicam estes resultados?
De acordo com Ana Isabel Ribeiro, estes dados podem ser explicados, por um lado, “pelo ambiente físico dentro e fora das habitações”. Apesar de este aspeto não ter sido especificamente analisado no estudo, “sabemos que as “ilhas” e as habitações sociais possuem ambientes interiores mais desfavoráveis, caracterizados por maiores níveis de poluição do ar, presença de fungos e humidade, e maior exposição a temperaturas extremas (frio ou calor)”. Estas exposições biofísicas estão associadas a maior risco de doença e de mortalidade.
Por outro lado, há igualmente a hipótese de existir um maior nível de stress psicológico entre os moradores dos bairros sociais e “ilhas”. “O stress psicológico, causado pelo estigma social, pela exclusão e guetização, afeta tanto a saúde física como a mental, o que se poderá traduzir num maior risco de morte”, refere.
Note-se ainda que, de uma forma geral, os indivíduos que moram em “ilhas”, habitações sociais e casas económicas apresentam níveis mais baixos de escolaridade e profissões mais indiferenciadas. Noutro domínio, os habitantes dos bairros sociais e das “ilhas” são também os que consomem mais álcool e apresentam maiores níveis de obesidade, sedentarismo e hipertensão.
A pertinência do estudo
Para a investigadora do ISPUP, este artigo reveste-se de especial importância, devido a vários fatores. “Ao demonstrarmos que a habitação é um determinante fundamental para a saúde da população, concluímos que é essencial apostar-se numa boa política de habitação em Portugal”, diz. “Tendo em conta que os indivíduos que vivem em ‘ilhas’ e habitações sociais têm maiores níveis de mortalidade do que a população que mora em casas convencionais, seria crucial melhorar o ambiente físico e social destes complexos habitacionais e assegurar uma monitorização contínua dos mesmos”.

De sublinhar que, numa altura em que Portugal enfrenta uma crise habitacional, caracterizada pelo aumento dos valores dos bens imobiliários, pelo elevado custo das rendas e pela falta de investimento público no setor, o artigo vem colocar em evidência o papel da habitação enquanto importante determinante da saúde populacional.

A investigação intitulada, Affordable, Social, and Substandard Housing and Mortality:The EPIPorto Cohort Study, 1999–2019, foi desenvolvida no âmbito da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP, e encontra-se disponível aqui.