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15.9.23

"Para proteção de todos nós." Zero considera "urgente" regulamentar uso do bisfenol A na UE

Fátima Valente com Cláudia Alves Mendes, in TSF


Susana Fonseca, investigadora na área dos plásticos, aconselha a que população evite produtos em embalagens metálicas e prefira aqueles que são embalados em vidro ou até em aço inoxidável, alertando que a combinação de plásticos com a temperatura é a "pior possível".


Aassociação ambientalista Zero defende que a União Europeia deve avançar com regulamentação para evitar que o bisfenol A, uma substância química sintética, seja usado em embalagens para alimentos e bebidas.


A Agência Europeia do Ambiente alertou para a alta exposição dos europeus à substância química sintética bisfenol A (BPA), que pode colocar em risco a saúde de milhões de pessoas. O estudo, realizado em 11 países, incluindo Portugal, revela que a exposição a esta substância é muito superior aos níveis recomendados.


O BPA é um composto usado nos plásticos (para os tornar mais duros) e está, por exemplo, em recipientes para comida, garrafas de plástico ou latas de conserva, e mesmo em brinquedos.

Em alguns países, como França, a substância já foi proibida, mas, na maior parte dos Estados-membros, Susana Fonseca, investigadora na área dos plásticos, que integra a direção da Zero, afirma que é preciso mais regulamentação.

"O problema é que Portugal não é um país onde normalmente tomem este tipo de medidas. Não é um país muito proativo dos químicos, de todo - normalmente são os países nórdicos, neste caso a Suécia também tem medidas mais restritivas ou a França, que na área das substâncias químicas tem alguma legislação que vai muito à frente da maioria dos países europeus", indica, em declarações à TSF, explicando que é precisamente por estes motivos que "a melhor forma de garantir que a proteção" de todos os cidadãos, é haver regulamentação europeia.

"Por isso é que para países como Portugal, onde é muito difícil movimentarem-se nestes temas, aquilo que nós defendemos é que a regulamentação europeia é a melhor forma de garantir a proteção de todos nós. É importante estes países darem estes passos, é importantíssimo, isto quer dizer que é possível e se é possível que determinados produtos nestes países não contenham bisfenol, então também é possível nos outros países. A indústria não pode dizer que não é possível", esclarece.

Perigos associados a esta substância utilizada em plásticos incluem ameaças ao sistema imunitário, desregulação endócrina, redução da fertilidade e reações alérgicas cutâneas.

"As restantes substâncias desta mesma família apresentam em geral - alguns estudos já têm vindo a ser feitos - as mesmas características e o impactado, o nosso sistema endócrino, todos os problemas que pode trazer em termos reprodutivos, continuam lá e o risco mantém-se. Diz-se, vamos restringindo a utilização de determinadas substâncias, aquilo que nós realmente vemos é que elas desaparecem destas amostras exatamente porque não há forma mais eficaz de reduzir a exposição a substâncias químicas do que a sua não colocação nos produtos. A ideia que nós depois vamos conseguir controlar as substâncias ao longo do processo é falsa", defende.

A investigadora insiste, assim, que a única forma de evitar que milhões de europeus fiquem expostos a estas substâncias é através da regulamentação e adverte que se os níveis atuais ultrapassam a média recomendada é porque há falta de legislação.

"A justificação para esta situação de grande exposição é o facto de a regulamentação não ter ainda proibido a utilização desta substância de uma forma mais alargada. As restrições que existem neste momento são dirigidas a produtos para bebés e crianças até aos 3 anos, quer brinquedos, quer outro tipo de produtos que sejam usados e sejam produzidos especificamente para essa idade, mas todos os seres humanos a partir dos três anos não beneficiam deste tipo de restrição", lamenta, avançando que esta substância está presente "em elevadíssimas quantidades" nos produtos utilizados diariamente.

"É uma substância que na Europa está registada como estando a ser utilizada normalmente em mais de um milhão de toneladas. Estamos a falar de uma substância de utilização muito generalizada e que era urgente restringir em termos de utilização", atira.

A ambientalista aconselha, por isso, a que população evite produtos em embalagens metálicas e prefira aqueles que são embalados em vidro ou até em aço inoxidável, alertando que "mesmo as garrafas de água reutilizáveis são muitas vezes feitas de policarbonato".

"O policarbonato é um dos polimos que mais utilizava o bisfenol. Para evitarmos estarmos sujeitos ao contacto com estes produtos, que ainda por cima são de uso comum, diário muitas vezes, sujeitos a temperatura, o que normalmente com os plásticos e com os aditivos do plástico é a pior cominação possível. A temperatura, a acidez, a gordura, são tudo situações que normalmente propiciam a migração de substâncias dos plásticos para os alimentos", explica.

Em junho passado, a Agência Europeia do Ambiente já tinha salientado a presença de bisfenol A no organismo de mais de 90% dos participantes de um estudo, alertando para a contínua produção e consumo na Europa de "grandes quantidades de produtos químicos".



12.9.23

As máscaras protegem contra a Covid-19?

Tiago Correia, opinião, in SIC

Opinião de Tiago Correia. O regresso das máscaras aos hospitais trouxe à memória um passado recente que ninguém quer repetir. Tanto pairou no ar o medo de “voltarmos para trás” nas medidas de combate à Covid-19, como a absoluta desconsideração. Nenhuma das duas posições é adequada perante o que está em causa, sendo importante recordar o que a ciência diz sobre a proteção que as máscaras conferem. A utilização voluntária de máscaras em determinados locais e em certos momentos pode fazer parte do quotidiano.

Os alarmes soaram na opinião pública com a decisão do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, do qual fazem parte os hospitais Pulido Valente e Santa Maria, em recomendar a utilização de máscaras. Os médicos responsáveis depressa disseram que era uma medida preventiva face ao aumento repentino de doentes internados por outros motivos e que também testaram positivo à Covid-19, mantendo sintomas ligeiros a moderados. Sendo os hospitais lugares de permanência de pessoas vulneráveis, a recomendação da utilização da máscara a visitas e profissionais de saúde parece uma dedução lógica. Além de lógica, está prevista numa orientação da DGS.

Por isso, o ruído à volta desta situação foi excessivo. Uma recomendação não é uma obrigação e o facto das autoridades de um hospital considerarem tratar-se de uma medida sensata não significa que outros hospitais decidam da mesma forma. Foi isso que o Governo e a DGS vieram dizer: a avaliação de risco é local e é às autoridades locais que compete emitir recomendações.

Não tendo caráter obrigatório, o discurso de quase ódio que tipicamente irrompe nas redes sociais quanto ao suposto ataque às liberdades individuais não tem sentido. Civismo e sensatez fazem parte das regras informais de convivência em sociedade. É apenas nestes termos que esta medida se enquadra e não é demais recordar que a Lei de Bases de Saúde Pública – que permitirá enquadrar estas situações – ainda está por aprovar.

Tanto é necessário esvaziar as críticas infundadas como serenar as pessoas. Não há sinais de que algo pior esteja no horizonte, mesmo que alguns números apontem para o aumento de internamentos por Covid-19 a nível internacional. A vacinação mudou o jogo por completo, sendo possível permitir o aumento das infeções sem a necessidade de obrigações e restrições. Assim será enquanto o vírus mantiver o comportamento que tem tido e enquanto a adesão à vacinação permitir proteger os mais vulneráveis.

Nos momentos mais duros da pandemia foi dito à exaustão de que estávamos obrigados a aprender. É uma absoluta contradição termos o inverno à porta e o aumento generalizado de infeções respiratórias, e os picos de mortalidade ou a sobrecarga dos serviços de saúde serem vistos como se a vida entre 2020 e 2022 não tivesse existido.

Não se trata de dizer que é possível travar transmissões ou picos sazonais de mortalidade. Mas sim que todos temos um papel a cumprir na adesão voluntária a medidas de prevenção. Se isso acontece com as vacinas, pode acontecer com as máscaras.

As máscaras, tanto usadas por profissionais de saúde como na comunidade, protegem contra a transmissão da Covid-19, em estimativas que chegam a 70%. É isso que mostra a melhor evidência científica disponível.(1,2) Mas há um reparo importante que os estudos chamam a atenção: as máscaras são ineficazes se mal-usadas ou quando a sua utilização não é cumprida.(3,4,5)

Por isso, quanto mais as pessoas perceberem a importância da sua utilização nos casos em que é recomendada ou quando têm sintomas gripais, mesmo que ligeiros, mais facilmente aderem de forma voluntária à medida. E quanto mais pessoas aderirem, mais efetiva a medida se torna.

Aquilo que outrora era típico nos países orientais deve ser compreendido no ocidente: a utilização de máscaras pode fazer parte do quotidiano em determinados momentos e contextos como parte de um ato cívico.

Referências bibliográficas:

1 Hajmohammadi M, Saki Malehi A, Maraghi E. (2023) Effectiveness of Using Face Masks and Personal Protective Equipment to Reducing the Spread of COVID-19: A Systematic Review and Meta-Analysis of Case-Control Studies. Adv Biomed Res;12:36. doi: 10.4103/abr.abr_337_21.

2 Ollila HM, Partinen M, Koskela J, Borghi J, Savolainen R, Rotkirch A, et al. (2022) Face masks to prevent transmission of respiratory infections: Systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials on face mask use. PLoS ONE; 17(12): e0271517.

3 Jefferson T, Dooley L, Ferroni E, Al-Ansary LA, van Driel ML, Bawazeer GA, Jones MA, Hoffmann TC, Clark J, Beller EM, Glasziou PP, Conly JM. (2023) Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses. Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue 1. Art. No.: CD006207.

4 Purssell, E., & Gould, D. (2023). Face mask use to prevent COVID-19 in clinical practice. Using a review of reviews to improve decision-making and transparency. Journal of Advanced Nursing, 79, 2456–2464.

5 https://www.cochrane.org/news/statement-physical-interventions-interrupt-or-reduce-spread-respiratory-viruses-review

29.8.23

"Não há aposta dos governos na Saúde Pública. Só se lembram em crise"

Teresa Banha, in Notícias ao Minuto


O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Gustavo Tato Borges, é o entrevistado desta segunda-feira do Vozes ao Minuto.


Saúde Pública é uma das áreas da medicina que ganhou mais destaque com o aparecimento da Covid-19, numa altura em que a existência de epidemias e crises sanitárias eram temas abordados quase exclusivamente nos livros de História.


Mas, além da Covid-19, esta é uma área que está mais mais presente e próxima - ou deveria estar - do que a maioria da população acha. O Notícias ao Minuto falou com o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Gustavo Tato Borges, por forma a perceber a importância da Saúde Pública.

Gustavo Tato Borges sublinha que não tem havido uma aposta por partes dos governos nas últimas décadas, e que é essencial que a Saúde Pública tenha um lugar à mesa. Quanto à futura licenciatura na área, o responsável admite que poderá vir dar algum apoio, mas que há outras questões que são precisas colmatar.

A Saúde Pública preocupa-se com a comunidade como um todo e, portanto, com aqueles que são doentes, aqueles que são saudáveis e aqueles que estão em risco de vir a ser doentes

Que tipo de questões abrange a área da Saúde Pública?

É uma área muito extensa e que tem uma intervenção bastante alargada naquilo que é a saúde da população que segue. A Saúde Pública preocupa-se com a comunidade como um todo e, portanto, com aqueles que são doentes, aqueles que são saudáveis e aqueles que estão em risco de vir a ser doentes. E isso analisa uma data de coisas. Desde logo, faz a análise do estado de saúde da população - recolhendo dados de muitas entidades para perceber quais são as principais doenças que a nossa população tem e quais são os principais fatores de risco que a assolam -, quantos fumam, quantos são diabéticos, quantos são hipertensos, obesos. Mas, depois, também, de toda a realidade que circunda a população - desde logo, se há mais parques verdes ou menos parques verdes na sua realidade, se a habilitação literária das pessoas é maior ou menor, quais são os seus ganhos médios - para tirar uma fotografia muito grande, e depois sabermos quais são as principais necessidades em saúde da sua população - para fazer a seguir o plano local de saúde, sempre alinhado com o plano nacional e regional de saúde, no sentido de atuar sobre estas necessidades. Isso é o área do observatório e planeamento.

E de resto?

Depois tem aquela área que as pessoas mais conhecem, que é a área da vigilância epidemiológica, em que fazemos o estudo de algumas doenças infecciosas e de que maneira podemos conter o aparecimento de mais casos naquela população - seja identificando quem está em risco de desenvolver a doença e tratando ou isolando essas pessoas para minimizar que transmitam a outras, ou identificando uma fonte de infecção para tratá-la e aí deixamos de ter o risco na população.

Depois há a área da proteção da saúde, na qual basicamente, olhamos para o meio ambiente que rodeia - estamos a falar de tudo o que nos circunda, desde os rios, a água canalizada, saneamento básico, onde estão as indústrias, quais são os estabelecimentos comerciais que servem as pessoas e que podem ser um risco de saúde para as pessoas que lá vão - e tratamos de eliminar esse risco ou minimizá-lo na saúde da população. É uma área bastante abrangente que tem muita forma de intervenção. E ainda há a área da promoção da saúde, classicamente associada àquilo que é a educação para a saúde, maioritariamente nas escolas, mas podemos alargar a muitas outras faixas etárias - e não só.

Como assim?

Trabalhando com as câmaras municipais e com os agentes da comunidade podemos criar condições para que as pessoas possam pôr em prática aquilo que aprendem de educação para a saúde, contribuindo para a literacia em saúde. Literacia não é só ter conhecimentos - é aplicá-los de forma intencional para proteger a sua saúde. Uma pessoa que não fuma porque sabe que fumar lhe faz mal e, por isso mesmo, decide não fumar, é uma pessoa que tem literacia em saúde. Mas se aquela pessoa não fuma apenas porque não gosta do cheiro ou do sabor que o tabaco lhe dá, mas desconhece os fatores nocivos do tabaco, então ela tem hábitos de vida saudáveis. São coisas diferentes - e, portanto, nós trabalhamos com os nossos agentes da comunidade para promover a saúde, capacitando os utentes, mas dando-lhes oportunidades para depois poder aplicar esses conhecimentos na vida real.

Há também uma área grande, a da comunicação para a saúde, em que desenvolvemos informação de que as pessoas podem usufruir, desde logo através das redes sociais, alguns boletins que possam sair - e aqui a Direção-Geral da Saúde (DGS) tem um papel bastante importante, mas as unidades de Saúde Pública locais, que estão junto da comunidade, também têm um papel importante a desempenhar. É um trabalho mais próximo - conhece a realidade da população e a maneira como a população também reage a alguma informação. A DGS conhece a realidade nacional, mas, no local, às vezes conhecemos algum pormenor que é importante.

E, por fim, também não podia deixar de falar da área da autoridade de saúde, que é um poder atribuído aos médicos de Saúde Pública que permite intervir em nome do Governo na defesa da saúde da população, como também atuar de acordo com a Lei da Saúde Mental.

De que ações fala?

A autoridade de saúde tem uma abrangência muito grande. Se eu tiver uma queixa de que um restaurante está a produzir comida em condições de insalubridade - que haja um risco de que infecções que possam depois passar para a população -, este poder permite-me chegar àquele estabelecimento, determinar as medidas que ele precisa fazer para conter aquele risco e se ele não estiver a colaborar ou se o risco for mesmo muito, poder encerrar este estabelecimento. Esta é a principal função da autoridade de saúde - conter um risco na população com o poder do Estado por trás.

Já a questão da Lei da Saúde Mental é transversal em todo o país, ou seja, em todos os agrupamentos de centros de saúdes onde há um delegado de saúde - que existem em todo o lado. É possível um utente dirigir-se à unidade, falar com o delegado de saúde e pedir para que o seu familiar - normalmente são familiares diretos que vêm a solicitar este tipo de apoio - e o seu familiar que é um doente psiquiátrico e que está descompensado e não quer tratar-se, possa ser obrigado a dirigir-se ao serviço de urgência de psiquiatria mais próximo para ser avaliado. Depois, os colegas da psiquiatria é que consideram se é necessário internar ou não. Mas este trabalho de parceria entre a autoridade de saúde e a psiquiatria permite que, muitas vezes, doentes psiquiátricos que depois se tornariam um risco na sua comunidade mais local possam ser tratados e regressar num estado de maior equilíbrio e retomar a sua vida o mais normal possível.

Disse-me que normalmente eram familiares que faziam estes pedidos. E as pessoas que estão mais 'abandonadas'?

Em termos teóricos, diria que qualquer pessoa pode pedir à autoridade de saúde que investigue numa situação desse género. Normalmente, o que acontece é que esse género de pessoas que estão mais isoladas, sejam pessoas em situação de sem-abrigo, idosos que estão sozinhos ou utentes psiquiátricos que moram numa habitação sem relação familiar próxima, normalmente a Ação Social acaba por encontrá-los e são eles que nos apresentam esses utentes. E essa realidade acontece também com alguma frequência. Algumas vezes não é possível ajudar porque não é bem uma questão psiquiátrica, é mais uma questão social - o apoio tem de ser outro e o utente tem de autorizar, mas quando acontece de facto uma realidade que é psiquiátrica e que nós conseguimos confirmar, então acionamos os mecanismos para encaminhar essa pessoa para a ajuda clínica de que necessita.

Ainda hoje continua a haver uma tentativa de espartilhar a atuação da Saúde Pública em diferentes áreas

Devido a estas questões tão locais, tão próximas, gostava de falar sobre a licenciatura que vai existir em Saúde Pública, e se estreia para o próximo ano. Qual é a necessidade desta licenciatura em Portugal?

A primeira vez que ouvimos falar desta necessidade, pelo menos, publicamente, foi através do Relatório de Primavera de 2022 do Observatório Português do Sistema de Saúde [pág. 12], numa das áreas escritas pelo professor Henrique Barros, onde ele dizia que é necessária esta licenciatura para criar "um exército" essencial na resposta às tarefas da rotina ou até mesmo em relação às crises sanitárias porque tem havido uma planificação insuficiente da força de trabalho desta área. Aqui tem vários fatores de risco. Quando falamos das crises sanitárias falamos da preparação e resposta, controlo e prevenção, ou seja, do estudo das situações para que possamos ter um plano de contingência e para que todos sejam preparados para os níveis de resposta - e depois, efetivamente, trabalhar.

Concordando eu com o professor Henrique Barros, tem sido muito difícil criar condições para que a Saúde Pública se torne atrativa para os seus profissionais - e os seus profissionais clássicos são médicos de Saúde Pública, enfermeiros de Saúde Pública ou Saúde Comunitária e técnicos de saúde ambiental. Não tem havido, e infelizmente, continua sem existir, uma aposta dos sucessivos governos nesta área. E só se lembram da Saúde Pública quando há uma crise. Isto tem sido cíclico ao longo do tempo e é preciso mudar de maneira a que haja uma capacidade de atratividade por parte da Saúde Pública para que os jovens talentos queiram ficar não só nesta área, mas também no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

De que tipo de falta de condições fala?

Um dos exemplos clássicos tem a ver com a reforma da Saúde Pública, em que já estamos em sucessivas renovações de comissões, que já produziram documentos com uma proposta de organização para esta área e nenhum governo quis implementá-lo - sendo que a atual está completamente manietada porque todos os médicos de Saúde Pública se demitiram num claro sinal de revolta ou de insatisfação com o facto de não existir uma vontade política para seguir as indicações destas comissões para fortalecer a Saúde Pública em Portugal.

Ainda hoje continua a haver uma tentativa de espartilhar a atuação da Saúde Pública em diferentes áreas, por diferentes atores, sem existir uma coordenação única e integrada e isso dificulta o nosso trabalho. É um futuro que nós não queremos que exista.

O Governo está a copiar um pouco o que está a acontecer com o Reino Unido, onde a Saúde Pública já foi dividida em três instituições diferentes - e tem sido difícil para os profissionais de Saúde Pública no terreno operarem de uma forma coerente, integrada, porque cada uma puxa para os seus interesses e é difícil a nível de recursos [já que] são escassos.

Mas no Reino Unido existe especialização?

Há especialistas em Saúde Pública - médicos e não médicos - que no Reino Unido trabalham de uma forma muito semelhante e que estão colocados junto das câmaras municipais, onde têm uma capacidade de intervenção junto destas câmaras para resolver questões que a câmara pode resolver - e, normalmente, a câmara tem a faca e o queijo na mão para muitas coisas -, mas, por outro lado, ficaram muito desligados daquilo que é a área da saúde e os dados da saúde e têm dificuldade em entrar em contato com hospitais e com os centros de saúde. Ganharam de um lado, mas perderam do outro. E isto é muito complicado de gerir.

O Canadá, por exemplo, fez já o caminho de saída da saúde para as câmaras e, voltou para a saúde percebendo que nas câmaras perdia uma capacidade de intervenção - e, acima de tudo, perdia dados que eram extremamente importantes para perceber o que a população necessitava. Nós queremos ficar na área da saúde, mas ter uma colaboração muito forte com as câmaras municipais e outras áreas.

Mas esta área, a nível internacional, tem muitas formas de organização. A Saúde Pública como está em Portugal não acontece com muita semelhança noutros países. O Canadá será um país muito próximo - apesar de terem níveis regionais mais robustos porque são regiões independentes. Em Itália, a Saúde Pública está nas universidades. Depende muito da organização individual de cada país. Há muita forma de organizar a Saúde Pública. Há vantagens e desvantagens entre as diferentes formas de organização.

Em Portugal, consideramos que tendo o Serviço Nacional de Saúde tão rendilhado como é o nosso, espalhado por todo o terreno, faz sentido que a Saúde Pública esteja perto da comunidade. Há pequenas variações que podemos fazer - se estamos efetivamente dentro do centro de saúde ou numa estrutura de saúde pública, há vantagens e desvantagens. São tudo questões que podem ser organizadas e em que a Comissão para a Reforma da Saúde Pública tem vindo a debruçar-se, sendo que já apontou um caminho para uma resolução deste enquadramento dos serviços de saúde pública e de que forma podem servir cada vez melhor a população - caminho este que, infelizmente, não é público.

Esse caminho estará em vias de ser público?

Não é mesmo público. Que eu tenha conhecimento, há dois ou três relatórios já elaborados que estão na gaveta do Ministério da Saúde. Esta nova comissão não conseguiu ainda produzir nenhum trabalho devido à admissão do seu coordenador, o Dr. Mário Jorge Neves, e depois à saída de todos os médicos em protesto com a maneira como estavam a ser pedidos os trabalhos e a falta de vontade, de facto, de assumir estes compromissos que a comissão e estes aconselhamentos da comissão iam desenvolvendo.

Portanto, não temos um relatório público. Não é conhecido e não vai ser divulgado - se quisessem divulgar, o Governo já o teria feito. E é uma pena porque nós precisamos de discutir de uma forma técnica, científica a maneira como a Saúde Pública se vai organizar para estar preparada para 2030 enfrentar aquilo que for necessário. Sem estes relatórios, abertura e transparência para poder ser discutida, vamos acabar por estar um bocado mais manietados, infelizmente, aguardar por uma reforma da Saúde Pública que vai tardar a chegar.

Parece haver aqui um problema de comunicação?

A interação entre os diferentes atores da sociedade - seja da saúde, seja da sociedade civil, seja de que área forem - é extremamente importante. Nós trabalhamos em colaboração para crescermos em conjunto e a nossa população ser melhor servida.

Infelizmente, a interpretação de que "eu sei mais ou eu posso mais ou eu tenho esta obrigação e tu não tens" acabou por minar muitas vezes esta comunicação e nós precisamos de trabalhá-la cada vez melhor. Com o Governo, há uma comunicação, uma linha de contacto, mas o que se denota, ao longo dos sucessivos governos - não é um problema deste Executivo - é que eles têm uma visão para a saúde que não contempla a Saúde Pública porque desconhecem aquilo que a Saúde Pública faz.

E quando temos lá profissionais da Saúde Pública e posso recordar, por exemplo, o ministro professor Adalberto Campos Fernandes - que é um médico especialista em Saúde Pública e doutorado em Sistemas de Saúde -, a verdade é que quando ele queria fazer também alguma coisa o Governo não estava a perceber qual era a vantagem. Acabou por também ser um bocado manietado, por não conseguir intervir da forma como ele se calhar tinha idealizado e acabou por sair do Governo de uma forma rápida e inglória.

Este espartilhamento em Portugal de que falou é assim sinónimo de uma desvalorização da área por parte do Governo?

A desvalorização não só tem a ver com esta falta de investimento para atrair os profissionais que vêm - falo não só da reforma, mas também das condições de trabalho e do salário -, mas também o facto de as unidades de Saúde Pública não terem um financiamento próprio. Quando precisamos de desenvolver alguma atividade que tenha um custo associado, temos de obter várias autorizações a diferentes níveis - local, regional e nacional. Para que do bolo da Saúde Pública que a própria DGS vai tendo, nós no nível local possamos fazer alguma coisa. Isto também não permite ter uma intervenção adequada. Precisávamos de ter uma verba atribuída às unidades de saúde pública e que estas se fossem gerindo de acordo com as necessidades, nomeadamente, em termos de análises ou contratações, por exemplo, para podermos trabalhar de uma forma mais eficaz.

Ou seja, até chegar uma 'luz verde' para um problema que as unidades possam ter, este alastra-se e depois há uma corrida atrás do prejuízo?

Quando o problema é sério, e aí estamos a falar do problema nacional, é mais fácil obter autorizações porque está tudo já mais agilizado. Mas vamos imaginar que há casos de Legionalla numa determinada localidade e que se consegue perceber que há um possível foco infeccioso - precisamos de confirmar que aquela origem está infetada com a bactéria que os utentes têm. Precisamos de fazer uma análise laboratorial à água. Se não tenho uma verba adequada para mim, tenho de recolher aquela amostra, guardá-la, pedir autorização e ficar à espera que venha essa autorização para fazer essa análise. E isto é tempo perdido. Não só é tempo perdido para identificarmos uma causa, como é tempo perdido, muitas vezes, para fazer uma intervenção mais eficaz. E por isso nós precisávamos deste financiamento. E quem fala desta área da intervenção de vigilância epidemiológica, poderíamos falar em programas de promoção da saúde.

Em que medida?

Poderiam desenvolver-se programas e projetos muito interessantes com a comunidade, mas que é preciso financiamento - que nós não temos. E para não falar também dos recursos tecnológicos, já que por vezes precisamos de sair para ir ao exterior fazer alguma atividade, e se não tivermos um tablet ou um telemóvel capaz de ligação à internet, muitos dos meus colegas usam o seu próprio telefone - que já compram de maneira a poder incorporar o telefone no cartão de serviço.

Para não falar também da possibilidade de poder fazer investigação em Saúde Pública fora das nossas unidades. O nosso tempo é muito dirigido para o trabalho de serviço e não nos permitem guardar um período do nosso horário para trabalhar áreas conexas. Tudo isto acaba por tornar esta área pouco atrativa para médicos, enfermeiros e técnicos de saúde ambiental, que muitas vezes procuram outros desafios quando têm reconhecimento em áreas diferentes.

A licenciatura pode dar apoio, mas há outras profissões que precisávamos de ter a trabalhar connosco debaixo deste chapéuÉ por tudo isto que uma licenciatura na área se torna importante?

A licenciatura vem colmatar uma resposta, mas há muitas outras que é preciso ter.

Como por exemplo?

Não existe nesta área, especialmente a nível regional ou local, profissionais dedicados ao marketing ou à comunicação. Nós não temos juristas que nos ajudem - juristas especializados na área de intervenção da Saúde Pública, que nos permitam fazer uma intervenção baseada na lei. Quando muitas vezes questionamos outros juristas, não sabem muito bem como integrar as nossas atividades naquilo que é a lei ou aquilo que o Direito possa defender.

Precisávamos de epidemiologistas que estivessem connosco para permitir fazer uma análise melhor. Psicólogos, por exemplo.

Precisávamos não só técnicos licenciados em Saúde Pública, mas [profissionais de] muitas outras áreas que são conexas à Saúde Pública, que deveriam estar incorporados na nossa atividade. Neste momento, o que sabemos desta licenciatura é que, de acordo com o responsável, está dirigida para criar profissionais peritos ou, pelo menos, conhecedores da área da Saúde Pública para irem trabalhar ao nível das câmaras municipais, de juntas de freguesia e de outras entidades que acompanhem a comunidade.

Será importante?

Faz sentido porque quando nós precisamos de chegar à beira de uma câmara municipal ou a uma junta de freguesia e explicar porque é que aquela praia vai ser interdita ou porque é tão importante mudar o planeamento urbanístico daquela área para permitir ter ali um parque verde ou arborizar as vias - ou porque é que numa epidemia é importante encerrar determinado local ou fazer alguma cerca, estes técnicos podem abrir essas portas dentro da câmara municipal porque falarão a mesma linguagem que nós. E isso é uma mais-valia. Mas esta intervenção e esta integração de conhecimentos e destes profissionais noutras entidades deverá sempre estar coordenada com aquilo que é a evidência que a unidade em causa transmite, de maneira a que possamos estar todos alinhados. Tem de haver uma unidade, senão vamos estar a perder oportunidades de intervenção e estar desalinhados.

Mas de que forma estes profissionais vão ser integrados? Vamos estar a duplicar saberes e vamos estar com profissionais que fazem coisas parecidas? Nós queremos diferenciar as nossas habilidades e, portanto, há muitas dúvidas sobre a maneira como uma licenciatura vai ser introduzida no mercado de trabalho e precisamos de perceber como é que eles vão ser integrados, salientando-se sempre que uma força de Saúde Pública robusta é óptima - e que a licenciatura pode dar o apoio -, mas há muitas outras profissões que precisávamos de ter a trabalhar connosco de uma forma integrada debaixo deste chapéu e desta visão que a medicina de Saúde Pública pode fazer e que pode orientar um trabalho bastante diferenciado e eficaz.

Esta licenciatura pode então ser uma ponte, mas não uma 'construção' em ambas as margens?

[Estes profissionais] podem ser uma porta de entrada para conseguirmos que os agentes da comunidade, onde quer que eles estejam a trabalhar, possam estar sensíveis e capazes muitas vezes de entender o que a Saúde Pública acaba por transmitir - porque nós também temos o nosso défice de linguagem e, muitas vezes, comunicamos de uma forma que não é tão eficaz.

A ANMSP considera que para nós podermos saber qual o melhor caminho para evitar que em futuras pandemias que vão existir se repitam os mesmos erros, problemas e dificuldades há necessidade de fazer uma investigação independente ao trabalho feito na pandemia. E isso não pode ficar parado. Para podermos complementar com dados mais concretos a visão que o professor Henrique Barros também partilha [no relatório acima referido], mas, acima de tudo, uma avaliação global de quais os recursos que fazem falta.

E esse estudo deveria focar-se só em termos de Saúde Pública ou também em termos da atuação do Governo?

Diria uma investigação alargada, que veja não só a forma como o Governo respondeu [à pandemia de Covid-19] -se respondeu atempadamente, se as medidas foram as mais corretas, se houve algumas que precisávamos de fazer e não fizemos e outras que fizemos e já não era necessário, se a capacidade de intervenção na população e de colocar em isolamento as pessoas que era necessário foi eficaz ou não, se o uso de máscara devia ter sido mais cedo ou mais tarde, se teve um papel ou não teve, se câmaras, escolas, ação social, associações utentes, comércio, economia - responderam de uma forma adequada ou não. E onde é que estão as oportunidades para melhorar.

A Saúde Pública é a área do não-evento. Somos os médicos do não-evento

Foi a pandemia que colocou a área da Saúde Pública em cima da mesa?

A Covid-19 trouxe a Saúde Pública para a frente - isto só acontece quando há de facto epidemias. Aconteceu a mesma coisa quando veio a Gripe A ou o SARS original. A Saúde Pública tem estado na baila apenas quando há crises. Tem sido olhada apenas quando há um problema efetivo de Saúde Pública alargado e não como uma área de intervenção coletiva, constante e preventiva.

A área da Saúde Pública tem três objetivos: evitar a doença, prolongar a vida e promover a eficiência física e mental, ou seja, não ficarmos doentes, sermos cada vez mais saudáveis para vivemos mais anos, mas mais anos com qualidade.

Aliás, a Saúde Pública é a área do não-evento. Somos os médicos do não-evento. O que é muito complicado, porque depois dizem: "Gastaram-se milhões de euros na Saúde Pública para isto e depois não aconteceu nada". Mas é exatamente para isso que nós trabalhámos. Era para que não acontecesse nada, e isso é o mais importante. Muitas vezes sofremos com o nosso próprio sucesso: gastaram-se milhões, não houve problema de saúde então não era necessário gastar. Não. Era necessário gastar porque exatamente com a nossa intervenção evitámos aquelas casos de doença.

E outros projetos?

Relativamente a este conhecimento da força de trabalho que é necessária existir na Saúde Pública, a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública está a trabalhar com a Organização Mundial da Saúde no âmbito do mapeamento da força de trabalho de Saúde Pública para tentarmos clarificar quais são as competências, as funções o que é que falta para este investimento e, naturalmente, também que tipo de profissionais são a mais-valia para ter nos serviços que possamos operacionalizar cada vez melhor e cada vez de forma mais eficaz as competências essenciais que os médicos, os enfermeiros e os técnicos fazem nesta área da saúde.

Não há sensibilização para que no SNS tenha um olhar atento à Mutilação Genital Feminina

A questão da invisibilidade faz com que não haja muita investigação?

Temos dois grandes centros de investigação em Saúde Pública em Portugal, que é o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e a Escola Nacional de Saúde da Universidade de Nova Lisboa, mas são dois centros académicos. E seria extremamente importante que os serviços de Saúde Pública locais, regionais e nacionais tivessem capacidade de fazer mais investigação em Saúde Pública.

Com o aparecimento do surto de Mpox, o grupo que vigia esta doença e estes acontecimentos, acabou por fazer um artigo científico em que demonstra a maneira como foi evoluindo e o que é que foi feito e identificado. Também o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge ao fazer a investigação, que também é outro grande centro - mas mais laboratorial - fez um artigo científico onde explicou que tinha conseguido decifrar o genoma completo deste agente microbiológico.

O surto de Mpox é mais um exemplo de como a Saúde Pública só vem para a ribalta quando, efetivamente, existe risco infeccioso grande na comunidade.

Além da Mpox, também a Mutilação Genital Feminina (MGF) é um problema de Saúde Pública. Existe um sistema onde os médicos podem notificar os casos.

Sim, a Saúde Pública tem uma capacidade de intervir em muitos assuntos que muitas vezes não têm a ver com doenças em específico, mas com práticas que a comunidade vive e exercita. E a prática da Mutilação Genital Feminina é extremamente importante porque não há de todo uma sensibilização para que no SNS se tenha um olhar muito atento para esta realidade. E só mesmo profissionais que estão sensibilizados para a temática é que se desenvolvem neste campo, de maneira a poderem intervir de uma forma mais holística. E na área da Saúde Pública poucos são aqueles que se interessam por esta área.

Mas quem fala da MGF, fala do assédio sexual, de áreas mais globais como alimentação saudável, de atividade física. São tudo aspetos da nossa vida - uns mais graves e mais específicos e outros mais genéricos - que mudam a nossa saúde e que a Saúde Pública tem capacidade de intervir. Não só dando conhecimentos para que as pessoas saibam o que é que está mais certo e o que está mais errado - para que possam tomar as suas decisões e capacitarem-se de dizer eu "eu quero isto ou não quero aquilo" e depois, a seguir, mudar a sociedade.

E com isto nós estamos a falar desde dar conhecimentos, alertar a população para não permitir estas circunstâncias, mas também a trabalhar com a comunidade - e aqui estamos a falar das escolas, ação social, o cidadão em comum - para que possa denunciar rapidamente uma coisa deste género. Há ali uma família que pratica este género de atividade e, portanto, é preciso intervir e aí acionam-se os alarmes e vamos lá tentar resolver a situação - como estamos a falar especificamente aqui da MGF ou de casos de assédio e violação. O sistema tem a capacidade de intervir. Não há muitas armas, mas, se nós somos capazes de identificar situações de risco e evitar que elas aconteçam de uma forma concreta, conseguir minimizar estes problemas - e estes são muitos e muito alargados.

E também podemos falar das pessoas transgénero e da comunidade LGBTQIA+. O sistema não está preparado para lidar com estas realidades cada vez mais significativas, para podermos acudir quando há necessidade de um problema ser resolvido. Ou até mesmo de sabermos receber estas pessoas e colaborar com elas de acordo com aquilo que elas expressam que é a sua realidade muito concreta. Portanto, a Saúde Pública tem esta possibilidade de intervir nestas áreas todas, mas precisamos de mais capacidade de intervenção, diagnóstico, pessoas sensibilizadas para estes temas e isso também vem da falta de profissionais. Se tivéssemos mais profissionais podíamos dedicar-nos a mais áreas. A Saúde Pública deve intervir de uma forma bastante organizada, deve existir um plano nacional, por exemplo, para a MGF, que permitisse saber de que forma vamos intervir antes - sem qualquer situação de risco conhecida -, como vamos intervir quando há uma situação de risco, quando já ocorreu alguma coisa ou quando sabemos que há uma prática reiterada.

Também as questões ambientais são uma preocupação?

Já estamos numa fase do mundo em que as alterações climáticas já produzem efeitos significativos na vida das pessoas - e na mortalidade das pessoas. E, portanto, nós precisamos de ter aqui uma intervenção bastante consistente. Aqui nós preocupamo-nos desde a poluição dos rios, aos parques verdes que existem, à poluição ambiental que vai ocorrendo e, obviamente, às alterações climáticas. Aqui a Saúde Pública precisava de ter uma voz um bocadinho mais forte nesta área para poder dar evidência dos riscos que vamos tendo. Temos muitas investigações, muitos cientistas ambientais que vão trabalhando, mas na Saúde Pública vamos ficando por um plano de resposta à saúde sazonal - em que no inverno alertamos quando há ondas de frio e no verão alertamos quando há ondas de calor. Mas é uma coisa reativa.

Precisamos de cada vez mais olhar para as alterações climáticas como uma realidade que nós podemos mudar a médio e longo prazo - e que precisamos de começar a agir agora. É extremamente importante alertar as pessoas sobre os riscos, mas o que também podemos fazer é identificar as zonas onde o risco é maior - identificando locais onde é mais importante intervir - quais são as intervenções mais efetivas para poder resolver determinados riscos e poder trabalhar esta área de uma forma mais concreta e mais sistematizada.

Muitas vezes, o que acontece é que há pessoas interessadas nestas áreas e que desenvolvem um trabalho, mas acabam a fazer um trabalho desgarrado do resto porque não há um foco nacional, não há uma organização concreta em que todos podemos trabalhar à volta do mesmo problema. Precisávamos de ter uma estratégia de prevenção das alterações climáticas que passem pela saúde, pelo Ministério do Ambiente, pelo Ministério da Educação, pela Administração Interna para que todos respondam. Passa pela Habitação também.

Em que medida?

Uma das questões que condiciona muito a saúde das pessoas - nomeadamente nas ondas de calor e de frio - é ter uma habitação que é energeticamente insuficiente. E, portanto, precisamos de melhorar as nossas casas. E nisto, tenho de dizer, os últimos governos, nomeadamente do Partido Socialista, que tem estado agora nos últimos anos no Governo, têm lançado projetos para que as pessoas possam ter financiamento para aperfeiçoarem as suas casas nesta área. E isto é um caminho extremamente importante. Mas também sabemos que há muitas pessoas que vivem isoladas ou em situações habitacionais degradadíssimas e que estes programas não chegam a elas. Temos de olhar de uma forma mais global e crescer nesta área.

Portugal tem de ter um plano, tem de fazer a sua parte, mas precisamos que o mundo se una de uma vez por todas, para minimizar a realidade que cada vez mais é premente de que isto vai ser irreversível - e que, possivelmente, um dia vamos ter uma ameaça à nossa sobrevivência bastante significativa, se não mesmo uma ameaça [que conduza] à nossa extinção enquanto população que habita neste planeta.

16.6.23

Caos no centro de saúde de Loures: utentes dormem à porta por uma consulta

SIC, in Expresso

É mais um exemplo da falta de condições e de pessoal no Serviço Nacional de Saúde. Em Loures, os utentes contestam a falta de médicos e chegam a dormir à porta para tentar arranjar uma consulta

Há utentes que dormem à porta do centro de saúde de Loures, para tentar marcar uma consulta. E, muitas das vezes, nem assim consegue.

Francisco Martins chegou às 20h porque de madrugada não tinha transporte. Sem esse sacrifício, sabe que não teria sido atendido. “É uma vergonha. Parece que estamos piores que países de terceiro mundo”, diz Francisco.

Outra pessoa diz que foi ao estabelecimento, do Serviço Nacional de Saúde, “sexta, segunda, quarta e hoje”, com o mesmo objetivo.

Com o aproximar da hora de abertura, os utentes colocam-se por ordem. No entanto, só há senhas para 12 pessoas e muitos não são atendidos. “Como não temos médico, temos de vir ao médico de urgência, que só existe um”, relata um utente. "Não há mesmo ninguém de manhã", contesta outro.

Queixam-se que nos últimos tempos saíram médicos do centro de saúde e que até agora não houve substituição. Em Loures, há cerca de 60 mil pessoas sem médico de família. “Estou há 12 anos sem”, diz Francisco Martins.

9.6.23

O público paga tão bem, mas tão bem, que não consegue contratar

Susana Peralta, opinião, in Público

Como é bom de ver, numa série de competências essenciais para os serviços fornecidos pelo Estado, é o privado que paga mais.

Foi finalmente aberto o concurso para a Direção-Geral da Saúde. Procura-se pessoa licenciada há pelo menos dez anos, com especialização e/ou mestrado e/ou doutoramento em Saúde Pública ou formação pós-graduada em Gestão em Saúde, experiência em organizações internacionais de saúde, de gestão de equipas e projetos, planeamento e orientação de atividades na área da saúde pública, responsabilidade em vigilância de doenças, análise e interpretação de dados. Tanta qualificação e responsabilidade valem, para o Estado português, uns meros 4657 euros de vencimento bruto mensal, já incluindo despesas de representação. Em comparação, o PÚBLICO apurou que o diretor executivo do SNS ganha cerca de 12 mil euros brutos.

[Artigo exclusivo para assinantes]

7.6.23

"Falta de medicamentos vai agravar-se e o país tem de se preparar antes de um problema de saúde pública"

Ana Mafalda Inácio, in DN


Nas farmácias comunitárias faltam desde analgésicos a anti-inflamatórios e antibióticos. Nos hospitais, é cada vez mais difícil repor stocks. E o Infarmed já proibiu a exportação de mais de uma centena de medicamentos. O bastonário dos farmacêuticos diz ao DN que a situação é preocupante e que o país tem de "trabalhar urgentemente numa verdadeira estratégia de reserva de medicamentos".


a última semana, o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed) suspendeu a exportação de 110 medicamentos, entre eles o antibiótico amoxicilina, o anti-inflamatório ibuprofeno e outros mais, como o paracetamol. Tudo porque estes estão a faltar nas farmácias comunitárias e, nalguns casos, as reposições só estão previstas para daqui a meses. As razões para que tal aconteça são várias e vão desde problemas na produção à distribuição. O bastonário dos farmacêuticos, Helder Mota Filipe, diz que "a situação tem vindo a agravar-se e, muito provavelmente, vai agravar ainda mais, porque todas as causas que estão na sua base se vão manter".


A sua grande preocupação é que "o país deveria estar melhor preparado para gerir crises como esta". "Não podemos achar que a nós nada nos vai acontecer. Outros países europeus têm-se preparado com mecanismos legais. Não podemos achar que a nós nada nos vai acontecer", comentou ao DN.


Por enquanto, salvaguarda, "não foi identificada qualquer situação que constitua um problema grave de saúde pública - isto é, doentes que precisam de um medicamento em falta e para o qual não haja alternativa. A minha preocupação é que o país consiga garantir que tal não vai acontecer", mas, reforça, "para isso é mesmo necessário que o país esteja mais preparado".

E, nesse sentido, defende que se deve "trabalhar urgentemente numa verdadeira, robusta e moderna estratégia de reserva de medicamentos". "Deveríamos ter uma reserva que permitisse ao Estado recorrer a ela nestas situações, exatamente para se diminuir o risco de um problema de saúde pública", frisa.

Além de uma estratégia mais robusta, Helder Mota Filipe considera haver "um outro aspeto muito importante". "Há países que já têm uma lista de equivalentes terapêuticos para alguns medicamentos, no caso de situações mais complicadas". E dá um exemplo: "Recentemente houve dificuldade no acesso à amoxicilina pediátrica devido ao aumento das infeções respiratórias nas crianças, mas nos países em que já há uma lista de equivalentes terapêuticos o utente vai à farmácia e não sai de lá sem tratamento. Não há aquele, mas há outro. Em Portugal, o utente vai à farmácia, o farmacêutico diz que não tem o medicamento e não pode dispensar um alternativo. A solução é o utente ir de novo ao centro de saúde, pedir nova consulta e nova receita, e este vaivém não é compatível com uma infeção respiratória numa criança", diz, sublinhando que estas situações, dada a realidade atual, poder-se-ão "tornar cada vez mais frequentes".

O bastonário argumenta que tal poderia ser feito rapidamente, pois até há "uma instituição, sediada no Infarmed, que é a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica, que poderia servir para criar rapidamente uma listagem oficial e até para criar outras soluções para este tipo de problema", porque "quem sofre com isto são os doentes, as suas famílias e os profissionais, que veem os doentes a não serem tratados adequadamente".

Para o representante dos farmacêuticos "o importante é identificar-se os problemas e agir, criando-se condições do ponto de vista legal que permitam responder rapidamente a estas situações". Até porque, a situação não afeta só as farmácias comunitárias, mas também os hospitais. "O feedback que temos através do Colégio da Farmácia Hospitalar é o de que há mais dificuldade na gestão dos stocks. Isto é, a reposição dos stocks está a ser mais lenta o que tem exigido um maior esforço na garantia de que os medicamentos não faltam mesmo. Mas até agora não se detetou problemas graves".
Europa deixou a produção e agora depende de mercados como os da Índia e China

Helder Mota Filipe explica que "falhas no mercado sempre houve e sempre haverá, porque é impossível ter um mercado tão perfeito que, em dezenas de milhares de fórmulas farmacêuticas, não haja um problema de fabrico, de distribuição ou de gestão de stocks, mas o que nos preocupa é o aumento do número de falhas". E tudo começa, precisamente, porque nas últimas décadas a Europa "deixou de apostar na produção, preferindo outros mercados que asseguravam qualidade e produção mais barata, como a Índia, em primeiro lugar, e depois a China. E agora está mais dependente de fenómenos como a pandemia, que fechou vários laboratórios durante muito tempo, devido aos confinamentos, na China, por exemplo, o que atrasava a produção".

A esta situação, poucos laboratórios a produzirem na Europa, veio juntar-se a guerra na Ucrânia e a inflação. "Há matérias-primas que eram produzidas no Leste e que deixaram de o ser, retardando a produção de medicamentos", diz o bastonário. "Por exemplo, o alumínio, que é fundamental para a indústria farmacêutica, porque se não houver alumínio não é possível fabricar os blisters para as embalagens, e só isto já não permite cumprir prazos de fabrico, o que está a resultar numa maior dificuldade em se ter acesso a medicamentos", regista.

Por outro lado, a inflação e o aumento do custo das matérias-primas também torna a produção dos medicamentos mais cara e coloca em risco alguns, que os laboratórios consideram "inviáveis economicamente". É o que está a acontecer nalguns mercados, nomeadamente no português. "Temos um sistema de controlo de preços de medicamentos que está construído para não os deixar aumentar, por princípio. Mas, no momento em que estamos, em que o aumento do custo na produção é significativo, pode haver medicamentos em que o preço em Portugal não compense e que a indústria possa retirar do mercado nacional".

Por isso mesmo, defende, que também para esta situação o Estado já deveria ter criado "um mecanismo legal que obrigasse as empresas a manter o medicamento no mercado, mesmo contra a sua vontade". Esta questão, diz Helder Mota Filipe, também se tem vindo a agravar, porque os laboratórios e os distribuidores acabam por vender estes medicamentos nos mercados em que são mais caros. "O facto de Portugal ser um país em que os medicamentos são mais baratos torna convidativo a que estes sejam vendidos para outros países, deixando o mercado nacional desabastecido, o que é um risco para a saúde pública", explica.

O farmacêutico, que já foi também presidente do Infarmed, assume ser contra "o aumento generalizado do preço dos medicamentos", mas considera que se deve olhar para os que se possam tornar inviáveis economicamente no mercado português. "Temos de ter mecanismos para que, nestes casos, se identifiquem as situações fundamentais e resolvê-las". Por fim, o bastonário diz que a Ordem que dirige tem vindo a alertar publicamente para esta situação e para a realidade das faltas que hoje se vive, assumindo que esta "é uma preocupação" e que ainda não viu que "esteja a ser feito algo para que depois não andemos a correr atrás do prejuízo".

3.5.23

Solidão: a nova epidemia de saúde pública que tem tantos riscos como fumar

por Lusa, in SIC


O alerta foi feito pelo cirurgião-geral dos Estados Unidos, que afirmou ainda que as redes sociais estão a impulsionar o aumento da solidão em particular. "Como é que concebemos uma tecnologia que fortaleça as nossas relações em vez de as enfraquecer?"


A solidão generalizada nos Estados Unidos representa riscos para a saúde tão mortais como fumar uma dúzia de cigarros por dia e é a mais recente epidemia de saúde pública.

O alerta foi feito pelo cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy, a principal autoridade em saúde pública, que, ao declarar a solidão como a mais recente epidemia de saúde pública, referiu que ela custa ao setor da saúde milhares de milhões de dólares por ano.

Cerca de metade dos adultos norte-americanos dizem já ter sentido solidão, afirmou Vivek Murthy, num relatório de 81 páginas do seu gabinete.


"Sabemos agora que a solidão é um sentimento comum que muitas pessoas experimentam. É como a fome ou a sede. É um sentimento que o corpo nos envia quando algo que precisamos para sobreviver está a faltar", disse Vivek Murthy numa entrevista à agência de notícias "Associated Press".

E acrescentou: "Milhões de pessoas na América estão a lutar na sombra, e isso não está certo. Foi por isso que emiti este aviso, para tirar a cortina de uma luta que demasiadas pessoas estão a viver".

Crise da solidão garavou-se com a pandemia de covid-19


A declaração destina-se a aumentar a consciencialização sobre a solidão, mas não desbloqueia o financiamento federal ou a programação dedicada a combater o problema.

A investigação mostra que os americanos, que nas últimas décadas têm vindo a envolver-se menos com os locais de culto, organizações comunitárias e até com os seus próprios familiares, têm vindo a registar um aumento constante de sentimentos de solidão. O número de agregados familiares solteiros também duplicou nos últimos 60 anos.

Mas a crise agravou-se profundamente quando a pandemia de covid-19 se espalhou, levando escolas e locais de trabalho a fechar as portas e fazendo com que milhões de americanos se isolassem em casa, longe de familiares ou amigos.

As pessoas reduziram os seus grupos de amigos durante a pandemia do coronavírus e diminuíram o tempo passado com esses amigos, segundo o relatório do cirurgião-geral. Em 2020, os americanos passavam cerca de 20 minutos por dia, pessoalmente, com amigos, quando era cerca de uma hora duas décadas antes.

Solidão aumenta o risco de morte prematura em cerca de 30%

A epidemia de solidão está a atingir especialmente os jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos. O grupo etário registou uma quebra de 70% no tempo passado com os amigos durante o mesmo período.

A solidão aumenta o risco de morte prematura em cerca de 30%, tendo o relatório revelado que as pessoas com fracas relações sociais apresentam também um maior risco de acidente vascular cerebral e de doença cardíaca.
“Pedalar sem idade”: o movimento que quer combater a solidão dos idosos
A solidão não é só para os mais velhos

O isolamento também aumenta a probabilidade de uma pessoa sofrer de depressão, ansiedade e demência, de acordo com a investigação. Vivek Murthy não forneceu dados que ilustrem o número de pessoas que morrem diretamente devido à solidão ou ao isolamento.

O cirurgião-geral está a apelar aos locais de trabalho, às escolas, às empresas de tecnologia, às organizações comunitárias, aos pais e a outras pessoas para que façam mudanças que aumentem a conectividade do país.

Aconselha as pessoas a juntarem-se a grupos comunitários e a largarem os telemóveis quando estão a falar com os amigos; os empregadores a pensarem cuidadosamente nas suas políticas de trabalho à distância; e os sistemas de saúde a darem formação aos médicos para que reconheçam os riscos da solidão para a saúde.

Redes sociais estão a impulsionar o aumento da solidão?

A tecnologia exacerbou rapidamente o problema da solidão, tendo um estudo citado no relatório concluído que as pessoas que utilizavam as redes sociais durante duas horas ou mais por dia tinham mais do dobro da probabilidade de se sentirem socialmente isoladas do que as que utilizavam essas aplicações durante menos de 30 minutos por dia.

Vivek Murthy afirmou que as redes sociais estão a impulsionar o aumento da solidão em particular. O relatório sugere que as empresas de tecnologia implementem proteções para as crianças, especialmente em relação ao seu comportamento nas redes sociais.


"Não há realmente nenhum substituto para a interação pessoal", disse, questionando: "À medida que passámos a utilizar cada vez mais a tecnologia para a nossa comunicação, perdemos muito dessa interação pessoal. Como é que concebemos uma tecnologia que fortaleça as nossas relações em vez de as enfraquecer?".

12.5.22

Covid-19: Luto inacabado pode ter impacto "devastador" na saúde mental

in Notícias ao Minuto

Investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluíram que o processo de luto inacabado devido à pandemia da covid-19 pode ter um "impacto contínuo e devastador" nos enlutados, afetando a saúde mental a longo prazo.
"O vazio causado pela perda e o processo de luto inacabado podem ter um impacto contínuo e devastador nos comportamentos diários dos enlutados, afetando o seu trabalho e saúde mental a longo prazo", salientou hoje Ana Aguiar, primeira autora do estudo publicado na revista científica Plos One.

Em declarações à Lusa, a investigadora do ISPUP esclareceu que a investigação visava perceber que sentimentos e pensamentos assolaram os portugueses que tinham sofrido a perda de familiares ou amigos desde o início da pandemia.

"Era também nosso interesse perceber de que forma é que a perda tinha alterado o dia-a-dia das pessoas", afirmou a investigadora, esclarecendo que o estudo partiu de um questionário que esteve disponível 'online' entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 nas redes sociais do instituto da Universidade do Porto.


No inquérito participaram 929 pessoas, sendo que destas, 166 perderam alguém desde o início da pandemia. Destes, 28,3% tinham perdido avós, 22% um amigo e 9% o pai ou a mãe.


Entre os participantes que estavam a vivenciar uma experiência de luto, os investigadores constataram que era "alta" a prevalência de sintomas de ansiedade (30,7%), bem como de depressão (10,2%).


Ao mesmo tempo, a investigação concluiu que os procedimentos 'post mortem' desempenhavam "um papel preponderante" no processo de luto dos indivíduos.

"Para percebermos como é que os participantes tinham sentido a perda e o seu impacto no dia-a-dia, deixámos um campo aberto", esclareceu Ana Sofia Aguiar, acrescentando que, depois da análise de conteúdo temática, os investigadores identificaram "quatro temas comuns" nos diferentes discursos.


A perceção da inadequação do ritual fúnebre, a tristeza, medo e solidão, as mudanças no sono e concentração, e as preocupações com a situação pandémica "resumem o modo como os adultos portugueses vivenciaram a sua perda em vários domínios".


Destacando que os quatro temas acabam por ter "o mesmo peso", na medida em que estão correlacionados, Ana Sofia Aguiar defendeu a necessidade de se mobilizarem profissionais para a prestação de cuidados de saúde na área da psicologia.


"A forma como o luto foi alterado e todos os processos difíceis que o luto envolve podem influenciar a nossa capacidade de avançarmos e continuarmos com a nossa vida", observou, destacando que, se o processo não for bem conseguido, pode "aumentar o risco de problemas de saúde mental" e originar complicações como a depressão, ansiedade e 'stress' pós-traumático a longo prazo.

"Uma estratégia para ajudar a ultrapassar esse processo poderá passar pela capacitação dos serviços de saúde que posteriormente lidam com as famílias", exemplificou a investigadora, defendendo ainda que estes serviços de apoio deveriam ser "sempre gratuitos".


E acrescentou, "a saúde pública não pode esquecer as questões do luto".

A investigação, também assinada por Raquel Duarte, do ISPUP, e Marta Pinto, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, recebeu financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e do Programa do Fundo Social Europeu (FSE).

Médicos de família podem ser penalizados se tiverem utentes que interromperam voluntariamente a gravidez

Ana Maia, in Público

Proposta introduz novos critérios de avaliação para profissionais de saúde que trabalham nas Unidades de Saúde Familiar modelo B já validados pela DGS. Nas chamadas actividades específicas as equipas podem receber, de acordo com o cumprimento de metas, um valor adicional ao ordenado base. Ministério da Saúde ainda está analisar documento.

Os médicos de família, assim como os restantes elementos das equipas, podem vir a ser avaliados por interrupções voluntárias da gravidez (IVG) realizadas pelas utentes da sua lista e pela existência de doenças sexualmente transmissíveis nas mulheres. Em causa está a introdução de novos critérios de avaliação nas Unidades de Saúde Familiar modelo B (USF-B) nas actividades específicas, que é uma componente que permite às equipas receber, de acordo com o cumprimento de metas, um valor adicional ao ordenado base.

A proposta dos novos critérios foi enviada para o Ministério da Saúde, que ainda a está a analisar. O coordenador para a reforma dos cuidados de saúde primários diz que o objectivo é elevar a qualidade, aumentando a disponibilidade de consultas e de informação e com isso diminuir gravidezes indesejadas. E que o impacto na componente variável do ordenado é pequeno.

Existem dois modelos de USF (uma forma de organização dos centros de saúde). No modelo B o ordenado das equipas divide-se em duas componentes: uma remuneração fixa, associada ao número de utentes inscritos e ao horário semanal de trabalho, e uma remuneração variável, associada ao cumprimento de vários critérios, divididos por seis actividades específicas. O atingir ou não dessas metas vai influenciar a remuneração variável das equipas no ano seguinte.

“O objectivo do planeamento familiar é evitar a gravidez indesejada e [os médicos] têm de ser avaliados por isso. A qualidade é evitar a gravidez indesejada. É preciso criar condições para que existam consultas de pré-concepção, consultas para quem quer iniciar a sua vida sexual. Se não tiver este indicador [de ausência de IVG] nunca vou criar estímulos para isso”, João Rodrigues, coordenador para a reforma dos cuidados de saúde primários

Estas seis áreas foram definidas em 2007 - estão agora em processo de revisão – e contemplam a vigilância da mulher em idade fértil em planeamento familiar, a vigilância das crianças no primeiro e no segundo ano de vida, a vigilância de grávidas de baixo risco, dos diabéticos e dos hipertensos.

O recente anúncio, num fórum online de médicos, da introdução de novos critérios, nomeadamente na área do planeamento familiar, “gerou grande discussão”, refere Carla Silva, coordenadora da Comissão Nacional de Medicina Geral e Familiar da Federação Nacional de Médicos (Fnam). Em causa está o critério de ausência de interrupção voluntária da gravidez (IVG), nos 12 meses anteriores à data de referência do indicador, e também a ausência de doenças sexualmente transmissíveis na mulher.

“Isto foi uma surpresa completa. Contestamos estes indicadores, que entram nas actividades específicas. Isto tem implicações na remuneração e nada foi discutido com os sindicatos”, refere a médica, salientando que as actividades específicas das USF-B foram definidas por um decreto-lei e que este não sofreu qualquer alteração. Esta questão será colocada na próxima reunião que a Fnam vai ter no Ministério da Saúde, no dia 18 deste mês.

Os novos critérios foram “propostos pela ACSS, validados pela DGS” e o Grupo de Apoio às Políticas de Saúde na área dos cuidados de saúde primários “genericamente validou esta proposta”, que foi enviada ao Ministério da Saúde no final do ano passado, explica o coordenador para a reforma dos cuidados de saúde primários, João Rodrigues.

“O objectivo do planeamento familiar é evitar a gravidez indesejada e [os médicos] têm de ser avaliados por isso. A qualidade é evitar a gravidez indesejada. É preciso criar condições para que existam consultas de pré-concepção, consultas para quem quer iniciar a sua vida sexual. Se não tiver este indicador [de ausência de IVG] nunca vou criar estímulos para isso”, diz o médico.

“Este indicador pode e deve ajudar na aposta que se deve fazer na prevenção. Cientificamente como é que posso medir a actividade preventiva? Só posso medir se tenho ou não IVG, porque o resultado final é esse”, diz João Rodrigues, reconhecendo que este resultado não depende só do trabalho do médico. Questionado sobre se este critério pode originar pressão sobre as mulheres, remata: “Se isso acontecer é gravíssimo.”

“Penso que o que se está a tentar fazer é ter alguns princípios consensuais do que deverá ser o caminho a seguir”, diz André Biscaia, presidente da Associação Nacional das USF. Quanto à IVG, considera que “o que está ali proposto é que junto das mulheres se faça tudo para que não aconteça uma gravidez indesejada”. “Mas ainda não conseguimos fazer a simulação para perceber se tem impacto” no salário, diz, tendo em conta que nesta proposta de revisão dos critérios “alguns indicadores poderão ter uma graduação”, permitindo que uns compensem os outros.

O médico refere que uma das questões que “levantou mais celeuma” foi na área da saúde infantil. “Se a criança for à urgência sem indicação do médico de família e não ficar internada, também somos penalizados”, diz, referindo que vão enviar perguntas à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) sobre os critérios. “Seria boa prática divulgar qual a evidência e os objectivos para fazerem estas alterações e a simulação dos seus impactos.”
Exposição à Comissão de Igualdade de Género

Mesmo não estando ainda a ser postos em prática, Carla Silva salienta que está previsto que os critérios serão monitorizados ao longo deste ano e que poderão ter aplicabilidade a partir de Janeiro de 2023. “Achamos que estes dois indicadores podem provocar uma prática de desigualdade de género nos cuidados de saúde primários. Na IVG diz que a ponderação é zero. Então qual é a intenção? Esta questão não podia estar ali”, aponta, adiantando que a Fnam enviou uma exposição à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

A Fnam “repudia vivamente a desigualdade de género introduzida com esta vigilância”, lê-se no documento, a que o PÚBLICO teve acesso. Na exposição, o sindicato considera ainda que “a monitorização das doenças sexualmente transmissíveis nas mulheres - monitorização que não tem paralelo nos homens - configura uma discriminação de género inaceitável”.

“Igualmente, a inclusão da interrupção voluntária da gravidez neste domínio é sinal de um retrocesso civilizacional e ideológico incompreensível, responsabilizando os profissionais de saúde familiar por uma decisão pessoal, que interessa apenas às pessoas com útero, e traz uma dimensão de penalização às equipas dos Cuidados de Saúde Primários”, diz na missiva, na qual defende “a reformulação imediata desta variável considerando o que objectivamente significa, independentemente da intencionalidade dos seus autores”.

“A existência de uma mulher com IVG é interpretada como o médico de família não ter feito planeamento familiar. É um indicador que não é aceitável”, diz Maria João Tiago, membro do Secretariado Nacional do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), considerando que a introdução destes indicadores tem a ver com “dificultar o desempenho, quando deveriam ter como objectivo melhorar a prática clínica”. “Existe uma lei [da despenalização do aborto] que tem de ser cumprida. A pessoa não pode ser penalizada pelo cumprimento da lei. O SIM vai chamar à atenção para a insensatez deste indicador”, diz Jorge Roque da Cunha, referindo que o que lhe parece haver aqui é “mais falta de bom senso” com “indicadores que procuram aumentar mais a burocracia do que responder aos utentes”.

O secretário-geral do SIM recorda que existem outros indicadores usados para a avaliação do desempenho geral de todos os centros de saúde, discutidos na comissão técnica nacional – onde estão também os sindicatos – que também penalizam os médicos. Dá o exemplo da realização de mais consultas abertas do que o previsto e a inscrição de um bebé numa lista de utentes da qual o pai faz parte mas a mãe não. “Somos penalizados porque é considerada uma gravidez não acompanhada. Consideramos que esta comissão técnica deve sofrer uma remodelação”, diz
Promover o acesso e premiar a qualidade

João Rodrigues recusa a ideia de penalização. “O que existe é uma discriminação positiva. Quem faz bem, recebe um suplemento”, diz, já que além do ordenado base existe esta componente remuneratória associada à qualidade segundo indicadores da Direcção-Geral da Saúde (DGS). “95% das USF-B já atingiram o máximo [dos critérios definidos]. A proposta que se fez foi mudar os critérios. São novos critérios que têm a ver com a actualização das boas práticas”, explica. Dá o exemplo das idas às urgências pediátricas. “Se tenho uma criança inscrita tenho de ser responsável por ela. Se das 8 às 20h00, que é o meu horário, se não estou disponível, se a criança não foi vigiada, não posso ser recompensado pela qualidade.”

Quanto ao critério de ausência de doenças sexualmente transmissíveis na mulher, diz que é a mesma lógica de promoção de maior acessibilidade e de prevenção que é referida na IVG. E que o decreto-lei que define as actividades específica apenas contempla o planeamento familiar de mulheres em idade fértil. “Espero que seja introduzido um planeamento familiar para os homens”, mas para isso é preciso que haja uma alteração do decreto-lei. O grupo que coordena está a fazer a revisão destas áreas, podendo ou não haver novas introduções. São essas eventuais mudanças que diz terem de ser discutidas com os sindicatos e não a introdução de novos critérios, que a lei diz que são definidos pela DGS.

“A existência de uma mulher com IVG é interpretada como o médico de família não ter feito planeamento familiar. É um indicador que não é aceitável” Maria João Tiago, membro do Secretariado Nacional do Sindicato Independente dos Médicos (SIM)

Quanto ao peso na remuneração, o critério da IVG conta entre 5% a 10% numa das áreas e elas são seis, com um total de 110 indicadores. Por isso, o peso “na componente remuneratória é muito pequeno”. Questionado sobre se os novos critérios propostos são uma forma de reduzir salários, diz que não. “Com os critérios em cima da mesa, em relação a 2021, fizemos uma simulação e não há grande variação”, diz, lembrando a introdução de ponderações nos critérios.

O Ministério da Saúde recorda que “o grupo técnico com a missão de apresentar uma proposta de revisão dos critérios para atribuição de unidades ponderadas às actividades específicas, actualizando-os à luz das boas práticas clínicas e da valorização da gestão integrada do percurso dos utentes” foi constituído a 18 Outubro e que o mesmo “apresentou um documento de trabalho com as propostas de revisão de critérios para atribuição de unidades ponderadas às actividades específicas a 30 de Dezembro de 2021”. “Tendo em conta a tomada de posse do novo governo, a análise do documento de trabalho encontra-se em curso, não tendo sido ainda tomada uma decisão que, contudo, se prevê que ocorra ainda no mês de Maio”, esclarece.

4.5.22

Universidade de Coimbra desenvolve projecto para combater má nutrição no mundo

in Público

O projecto passa pela produção de microcápsulas em compostos bioactivos extraídos de moringa oleifera, conhecida como a planta da vida, que serão incorporadas em determinados alimentos (pão, iogurtes e sumos), para crianças em idade escolar.O combate à desnutrição infantil em países em vias de desenvolvimento é o principal objectivo do projecto “Morfood”, uma investigação em curso na Universidade de Coimbra (UC), que também reúne investigadores da Universidade do Porto e da Universidade Agostinho Neto (em Angola). O trabalho explora mais ainda o potencial de uma planta, a moringa oleifera, uma planta muito nutritiva e que já é usada para tratar algumas doenças.

O “Morfood” passa pela produção de microcápsulas “em compostos bioactivos extraídos de moringa oleifera, conhecida como a planta da vida, que serão incorporadas em determinados alimentos (pão, iogurtes e sumos) para crianças em idade escolar, entre os quatro e os dez anos”, explicou a UC, em nota enviada esta quarta-feira. O projecto, que vai buscar o nome à “microencapsulação de extractos de moringa oleífera e sua aplicação em alimentos funcionais”, é liderado pelo investigador Licínio Ferreira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCTUC), e engloba investigadores da Faculdade de Farmácia (FFUC), PRODEQ - Associação sem fins lucrativos do Departamento de Engenharia Química (DEQ) da FCTUC, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e Universidade Agostinho Neto (UAN).

A moringa oleífera é uma espécie nativa do norte da Índia, Paquistão e Afeganistão, e muito cultivada em países tropicais e subtropicais de África, Ásia e América Latina. “É umas das plantas mais nutritivas do mundo, muito rica, por exemplo, em proteínas, vitaminas e minerais, como cálcio e potássio. É uma planta que já é utilizada pelas populações africanas para combater um conjunto alargado de patologias, tais como asma, bronquite, hipertensão, diabetes, entre muitas outras. O nosso estudo centra-se nos extractos das folhas, a parte da planta mais rica em nutrientes”, explicou, citado no comunicado, Licínio Ferreira.

A equipa liderada pelo também investigador do Centro de Investigação em Engenharia dos Processos Químicos e dos Produtos da Floresta (CIEPQPF) “apostou na microencapsulação para enriquecer os alimentos”, porque, segundo Licínio Ferreira, é “uma tecnologia que apresenta muitas vantagens”. “Protege a actividade biológica de alguns compostos que são extraídos da planta e que de outra forma se degradariam. Por exemplo, no caso do pão, um dos alimentos que seleccionámos, as microcápsulas podem ser introduzidas na própria farinha, e se os compostos não estiverem incorporados dentro destas microcápsulas, as suas propriedades iriam degradar-se e desaparecer durante o fabrico do pão, daí a importância das microcápsulas”, revelou o docente da FCTUC.

Apurar a fórmula

Nesta primeira etapa do projecto, os investigadores estão a caracterizar as amostras de folhas de moringa provenientes de Angola, de modo a obter a composição fitoquímica e nutricional das folhas. Após essa caracterização, “que é fundamental”, seguem-se os estudos de extracção de compostos e selecção dos mais adequados ao objectivo do projecto, ou seja, compostos importantes para combater a desnutrição infantil, frisou a UC.

Ainda antes da fase da microencapsulação, os extractos serão seleccionados, “porque, eventualmente, haverá compostos indesejáveis que têm de ser removidos”. “Desta selecção, obteremos fracções enriquecidas de macronutrientes e micronutrientes que são benéficos para combater a desnutrição infantil, nomeadamente hidratos de carbono, vitaminas, sais minerais, entre outros”, esclareceu. No final do projecto, os alimentos funcionais, isto é, enriquecidos “com microcápsulas carregadas de nutrientes extraídos de moringa, vão ser testados junto de crianças angolanas”, referiu a Universidade de Coimbra. “São os chamados testes de aceitabilidade sensorial, para aferir a reacção da população infantil a este tipo de alimentos”.

Natural de Angola e conhecedor da realidade naquele país africano, Licínio Ferreira observou que a desnutrição infantil é um grande flagelo mundial. “Segundo o relatório de 2020 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 8,9% da população mundial estava desnutrida em 2019, o que representa 690 milhões de pessoas. Ainda segundo esse relatório, este número corresponde a um aumento de 60 milhões de pessoas em comparação a 2014. É um flagelo que tende a agravar-se ao longo dos anos”, afirmou.

Se o projecto alcançar os resultados esperados, a equipa irá tentar estabelecer uma parceria com a UNICEF (o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância), para que os alimentos enriquecidos com extractos de moringa “possam chegar a um maior número de países em vias de desenvolvimento”. O projecto Morfood tem a duração de três anos e foi financiado em cerca de 230 mil euros pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e ela Fundação Aga Khan, “fundação que apoia projectos nos domínios da saúde e educação, nomeadamente o desenvolvimento científico e tecnológico dirigido ao progresso da qualidade de vida no continente africano”.




OMS vê na vacinação e saúde digital os trunfos de Portugal

in TSF


Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, adianta que o país vai partilhar "experiências a diferentes níveis, desafios que encarou e o que aprendeu, grandes evoluções como a transição digital, o sistema de vacinação e a saúde pública e como atuou a todos os níveis".

O alargamento da saúde digital e a vacinação durante a pandemia são os principais exemplos de preparação para emergências sanitárias futuras que Portugal apresentará perante a Organização Mundial de Saúde (OMS), afirmaram esta segunda-feira responsáveis nacionais e internacionais.


"Portugal tem liderado mesmo desde antes da Covid-19", afirmou em declarações aos jornalistas a diretora-geral-assistente da OMS para o setor dos dados e análise, Samira Asma, apontando que "a cobertura de vacinação [para a Covid-19] chegou quase aos 100 por cento e não aconteceu só por causa da pandemia, há um passado de compromisso político de alto nível".

Uma equipa da OMS e de observadores internacionais está a partir de hoje em Portugal para auditar o sistema de saúde e os mecanismos de resposta à Covid-19, no que será a primeira Revisão de Preparação Sanitária Universal de um país europeu, em que o país partilhará "experiências a diferentes níveis e desafios que encarou e o que aprendeu, grandes evoluções como a transição digital, o sistema de vacinação e a saúde pública e como atuou a todos os níveis", salientou em declarações aos jornalistas o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales.

O governante participou com outros responsáveis nacionais e internacionais numa reunião no Infarmed, em Lisboa.

Samira Asma afirmou que o objetivo desta revisão é "aproximar os países, partilhar experiências e arranjar soluções" para elevar ao máximo a preparação dos países para enfrentarem ameaças sanitárias futuras, o que poderá passar por "um fundo financeiro".

"Precisamos desse tipo de recursos, não precisamos de esperar que as crises aconteçam", frisou.

Até ao fim da semana, os peritos da OMS vão recolher informação e um relatório final sobre a prontidão do sistema português será apresentado na próxima Assembleia Mundial da Saúde, que se realiza entre 22 e 28 de maio em Genebra, na Suíça.

Intervindo remotamente a partir da sede europeia da OMS, em Copenhaga, o diretor da região europeia, Hans Kluge, afirmou que a preparação dos países para o futuro requer "investimento sustentado nos serviços de saúde e na arquitetura de resposta e preparação para emergências".

O objetivo deste tipo de revisões, lançado pela OMS em novembro passado e atualmente em fase piloto, será "ajudar os estados-membros a avaliar, construir e manter as suas capacidades no longo prazo".

O subdiretor-geral da Saúde, Rui Portugal, disse aos jornalistas que nas conclusões da avaliação deverá estar "o reforço da saúde digital, uma rede estável de saúde pública, que é uma rede protetora, e garantia de recurso para essa rede poder funcionar".

A vigilância de insetos como carraças e mosquitos, que são vetores de transmissão de doenças contagiosas, a aplicação do regulamento sanitário internacional e a vigilância de fronteiras são outras condições para a preparação, indicou.

"Este exercício pondera sobre as grandes aprendizagens [da pandemia], sobre as carências, os desafios futuros, a partilha e o debate e reflexão de ideias, e acima de tudo preparar as nossas populações", resumiu Lacerda Sales.

9.2.22

Portugueses são os mais preocupados com a promoção da saúde pública na UE

Rita Siza, in Público on-line

Dados do Eurobarómetro de Outono mostram que os portugueses entendem que o combate à pandemia, a luta contra a pobreza e a exclusão social, e o apoio à economia e emprego devem ser as prioridades da acção política europeia. No Norte da Europa, e entre os jovens, a maior preocupação são as alterações climáticas.

Sem surpresa, no final de 2021, o combate à pandemia mantinha-se no topo das preocupações dos cidadãos de onze países da União Europeia, entre os quais Portugal, onde uma expressiva maioria de 72% (o valor mais elevado em toda a UE) considera que a promoção da saúde pública deve ser a principal prioridade para a acção política das instituições europeias no futuro próximo, como revelam os dados do Eurobarómetro de Outono, divulgados esta terça-feira.

Segundo o estudo de opinião encomendado pelo Parlamento Europeu, e realizado entre 1 de Novembro e 2 de Dezembro do ano passado, os portugueses entendiam que, no actual contexto da crise sanitária e social, as atenções dos dirigentes e parlamentares europeus deveriam estar focadas na luta contra a pobreza e exclusão social (61%) e nos apoios à economia e ao emprego (60%) — que são as principais preocupações em cinco Estados-membros da UE, nomeadamente a França ou o Luxemburgo.

Em oito países, quase todos do Norte da Europa, e nas camadas mais jovens da população, é o combate às alterações climáticas que é apontado como a principal prioridade para a acção política da UE — que, em todos os 27 Estados-membros, sem excepção, é avaliada positivamente por mais de metade dos inquiridos. Em Portugal, 67% confirmaram ter uma imagem positiva da UE, e 88% consideraram que a integração no bloco comunitário beneficia o país.

A Itália e a Espanha, que são os maiores beneficiários do fundo de recuperação “Próxima Geração UE”, foram dois dos doze países onde mais cresceu a percepção das vantagens de pertencer à UE no ano passado. A cooperação entre países, o crescimento económico e as oportunidades são, a par da paz e segurança, as razões que estão por detrás da satisfação dos cidadãos com a UE.

Segundo o Eurobarómetro uma maioria de 58% dos inquiridos mostra interesse em seguir a actividade legislativa de Bruxelas, enquanto 44% admite ter pouco ou nenhum interesse em acompanhar a política europeia. Mas quatro em cada dez dizem que gostariam de obter mais informação sobre a forma como os fundos comunitários são gastos no seu país, e três em dez gostariam de perceber melhor quais são as consequências concretas das decisões tomadas em Bruxelas na sua vida.

As questões ligadas à segurança e protecção das fronteiras, migrações e asilo ou combate ao terrorismo e crime organizado figuram no meio da tabela das preocupações dos europeus, que gostavam de ver o Parlamento Europeu assumir o papel de defensor dos valores da democracia e da liberdade, bem como protector dos direitos humanos e do Estado de direito na UE e no mundo.


27.1.22

Número de sem-abrigo estabiliza depois de 2020 "dramático"

 in o Observador

O número de pessoas em situação de sem-abrigo estabilizou e voltou ao registado antes da pandemia. Dados são de várias organizações, que se queixam de um ano de 2020 "dramático".

O número de pessoas em situação de sem-abrigo estabilizou e voltou ao registado antes da pandemia. A garantia foi adiantada à Lusa por várias organizações, depois de um ano de 2020 “dramático” em que os pedidos de ajuda se multiplicaram, sobretudo de famílias.

O diretor-geral do Centro de Acolhimento de Sem-Abrigo (CASA) admitiu à Lusa que nos últimos dois anos houve um aumento em cerca de 40% do número de pessoas que foram pedir ajuda à associação, sobretudo famílias, uma percentagem que chegou aos 75% entre as pessoas sem-abrigo.

“Apareceram pessoas com características novas, muito mais estrangeiros, pessoas que trabalhavam na hotelaria, por exemplo, e que ficaram desprovidas de apoios e foram à procura de ajuda noutros locais”, contou Nuno Jardim, recordando que pela mesma altura houve também mais pedidos de ajuda da parte de reclusos.

De acordo com o responsável, estas pessoas viviam em situações de habitação precária, que em alguns casos podem ser considerados “sem-abrigo com teto”, uma vez que não estão institucionalizados, estão numa casa ou num quarto, mas “muitas vezes é o mesmo que estar na rua porque não tem as condições para poderem ter uma vida minimamente digna”.

Já no que diz respeito às famílias que pediram ajuda ao CASA, Nuno Jardim disse que se tratou de situações em que as pessoas ficaram sem emprego, por exemplo, que, muitas das vezes, já era precário, viram-se sem apoio e precisaram de pedir ajuda, sobretudo ao nível da alimentação ou do pagamento de despesas fixas, como a água, luz ou renda de casa.

“Que vieram muitas pessoas para a rua buscar alimentos, sim. Buscar apoio, sim. Procurar as associações, sim. Para além do normal”, sublinhou, acrescentando que esta é uma situação que se manteve ao longo dos dois anos.

Para o diretor-geral do CASA, o evoluir da situação irá depender do que “o país consiga fazer em termos socioeconómicos e não da pandemia”, adiantando que a organização apoia atualmente cerca de sete mil pessoas em todo o país, 2.500 das quais em situação de sem-abrigo.

Lembrou que se trata de um problema complexo, que não se consegue resolver com uma resposta rápida, apesar de admitir que a Estratégia Nacional tem funcionado.

Por outro lado, Susana Veiga, assistente social da Legião da Boa Vontade (LBV), afirmou que o número de pessoas em situação de sem-abrigo apoiado por esta instituição se manteve mais ou menos constante nos últimos dois, três anos, ao contrário do número de famílias que procurou a organização por precisar de uma ajuda imediata, sobretudo ao nível alimentar.

De acordo com a assistente, “houve um aumento muito, muito grande” de pedidos de ajuda por parte de famílias, frisando que a associação chega a receber entre três a quatro pedidos por dia, que muitas vezes querem também ajuda para as despesas fixas, uma situação que se tem vindo a agravar desde o inicio de 2020.

Para a responsável, a pandemia foi também a culpada pelo aumento de pessoas sem-abrigo na mesma altura, quando o país se viu obrigado ao confinamento, a economia fechou e muitas pessoas que já estavam em situação de vulnerabilidade e em precariedade laboral acabaram numa situação de sem-abrigo.

A diretora-geral da Comunidade Vida e Paz partilha desta opinião e disse também que o número de pessoas sem-abrigo rondará atualmente o mesmo que se registava antes da pandemia, uma vez que aumentou nos primeiros meses de 2020, mas depois diminuiu graças a todas as respostas criadas.

“Neste momento podemos falar que estamos quase como no início em termos de pessoas que apoiamos e acompanhamos”, adiantou Renata Alves.

De acordo com a responsável, no início da pandemia houve um “grande aumento de pedidos de ajuda”, entre as pessoas que encontravam na rua, as pessoas que tinham recaídas ao nível dos consumos, mas também famílias em situação de grande vulnerabilidade social.

Nessa altura, por volta de final de março de 2020, a associação passou “a distribuir nas ruas 800 ceias, e o número normal era de cerca de 420 antes da pandemia porque havia muita carência por parte das pessoas sem-abrigo e de outras como refugiados, reclusos, ou pessoas que vieram à procura de melhores oportunidades na cidade de Lisboa e que isso depois não aconteceu”.

Dois anos depois, referiu Renata Alves, constata-se o regresso a uma realidade mais próxima do que se vivia antes da pandemia, tendo em conta que a Comunidade Vida e Paz distribui atualmente entre 420 e 460 ceias por dia.

“Deveu-se muito ao facto de terem sido criadas outras estruturas, o próprio Estado criou outras alternativas como os apartamentos partilhados e a ‘housing first’ e permitiu às pessoas [sem-abrigo] terem uma resposta para a sua integração social”, apontou.

Apontou também como preponderante o facto de muitos municípios terem criado soluções temporárias para retirar as pessoas sem-abrigo da rua, tendo em conta a situação pandemia e de saúde pública.

Este facto em particular é apontando por Gonçalo Santos, diretor técnico da CAIS, como uma das possíveis razões para que em determinadas zonas da cidade de Lisboa sejam visíveis mais pessoas a viver na rua, entendendo que esse fenómeno só por si não é indicativo de que o número de pessoas sem-abrigo tenha aumentado.

Gonçalo Santos explicou que, depois de terem encerrados as respostas temporárias para abrigar as pessoas sem-abrigo no início da pandemia, umas foram encaminhadas para outras respostas, outras não quiseram e voltaram a dormir na rua.

Nas palavras do diretor técnico da CAIS, “2020 foi efetivamente dramático” e a realidade não ficou igual com o impacto da pandemia, mas sublinhou que “não haverá mais pessoas em situação de sem-abrigo em Lisboa”.

Defendeu ainda que a estratégia nacional tem funcionado e tem trazido mais recursos no combate a este fenómeno e na integração das pessoas sem-abrigo.
Coordenador da Estratégia para Sem-Abrigo acredita numa inversão do problema

O coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA) acredita numa inversão no número de pessoas nesta condição “mais tarde ou mais cedo”, mas recusa contabilizações antes de ter os dados de 2021.

Em declarações à agência Lusa, Henrique Joaquim admitiu que o problema não está resolvido e é complexo, mas, com base nos dados estatísticos mais recentes, o aumento de vagas em projetos ‘housing first’ ou apartamentos partilhados e o reforço das equipas de intervenção local, acredita que a tendência será para uma diminuição do número de pessoas.

“São indicadores que nos mostram que mais cedo ou mais tarde, e talvez mais cedo do que tarde, vamos ter uma tendência de inversão, mas consistente”, defendeu.

Os dados oficiais, que reportam ainda a 2020, indicam 8.107 pessoas na condição de sem-abrigo em Portugal e, segundo o coordenador da ENIPSSA, esta contabilização não trouxe nenhuma variável nova, antes reforçou as características já conhecidas, ou seja, concentração nas duas grandes áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), em centros urbanos do litoral, mas também em municípios do Algarve, maioritariamente homens em idade ativa.

De acordo com Henrique Joaquim, o trabalho de recolha para 2021 começa agora a ser feito, o que o leva a dizer que é muito prematuro fazer qualquer tipo de previsão sobre a evolução do problema “porque seria impreciso de certeza absoluta”.

“Precisamos efetivamente de olhar e ter os dados de 2021 e só em função disso falar com mais rigor da pandemia como causa num movimento qualquer que ele seja do fenómeno”, defendeu.

Ainda assim afirmou que os dados recolhidos não vão no sentido de um aumento exponencial do número de pessoas sem-abrigo em 2021, apesar de admitir que possam não refletir ainda o impacto da pandemia e da crise económica provocada pela covid-19.


Segundo o responsável, na sequência da pandemia houve pessoas que ficaram na situação de sem-abrigo temporariamente porque tinham um perfil específico, normalmente ligadas a setores de atividade como a hotelaria e o turismo, com trabalhos precários e condições de habitação também precárias.

“Essas assim que tiveram oportunidade de emprego saíram da condição de sem-abrigo”, sublinhou.

Por outro lado, defendeu que é também preciso “ter cautela” com outro sintoma, em que “muitas pessoas pediram apoio alimentar e associaram logo a pessoas sem-abrigo, mas felizmente não foi verdade”.

“Eram pessoas com necessidades, mas não estavam na carência de habitação”, sublinhou.

Lembrou também que é preciso igualmente “ter muita cautela” em relação ao aparecimento de pessoas a viver na rua em determinados locais, “porque há zonas em que é sazonal”, salientando que uma das características do fenómeno é a mobilidade e que “isso também se verifica a nível micro em alguns territórios”.

“Neste momento, conscientemente, ninguém tem, e de forma racional, dados para dizer nem uma coisa nem outra [que o fenómeno aumentou ou diminuiu]”, defendeu Henrique Joaquim.

Destacou, por outro lado, que o relatório de 2020 já mostra como na área metropolitana de Lisboa tem havido um investimento nas respostas estruturais de habitação, o que levou a que haja menos pessoas sem teto, apesar de ainda continuarem a ser consideradas sem-abrigo, uma evolução que também está a acontecer noutras zonas do país.

Henrique Joaquim sublinhou que as metas podem ser ajustadas, mas os objetivos não serão alterados, destacando que a meta passa por ter entre 1.000 e 1.100 vagas protocoladas para pessoas sem-abrigo em soluções ‘housing first’ ou habitação partilhada e que neste momento se está a meio dessa meta.

Segundo o responsável, entre os projetos protocolos há uma taxa de ocupação de 80%, com cerca de 500 pessoas sem-abrigo neste tipo de respostas, dispersas pelo país.

Por outro lado, apontou que tem havido um reforço das equipas de intervenção local, para que todas as pessoas tenham um técnico gestor, e adiantou que há núcleos locais que dão conta de que a meta já está nos 100%.

Disse ainda que continuam a ser reforçados os apoios a projetos que garantam a integração das pessoas sem-abrigo, nomeadamente no mercado de trabalho.