20.5.20

Regresso das visitas aos lares: “Nunca mais chegava este dia. Gostei muito de ver a minha mãe”

Ana Cristina Pereira (Texto) e Paulo Pimenta (Fotografia), in Público on-line

Recomeçam, pouco a pouco, as visitas aos lares para idosos, crianças e jovens, pessoas com deficiência. Na residência sénior Cuida Carinhos, na Maia, as visitas já se sucedem, a um ritmo de vinte minutos, separados por dez minutos de intervalo.

Maria Fernanda Torres estava ansiosa para ver o marido, Alípio, há um ano internado na residência sénior Cuida Carinhos, na Maia. Dois meses sem um único frente-a-frente. Nunca tal tinha acontecido em quase 40 anos de casamento. Aperaltou-se toda antes de lhe aparecer, através de um vidro transparente, para dois dedos de conversa - com vigilância, como nos namoros antigos.
A partir desta segunda-feira recomeçam, pouco a pouco, as visitas aos lares para idosos, crianças e jovens, pessoas com deficiência. “Em espaço próprio, amplo e com condições de arejamento”, de preferência no exterior, longe dos quartos e das salas de convívio, recomenda a Direcção-Geral de Saúde (DGS).

Há uma semana, quando a DGS revelou as regras a seguir, a directora técnica e gerente, a enfermeira Mariana Cruz, já tinha tudo preparado. Numa entrada, mandara instalar uma porta e uma parede de vidro. Definiu um horário semanal e encaixou as visitas de cada um dos 27 idosos ali residentes. Uns não têm filhos por perto, mas outros têm vários. Concedeu 20 minutos a cada familiar directo, separados por dez minutos de intervalo. De segunda a sexta, entre as 13h e as 19h, de meia em meia hora, mudam os rostos.

Maria Fernanda chegou com a máscara cirúrgica bem posta. Humedeceram-lhe os olhos ao contar como é que o marido entrou ali, deitado numa maca, alimentado por uma sonda, preso a uma algália, com uma doença degenerativa, a recuperar de um acidente cerebral vascular. “Estás bem-disposto?”, perguntou. “Queria ver-te. Estás óptimo. Estás muito bem. Estás a ficar muito guapo.”
O velho professor de Matemática ficou muito desagradado com o longo confinamento. Nas chamadas de voz ou vídeo, muitas vezes queixou-se: “Eu sou um prisioneiro.” Sempre fora dono do seu nariz. Acabou por compreender e aceitar. Agora, até para dar uma volta dentro do perímetro do lar, tem de estar acompanhado. Nos últimos dias, nas videochamadas, a velha professora de Português só lhe dizia: “Estás gordo. Tem cuidado.” “A gente fica mais aumentada”, sorria, no fim da visita. “Verifico que não. É o rosto dele. Vejo que está sereno. E isso deixa-me muito tranquila.”

As medidas emitidas pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, não obrigam a instalar uma barreira física. A experiência de Mariana Cruz é que lhe disse que melhor seria fazer isso do que forçar idosos e familiares a cumprir medidas de distanciamento físico, etiqueta respiratória e higienização de mãos. Semanas antes de as visitas terem sido suspensas, já lhes pedia que usassem máscara. “Tínhamos de estar sempre a chamar a atenção, porque as pessoas tiravam a máscara ou estavam sempre a mexer na máscara ou davam na mesma o abraço e o beijinho. É muito difícil evitar o toque.”

Entre as 27 pessoas que ali moram está a sua avó, Maria Perpétua. Esta era a casa dela. Nem por isso a senhora, de 93 anos, teve privilégio de receber visitas. O filho, que vive mesmo ao lado, avistava do piso superior. A filha não. A filha, Odete Rodrigues, mãe de Mariana Cruz, só esta segunda-feira a viu do lado de fora da porta de vidro. “Temos de dar o exemplo.”

As mãos de mãe e filha não se tocaram, mas não deixaram de se procurar e a certa altura sobrepuseram-se no vidro. “Nunca mais chegava este dia. Chegou, graças a Deus. Gostei muito de ver a minha mãe. Está com a pele muito mimosa”, dizia, feliz. Esta semana regressa a cabeleireira ao lar, mas Maria Perpétua já anunciou que dispensa a pintura. “Finalmente convenceu-se. Fica-lhe bem o cabelo branco. ”

A Odete, antiga professora do ensino secundário agora rendida ao papel de avó, não parece estranho ver a sua casa de infância transformada em lar de idosos. “A minha filha estava a trabalhar na urgência do Hospital São João e falou-me nessa possibilidade. Eu disse: ‘Tudo bem, a casa é nossa, mas não se vai resolver nada sem o consentimento da avozinha. Ela ouviu, ouviu. Passado um bocado disse: ‘Sabes que até é boa ideia? Era da maneira que eu nunca mais estava aqui sozinha!’ Ela delira. Está rodeada de gente. E nós estamos descansados.”