21.5.20

Uma resposta ao “E agora”?

Catarina Neves, in Sapo24

Este não é um texto sobre as grandes oportunidades da pandemia. Mas também não é um texto derrotista: podemos mudar muita coisa, e o nosso papel (nosso - sociedade no sentido mais abrangente que possam imaginar) é imprescindível.


Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.

Vivemos tempos atípicos, já todos sabemos. Nos últimos 3 meses a nossa expectativa e visão para o Mundo, para o País e para a nossa vida mudou. E se tudo isto nos causa ansiedade sobre o que nos rodeia e o que nos espera, certamente já todos nos deparámos com a pergunta: “e agora?”

E agora, quando vou voltar ao escritório? E agora, quando é que volto a ver a minha família, sentindo-me segura?

Mas surgem perguntas diferentes: E agora, como vou fazer face às despesas deste mês e do próximo? E agora, como arranjarei emprego, quando tudo indica que estamos a entrar numa recessão profunda?

Este não é um texto sobre as grandes oportunidades da pandemia. Mas também não é um texto derrotista: podemos mudar muita coisa, e o nosso papel (nosso - sociedade no sentido mais abrangente que possam imaginar) é imprescindível. É neste contexto que considero importante repensarmos a nossa noção de trabalho, uma tarefa essencial para combater alguns dos impactos atuais e futuros da pandemia, mas também muitos outros desafios que a atual crise apenas veio agudizar. Nesse sentido, parece-me que é altura de pensarmos em medidas como o Rendimento Básico Incondicional (mas não só) como forma de transição para um modelo onde o trabalho seja uma parte relevante da nossa vida, mas não essencial para a nossa sobrevivência.

Mas antes de mais, um breve contexto:
A Comissão Europeia previu recentemente uma contração do PIB que em Portugal, poderá chegar aos 6,8%, perto do mesmo valor que o turismo representou para o PIB em 2019. Mas ainda, não se espera que em 2021 as economias europeias consigam superar as perdas de 2020. Um outro fator relevante prende-se com a perda acentuada de rendimentos dos agregados familiares: uma sondagem recente do Expresso aponta que perto de 36% das famílias perderam rendimentos, com 16% a assumir que perdeu metade ou mais do seu rendimento. Mas o impacto não é igual para todos: o Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública aponta para o aumento da desigualdade, com os mais pobres e com menor nível de escolaridade a serem os mais impactados pela crise que vivemos, em particular pela quebra de rendimentos.

Também os jovens poderão ser os mais afetados pela crise económica, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, devido à maior probabilidade de estarem em situações de precariedade e de baixos salários. Importa ainda falar de pobreza. Nas últimas semanas a DECO, o Banco Alimentar e a Caritas alertaram para os aumentos de pedido de ajuda e de apoio devido à pandemia (ajuda alimentar, ou apoio devido à perda de rendimentos). Como a Rede Europeia Anti Pobreza em Portugal publicou na sua tomada de posição no início da pandemia, “mais de 2 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social e cerca de 1.7 milhões encontram-se em risco de pobreza monetária”. Mais ainda: em 2019 “33% da população portuguesa não conseguia assegurar o pagamento imediato de uma despesa sem recorrer a empréstimo”. Acresce a isto, o número elevado de trabalhadores em part-time ou com contratos de trabalho temporários, e o aumento do número de trabalhadores pobres. Importa frisar que todos estes números se verificaram em 2018 e 2019, num contexto de situação económica favorável.