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27.2.23

Alto Comissariado para as Migrações deve mudar de nome para incluir comunidades ciganas

Ana Cristina Pereira, in Público

Alta comissária para as Migrações confirma que há conversa com as associações ciganas e que nome pode ser reajustado com nova lei orgânica.

Quando foi criado, em 1996, chamava-se Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas e era uma subsecretaria de Estado na dependência do primeiro-ministro. Em 2002, passou a Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, tornando-se em 2005 um serviço de coordenação. Desde 2014, é um instituto público e chama-se Alto Comissariado para as Migrações. As associações ciganas nunca se identificaram com este nome, já que a população cigana residente é de nacionalidade portuguesa, tirando uma pequeníssima parte oriunda da Roménia. Questionada pelo PÚBLICO, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade disse que o Governo está disponível para encontrar uma solução. Agora, a alta comissária confirma que tal deverá acontecer com a mudança da lei orgânica.

Quando foi criado, em 1996, chamava-se Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas e era uma subsecretaria de Estado na dependência do primeiro-ministro. Em 2002, passou a Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, tornando-se em 2005 um serviço de coordenação. Desde 2014, é um instituto público e chama-se Alto Comissariado para as Migrações. As associações ciganas nunca se identificaram com este nome, já que a população cigana residente é de nacionalidade portuguesa, tirando uma pequeníssima parte oriunda da Roménia. Questionada pelo PÚBLICO, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade disse que o Governo está disponível para encontrar uma solução. Agora, a alta comissária confirma que tal deverá acontecer com a mudança da lei orgânica.

Como está a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas 2013-2022? Continua à espera de avaliação?
A avaliação externa da implementação desta estratégia é fundamental para preparar a próxima. Houve atrasos nos procedimentos decorrentes da aprovação tardia do Orçamento [do Estado], que complicaram uma instituição pública como o é o ACM na implementação dos procedimentos da contratação para uma avaliação externa. É importante que ela seja externa e independente.

Quem a fará?
Estamos no processo de definição da entidade que vai fazer a avaliação externa. Foi uma estratégia longa, o que exige um trabalho de discussão com os diferentes actores. Portugal mudou muito ao longo deste período. É muito importante ter este conhecimento bem fundamentado para que a nova estratégia reflicta esta experiência, esta aprendizagem e o contexto actual.

Não é por essa estratégia ainda não ter dado lugar a uma nova que as medidas que implementamos deixaram de acontecer. Neste momento, estamos em continuidade. Agora, precisamos de dar um novo fôlego às medidas e para isso é muito importante passarmos por este processo de avaliação externa e construirmos uma nova, já não para a continuidade, mas para podermos dar um salto qualitativo na inclusão das comunidades ciganas.

Questionado pelo PÚBLICO, o Governo disse que a estratégia 2013-2022 seria prorrogada até ao final de Junho. Quer isto dizer que no segundo semestre haverá uma nova?
Sim. Neste momento, estamos a trabalhar para esse prazo, mas não sabemos o que pode acontecer. Desde que iniciei funções, já me habituei a ter tudo e mais alguma coisa a atravessar os planos. Em nenhum momento está em risco a execução das medidas. O que queremos é colocar em prática uma nova estratégia, com mais alcance, até com outro tipo de medidas e avaliação de impacto.

Está a haver uma conversa entre as associações ciganas e o ACM sobre a mudança de nome? Não se identificam com o nome actual.
Sim. Nós também consideramos que, no contexto daquilo que se prevê que será uma nova lei orgânica do ACM, podemos reajustar o nome deste instituto público para reflectir a sua missão de inclusão das comunidades ciganas. A lei do ACM é de 2014, não reflecte todo o papel que Portugal passou a ter na protecção internacional desde 2015. Há um conjunto de áreas que o ACM trabalha e que ainda não estão reflectidas na lei orgânica, na estrutura, na designação que tem. E aí o mais penalizador é para as comunidades ciganas.

29.7.22

Educação, Constituição e Convenção Europeia dos Direitos Humanos

Teresa Violante, opinião, in Público

Em Estado de direito democrático, não existe um direito humano a não sermos confrontados com opiniões contrárias às nossas crenças e convicções – nem a isolarmos os nossos filhos do pluralismo próprio das sociedades contemporâneas.Um pouco por todo o mundo, pais e educadores têm-se oposto à frequência, pelos seus educandos, de certas disciplinas ou conteúdos curriculares, alegando razões religiosas, morais, ou de consciência. O caso de Famalicão é, por isso, a declinação portuguesa de um fenómeno bem mais vasto, e podemos colher auxílio noutras jurisdições para enquadrar a questão.

É certo que, à luz da nossa Constituição, o Estado português apresenta vinculações que estão ausentes noutras ordens jurídicas. É de realçar o artigo 73.º, que estabelece o dever do Estado de promover a democratização da educação para que a mesma contribua para a “igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida ativa”.

Obviamente, a educação não é um processo alheio a valores. A educação não pode ser ideologicamente programada, como o impõe o artigo 43.º, n.º 2, mas isso não significa que seja valorativamente assética. Como reconhece o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), muito dificilmente certas disciplinas não terão, em maior ou menor medida, ressonância ética, filosófica ou moral.

À luz da Constituição, e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estado deve respeitar as convicções morais e religiosas de cada um, designadamente dos pais, e o direito destes de educar os seus filhos de acordo com essas convicções. É inequívoco, aliás, que os pais são os principais responsáveis pela educação e ensino dos seus filhos.

No entanto, a escolaridade obrigatória implica deveres públicos relativamente aos pais e encarregados de educação, tal como o dever de garantir que os alunos frequentam as aulas e o currículo obrigatório. O não cumprimento destes deveres pode dar lugar a sanções. Nos termos da jurisprudência do TEDH, o desenho dos currículos compete aos Estados, devendo a informação e o conhecimento ser enquadrados de modo objetivo, crítico e plural, dando aos alunos ferramentas para desenvolver um espírito crítico.

Se estes limites, bem como as crenças religiosas e filosóficas dos pais, forem respeitados, o Estado é livre de desenhar os conteúdos, estabelecer a sua obrigatoriedade, e aprovar, ou não, isenções à frequência de certas disciplinas. Aliás, relativamente às isenções, o Tribunal acrescenta que as mesmas podem até ter um efeito pernicioso e estigmatizante, potenciando um conflito de lealdades entre a escola e os pais. O TEDH salienta ainda que o pluralismo na educação é essencial para preservar o Estado de direito democrático.

Existem casos em que a recusa dos pais em autorizar a frequência dos filhos de disciplinas de educação sexual, ética, ou mesmo o ensino presencial, conduziu à aplicação de sanções penais (penas de multa e de prisão), e à retirada do poder paternal, concretamente por parte do Estado alemão. Em todos esses casos, o TEDH considerou não ter ocorrido violação de parâmetros da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Situações destas podem-nos parecer drásticas, mas demonstram claramente que, em matéria de educação, e dentro dos limites definidos pelo Tribunal, os Estados têm competências para garantir que as convicções pessoais dos pais não interferem no direito dos filhos à educação.

Situações destas podem-nos parecer drásticas, mas demonstram claramente que, em matéria de educação, e dentro dos limites definidos pelo Tribunal, os Estados têm competências para garantir que as convicções pessoais dos pais não interferem no direito dos filhos à educação

A ação do Estado visa precisamente permitir que a liberdade de consciência dos pais não interfere na liberdade de consciência dos filhos, garantindo que os alunos podem formar livremente as suas convicções, dando-lhes condições para virem a ser adultos livres.

Existe espaço para o debate crítico sobre os conteúdos curriculares e as ferramentas pedagógicas do ensino obrigatório. Esse debate é próprio de sociedades plurais e o dissenso não deve ser aniquilado, nem esse deve ser o objetivo da escola, nem da educação. Tal debate deve ser travado, primordialmente, no espaço democrático, reservando-se para as restantes autoridades, designadamente os tribunais, situações em que o Estado, notoriamente, não respeitou os limites que se lhe impõem, designadamente em matéria de respeito pelas convicções religiosas e morais dos pais.

Quanto ao respeito que o Estado deve às convicções religiosas e morais dos pais, vale a pena, contudo, salientar um aspeto crucial que resulta da jurisprudência do TEDH, e que merece profunda reflexão, em tempos de crescente polarização: em Estado de direito democrático, não existe um direito humano a não sermos confrontados com opiniões contrárias às nossas crenças e convicções – nem a isolarmos os nossos filhos do pluralismo próprio das sociedades contemporâneas.

5.7.22

Parlamento antecipa debate do estado da Nação para 20 de Julho

Maria Lopes, in Público

Chega marca debate sobre direitos das crianças para a próxima semana. Deputados únicos do PAN e Livre terão direito oito declarações políticas até Setembro de 2023.A conferência de líderes decidiu antecipar o agendamento do debate do estado da Nação de dia 21 para 20 de Julho e usar o último plenário antes do Verão para discutir e votar a proposta de lei do Governo que facilita as regras para a concessão de vistos de residência e de estada temporária para cidadãos de países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). No mesmo dia é também discutida a transposição de uma directiva sobre acesso à actividade bancária.

Nesse dia 21, os deputados irão também fazer, como é tradição, uma lista de votações de diplomas que foram sendo entregues desde o início desta sessão legislativa - mas como os trabalhos parlamentares só começaram no final de Março essa lista será, desta vez, mais curta.

Na reunião da conferência de líderes desta quarta-feira de manhã ficou também agendado um debate a pedido do Chega sobre a “salvaguarda dos direitos da criança” que se realizará no dia 7 - aproveitando a onda de indignação gerada com a morte da criança de três anos de Setúbal na passada semana. Porém, o partido não irá usar este debate para discutir e votar quaisquer iniciativas sobre o assunto. Na passada semana, o Chega entregou no Parlamento um projecto de lei que prevê a pena de prisão perpétua para “crimes de homicídio praticados com especial perversidade, nomeadamente contra crianças”, mas o diploma deverá ser recusado sob o argumento de ser inconstitucional uma vez que a Constituição portuguesa não admite a prisão perpétua.

A porta-voz da conferência de líderes, a deputada socialista Maria da Luz Rosinha, anunciou que as bancadas parlamentares decidiram que os deputados únicos do PAN e do Livre terão direito a realizar oito declarações políticas durante esta primeira sessão legislativa que se estende até meados de Setembro de 2023. Na sessão legislativa seguinte voltarão às cinco declarações que constam do regimento. Este ajustamento ficou a dever-se ao facto de esta nova legislatura ter arrancado no fim de Março devido à realização de legislativas antecipadas e quando isso acontece a Constituição determina que a primeira sessão legislativa abarca o resto do tempo que faltaria cumprir da sessão legislativa em curso, que acresce à primeira sessão da nova legislatura.

NATO: Turquia vai exigir à Finlândia e Suécia extradição de 33 pessoas

in SIC

Ancara tinha bloqueado a adesão destes dois países à NATO, acusando-os de acolherem terroristas.A Turquia vai exigir à Finlândia e à Suécia a extradição de 33 pessoas dos movimentos PKK e Fetö, que considera terroristas, anunciou Ancara um dia após levantar o veto ao acesso dos Estados nórdicos à NATO.

“Sob o novo acordo, pediremos à Finlândia que extradite seis membros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e seis membros do Feto e à Suécia que extradite 10 membros do Fetö e 11 do PKK”, disse o ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag.

O PKK é classificado como terrorista por Ancara, União Europeia e Estados Unidos, devido à rebelião armada curda no sudeste turco, iniciada em 1984, enquanto a Fetö, sigla do movimento fundado pelo pregador Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos e considerado pelo Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, como o instigador de uma tentativa de golpe de Estado em julho de 2016.

Erdogan reuniu-se, na terça-feira, durante várias horas, com o seu homólogo finlandês, Sauli Niinistö, e a primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, antes da abertura da cimeira da NATO, que decorre entre esta terça-feira e quinta-feira em Madrid.

Ancara tinha bloqueado a adesão destes dois países à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês), acusando-os de acolherem militantes dos dois movimentos.

No final da reunião entre os três países, que também contou com a presença do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, foi apresentado um memorando que abre caminho a um futuro acordo formal de alargamento da Aliança Atlântica, face às ameaças da Rússia.

“A Turquia conseguiu o que queria”, ou seja, a “plena cooperação” dos países nórdicos na luta contra o terrorismo, congratulou-se a presidência turca, em comunicado de imprensa.

Os dois Estados escandinavos têm manifestado desde há vários anos apoio às Unidades de Proteção Popular (YPG), a formação armada dos curdos sírios e principal componente das Forças Democráticas Sírias (HSD), que Ancara acusa de ligações diretas ao PKK.

A Suécia também possui uma importante comunidade curda e mantém tradicionais ligações políticas com os curdos, mais intensas que a vizinha Finlândia. A Turquia censura Estocolmo por continuar a receber representantes da administração autónoma curda do nordeste da Síria e comandantes militares.

28.6.21

Livres e iguais

António Barreto, opinião, in Publico on-line

Criar a igualdade à força só com enorme prejuízo da liberdade. O combate contra o racismo, nas suas modalidades radicais, degenera rapidamente em racismo.

A mais temível ameaça actual contra a liberdade e a democracia é a desigualdade. Seja esta social, racial, cultural, política ou económica. A desigualdade crescente envenena de tal modo as relações sociais que a liberdade e a democracia se encontram sob ameaça. No passado, a pobreza estava escondida e a desigualdade disfarçada. Hoje, uma e outra são universalmente visíveis. Associada a outros factores de carácter político e cultural, a desigualdade é fonte de conflitos que põem em causa a solidez das instituições. Por isso, é o mais premente.

Esperava-se que a democracia poderia liquidar as desigualdades. Há décadas que essa luta prossegue, com notáveis vitórias da democracia. Na política, na escola, na economia, na saúde, no trabalho e na cultura, as vitórias da democracia são inegáveis. A criação de sistemas de saúde e a promoção da escola para todos deram um enorme contributo para a democracia. A solidez dos Estados de protecção social é talvez o mais seguro alicerce da democracia contemporânea.

Ainda há número excessivo de casos de pouca ou nenhuma liberdade e de demasiada desigualdade. Nas fábricas da China e da Índia, nos bairros urbanos de África e nos campos de refugiados do Próximo Oriente, não faltam sociedades sem liberdade, sem democracia e com enorme desigualdade. E mesmo em democracias não é raro encontrar fenómenos de grande desigualdade e fragilidade social. Mas é consolador verificar que, no mundo, justiça e igualdade têm uma correlação forte com democracia e liberdade.

Mas a desigualdade ameaça também a liberdade de modos imprevistos, os de certos tipos de luta contra a desigualdade. Como se viu em tantas experiências ditas comunistas, da União Soviética à China, da Albânia ao Camboja. Criar a igualdade à força só com enorme prejuízo da liberdade. O combate contra o racismo, nas suas modalidades radicais, degenera rapidamente em racismo. A luta contra a autoridade provoca frequentemente o nascimento de poderes autoritários. Sem mérito, a luta pela igualdade educativa pode provocar empobrecimento do conhecimento.

Ora, as políticas de promoção da igualdade, indispensáveis para consolidar a democracia e criar justiça social, devem ser aceites pela maioria dos contribuintes e dos eleitores. Caso contrário, estão condenadas. A política de combate à desigualdade não deve ser de tal modo concebida que se transforma ela própria em fonte de desigualdade e de injustiça. Com o objectivo de promover a igualdade, não se devem criar situações em que as minorias, os grupos vulneráveis, os segmentos mais fracos da população e os grupos mais frágeis acabem por se encontrar em situação privilegiada relativamente aos que não foram beneficiados por intervenções oficiais, mas que vivem do seu trabalho, dos seus rendimentos e dos seus esforços.

São nefastas as leis e as políticas destinadas a promover direitos de grupos especiais, a conceder privilégios que causem nova injustiça. Os direitos gerais devem ser promovidos de modo igual para todos. Os direitos são dos cidadãos, dos seres humanos, não de minorias ou de grupos, de velhos, de mulheres, de crianças, de doentes, de LGBTQ, de imigrantes, de negros, de ciganos, de transmontanos ou de ilhéus.

A promoção do imigrante, da mulher, do negro, do judeu, do trabalhador, do desempregado, do analfabeto, do recluso e do doente não deve fomentar a criação de novos grupos, mas sim aquilo a que se chama actualmente a inclusão. A inclusão deve aumentar a integração e não a construção de sociedades fragmentadas, em tabuleiros de xadrez ou em guetos.
A propensão demagógica para criar direitos e favorecer grupos tem levado a criar um Estado repleto de novos confrontos. Não se passa um dia sem que surjam novos direitos para novos beneficiários, aumentando ou insistindo na separação, em vez de integração

É racista a lei que crie sistemas e dispositivos especiais para certos grupos com características ditas raciais particulares. É racista a política que crie e defenda privilégios, garantias e direitos especiais para qualquer grupo nacional. São sectárias e desiguais as leis e as políticas destinados a proteger direitos gerais a grupos especiais.

A última fantasia da União Europeia é a da aprovação de uma moção de apoio às pessoas ditas LGBTIQ+ e de condenação da legislação repressiva húngara. Muitos países assinaram. Portugal não assinou, mas disse que estava de acordo. Parece Bill Clinton, que fumou mas não engoliu. A verdade é que este texto, carregado de boas intenções, é mais um passo no mau caminho: o que gradualmente constrói uma nova ortodoxia, um mundo feito de fragmentos, de federações e de comunidades rivais.
Propinas especiais para negros? Para ciganos? Para asiáticos? Nem pensar. Será racismo, desigualdade e discriminação. E é provável que a maioria da população e dos contribuintes não esteja de acordo

A propensão demagógica para criar direitos e favorecer grupos tem levado a criar um Estado repleto de novos confrontos. Não se passa um dia sem que surjam novos direitos para novos beneficiários, aumentando ou insistindo na separação, em vez de integração. Direitos dos trabalhadores, das crianças, dos velhos, dos imigrantes, dos negros, dos ciganos, dos rurais, dos urbanos, dos residentes no interior, dos analfabetos, dos LGBTIQ, dos desempregados, dos estudantes e dos doentes são direitos sectários, desiguais, racistas e discriminatórios. Todos esses direitos e garantias podem simplesmente ser os direitos de todos, dos residentes, dos cidadãos ou simplesmente dos humanos. Caso contrário, transformam-se em privilégios. Que aliás são, entre nós, favorecidos pela Constituição, que consagra mais direitos parcelares e de grupos especiais do que se pode imaginar.

O importante é a desigualdade e a pobreza. Seja esta moral, educativa ou económica. Saúde? Educação? Alojamento? Alimentos? Rendimento? Não faltam preocupações para um governo. Mas não deveria ser especialmente para ciganos ou negros. Nem para gente do interior ou dos subúrbios. Se for, é racismo, privilégio ou desigualdade. Se for para todos, é mais fácil que a população aceite e o contribuinte pague. É mais fácil que as populações aceitem politicamente pois não são forçadas a ajudar grupos especiais.

Propinas especiais para negros? Para ciganos? Para asiáticos? Nem pensar. Será racismo, desigualdade e discriminação. E é provável que a maioria da população e dos contribuintes não esteja de acordo. Bolsas e subsídios, incluindo custos de propinas, para todos os que não têm? Todos os que precisam? Sim e é mesmo possível que grande número dos beneficiários venham a ser negros, ciganos e imigrantes. Mas não é por isso, por serem negros, ciganos e imigrantes que são apoiados, mas simplesmente porque são pobres, porque não têm recursos e porque merecem.

21.4.16

Constituição só mantém 10% dos artigos do texto original

Nuno Ribeiro, in Público on-line

Exposição multimédia sobre a Lei Fundamental, destinada a um público jovem e à itinerância, tem uma estrutura ligeira e cenografia do arquitecto Nuno Gusmão. Não são dadas conclusões, mas é feito um convite ao pensamento.

A Constituição da República só mantém 10% dos artigos do texto original constata a exposição multimédia que nesta quinta-feira é inaugurada na Assembleia da República, em comemoração das quatro décadas da Lei Fundamental. Intitulada A Prova do Tempo: 40 Anos de Constituição, a mostra é inovadora nos conteúdos e na forma de comunicar. Desenvolve-se à volta de cinco temas, que suscitam questões e não conclusões, e andará em itinerância pelo país.

Sendo destinada a um público jovem, um dos desafios foi encontrar uma linguagem expositiva viva, apesar da aridez abstracta dos conceitos. Para tanto, o arquitecto Nuno Gusmão idealizou uma montagem cenográfica inovadora. “Não há painéis, mas vídeos, infografias, seis ecrãs no átrio principal do Parlamento onde são projectados dados dos temas e um livro digital interactivo”, explica António Hespanha, que, a par de Ivo Veiga e Maria Inácia Rezola, assume o comissariado da mostra.

“Existe um catálogo da exposição, com cem páginas, e textos de Gonçalo Almeida Ribeiro, da Faculdade de Direito da Universidade Católica, de Jorge Reis Novais, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, de André Campos, da Universidade Nova, de André Freire, do ISCTE, e de António Casimiro Ferreira, da Universidade de Coimbra”, destaca Hespanha.

O primeiro tema e primeiro painel vídeo — “onde se fazem as constituições” — pretende suscitar um debate. “É o Parlamento ou é o decorrer da prática social que institui as regras?”, interroga o catedrático de Direito: “Não há uma resposta, mas a manifestação de uma inquietação.”

A intenção pedagógica de não dar conclusões mas levar ao pensamento está presente no tratamento de todas as questões suscitadas nos cinco painéis. A validade do texto constitucional, ou seja, se vale a pena fazer hoje uma constituição é a segunda proposta. “É saber qual o papel dos factos sociais e económicos ou se a política entretanto acabou”, anota.

Aproximar o conceito constitucional do quotidiano dos cidadãos passa por outro exercício. Determinar o que uma constituição deve regular, a que se aplica. Às normas gerais do Estado — organização do poder político e direitos fundamentais — ou à vida económica, cultural e social? É este o dilema em aberto. Num tema de fronteiras ideológicas, os guionistas da exposição propõem a reflexão, porque não sugerem orientações.

Contudo, há espaço para constatações. De que a manutenção de apenas de 10% do articulado original da Constituição da República de 1976 é, além de curioso, destruidor de mitos políticos. Mas o guião assenta, sobretudo, na proposta.

O quinto e último tema parte do presente, diferente da realidade de há quatro décadas, quando da aprovação da Lei Fundamental, e questiona se a pluralidade social se pode combinar com a unicidade da norma constitucional. “É possível encontrar, na Constituição, valores comuns aos da sociedade plural?”, interroga António Hespanha.

“A Constituição responde satisfatoriamente a isto, não só através das eleições mas também da concertação social, das comissões parlamentares, da democracia participativa e das petições de cidadãos”, exemplifica. “Haverá de chegar o tempo da democracia digital, que, é também, uma fórmula de exclusão social, dos infoexcluídos, a que a democracia tem de estar atenta”, conclui.

2.4.13

Desempregado reclama na justiça o direito de não pagar impostos

Andreia Sanches e Clara Viana, in Público on-line

Entre deixar os filhos passar fome e pagar ao Fisco, um desempregado decidiu não pagar. Nesta terça-feira entrega exposição ao provedor de Justiça. Os juristas dividem-se.

Alcides Santos, um gestor de sistemas informáticos que está no desemprego há dois anos, entrega nesta terça-feira na Provedoria da Justiça uma carta onde explica o seguinte: vai deixar de pagar impostos. Nem IMI, pela casa onde habita, nem IRS e IVA, sobre um biscate que fez há uns meses. Invoca o artigo 21 da Constituição da República Portuguesa — o artigo que define o Direito de Resistência — para defender a legitimidade da sua decisão. Alega que acima dos seus deveres como contribuinte está o dever de não deixar os filhos passar fome.

O que pode ser abrangido pelo Direito de Resistência estipulado na Constituição é algo que, como é norma em matérias legais, divide os juristas. Como os impostos contestados por Alcides Santos foram aprovados pela Assembleia da República, e não existindo até agora qualquer parecer em contrário do Tribunal Constitucional, não se pode entender que o seu pagamento seja “uma ordem que ofenda os direitos dos indivíduos, nem uma força que deva ser repelida”, defende o constitucionalista Tiago Duarte, para quem esta iniciativa está assim “completamente à margem” do que é evocado no artigo 21 da Constituição.

“E o que pode fazer uma pessoa que é taxada por um imposto que não pode pagar, que é obrigada a cumprir o que não pode cumprir, senão resistir?”, contrapõe o juiz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, António Colaço.

O juiz entende que esta é uma opção constitucional para um “desempregado que está no limiar da pobreza, que tem pessoas a cargo, e que já não pode fazer nada mais para inverter a situação de penúria em que se encontra”.

Alcides Santos escreve o seguinte no texto que quer fazer chegar ao provedor Alfredo José de Sousa: “Existe uma inegável hierarquia de valores que exige que eu faça o necessário para garantir a sobrevivência física dos meus filhos, dos meus pais e de mim próprio (o que se aplica a qualquer pessoa que se encontre na minha situação), a qual estará sempre acima das obrigações fiscais e, mais do que isso, encontra-se salvaguardada pelo artigo 21 da Constituição.”

“Queria cumprir”
Este desempregado vive na Moita, com a mulher e os dois filhos, numa casa que está a pagar ao banco: 400 euros por mês. O prazo do subsídio de 1150 euros que recebia acabou no mês passado. Este mês, diz, a família tem 600 euros para sobreviver — o ordenado da mulher, que trabalha num call center.

Desse bolo, 400 vão para pagar a casa e sobram 200 para tudo o resto. Com um filho de 15 anos, a frequentar o ensino secundário, e outro de 23, que está na faculdade, Alcides deu consigo, há duas semanas, a olhar para as contas. Já usa o cartão de crédito para pagar coisas básicas — “Estou a viver acima das minhas possibilidades porque não quero que os meus filhos passem fome”, ironiza o informático que, no seu último emprego, ganhava 2200 euros mensais.

Há uns meses, fez “um biscate” — e passou o respectivo recibo: cerca de 750 euros. Agora tem que pagar 158 euros de IVA e 79 euros de IRS. Foi para esse recibo que, há duas semanas, começou a olhar.

Sentado num banco do jardim público que fica em frente do prédio onde vive, continua: “Quando estamos no desemprego acontece uma coisa: temos muito tempo”, inclusivamente para ler a Constituição de uma ponta à outra. “Comecei a olhar para os papéis e a pensar: eu não consigo pagar isto. Bom... a minha formação é Matemática. O meu trabalho é arranjar solução para os problemas.” Voltou a ler a Constituição.

“O Governo não está a cumprir com o artigo que assegura o Direito ao Trabalho” e que incumbe o Estado de executar políticas de pleno emprego, argumenta. “Eu sou o produto dessa decisão do Governo. Por isso não consigo cumprir com as minhas obrigações. Sempre cumpri, e queria cumprir, mas agora tenho que optar: alimentar os meus filhos ou cumprir.” Para já, este homem que já esteve associado a organizações como o Movimento dos Sem Emprego gostaria que o provedor de Justiça se pronunciasse sobre a sua exposição. O passo que se segue pode ser informar o Fisco da razão pela qual não vai pagar. Para além disso, admite ter de informar outras entidades da mesma decisão — companhia da água, da luz, do gás. Porque acredita que, a manter-se na situação em que está, acabará por não conseguir liquidar essas facturas.

Um acto de “desespero”
Por desconhecer a situação e os argumentos exactos apresentados por Alcides Santos, o constitucionalista Gomes Canotilho escusou-se hoje a comentar este caso em concreto, mas lembra que o Direito de Resistência, conforme consignado na Constituição, se reporta à defesa dos “direitos, liberdades e garantias” do indivíduo, um lote que poderá não abranger o Direito ao Trabalho que, segundo Alcides Santos, lhe está a ser negado.

A acção deste desempregado estará talvez mais próxima da desobediência civil, um conceito que, lembra, nem todos consideram ser coberto pelo Direito de Resistência. Mas Gomes Canotilho consegue ler nela o “desencanto e o desespero” face a uma “tributação que atingiu quase níveis usurpatórios” e que, em conjunto com as taxas que devem ser pagas por serviços como a água e a electricidade, se impõem como “intervenções restritivas, que têm de ser justificadas quanto à sua necessidade, utilidade e proporcionalidade”, defende.

“Qualquer cidadão pode discordar do que se encontra estipulado na lei, mas não tem o direito de não a cumprir. Se entende que a lei é inconstitucional tem meios no ordenamento jurídico para reagir, seja por via do Tribunal Constitucional, seja por recurso ao provedor de Justiça”, argumenta, por seu lado, Tiago Duarte, frisando que o Direito de Resistência se aplica apenas a “situações limite”. Aquelas em que, em simultâneo, a Administração Pública age contra a lei e em que os cidadãos não têm tempo útil para recorrer aos tribunais: é o que aconteceria, por exemplo, se agentes policiais decidissem retirar alguém à força de sua casa sem qualquer motivo legal, acrescenta.

Já António Colaço insiste que o Direito de Resistência existe quando se trata de defender “um bem ou para evitar um mal maior” do que a situação que o motivou. Acrescenta que no caso do desemprego, por exemplo, justifica-se por se destinar a evitar o que lhe pode sobrevir: a miséria e actos desesperados, como o suicídio.

Há algumas semanas, Alcides Santos preencheu os impressos para pedir o subsídio social de desemprego (que pode suceder o de desemprego). Espera uma resposta.

Trabalho estável, tem pouca esperança de arranjar. Quando, há dois anos, o contrato que tinha terminou, achou que ia arranjar o que fazer, como sempre tinha acontecido até ali. Mas acabou por ter que se conformar com a ideia de que “o mercado mudou” e os informáticos já não têm a mesma saída. “Até porque há miúdos a trabalhar de graça.”

Da sua ideia de resistir é que não desiste. “A minha obrigação é resistir”, escreveu no e-mail que esta semana enviou às redacções.

Os tiranos e o bem comum
O Direito de Resistência em matéria fiscal foi alvo de um acórdão aprovado em 2003, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e tem sido retomado em outras deliberações.

A propósito de uma taxa que a Câmara de Lisboa pretendia cobrar a uma empresa por um acto que, entretanto, fora anulado, o STA lembrou naquele seu acórdão que o “privilégio da execução prévia” (execução de uma dívida antes da ordem do tribunal) não se aplica aos “actos de liquidação de tributos”. Mas, nestes casos, defendeu, a oposição dos contribuintes deve ser feita, precisamente, através do recurso aos tribunais, sendo este considerado “o meio processual adequado para a concretização do direito de resistência defensiva”.

Em Portugal, foi a invocação do direito de resistência, na sua interpretação mais lata, “que legitimou juridicamente a Restauração do 1.º de Dezembro de 1640”, sustenta Pedro Calafate, professor de Filosofia na Universidade de Lisboa. No pensamento dos Conjurados imperava a doutrina escolástica “segundo a qual Deus é a origem do poder enquanto autor da natureza social do homem”.

“Mas trata-se de uma origem em abstracto, porque, em concreto, quem concede ou transfere o poder para os reis é a comunidade”, continua. Esta transferência é feita “sob condição de respeito pela justiça e pelo direito fundamental de conservação da vida”. E, tendo por base esta premissa, “a comunidade ou os indivíduos directamente ameaçados podem resistir e destituir os governantes”. Ou seja, no século XVII o direito de resistência era entendido como uma reacção aos tiranos, categoria onde entrava também quem não governasse para o bem comum.