28.2.23

Acordo de rendimentos foi incorporado em duas dezenas de contratos colectivos

Raquel Martins, in Público online

Confederações patronais pediram esclarecimentos ao Governo sobre os apoios previstos no acordo de rendimentos. A ausência de resposta está a deixar processos negociais suspensos.

Cerca de duas dezenas de contratos colectivos de trabalho e de acordos de empresa assinados ou publicados desde Outubro do ano passado já incorporam – e em alguns casos superam – os aumentos de 5,1% previstos no Acordo de Médio Prazo para a Melhoria dos Rendimentos, Salários e Competitividade para 2023.

A UGT diz que são “resultados interessantes”, apesar de a adesão estar a ser limitada pelas dúvidas das empresas relativamente aos apoios e de haver processos negociais suspensos à espera dos esclarecimentos do Governo.

Sérgio Monte, dirigente da UGT responsável pela negociação colectiva, diz que ainda é cedo para fazer um balanço do acordo, mas os dados recolhidos pela central sindical, garante, mostram que “está a ter resultados interessantes”.

Essa percepção é apoiada pela lista de contratos colectivos de trabalho e de acordos de empresa publicados no Boletim do Trabalho e do Emprego depois de Outubro de 2022 ou cujas tabelas salariais se começaram a aplicar em Janeiro de 2023.

Nos acordos assinados pelos sindicatos da UGT, os aumentos das tabelas salariais oscilam entre 5% e 14%.

No sector segurador, os dois acordos de empresa assinados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora (STAS) com a Caravela e a Europ Assistance e que foram publicados apontam para aumentos entre 5% e 7,8%. Num dos casos, está também prevista uma subida do subsídio de refeição e a atribuição de um prémio aos trabalhadores em Janeiro de 2023.

Destaque também para o acordo de empresa assinado entre a Parmalat e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, Floresta, Pesca, Turismo, Indústria Alimentar, Bebidas e Afins (SETAAB), que reviu as tabelas em 7,8%.

Sérgio Monte destaca ainda os 11 contratos colectivos que, embora estejam já a produzir efeitos, ainda não foram publicados e que dizem respeito aos sectores de segurança privada, limpeza industrial ou turismo. Entre estes, destaca-se o contrato colectivo da hotelaria do Algarve, que aponta para subidas de 14% na tabela salarial.

Do lado da CGTP, que não assinou o acordo de rendimentos, a apreciação é bastante diferente, embora haja nota de negociações chegadas a bom porto, especialmente ao nível empresarial.

É o caso do acordo de empresa assinado entre a Federação dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM) e a Secil, que fixou aumentos médios por tabela entre 110 e 180 euros, assim como actualizações dos subsídios de refeição, turno ou apoio escolar. A central sindical destaca ainda os resultados conseguidos na Gallovidro, na TK Elevadores e na Autoeuropa, evitando sempre falar em percentagens de aumento.

Ainda assim, a dirigente Ana Pires não poupa críticas ao acordo, garantindo que o referencial de 5,1% tem sido apresentado pelos patrões como um “tecto negocial” e como referência para o aumento da massa salarial e não dos salários em si.

“Não estamos a falar de um aumento de 5,1% no próprio salário, que, por si só, já seria baixo, porque nem sequer repõe o poder de compra. A massa salarial inclui progressões, outras matérias remuneratórias, a própria actualização do salário mínimo, tudo isto tem impacto na massa salarial”, lamenta.
Empresas pedem clarificações

A dirigente da CGTP chama também a atenção para outro problema que tem dificultado as negociações, relacionado com as dúvidas das empresas sobre a forma de beneficiar dos apoios previstos pelo Governo no quadro do acordo.

O problema é também identificado pela UGT e confirmado pelas próprias confederações patronais, que pediram esclarecimentos ao Governo sobre o modo como podem aceder à majoração no IRC das despesas com os aumentos dos salários.

O acordo de rendimentos, assinado a 9 de Outubro, prevê uma valorização nominal dos salários de 5,1% em 2023; 4,8% no seguinte; 4,7% em 2025; e finalmente, 4,6% no último ano da legislatura.

Para tentar convencer as empresas a assumirem este compromisso, o executivo mobilizou um conjunto de medidas, entre as quais a majoração, em sede de IRC, de 50% das despesas com o aumento dos salários. Para aceder, as empresas têm de aumentar os salários em pelo menos 5,1% de 2022 para 2023, reduzir as disparidades salariais e ser abrangidas por contratação colectiva dinâmica.

A operacionalização deste apoio e a forma como os critérios de aceso são aferidos têm levantado dúvidas às empresas, como confirmaram ao PÚBLICO os dirigentes das confederações da Indústria e do Comércio e Serviços.

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), assume que as empresas estão à espera que o Governo clarifique a forma como a medida funciona.

“Atendendo a que têm que se cumprir aqueles três critérios [para aceder ao benefício fiscal] e como isso ainda não está completamente clarificado por parte do Governo, as mesas negociais interromperam as reuniões para melhor clarificação dos efeitos da majoração [em sede de IRC]”, adiantou ao PÚBLICO.

“O Governo tem-se atrasado nessa formulação, o que tem prejudicado o normal funcionamento das partes”, acrescentou.

O presidente da CIP também não poupa nas críticas aos sindicatos, que, diz, têm apresentado propostas “irrealistas” para o aumento dos salários. No sector da metalurgia, sublinha, ao aumento de 5,1% proposto pela Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), os sindicatos apresentam como contraproposta 18%.

Do lado da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes também dá conta de dúvidas das empresas quanto à majoração do IRC.

“Foram pedidos esclarecimentos ao Ministério do Trabalho sobre como é que se aplica em termos fiscais a majoração e até agora não há nenhuma informação. Temos estado à espera para as associações e para as empresas terem noção do benefício”, relatou ao PÚBLICO.

Ainda assim, e embora o acordo tenha criado um “ambiente geral propício a haver aumentos”, o “principal motivo para o aumento dos salários é a inflação”.

“Se me perguntar se o referencial [de 5,1% previsto no acordo] está a ser um elemento estruturante da negociação colectiva, a ideia que temos é que cada empresa está a olhar para as suas possibilidades e para a situação do sector”, concluiu.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho sobre as dúvidas levantadas pelas confederações patronais, sobre quando serão dados os esclarecimentos e sobre o impacto dessa incerteza na negociação colectiva. Fonte oficial respondeu que “os critérios estão definidos no artigo 251.º do Orçamento do Estado para 2023, com o aditamento do artigo 19.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais”.