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21.8.23

Em Portugal, classe média é ser pobre

 Ricardo Arroja, opinião, in Público



O salário é de menos e o imposto é de mais. Às empresas caberá tratar dos salários. Ao Estado, do imposto, sendo que somos hoje um país de remediados com impostos de países ricos.


Há dias, uma familiar minha revelava-se muito indignada com dados que tinha lido numa rede social: em Portugal, bastavam 2000 euros brutos por mês para fazer parte dos 10% mais ricos do país. A notícia não era nova. Já tinha uns meses e também já tinha sido verificada pelo Polígrafo no início do ano, tendo então sido avaliada com “Verdadeiro”, ainda que sujeita ao seguinte reparo: “A expressão mais consentânea com a verdade dos factos seria ‘10% com maiores salários do país’.” A indignação da pessoa em causa não era movida pelo desconhecimento da realidade, afinal ela própria encontra-se no intervalo oposto – entre os 90% que ganham menos de 2000 euros brutos por mês. A indignação era antes movida pela constatação de que, encontrando-se bastante próxima daquele patamar, corria o risco de ser considerada rica, quando a sensação com que cada vez mais ficava era a de que o dinheiro voava, restando pouco ou quase nada no final do mês. Concluía, pois, que a expressão classe média-alta provavelmente aplicar-se-ia, pelo que, por inerência, ser classe média só poderia significar ser-se pobre.


Também há dias, na sua coluna semanal, a minha colega de opinião Susana Peralta referia [que], “a bem da qualidade do debate democrático, cada político devia ser obrigado a definir a classe média quando fala dela”. Concordo. O conceito de classe média é influenciado pela vivência de cada pessoa, bastando para tal variar o local de residência. Haverá uma classe média em Lisboa e decerto outra em Rabo de Peixe. De acordo com as estatísticas de IRS da Autoridade Tributária (AT), em 2021, a taxa efectiva de tributação bruta – definida como o rácio entre o IRS liquidado e o rendimento bruto – era de 17,6% em Lisboa enquanto nos Açores era de 8,9%, evidenciando as enormes assimetrias no seio do país. Porém, em Portugal, na maioria dos casos, governa-se, a partir de Lisboa, para os grandes centros urbanos que, cada vez mais, concentram as grandes massas da população. Corre-se, assim, o risco de a expressão classe média ser utilizada de forma difusa, como quando em 2016 um antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais definiu classe média como podendo compreender remunerações de 900 a 2000 euros ou mais por mês.


Nos últimos meses, gerou-se um consenso em redor da redução dos impostos, em particular do IRS. É sinal de que a pressão fiscal sentida em Portugal finalmente atingiu os centros urbanos, em particular a população urbana que mais influencia a formação da opinião pública. Lisboa é o principal exemplo. É neste distrito que estão cerca de 26% dos agregados fiscais que em 2021 liquidaram IRS, mas que representaram 36% do valor de IRS liquidado (conforme estatísticas de IRS 2019/2021 da AT, mapas 18 e 19). Numa altura em que a inflação reduz os salários reais e o poder de compra das famílias, como há muito não se via, até mesmo das bem remuneradas, o apelativo da progressividade fiscal torna-se menor, sobretudo quando já nem mesmo as famílias mais bem remuneradas se sentem especialmente afortunadas. Afinal, os tais 2000 euros brutos por mês, que transportam os assalariados portugueses para o decil de topo da distribuição salarial, correspondem a 2,6 salários mínimos em Portugal e a menos do que um salário mínimo no Luxemburgo. Ora, como a produtividade do país não se muda por decreto, a solução para aumentar os salários no imediato é reduzir o imposto – como, aliás, toda a gente já percebeu.

Segundo o relatório “Taxing Wages 2023”, da OCDE, Portugal tem a nona maior carga fiscal sobre o trabalho entre os países-membros daquela organização, incluindo no perímetro da carga fiscal não só o IRS, mas também as contribuições sociais a cargo dos trabalhadores e dos patrões. Porém, o relatório apresenta cálculos para diferentes tipologias familiares. Por exemplo, para agregados com dois adultos e dois filhos, uma tipologia que é especialmente relevante em face do nosso desequilíbrio demográfico, porquanto o equilíbrio geracional se obtém com dois ou mais filhos, a carga fiscal é ainda maior – tratando-se da sexta maior da OCDE. Num país que é dos mais pobres da OCDE, isto evidentemente não faz sentido algum. E pior se fica quando, ao contrário dos cinco países que nos ultrapassam (Bélgica, Alemanha, França, Suécia e Finlândia), todos eles substancialmente mais prósperos do que nós, só em Portugal é que a carga fiscal sobre o trabalho tem vindo a aumentar desde 2015, atingindo em 2022 o seu valor mais elevado.


Nos últimos anos, registou-se em Portugal um aumento expressivo da percentagem de agregados fiscais que liquidam IRS. Ou seja, dos cerca de 50% dos agregados fiscais que em 2015 não pagavam IRS, devido ao muito baixo nível de rendimento, passou-se para um rácio de 42% em 2022. Os salários nominais mais baixos aumentaram, levando a que, acompanhados de uma quase inexistente actualização dos patamares mínimos dos escalões de tributação, muitos tivessem começado a liquidar IRS. Em simultâneo, nos escalões superiores de rendimento, a não actualização dos escalões fez com que muitos agregados familiares tivessem passado a pagar uma taxa efectiva superior à que teriam pago caso tivesse havido a referida actualização. Por exemplo, para escalões de rendimento bruto superior a 32.500 euros por ano, a partir dos quais a taxa efectiva de tributação bruta é superior à taxa média incluindo todos os escalões de rendimentos, existiam em 2021 cerca de 255 mil agregados a mais face ao número de 2015 – um incremento acumulado de sensivelmente 45%.

O argumento tendente à redução do IRS é transversal a toda a distribuição de rendimentos. Não é apenas nos escalões mais baixos de rendimento que ele deve ser atendido, como demonstra o clamor da classe urbana e da generalidade dos partidos políticos. A taxa média efectiva de tributação bruta em Portugal era de 13,5% em 2021. Porém, para rendimentos a partir de 32.500 euros ou mais encontrávamos 25% do número total de agregados com IRS liquidado que geravam sensivelmente 73% do valor liquidado (vide estatísticas da AT referentes a 2021, mapas 23 e 24). Entre aqueles, agregados com rendimentos brutos de 32.500-40.000 pagavam uma taxa média de 14,6% e rendimentos entre 40.000-50.000 euros uma taxa de 17,3% (mapa 25). Estamos a falar de rendimentos que, para agregados com dois assalariados (considerando 14 meses por ano), poderiam corresponder a salários brutos de 1300-1600 euros por mês, por assalariado. O salário é de menos e o imposto é de mais. Às empresas caberá tratar dos salários. Ao Estado, do imposto, sendo que somos hoje um país de remediados com impostos de países ricos.

[artigo disponível na íntegra só para assinantes]






11.8.23

50 mil milhões. Economia paralela daria para pagar mais de cinco anos de salários da Função Pública

André Rodrigues, in RR

Vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude admite que a atividade não registada representa mais de um quarto do nível da economia oficial. "Diria que rondará mais ou menos 50 mil milhões de euros por ano", diz Oscar Afonso. Extrapolando esse valor para o custo mensal atual dos funcionários do Estado, 50 mil milhões poderiam pagar 66 meses de remunerações nas Administrações Públicas.

A economia paralela em Portugal poderia dar para pagar mais de cinco anos de salários da administração pública.

A Renascença fez as contas a partir do valor estimado da atividade económica que escapa aos impostos.

O vice-presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OEGF) admite que, todos os anos, as atividades que escapam aos impostos correspondem a, pelo menos, 25% do total da economia.

“Eu creio que até será mais”, corrige, de imediato, o economista Óscar Afonso.

Mas, afinal, quanto é que isso vale? Segundo este especialista, que estuda o impacto da economia não registada, “em 2015, o peso da economia não registada no PIB rondava os 44 mil milhões de euros. Atualmente, tendo em consideração que o peso da inflação não diminuiu muito – apesar de ter havido um decréscimo – eu diria que rondará mais ou menos 50 mil milhões de euros, por ano”.

Os dados mais recentes da Pordata, atualizados a 31 de dezembro de 2021, revelam que a remuneração base média mensal de um trabalhador da Função Pública é de 1.027,5 euros.

Os mesmos dados sobre Trabalhadores e Salários apontam para um universo de, aproximadamente, 734 mil trabalhadores nas Administrações Públicas.

Multiplicando a remuneração média mensal pelo número de funcionários públicos, o Estado português gastará qualquer coisa como 754,2 milhões de euros todos os meses com salários da Função Pública.

Considerando que a economia não registada lesa o Estado em cerca de 50 mil milhões de euros, isso significa que a receita fiscal que, anualmente, escapa aos cofres públicos dará para pagar 66 meses de salários na Função Pública. Qualquer coisa como cinco anos e meio.

Combate à "economia paralela". ASAE apreende material avaliado em 68 mil euros

No entanto, a sucessão de crises – com uma pandemia entre 2020 e 2021 e uma guerra desde fevereiro de 2022 – teve como consequência a subida da inflação e o aumento generalizado do custo de vida.

Óscar Afonso avisa que, quanto mais dificuldades sentirem as famílias, maior será o risco: “nós temos uma carga fiscal brutal, que não diminui, e temos aumentos salariais de 2% na função pública e de 4% na atividade privada e, ainda, a taxa de inflação de 8%. Tudo isto está a representar uma austeridade que, se formos a fazer bem as contas, é superior à que tínhamos no tempo da troika. Portanto, não tenho dúvidas nenhumas de que a economia não registada está a aumentar”.

Evasão fiscal lidera

Questionado sobre qual a parcela dominante na economia paralela, o vice-presidente do OEGF diz não ter dúvidas de que “quem lidera é a fuga à carga fiscal. Os chamados biscates são uma rubrica importante, ‘grão, a grão, enche a galinha o papo”. Mas mais significativo do que isso, ou do que o trabalho doméstico não declarado, o crescimento da economia paralela está mais relacionado com os casos de corrupção que vamos assistindo, porque aí os montantes são sempre muito significativos”.
Declarar trabalhadores domésticos? “Não vai dar em nada”

Na semana passada, o Jornal de Negócios avançava que a não declaração de trabalhadores domésticos à Segurança Social, tanto por empresas, como por particulares, vai passar a ser crime punível com uma pena que pode ir até aos três anos de prisão.

Os diplomas foram apresentados no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, aprovada no mês passado pelos deputados, e que o Governo pretende ter em vigor no início de abril.

A questão é: como e quem vai fiscalizar as novas regras?

“Confesso que não estou a ver como é que se pode fiscalizar. Pode ser a denúncia? Certo. Mas não sei, sinceramente, como é que estão a pensar fazer. Honestamente, acho que é foguetório legislativo que não vai dar em nada”, antecipa Óscar Afonso.

5.7.23

Imposto sobre os combustíveis sem alterações até 31 de Julho

Pedro Crisóstomo, in Público


O ISP é revisto periodicamente pelo Governo e, por enquanto, as taxas vão continuar iguais às de Maio e Junho.

O Governo decidiu manter inalterado em Julho o “desconto” no imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, mesmo que os preços de referência para o gasóleo e a gasolina já estejam “abaixo” dos valores registados em Outubro de 2021, quando o executivo lançou as primeiras medidas destinadas a conter os custos com os combustíveis ainda antes da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Na prática, as taxas de ISP que o Governo fixou até 31 de Julho serão iguais às taxas que vigoraram nos últimos dois meses de Maio e Junho. Os valores são fixados por portaria e foram dados a conhecer na segunda-feira, com a sua publicação num suplemento ao Diário da República.


No final de Abril, ao publicar uma nova portaria com o ISP para as semanas seguintes, o Governo aumentou os valores das taxas e, na revisão seguinte, no início de Junho, decidiu não voltar a mexer nos valores, fazendo agora o mesmo pela segunda vez.

[...]

Se há um ano a escalada nos preços que se verificou nos primeiros meses da guerra na Ucrânia obrigou o Governo a pôr um travão e, nesse contexto, o executivo chegou a colocar a taxa aplicada à gasolina nos 316,06 euros por litro e a que incide sobre o gasóleo nos 162,8 euros por litro, agora, os valores fixados já estão noutro patamar, mais alto, porque a trajectória de venda dos combustíveis nos mercados internacionais tem sido de descida.

[...]

Na portaria em que fixa os valores do ISP, o Governo explica que, ao fixar as taxas unitárias do ISP, tem vindo a reavaliar “sucessivamente” os valores “desde o início do conflito na Ucrânia” e justifica que é neste contexto que decide manter o desconto temporário. Especificamente no caso das taxas unitárias do imposto, o Governo diz existir nos valores actuais uma “redução de 15,3 cêntimos por litro na gasolina e 13,1 cêntimos por litro no gasóleo” em relação aos valores que estavam em vigor em Janeiro de 2019, fixados em Novembro de 2018 (para estes valores é claro o período de referência do cálculo, muito anterior à escalada dos preços).

Num comunicado divulgado na segunda-feira, o gabinete do ministro das Finanças justifica que as medidas adoptadas pretendem cumprir “objectivos ambientais” e fazer um “alinhamento gradual do peso dos impostos sobre os combustíveis em Portugal com a média” do conjunto dos 19 países da moeda única. E em Portugal, sublinha, o preço de referência do gasóleo e da gasolina já “está actualmente abaixo do preço verificado em Outubro de 2021, quando foram decididas as primeiras medidas de apoio, tendo havido um crescimento no consumo dos combustíveis nos quatro primeiros meses ao ponto de se verificar um “recorde da última década”.


“O consumo de combustíveis rodoviários em Maio, último mês com dados publicados, regista um crescimento de 12% face ao período homólogo (10% considerando a variação do consumo acumulada em 2023). Além disso, a tributação dos combustíveis em Portugal está significativamente abaixo da média ponderada da zona euro: 13% no gasóleo e 9% na gasolina (com base nos dados do Weekly Oil Bulletin produzido pela Comissão Europeia)”, refere o gabinete do ministro na mesma nota.

Segundo dados que podem ser consultados no site da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), o preço de referência da gasolina a 4 de Julho era de 1,508 euros por litro e o do gasóleo era de 1,311 euros, quando a 4 de Outubro de 2021 os preços estavam em 1,51 euros e 1,370 euros, respectivamente.

[artigo  disponível na íntegra só para assinantes aqui]

1.6.23

Costa Silva: “Devemos remover” imposto aos lucros excessivos para “não penalizar” empresas

   Helena Pereira e Susana Madureira Martins (Renascença) ,in Público


Ministro da Economia, António Costa Silva, espera fechar 2023 com crescimento económico acima dos 3% e deixa elogios e um aviso sobre António Costa: “Não o subestimem”

António Costa Silva está confiante num resultado "magnífico" do PIB neste ano. Para isso, é preciso que a recessão técnica na Alemanha não passe disso, de técnica. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, o ministro da Economia é muito crítico do debate político que hoje se faz em Portugal e lamenta a "hiper-partidarização" e "fragmentação". Pode ouvir a entrevista na íntegra na Renascença esta quinta-feira pelas 23h.

O Governo tem destacado os bons números da economia. A verdade é que esses resultados tardam a chegar ao bolso das pessoas. Isso já foi, de resto, salientado pelo Presidente da República. E o que é que um ministro da Economia tem para dizer às pessoas neste momento? Que esperem mais um pouco, que aguentem durante mais algum tempo?

A economia, como todos compreendemos, está no centro da vida. Há um conjunto de medidas que foram tomadas que explicam também estes resultados em combinação com a excelência de muitas das nossas empresas e da resiliência do tecido empresarial. Em 2022, tivemos um dos maiores crescimentos da União Europeia, os 6,7%. Neste trimestre, o crescimento foi de 2,5%. O crescimento em cadeia é mesmo um dos maiores no âmbito da OCDE. Agora também temos de compreender que o ano passado foi um ano completamente atípico. Quando o Governo tomou posse, estava no início a guerra na Europa, que é o acontecimento completamente novo, uma crise grande da energia que hoje provavelmente já não nos lembramos, mas flagelou também intensamente o tecido produtivo e obrigou à tomada de todo um conjunto de medidas, desde logo pela redução do ISP nos combustíveis, que foram cerca de 1500 milhões de euros e depois os pacotes para as empresas e para as famílias. No total, cerca de 6400 milhões de euros. Isso conteve os preços da energia combinado com o mecanismo ibérico. Hoje, temos pelo sétimo mês consecutivo a redução da inflação. Em Abril era de 5,7% e em Maio é de 4%, segundo o INE.

Com esta baixa da inflação, vai ser possível dentro de pouco tempo as pessoas terem mais dinheiro no bolso e perceberem que as coisas estão a mudar?

Vai ser possível porque há uma conjugação de factores: redução da inflação; alívio em relação ao custo de vida; um comportamento muito importante de todos os preços da energia, o petróleo reduziu mais de 30% relativamente ao pico que atingiu o ano passado. A combinação da redução dos preços da energia com a redução dos preços de produtos alimentares pode ser extremamente importante.

[Artigo exclusivo para assinantes]




9.5.23

IRS: covid leva à suspensão por dois anos do prazo para reinvestir mais-valias

Predo Crisóstomo, in Público



Governo acolheu recomendação da provedora de Justiça. Contribuintes que venderam casa em 2019 e 2020 e não conseguiram reinvestir ganhos estão a ser notificados pelo fisco para pagar IRS.



Os proprietários que venderam a habitação durante a pandemia e obtiveram mais-valias com essa alienação vão ter mais tempo para reinvestir os ganhos alcançados na compra ou na construção de um novo imóvel, também destinado à habitação própria e permanente, de forma a evitar serem tributados em IRS sobre essas quantias.

A medida é temporária e foi incluída pelo Governo numa das propostas de lei do pacote Mais Habitação depois de a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, ter recomendado ao executivo que suspendesse, durante dois anos, o prazo dado aos contribuintes para reinvestirem as mais-valias, porque há cidadãos que não estão a conseguir cumprir os prazos de reinvestimento por causa dos atrasos registados no sector da construção desde o início da pandemia de covid-19.

De acordo com o Código do IRS, quando um contribuinte obtém mais-valias ao vender a habitação própria e permanente, não paga IRS sobre esses ganhos se, num determinado prazo, os reinvestir na compra, construção ou melhoramento de um outro imóvel para habitação própria e permanente do próprio e do agregado familiar.

O período para o concretizar terá de ser entre os dois anos anteriores à data da realização da mais-valia (24 meses) e os três anos seguintes (36 meses).

Só que, com a pandemia, a provedora de Justiça apercebeu-se de que as dificuldades “sentidas na actividade da construção civil e no funcionamento dos serviços públicos, decorrentes dos isolamentos e confinamentos dos anos 2020 e 2021, estão agora a reflectir-se em atrasos na conclusão da construção ou de obras em imóveis”. E quem vendeu imóveis em 2019 e 2020 (e indicou nas declarações de IRS relativas a esses períodos a intenção de reinvestir as mais-valias) está a ter dificuldades em cumprir o prazo de 36 meses, mesmo tendo realizado já um contrato-promessa; quem não o conseguiu reinvestir dentro do prazo está agora a receber notificações da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para pagar IRS sobre aquelas quantias.

O que o Governo propõe ao Parlamento – onde o PS, com maioria absoluta, garante a aprovação da iniciativa desenhada pelo executivo – passa por suspender a contagem daquele prazo “durante um período de dois anos, com efeitos a 1 de Janeiro de 2020”.

É exactamente a solução que foi apresentada pela Provedora de Justiça, quando, a 23 de Março, dirigiu um ofício ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, mas cujo conteúdo só foi divulgado na última sexta-feira, semanas depois de o Governo enviar a proposta de diploma para a Assembleia da República e um dia depois de o Jornal de Negócios noticiar a existência desta norma transitória na proposta.

Antes de fazer chegar ao Governo esta recomendação em Março, a provedora já tinha alertado o Ministério das Finanças para o assunto no final de Dezembro, e, não tendo recebido até 23 de Março qualquer resposta do Governo a essa interpelação no direito de audição prévia previsto no Estatuto do Provedor de Justiça, avançou para uma recomendação que acabaria por ser seguida pelo executivo no pacote Mais Habitação.

Maria Lúcia Amaral dá conta ao Governo de que tem recebido exposições de pessoas que, tendo declarado em 2019 e 2020 à AT a intenção de reinvestirem as mais-valias para poderem beneficiar da exclusão de tributação no IRS, “estão a ser notificadas para pagamento do imposto, em virtude de terem incumprido o prazo de que dispunham para reinvestir o valor da venda”.

Nas queixas, conta, os cidadãos contam que têm enfrentado dificuldades em avançar com a compra ou com a construção de uma nova habitação por causa do “contexto pandémico”, o que lhes impossibilitou “o cumprimento do prazo legal de reinvestimento e [o] que compromete, agora, a exclusão da tributação nos termos legais”.

Às dificuldades em identificar as “empresas disponíveis para a execução das obras” e à “falta geral de mão-de-obra decorrente de confinamentos e isolamentos”, somam-se “problemas com a administração de parcos recursos por parte dos empreiteiros na gestão de várias obras em simultâneo” ou “problemas com a gestão de equipas diversas de empresas diferentes”. E, além dos problemas a montante, dizem os cidadãos nas queixas que chegaram à provedora, houve em 2020 e 2021 “conhecidos impedimentos e constrangimentos” no funcionamento e no acesso “aos vários serviços públicos cuja intervenção é necessária para as operações em causa”, escreve Maria Lúcia Amaral.

Se nada fosse decidido em sede de IRS, isso seria uma situação “desadequada e injusta, em si e também por comparação com o previsto para as pessoas colectivas, sobretudo porquanto aqui está em causa [uma] medida que se situa na esfera do direito constitucionalmente garantido a uma habitação condigna”, salienta a provedora de Justiça.

10.2.23

Recibos de vencimento já têm de incluir a “taxa efectiva” de retenção do IRS

Pedro Crisóstomo, in Público

Obrigação existe desde Janeiro, mas passa despercebida. Alteração será mais visível a partir de Julho, com o novo modelo de retenção do imposto.

Desde Janeiro que as empresas, ao emitirem os recibos de vencimento dos trabalhadores, têm de incluir nesses documentos um campo com a taxa efectiva de retenção na fonte do IRS aplicada ao salário mensal, ou seja, a percentagem equivalente ao que é descontado ao rendimento bruto do mês.

Embora a taxa de retenção na fonte já faça parte dos recibos de muitos trabalhadores, tal como o valor da remuneração bruta e das contribuições para a Segurança Social, o Parlamento alterou o artigo 99.º do Código do IRS, por proposta do Governo, para obrigar as entidades pagadoras de rendimentos a incluírem nos recibos uma nota adicional, com a indicação da “taxa efectiva de retenção na fonte”.


Apesar de passar despercebida, esta nova obrigação existe desde o início do ano, porque decorre de uma norma da lei do Orçamento do Estado para 2023, e o diploma entrou em vigor a 1 de Janeiro, o que implica que as empresas estão obrigadas a incluir esta referência desde o primeiro processamento salarial.

A taxa efectiva de retenção corresponde à percentagem que uma pessoa desconta para o Estado nesse mês, sendo calculada “pelo rácio entre o valor retido na fonte e o valor do rendimento entregue pela entidade pagadora". Ainda que em muitos casos a taxa efectiva neste momento corresponda à taxa de retenção original, há outros em que isso não é assim.

“Maior intervenção de sempre no sector energético” destina-se às empresas


Governo cria incentivo fiscal para a produção de energia em autoconsumo

Transportes

Andar a pé ou de bicicleta foi uma aposta quase esquecida na proposta do OE, acusa associação


Privatização da TAP será “concretizada pelo Governo no seu tempo próprio”


Rendimentos

Miguel Fontes: “Há várias empresas a oferecer aumentos acima de 5,1%”


Empresas podem deduzir até 1520 euros por trabalhador no IRC

Pobreza

Mais de 108 mil pessoas estão a receber cabaz alimentar


Portugal é o 8.º pior na lista de países com maior risco de pobreza ou exclusão social


Empresas

Corte selectivo no IRC vale mais do que corte transversal para 19%


Eléctricos mais caros perdem isenção na tributação autónoma


A obrigação tanto é válida para os recibos de vencimento dos trabalhadores por conta de outrem (do privado ou do público) como para os comprovativos de pagamento das pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

18.1.23

Oxfam desafia líderes mundiais a tributar os “super-ricos” para reduzir desigualdades até 2030

Pedro Crisóstomo, in Público

ONG traça como objectivo reduzir o número de milionários para metade e defende que a tributação “desempenhará um papel crucial” no combate às desigualdades.

A organização não-governamental Oxfam aproveitou o arranque de mais um Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, onde esta semana se reúne a elite financeira, económica e política global, para pedir aos governos que aumentem os impostos de forma generalizada sobre os “super-ricos” como forma de combater as desigualdades económicas, sociais e regionais à escala planetária num momento em que a pandemia e a pressão inflacionista se arriscam a agravar a tendência de concentração da riqueza.

Fazê-lo, diz, seria uma “parte” da estratégia destinada a garantir uma “distribuição mais justa e racional da riqueza do mundo”. A Oxfam coloca como objectivo “reduzir para metade a riqueza e o número de milionários até 2030”, o que significaria apenas regressar “ao ponto em que se encontravam há apenas uma década, em 2012”.

É uma proposta que dá forma ao movimento “Tax the Rich”, que nos últimos anos do pós-crise financeira intensificou o apelo global para que os governos tributem de forma mais intensa os “ultra-milionários” — “ultra-ricos” ou “super-ricos”.

A Oxfam constata que, de acordo com o Banco Mundial, “a desigualdade e a pobreza globais estão a aumentar ao ritmo mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial” e sublinha a necessidade de os Estados definirem políticas de combate à desigualdade que incluam não só o recurso à tributação dos mais-ricos, mas também das empresas (multinacionais, sobre quem foram tomadas algumas medidas, como a definição de um IRC mínimo e regras de maior transparência na apresentação de informações financeiras).

A organização traça quatro recomendações. A primeira passa por reagir no curto prazo, neste momento de forte inflação, criando “impostos pontuais de solidariedade sobre a riqueza e impostos sobre os lucros inesperados”.

Em segundo lugar, já a pensar no longo prazo, propõe que os Estados aumentem os impostos “de forma permanente sobre os 1% mais ricos, por exemplo, para pelo menos 60% do seu rendimento do trabalho e do capital, com taxas mais elevadas” para quem está no topo da pirâmide. “Os governos devem aumentar particularmente os impostos sobre os ganhos de capital, que estão sujeitos a taxas de impostos mais baixas do que outras formas de rendimento”.

A terceira recomendação decorre da segunda, para blindar a tributação de forma a garantir que há uma contribuição efectiva independentemente da forma como as pessoas detêm os activos financeiros e patrimoniais e da forma como a transmitem aos herdeiros. A organização diz que é necessário “tributar a riqueza dos 1% mais ricos a taxas suficientemente elevadas para reduzir significativamente o número e a riqueza das pessoas mais ricas, e redistribuir estes recursos”, o que “inclui a implementação de impostos sobre a herança, a propriedade e a terra, bem como impostos sobre a riqueza líquida”. A organização salienta que “metade dos milionários do mundo vivem em países que não têm qualquer forma de imposto sucessório sobre a riqueza e os bens transmitidos aos descendentes directos”.

A quarta recomendação genérica refere-se aos fins. A ONG sugere que os Estados utilizem as receitas alcançadas em despesas que contribuam para diminuir as desigualdades, em sectores como “os cuidados de saúde, a educação e a segurança alimentar” e numa estratégica de combate às alterações climáticas, financiando a “justa transição para um mundo com um baixo teor de carbono”.

No relatório, a organização defende que “a tributação desempenhará um papel crucial”, mas que tal “só será possível se rompermos radicalmente com décadas de cortes fiscais para os ricos e as empresas”, tendo em conta que desde os anos 1980 o aumento da riqueza entre os ricos dos mais ricos coincidiu com uma “queda acentuada dos impostos” favorável a essa franja dos 1% com maior capacidade financeira. “Embora existam diferenças entre países, existe uma tendência geral para a redução de impostos para os ricos em todas as regiões do mundo”.

“As taxas máximas do imposto sobre o rendimento [das pessoas, o equivalente ao IRS português] tornaram-se mais baixas e menos progressivas, com a taxa média do imposto sobre os mais ricos a cair de 58% em 1980 para 42% mais recentemente nos países da OCDE. Em 100 países, a taxa média é de ainda mais baixa, de 31%”.

Por contraponto, a directora executiva da Oxfam International, Gabriela Bucher, afirma que enquanto os super-ricos estão a enriquecer a um ritmo superior aos seus sonhos mais selvagens “as pessoas comuns fazem sacrifícios diários em relação a necessidades básicas como a alimentação”.

Os ganhos “extraordinários”

No relatório, a ONG diz que as “décadas de cortes fiscais para os mais ricos e empresas exacerbaram a desigualdade” e que “em muitos países, as pessoas mais pobres são tributadas a uma taxa mais elevada do que os milionários”.

Nos últimos dois anos em que o mundo viveu em pandemia e enfrentou uma escalada da inflação agudizada pela guerra na Ucrânia, os “super-ricos” viram as sua fortunas engrossar, fruto de “ganhos extraordinários, gerados em grande parte como resultado de pacotes de estímulo e da injecção de fundos públicos na economia” e da crise.

Os 1% mais ricos concentram perto de dois terços dos 42 mil milhões de dólares da nova riqueza criada desde 2020, detendo quase duas vezes mais riqueza do que o resto do mundo. “Os milionários registaram um aumento da riqueza sem precedentes. Desde 2020, com a pandemia e a crise do custo de vida, os 1% mais ricos obtiveram 26 triliões de dólares [milhões de milhões] da nova riqueza gerada (63%), enquanto o resto do mundo recebeu apenas 16 triliões de dólares (37%)”.

Um milionário ganhava 1,7 milhões de dólares por cada dólar ganho por uma pessoa da franja dos 90% de menores rendimentos. A Oxfam diz que hoje, por cada um dólar de impostos arrecadado pelos Estados, “apenas quatro cêntimos provêm de impostos sobre a riqueza”.

Em relação a este momento inflacionista, a Oxfam sublinha o facto de os lucros nos sectores alimentar e energético terem aumentado durante a pandemia

O relatório refere que 95 empresas da área alimentar e da área energética “mais do que duplicaram os seus lucros em 2022”. Obtiveram “lucros inesperados num total de 306 mil milhões de dólares e pagaram 257 mil milhões de dólares (84% deste valor) aos accionistas ricos”. “A família Walton, que detém metade da [cadeia de supermercados norte-americana] Walmart, recebeu 8500 milhões de dólares no ano passado. A fortuna do milionário indiano Gautam Adani, proprietário de grandes empresas de energia, aumentou em 42 mil milhões de dólares (ou 46%) só em 2022. O excesso de lucros empresariais representou pelo menos 50% da inflação na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido”, refere a Oxfam no comunicado onde sintetiza o relatório.

Em Portugal, a distribuição alimentar e as actividades energéticas foram os sectores ais quais o Governo decidiu aplicar as contribuições especiais, para tributar de forma adicional os lucros expressivos face aos anos anteriores. No caso das empresas do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação, a contribuição decorre de um entendimento europeu, que permitirá tributar estes sectores em 2022 e 2023 de forma excepcional e uniforme, com uma taxa de 33% a fatia dos lucros tributáveis que superem a fatia correspondente a 20% de aumento em relação à média de 2018 a 2021. No caso da contribuição sobre o sector da distribuição, a medida é igual e foi decidida a nível nacional.

Para Gabriela Bucher, directora executiva da Oxfam International, “tributar os super-ricos e as grandes empresas é a saída para a sucessão de crises que hoje enfrentamos”. “É tempo de pôr fim ao conveniente mito de que os cortes nos impostos sobre os mais ricos resultam em riqueza que de alguma forma chega a todos os outros”, afirma.

7.9.22

Guia para receber o apoio de 125 euros, que chegará a 5,8 milhões de pessoas

Pedro Crisóstomo, in Público online

É necessário fazer prova dos rendimentos? Onde se confirma o IBAN? E quem faz a transferência? Reunimos 15 perguntas e respostas sobre o apoio de 125 euros, que o Governo prevê custar 730 milhões de euros.

Quem são os destinatários do apoio de 125 euros?

O apoio é um complemento individual que se dirige a todos os cidadãos, desde que tenham rendimentos até 37.800 euros brutos por ano. É condição base que as pessoas não sejam pensionistas, nem sejam consideradas filhos a cargo (para as crianças e jovens há um outro apoio).

A medida abrange trabalhadores, desempregados e beneficiários de prestações sociais da Segurança Social (como o rendimento social de inserção, a prestação social para a inclusão ou o apoio aos cuidadores informais). O que conta para uma pessoa receber o “cheque” é o nível dos rendimentos anuais, não é a natureza dessas quantias.

Os 125 euros tanto serão entregues aos trabalhadores do sector privado como aos do público; tanto aos trabalhadores por conta de outrem como aos trabalhadores a recibos verdes, ou a quem acumula o trabalho dependente com rendimentos a recibos ou de rendas; a quem está isento de IRS e a quem está dispensado de submeter a declaração anual de rendimentos junto do fisco
.
Porque é que se diz que o apoio abrange quem ganha até 2700 euros por mês?

Num primeiro momento, quando anunciou a medida, o primeiro-ministro disse que o apoio se aplica aos cidadãos que recebem 2700 euros brutos por mês, considerados a 14 meses. De forma rigorosa, a medida aplica-se aos cidadãos com um rendimento anual bruto de 37.800 euros, o que corresponderá à tal média de 2700 euros brutos por mês, pensando num trabalhador por conta de outrem, em que é esse o patamar mensal, considerando os 12 meses mais os subsídios de férias e Natal.
Estando em Setembro, como é que uma pessoa com um rendimento variável sabe se é abrangida?

Para verificar se um cidadão ganha até 37.800 euros brutos por ano, o Governo vai recorrer à informação relativa aos rendimentos de 2021. O referencial usado não é este ano de 2022, mas sim o anterior.

Esse referencial é igual para um trabalhador por conta de outrem e um trabalhador independente?

Sim. O patamar usado é igual para todos.
Será preciso fazer uma prova dos rendimentos para receber o apoio?

De acordo com a informação divulgada até agora, não. Caberá aos serviços do Estado verificarem se a pessoa cumpre os requisitos de acesso. O Estado tem uma forma de o verificar: a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social sabem quanto é que uma pessoa ganhou em 2021 no conjunto do ano, independentemente da origem (rendimentos do trabalho, de rendas, de prestações sociais ou de outro tipo de ganhos).
Afinal, o que é preciso fazer para receber o “cheque” e quem o transfere?

Os cidadãos não têm de requerer o apoio junto de um organismo público específico. O valor será pago de forma directa pela AT ou pela Segurança Social, através de uma transferência para a conta bancária dos destinatários, cujo IBAN esteja actualizado nas bases de dados da entidade pagadora, que, nuns casos, é o fisco e, noutros, é a Segurança Social.

Na tarde desta terça-feira, a página principal do Portal das Finanças já disponibiliza um link que remete para uma página onde os contribuintes, entrando com as credenciais pessoais de acesso, podem registar ou actualizar o IBAN (declará-lo pela primeira vez ao fisco ou alterar a referência que foi comunicada anteriormente). No site da Segurança Social Directa, os cidadãos também podem registar ou alterar o IBAN associado à conta pessoal.

Durante a manhã desta terça-feira, o ministro das Finanças, Fernando Medina, deixou um apelo para que os cidadãos o façam nos sites de cada entidade, “para que todo este processo de devolução de rendimento possa ocorrer da forma mais rápida possível”.
Uma pessoa sabe quem transfere o valor?

A responsabilidade por transferir os apoios é da AT e da Segurança Social, consoante a situação de cada destinatário. O Governo não entrou em detalhes sobre as circunstâncias em que será uma ou outra. Por isso, neste momento, não é possível dizer, com clareza, se cada cidadão vai saber antecipadamente quem será o ordenante da transferência.

Tendo em conta a informação conhecida até agora, é expectável que, para um trabalhador por conta de outrem que paga IRS, seja o fisco a fazê-lo, tal como acontece quando processa um reembolso de IRS; para um cidadão desempregado, é expectável que seja a Segurança Social a fazer a transferência, tal como acontece com a prestação mensal.
O apoio será pago uma única vez?

Sim. Como é um complemento único, será entregue uma vez, em Outubro.
Em que data será entregue?

O governo anunciou que a transferência será processada no próximo mês, mas, por enquanto, é a única informação conhecida. Não se sabe o dia (ou dias) exactos. O PÚBLICO perguntou ao Ministério das Finanças se, neste momento, já há alguma datas previstas, mas não obteve esclarecimento até ao momento da publicação desta notícia.
O apoio chegará a quantas pessoas?

O universo dos potenciais beneficiários são 5,8 milhões de pessoas, segundo a informação publicada pelo Governo no seu site. Não ao se sabe quantos serão pagos pela AT e quantos pela Segurança Social. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças sobre de que forma será feita a articulação entre as duas entidades, para não haver sobreposições nem vazios no processamento do apoio, mas não foi possível obter a resposta em tempo útil.
De onde vem o montante para pagar o complemento?

Ao todo, o Governo prevê pagar 730 milhões de euros aos cerca de 5,8 milhões de potenciais beneficiários. O primeiro-ministro disse que o montante mobilizado para esta medida vem do Orçamento do Estado, mesmo quando a transferência for feita pela Segurança Social.
Que apoio recebe um casal se um deles ganhar menos de 37.800 euros e outro mais?

O apoio é individual. O ministro das Finanças fez questão de sublinhar isso mesmo durante a conferência de imprensa de apresentação do pacote de medidas, o que indicia que o apoio será concedido em função do rendimento individual de cada cidadão, sem atender à situação conjunta de um casal. Se um deles ganhar mais de 37.800 euros, não recebe, mesmo que, em conjunto com o outro elemento, a soma dos rendimentos não ultrapasse um patamar correspondente a 37.800 euros vezes dois.

O PÚBLICO procurou esclarecer junto do Ministério das Finanças se haverá alguma medida de salvaguarda para garantir que o apoio se aplica aos dois elementos de um casal em que um aufere um rendimento bruto anual inferior a 37.800 euros (abrangido pela medida) e o outro mais de 37.800 euros (não abrangido), mas em que, no conjunto, os dois não auferem mais de 75.600 euros (a soma dos dois limites individuais). A questão está por clarificar.

Se existisse uma salvaguarda, os dois membros do casal beneficiariam da medida, de forma idêntica a um casal com um rendimento conjunto igual ou até superior cujos rendimentos individuais caibam dentro do limite individual.

Comparem-se duas situações: de acordo com a informação conhecida até agora, se um elemento do casal receber 1200 euros brutos mensais (16.800 euros anuais) e o outro auferir 2750 euros (38.500 euros, acima do tecto individual), só o primeiro recebe os 125 euros. Em conjunto, o seu rendimento anual é de 55.300 euros brutos.

No entanto, se um casal estiver no mesmo patamar de rendimento anual (55.300 euros), mas essa soma resultar de salários mensais iguais entre os dois elementos (de 1975 euros brutos mensais), abaixo do patamar de acesso ao apoio, aí, cada um casal consegue receber os 125 euros, porque o rendimento anual de cada um está dentro do limite anual previsto pelo Governo.

Na segunda-feira, o primeiro-ministro, ao explicar o impacto da medida num casal com dois filhos (porque, além desta transferência geral, há um apoio específico de 50 euros por cada dependente a cargo), deu como exemplo o caso de dois pais que têm “um rendimento individual até 2700 euros mensais”. E, nesta terça-feira, Medina voltou a frisar que a medida se trata de um apoio individual.
A quem se aplica o apoio dos 50 euros?

É uma medida que se dirige às crianças e aos jovens que estejam a estudar — aos filhos até aos 24 anos se forem considerados dependentes a cargo (isto é, aos que em 2021 pertenciam ao agregado familiar dos pais, para efeitos fiscais). Pode ser o caso, por exemplo, de um estudante do secundário ou do superior. Fernando Medina explicou que, em relação a um jovem que no ano passado ainda estivesse a estudar e que tenha começado a trabalhar este ano, o apoio a conceder pelo Estado ainda serão os 50 euros e não o apoio de 125 euros (porque, em 2021, o filho pertencia ao agregado familiar dos pais para efeitos fiscais, ou seja, era considerado na declaração de rendimentos dos ascendentes). O Governo prevê apoiar cerca de 2,2 milhões de crianças e jovens.
O “cheque” dos 125 euros estará sujeito a IRS?

Segundo o ministro das Finanças, o apoio não será tributado em IRS. Os 125 euros correspondem ao valor líquido que chegará à conta de cada pessoa.
Por que razão os pensionistas não recebem o apoio geral?

O executivo de António Costa não incluiu os reformados no apoio dos 125 euros, porque, para os pensionistas, anunciou uma outra medida para a mesma altura.

Em Outubro, os pensionistas que auferem até 5318 euros por mês receberão um valor equivalente a meia pensão mensal (ou seja, nesse mês, a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações pagam a pensão mensal, mais a meia pensão extra). Em contrapartida, o aumento das pensões a partir de Janeiro já não terá como base a actualização prevista na lei (que poderia variar entre 7,1% e 8%), mas antes valorizações mais baixas, de 3,53%, 4,07% ou 4,43%, consoante o patamar da reforma.

Cheque de 125 euros chega em Outubro para quem recebe por ano até 37.800 euros

Pedro Crisóstomo, in Público online

Apoio é pago uma só vez. Abrange trabalhadores por conta de outrem, quem trabalha a recibos verdes, desempregados, cuidadores informais ou quem recebe prestações sociais, como o RSI.

O apoio de 125 euros que o primeiro-ministro, António Costa, anunciou na noite desta segunda-feira para cada cidadão que não seja pensionista abrange quem tem um rendimento anual até aos 37.800 euros brutos, o que, em muitos casos, corresponderá a 2700 euros brutos mensais, se se assumir como exemplo um trabalhador por conta de outrem (porque é esse o valor médio que resulta da divisão por 14 meses de salário, os 12 mensais mais os subsídio de férias e Natal). O cheque será pago uma só vez, em Outubro.

Para o Governo aferir se um cidadão tem, ou não, direito a receber este apoio, terá em conta o valor anual do rendimento de 2021, sendo essa referência os 37.800 euros brutos, confirmou o PÚBLICO.

Foi tendo em conta este referencial anual que António Costa, ao anunciar no Palácio Nacional da Ajuda o pacote de oito medidas de combate à inflação, disse que a medida abarca quem ganha 2700 euros mensais, considerados a 14 meses.

António Costa explicou que a prestação abrange todos os cidadãos, desde que não sejam reformados. Ou seja, o apoio tem como destinatários trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes (onde se incluem os trabalhadores que prestam serviços a recibos verdes), desempregados ou outros cidadãos que recebam apoios da Segurança Social.

“É [uma medida] para todos, do sector público ou do privado. Que estejam a trabalhar ou que estejam desempregados. Que sejam beneficiários de prestação social ou não. Todos os que não sejam pensionistas e tenham um rendimento médio mensal, a 14 meses, de 2700 euros [brutos] mensais. É um valor por pessoa, não é por agregado familiar”, explicou Costa.

“É uma medida que se aplica a todos os que são contribuintes em IRS; àqueles que, em função dos seus rendimentos, estão isentos de pagar IRS; àqueles que, em função do seu rendimento, estão isentos de apresentar declaração de IRS; e a todos aqueles que são beneficiários das prestações sociais, seja o subsídio de desemprego, seja o subsídio social de desemprego, o rendimento social de inserção (RSI), a prestação social para a inclusão ou o subsídio dos cuidadores informais”, afirmou o chefe de Governo.

Por exemplo, se num casal os dois ganharem o salário mínimo (705 euros) ou se um elemento ganhar mil euros brutos e o outro tiver um vencimento de 800 euros, cada um irá receber em Outubro uma transferência de 125 euros. Se o casal tiver filhos, a família ficará com um apoio maior, porque cada descendente até aos 24 anos tem direito a um apoio de 50 euros.

Em relação à transferência a cada cidadão, Costa explicou que, nuns casos, será a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a fazer o pagamento e que, noutros, a ordenante será a Segurança Social.

A transferência será feita directamente na conta bancária que cada cidadão. Como os contribuintes, quando entregam a declaração do IRS têm de indicar um IBAN para a eventualidade de virem a receber um reembolso de IRS, o fisco tem essa informação na base de dados e, a partir dela, procederá ao pagamento do cheque para a conta que já está indicada. Se, em função da circunstância do cidadão, a entidade pagadora da transferência for a Segurança Social, o pagamento também deverá ocorrer para o IBAN associado.

E o que acontece se alguém não tiver o IBAN indicado nem na AT nem na Segurança Social? António Costa admitiu que poderá existir um “universo restritivo” que terá de indicar a conta bancária junto de uma das entidades que procederão ao pagamento. Em causa, explicou, estarão os trabalhadores que não estão registados na administração fiscal “porque têm um nível de rendimento que não obriga” a submeter a declaração de IRS e que também não estão registados na Segurança Social porque o valor do rendimento não o habilita a receber qualquer apoio do instituto.

Esta medida será suportada na íntegra pelas receitas do Orçamento do Estado, mesmo nos casos em que seja o Instituto da Segurança Social a proceder ao pagamento, precisou o primeiro-ministro.

25.3.22

BE quer sobretaxa sobre empresas para apoiar famílias mais vulneráveis

in Expresso

A coordenadora do BE, Catarina Martins, defendeu este sábado a criação de uma sobretaxa para as empresas que têm lucrado com o aumento dos preços da energia devido à guerra na Ucrânia, e que sirva para apoiar as “famílias mais vulneráveis”

Numa sessão em Lisboa “pela paz e pelo fim à invasão da Ucrânia”, Catarina Martins alertou que, se para as pessoas a crise energética “é o frio ou dinheiro que não chega para as contas do mês, para as petrolíferas a crise energética tem sido uma festa”.

“Queremos uma sobretaxa que traduza estes sobrelucros das elétricas em apoio direto às famílias mais vulneráveis e à tarifa que pagam na sua eletricidade. E queremos estabelecer um preço máximo para a eletricidade que é produzida a gás”, defendeu a coordenadora do BE.

Para o Bloco, são “os acionistas das grandes companhias que devem ser chamados a conter os efeitos da crise energética e não quem passa frio ou não tem salário até ao fim do mês para pagar as deslocações para o trabalho”.

“Baixar os impostos sem impor regras sobre os preços é premiar a especulação. Baixar impostos e combater a especulação é o caminho para baixar o preço da energia, proteger a população e a economia”, defendeu.

A coordenadora do BE referiu, por exemplo, que a Galp lucrou 457 milhões com a subida do preço dos combustíveis e vai entregar 565 milhões de euros aos acionistas, “entre eles, a família Amorim, a Sonangol e fundos de investimento norte-americanos”.

“Vamos aceitar isto? É justo que a Galp lucre com a pobreza de quem não tem alternativa senão pagar os preços especulativos dos combustíveis? O Estado é acionista da Galp, como votou o representante do Governo esta decisão? O que pretende fazer para travar estes ganhos? Ou espera ganhar por duas vias: pela via fiscal e pela via dos dividendos da Galp?”, questionou.

O BE propõe ainda que o Governo adote três medidas “no imediato” neste setor.

“Reduzir a taxa de IVA sobre a eletricidade e o gás para o escalão mínimo, por se tratar de bens de primeira necessidade. As medidas de remendo adotadas pelo Governo não resolveram o problema e mesmo uma botija de gás — o aquecimento dos mais pobres — mantém-se com o IVA em taxa máxima”, lamentou.

Por outro lado, o BE defende a eliminação do chamado ‘adicional ao ISP’ criado pelo Governo em 2016 e a dupla tributação do IVA, que, atualmente, incide sobre a soma do valor do combustível e do ISP.

25.2.22

Nova versão das tabelas de IRS para os salários já está disponível

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Despacho do Governo foi publicado em Diário da República desta quinta-feira. Alteração às tabelas aplica-se a partir de Março. Ajuste pretende evitar que os trabalhadores com aumentos salariais fiquem com um vencimento líquido inferior ao de 2021, como estava a acontecer nalguns casos.

O despacho do Governo com as novas tabelas do IRS a aplicar aos salários a partir de Março foi publicado nesta quinta-feira no Diário da República, num suplemento à edição de quarta-feira, e, de acordo com o executivo, há uma descida da retenção na fonte para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.

Depois de uma primeira correcção às tabelas relativas às pensões, o Governo decidiu fazer uma segunda alteração, desta vez nos rendimentos do trabalho dependente, para evitar que alguns trabalhadores que receberam aumentos salariais continuassem a ficar com um vencimento líquido inferior ao do ano passado, algo que estava a acontecer a quem se encontrava no limite superior de um degrau de rendimento e, com o aumento, saltou de patamar de retenção.

Para impedir que isso continuasse a acontecer, o Governo subiu os limites dos intervalos dos escalões de retenção.

Até aos 754 euros de salário bruto, não há alterações em relação às tabelas já conhecidas: os vencimentos até aos 710 euros não fazem retenção mensal; nos salários até aos 720 há uma retenção de 1,8% (para quem não tem filhos) ou de 0,2% (para quem tem um filho) ou de zero (para quem tem dois ou mais filhos); para as remunerações até aos 740 euros a retenção também não mexe, continuando a ser de 4,5% (para quem não tem filhos) ou de 0,6% (para quem tem um filho); e para os salários até aos 754 euros a taxa também continua a ser de 6,3% (contribuinte solteiro sem filhos) ou de 0,8% (um filho).

Daí para cima há um reescalonamento dos patamares. Por exemplo, na primeira versão, um vencimento de 822 euros (contribuinte solteiro e sem filhos) ficava sujeito a uma retenção mensal de 10,1%, mas, agora, com a actualização dos intervalos, passa a reter 7,9%, porque esta taxa apanha rendimentos brutos ligeiramente acima do que acontecia em Janeiro e Fevereiro.

Esse movimento de subida dos patamares das remunerações é transversal até aos rendimentos brutos mensais mais altos.

As novas orientações entram em vigor a 1 de Março, o que significa que as empresas, ao processarem os salários do próximo mês, já deverão ter de aplicar as novas tabelas.

Embora a alteração surja nesta altura, ainda não reflecte o desdobramento dos escalões que António Costa tem programado para o novo Orçamento do Estado de 2022, apurou o PÚBLICO junto de fonte do actual executivo.

No despacho, assinado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, o Governo afirma que a alteração aos limites dos intervalos dos escalões são agora actualizados, permitindo “baixar a retenção na fonte da generalidade dos trabalhadores dependentes e, com isso, continuar a aproximar o montante do imposto retido ao imposto a pagar e, bem assim, prevenir situações em que aumentos salariais se possam traduzir no imediato em diminuição de remuneração líquida”.

Vejam-se alguns exemplos, a partir de simulações do Ministério das Finanças, começando com a situação de um contribuinte casado (com uma pessoa que também aufere rendimentos) e com dois filhos.

Se uma pessoa auferisse um salário bruto de 1415 euros em 2021 e tiver sido aumentada este ano em 0,9% (o valor da actualização na função pública), o vencimento bruto passou para 1427,74 euros. Com a tabela de retenção original (aquela que se aplicou em Janeiro e Fevereiro), o salário líquido era de 1062,23 euros (inferior ao líquido do ano passado, de 1065,5 euros), mas, agora, com a tabela a aplicar a partir de Março, fica com um vencimento líquido de 1076,51 euros, uma diferença de 11 euros face ao que se passava em Janeiro e Fevereiro, já não se verificando a quebra mensal em relação a 2021.

Outro exemplo, para a mesma situação familiar, mas pensando num rendimento bruto mensal de 2075 euros: em 2021, o vencimento líquido era de 1435,9 euros; este ano, com o aumento salarial, o bruto passou para 2093,68 euros, mas, na versão original da retenção, a retribuição líquida era de 1429,98 euros; só com a nova retenção não há perda mensal, já que a pessoa volta a ganhar 1453,01 euros líquidos, segundo uma simulação do Ministério das Finanças.

Veja-se a situação de um contribuinte solteiro com um filho: no caso de um salário bruto de 810 euros em 2021 (684,45 euros líquidos), o aumento salarial de 0,9% colocou o vencimento bruto nos 817 euros brutos; mas se na primeira versão o vencimento líquido era de 672,63 euros (inferior àqueles 684,45 euros líquidos do ano assado), agora, com as novas tabelas, o vencimento líquido passa para 690,61 euros.

Para um contribuinte solteiro sem filhos que ganhe este ano 1007,49 euros brutos (mais 0,9% face aos 998,5 euros do ano anterior), o vencimento líquido passa a ser de 782,82 euros na nova versão, quando, pelas tabelas de retenção do início do ano, a pessoa ficava com 774,76 euros líquidos.

Antes de corrigir as tabelas relativas aos salários, o Governo também fez uma correcção às tabelas das pensões para travar a redução em termos líquidos mensais dos valores recebidos por alguns pensionistas que foram aumentados no início do ano.

8.2.22

Taxar a riqueza extrema pode retirar 2,3 mil milhões de pessoas da pobreza

in CNN Portugal

Nota do Editor: Chuck Collins dirige o Program on Inequality e coedita o Inequality.org no Institute for Policy Studies. É autor do livro "The Wealth Hoarders: How Billionaires Pay Millions to Hide Trillions", e coautor do novo relatório "Taxar a Riqueza Extrema". As opiniões expressas neste artigo são do próprio.

A pandemia veio a revelar como a desigualdade mata. As desigualdades no rendimento, na riqueza e no acesso aos cuidados de saúde dispararam, as pessoas em situações económicas mais precárias a nível mundial sofreram bastante mais do que a sua quota-parte de morte e perdas económicas.

Como salienta um novo relatório da Oxfam, a desigualdade contribui para as mortes de mais de 21 mil pessoas por dia. E não se iludam – a pandemia está a agravar a desigualdade. A Oxfam relata que 99% dos trabalhadores do mundo ganharam menos dinheiro do que teriam ganho se a pandemia não tivesse ocorrido.

Entretanto, as 500 pessoas mais ricas do mundo viram a sua riqueza aumentar em 1 bilião de dólares, no ano passado. E aqui, nos EUA, a riqueza combinada dos nossos 745 multimilionários aumentou em cerca de 2 biliões desde que começou a pandemia.


Estas desigualdades extremas são a condição pré-existente que tornou a nossa sociedade mais vulnerável a doenças e mitigou uma resposta global robusta de saúde pública.

Mas, por vezes, o remédio é encontrado ao lado da doença. Esta concentração global sem precedentes de riqueza lançou um movimento global para taxar a riqueza dos indivíduos mais ricos para financiar os cuidados de saúde.

Segundo um novo relatório publicado pela Fight Inequality Alliance (aliança para combater a desigualdade), o Institute for Policy Studies, a Oxfam e a Patriotic Millionaires, um imposto anual sobre a riqueza dos multimilionários mais ricos do mundo pode angariar mais de 2,5 biliões de dólares por ano. (Com base numa estrutura escalonada de impostos de 2% sobre a riqueza acima de 5 milhões de dólares, 3% na riqueza acima de 50 milhões e 5% na riqueza acima de mil milhões.)

É uma receita suficiente para retirar 2,3 mil milhões de pessoas da pobreza, vacinar o mundo inteiro e proporcionar cuidados de saúde universal e proteção social para todos os cidadãos de países de rendimentos médios e baixos – cerca de 3,6 mil milhões de pessoas.


Aqui, nos Estados Unidos, um imposto desses poderia angariar quase 930 mil milhões de dólares por ano. E, com uma estrutura de taxas ainda mais progressivas – por exemplo, uma taxa de 10% sobre a riqueza acima de mil milhões – poderia angariar acima de 1 bilião de dólares. Números como estes poderiam colocar-nos no caminho para os cuidados de saúde universais, uma economia descarbonizada e muito mais.

Houve algumas propostas sólidas sobre como taxar estas acumulações de riqueza e poder. Durante a campanha presidencial de 2020, os senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders avançaram com propostas para um imposto direto anual sobre a riqueza. Mas também houve outras ideias.

Em outubro, o senador Ron Wyden avançou com uma proposta para taxar ganhos de capital "não realizados" dos multimilionários do país e dos que têm um rendimento de pelo menos 100 milhões de dólares durante três anos consecutivos. Iria gerar cerca de 557 mil milhões ao longo de dez anos, segundo os marcadores fiscais do Congresso.

O Congresso também podia explorar formas de reforçar o imposto predial federal, a única taxa sobre a riqueza acumulada de multimilionários e bilionários.

Esse imposto é concebido para ser pago quando os indivíduos ricos morrem, mas isenta os primeiros 12 060 milhões para as pessoas. Ainda pior, tem sido dizimado por evasão e lacunas fiscais. A exposição da ProPublica revelou que mais de metade dos 100 multimilionários mais ricos dos EUA evita o imposto predial ao utilizarem fundos complexos.

Na nossa opinião, com os custos humanos e financeiros desta pandemia, os legisladores deviam trabalhar agora para reforçar o imposto predial federal, fechar lacunas e fundos que não servem qualquer objetivo que não seja a evasão fiscal e ponderar implementar um imposto sobre rendimentos dos bilionários e um imposto anual sobre a riqueza.

Estas medidas iriam ajudar-nos a capturar as recompensas desiguais que voaram para o topo durante a pandemia. Reverteriam décadas de desigualdade extrema que nos deixou tão vulneráveis à pandemia. Finalmente, iriam angariar fundos para reforçar as nossas infraestruturas de saúde pública – e preparar-nos para os desafios que aí vêm.

13.10.21

Simulações de IRS: poupança chega aos 200 euros, mas não aos salários mais baixos

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Novos limites dos escalões descem IRS mesmo para quem ganha menos, mas a redução é tão curta que nem se sente. Desdobramento serve salários do terceiro escalão para cima.

Depois da revisão do IRS em 2018 se concentrar “especialmente nos rendimentos mais baixos”, o desdobramento de 2022 incide sobretudo “nos rendimentos médios”. As palavras são do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, e sintetizam o pensamento do Governo ao desenhar a nova tabela do IRS: aliviar quem está num nível salarial abrangido pelo actual terceiro patamar e acima disso, e não quem ganha menos, porque chegou o momento de baixar o IRS aos contribuintes que não beneficiaram (ou beneficiaram menos) das alterações de 2018.

As simulações que a consultora PwC fez para o PÚBLICO com base na passagem da tabela do IRS de sete para nove escalões mostram que o desdobramento dos actuais terceiro e sexto degraus tem um impacto transversal, mas diferenciado, para quem tem rendimentos colectáveis superiores a cerca de 10.700 euros. Também há um impacto, ainda que próximo de zero, para quem está abaixo desse terceiro patamar, porque o Governo alterou os limites que definem as bandas dos primeiros escalões, fazendo com que um pouco mais de rendimento passe a ser tributado com taxas inferiores (por exemplo, o IRS do primeiro escalão, de 14,5%, aplicava-se até aos 7112 euros de rendimento colectável, mas agora vai cobrir os montantes até aos 7116 euros, ou seja, a taxa do segundo escalão, de 23%, só começa a aplicar-se partir daí, quando agora se inicia em rendimentos ligeiramente inferiores, quatro euros abaixo).

Ana Duarte, do departamento fiscal da PwC, afirma que as simulações indicam que “todos os contribuintes vão pagar menos IRS em 2022”, embora a redução não seja idêntica “ao longo dos diversos escalões”. Se, por um lado, há um “máximo de redução de aproximadamente 200 euros para os contribuintes que beneficiam da reformulação do sexto escalão”, por outro, “para os contribuintes com rendimento tributável no primeiro e segundo escalões de rendimento, a redução não é expressiva, uma vez que decorre apenas da mera actualização do limite” dos escalões, observa.

Por exemplo, para quem ganha 900 euros brutos por mês, a redução anual do IRS em 2022 é inferior a um euro: é de 34 cêntimos, porque o imposto final passa apenas de 1099,56 euros para 1099,22 euros, segundo um cálculo da PwC, que nestas simulações pressupõe que os contribuintes deduzem 250 euros através das despesas gerais familiares e que não têm quaisquer outras despesas.


Reduções variáveis

A PwC assume um cenário em que os contribuintes não têm filhos (para ver o impacto autónomo da descida do IRS sem ter em conta a majoração das deduções para quem tem dois ou mais filhos pequenos).

Veja-se a situação de um casal em que cada um ganha 1100 euros brutos por mês (30.800 euros anuais em conjunto), que beneficiam da descida de IRS de 28% para 26,5% para quem actualmente está na franja inferior do actual terceiro escalão de rendimento. Com o desdobramento, o casal consegue uma redução anual no IRS de 24 euros, o que dá uma diferença de dois euros por mês (uma variação inferior a 1%). Como o rendimento líquido anual passa de 27.251 euros para 27.274 euros, o salário líquido mensal de cada um passa de 973 euros para 974 euros.

No caso de um solteiro (sem filhos) que também ganhe 1100 euros brutos por mês (15.400 euros por ano), o contribuinte consegue uma melhoria de 12 euros no rendimento líquido anual, uma diferença de um euro por mês.

Pense-se agora no caso dos contribuintes que se encontram em 2021 no terceiro escalão de rendimento e que, fruto do desdobramento, passam a ser abrangidos também pelo quarto (em vez de serem tributados progressivamente com taxas de 14,5%, 23% e 28,5%, passam a sê-lo a 14,5%, 23%, 26,5% e 28,5%). Se num casal, cada um ganhar 1500 euros brutos por mês (42 mil por ano em conjunto), em vez de pagarem 6741 euros de IRS por ano, pagarão 6561 euros, uma diferença de 180 euros. A variação anual no rendimento é de 2,7%. Para um solteiro com o mesmo nível salarial, a descida é simétrica: o IRS baixa de 3371 euros para 3280 euros, um ganho de 90 euros.

Um casal com 70.000 euros de rendimento bruto por ano (2500 euros por mês cada um) passa do actual quinto para o futuro sexto escalão de rendimento, só que, com a nova formulação, isso significa ficar sujeito a uma taxa de IRS mais baixa numa franja de rendimento. O IRS a pagar passa de 16.329 euros para 16.229 euros, uma descida anual de 99 euros que representa uma variação já mais baixa, inferior a 1%. Um contribuinte solteiro com o mesmo nível salarial consegue uma poupança de 50 euros, ao passar a pagar de IRS 8115 euros em vez de 8164 euros.

Os contribuintes solteiros que estão no patamar dos 6000 euros de rendimento bruto mensal (84 mil euros brutos por ano) encontram-se no actual sexto escalão e irão beneficiar da redução do IRS nos patamares inferiores e da própria reformulação desse patamar, porque uma parte do rendimento que dantes era tributada a 45% baixa para 43,5%. Com isso, o imposto anual passa de 27.417 para 27.215 euros, uma descida de 202 euros.

No caso de um casal com o mesmo nível de rendimento, o ganho é simétrico, com o IRS a passar de 54.835 euros para 54.431 euros, menos 404 euros entre os dois.
Cortar ganho no último escalão

Para os contribuintes que passam a situar-se no último escalão, como acontece com quem tem rendimentos colectáveis superiores a 75.009 euros, o impacto da reformulação dos escalões é praticamente neutro, “uma vez que a redução do limite superior do último escalão, de 80.882 euros para 75.009 euros, anula o efeito do desdobramento dos escalões”, conclui Ana Duarte.

Apesar de o limite mínimo do último escalão do IRS ter descido (fazendo com que a taxa de 48% comece a aplicar-se a partir do rendimento colectável acima de 75.009 euros, em vez de arrancar nos 80.882 euros), o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais explicou nesta terça-feira que essa alteração vem compensar o desdobramento dos patamares de rendimento inferiores, que influenciam o nível de tributação destes contribuintes porque as taxas aplicam-se de forma progressiva, subindo à medida que se avança no nível de rendimento.

Com a diminuição do limite mínimo, disse António Mendonça Mendes, o Governo quis evitar que a poupança fiscal dos contribuintes com mais rendimento fosse “desproporcional” em relação à melhoria no rendimento disponível de quem está nos escalões inferiores. E deu um exemplo de um contribuinte que esteja nesse nível de fronteira para mostrar que, mesmo assim, nalgumas circunstâncias, poderá haver uma descida marginal.

O exemplo simulado pelo Governo é este: um solteiro que ganhe por mês 6071 euros (85 mil euros anuais, a que corresponderá um rendimento colectável de 75.650 euros) e que não tenha uma alteração de rendimento de 2021 para 2022. Enquanto actualmente não chegava a ser apanhado pelo último escalão, agora passa a ser tributado a 48% para o rendimento que esteja acima de 75.009 euros, mas, apesar disso, a revisão completa dos escalões, fruto das alterações nos patamares abaixo, ainda permite uma poupança anual de 138 euros.
Actualizar as retenções na fonte

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garantiu na manhã desta terça-feira que as taxas de retenção na fonte irão reflectir este alívio fiscal e prometeu que as novas tabelas serão conhecidas a tempo de serem aplicadas logo no início de 2022 pelas entidades empregadoras.

Na apresentação da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano, o governante disse que o desdobramento vem completar a primeira revisão dos escalões em 2018 e, somando a revisão de 2022 a essa primeira, disse, o impacto é “transversal a todos os níveis de rendimento”, em particular para quem ganha por mês entre 750 euros e 1300 euros por mês.

Aumentar

“A intensidade da diminuição dos impostos vai diminuindo à medida que o intervalo de rendimento anual aumenta”, havendo um impacto mais significativo para quem ganha por ano até 50 mil euros, disse Mendonça Mendes. A revisão de 2018 “incidiu especialmente nos rendimentos mais baixos, esta está a incidir nos rendimentos médios”, resumiu.


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Casal com duas crianças e salários brutos de 1700 euros poupa 330 euros no IRS

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Nova regra só beneficia pais com um segundo filho, ou mais, dos três aos seis anos. Para quem só tem um filho nada muda.

Os casais com dois ou mais filhos pequenos, até aos seis anos, vão contar com uma descida adicional no IRS de 2022 para somar à redução trazida pelo desdobramento dos escalões.

Quando, na Primavera de 2023, os contribuintes entregarem as declarações relativas ao ano anterior, o fisco irá ter em conta as novas regras para o cálculo das deduções dos dependentes, em função da idade das crianças. O Governo decidiu majorar o valor a atribuir ao segundo filho (ou seguintes) enquanto a criança tiver entre três e seis anos.


Regra geral, um dependente “vale” uma dedução de 600 euros no IRS dos pais (já é assim e assim continuará a ser). Já se a criança tiver até três anos, a dedução é de 726 euros (também já é assim e, aqui, nada muda). Quando um casal tem um segundo filho (ou um terceiro ou mais), a dedução das crianças mais pequenas — até aos três anos — é de 900 euros (essa dedução também já existia e mantém-se).

Mas, a seguir haverá uma uma majoração se o segundo filho, ou mais, tiver entre três e seis anos. Durante esse período, a dedução passa a ser de 750 euros, um caminho intermédio entre a dedução normal dos 600 euros e aquela de 900 euros que existe para os segundos filhos durante os três primeiros anos.

Para já, é possível medir o impacto mais próximo, que se sentirá sobre os rendimentos de 2022. E, aí, as simulações da PwC mostram que há uma poupança a somar à alcançada com a reformulação dos escalões (pensando, claro, na franja de contribuintes que beneficiam do desdobramento dos actuais terceiro e sexto escalões).


Um casal com dois filhos em que cada um dos trabalhadores recebe um salário de 1250 euros brutos por mês (35 mil euros anuais em conjunto) consegue uma descida do IRS de 258 euros. Uma parte é fruto do desdobramento (108 euros), a outra resulta das novas regras das deduções (150 euros). Para este cenário, a PwC pressupôs que o primeiro filho já tem mais de seis anos (o que representa uma dedução de 600 euros, igual à actual) e que o segundo teria entre três e seis anos (a dedução passa a ser de 750 euros, superior aos 600 euros de hoje). O IRS a pagar baixa de 3546 para 3289 euros.
 



Para o mesmo patamar de rendimentos, mas pensando num casal com três filhos, em que uma das crianças tem mais de seis anos e os mais novos idades entre os três e os seis anos, a redução no IRS é de 408 euros (300 euros vêm das novas deduções e os restantes do desdobramento dos escalões). Em vez de 2946 euros, o imposto a pagar é de 2539 euros.

Voltando ao cenário de uma família com duas crianças, mas desta vez pensando num casal em que cada um recebe 1700 euros brutos por mês (47.600 euros por ano em conjunto), a simulação da PwC aponta para uma redução no IRS de 330 euros, com o imposto a baixar de 7137 para 6807 euros.

A ideia do Governo é voltar a subir o patamar da dedução em 2023, para que o valor a assumir pelo segundo filho, ou seguintes, seja sempre de 900 euros durante os seis primeiros anos.

Para quem tem apenas um filho não há alterações em relação às regras actuais: a dedução é de 900 euros até aos três anos e, depois, entre os três e os seis fica-se pelos 600 euros, não havendo qualquer majoração.


5.10.21

Governo adia revisão dos descontos de 2019 e 2020 dos trabalhadores independentes

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Processo de revisão das declarações lançado pela Segurança Social, para se verificar se há discrepâncias nos rendimentos declarados, acontecerá em 2022.

O Governo decidiu que a revisão anual das declarações relativas aos rendimentos de 2019 e 2020 dos trabalhadores independentes, destinada a fazer o apuramento final das contribuições se houver discrepâncias nos valores declarados, acontecerá no próximo ano em conjunto com a revisão anual das declarações de 2021.

A decisão está fixada num diploma publicado na edição do Diário da República desta quarta-feira.

A revisão anual das declarações é um processo que a Segurança Social faz todos os anos para confirmar se a base de incidência contributiva dos trabalhadores por conta própria relativa ao ano anterior está correcta (se os rendimentos declarados ao fisco batem certo com as declarações entregues pelos trabalhadores à Segurança Social).

A partir das informações que lhe são comunicadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), os serviços da Segurança Social verificam se há diferenças nos rendimentos em relação aos valores declarados pelos trabalhadores. Havendo discrepâncias que levam a uma alteração da base de incidência contributiva (portanto, a uma alteração do valor dos descontos), a Segurança Social notifica o trabalhador de que os serviços apuraram um valor distinto. A diferença, esclarece a Segurança Social num guia prático publicado no seu site, “determina o apuramento de obrigação contributiva no mês de Janeiro do ano seguinte àquele a que os rendimentos dizem respeito e é considerado proporcionalmente na carreira contributiva do trabalhador relativamente à totalidade do ano a que respeitam”.

Com a pandemia, o Ministério do Trabalho, liderado por Ana Mendes Godinho, anunciou no final de 2020 que o apuramento final das contribuições relativas a 2019 só aconteceria este ano, mas, agora, decidiu que “no ano de 2022, os serviços da Segurança Social procedem à revisão anual das declarações relativas a 2021 conjuntamente com a revisão anual das declarações relativas a 2019 e 2020”.

No mesmo decreto-lei, o executivo determina que “o pagamento de contribuições resultante da revisão anual das declarações relativas a 2019, 2020 e 2021 é considerado, para todos os efeitos, como efectuado fora do prazo a partir da data em que é considerado fora do prazo o pagamento de contribuições resultante da revisão anual das declarações relativas a 2021”.

O pagamento das contribuições que resultam da revisão é considerado, para todos os efeitos, como efectuado fora do prazo — a diferença é que, com este adiamento, vai aplicar-se à revisão de 2019 e 2020 o mesmo tempo que vigorar para as deste ano.

Só os valores que excedem 20 euros contam para efeitos da base de incidência contributiva.

14.9.21

Impacto da descida do IRS em 2022 depende das taxas de retenção

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Para o desdobramento dos escalões se sentir ao longo do próximo ano, Governo terá de reflectir as alterações nas tabelas mensais. Em 2018, só o fez parcialmente.

A reformulação dos escalões do IRS que o Governo está a preparar para 2022 deverá desagravar a carga fiscal de alguns contribuintes, mas o impacto dessa descida nos salários e nas pensões ao longo dos meses ainda é uma incógnita, porque dependerá da forma como o ministro das Finanças, João Leão, ajustar as tabelas de retenção na fonte.

Actualmente, há sete patamares de rendimento. O primeiro-ministro admitiu na semana passada que o executivo está a estudar mexer no terceiro e sexto escalões, isto é, nos patamares de rendimento colectável dos 10.732 euros aos 20.322 euros, e dos 36.967 aos 80.882 euros. Mas nada mais se sabe de forma oficial.


Quando, em 2018, o primeiro Governo de António Costa aumentou o número de escalões de cinco para sete e alterou as taxas gerais (aquelas que servem para calcular efectivamente o imposto a pagar sobre todo o rendimento auferido num ano completo), o executivo também ajustou as tabelas de retenção (as taxas através das quais é descontado o IRS todos os meses nos salários e nas pensões), mas não reflectiu aí toda a descida do IRS e mesmo em 2020 as tabelas continuavam desajustadas.

Agora que se prepara para reformular de novo os escalões, a dúvida volta a colocar-se. “Para que a redução da carga fiscal se faça sentir em 2022, as tabelas de retenção na fonte deveriam ser alteradas e acompanhar a redução decorrente da reformulação dos escalões”, refere ao PÚBLICO Ana Duarte, do departamento fiscal da consultora PwC.

Mesmo quando o Governo revelar a proposta do Orçamento do Estado para 2022 em Outubro, é expectável que ainda não haja uma fotografia da dimensão da redução da carga fiscal mensal de 2022, porque, por norma, as tabelas de retenção só são publicadas em Dezembro ou no mês de Janeiro do próprio ano de rendimentos.

Até lá, sublinha Ana Duarte, fica a dúvida se a redução da carga fiscal “se irá reflectir mensalmente” em 2022 ou apenas “a meio do ano de 2023”, após a entrega das declarações de IRS referentes ao ano de 2022.

O fiscalista Luís Leon recorda que a história mostra-nos “num passado recente” que o Governo optou por distribuir o impacto orçamental ao longo dos anos. Fê-lo com a reformulação dos escalões em 2018 e com a eliminação progressiva da sobretaxa de IRS, aponta.
Estancar a descida

Ana Duarte lembra que é com base nas tabelas de retenção, publicadas anualmente, que as entidades patronais efectuam, todos os meses, “a retenção na fonte de IRS sobre o valor do salário pago”. O montante é, depois, deduzido “ao valor final de IRS devido, após a entrega da declaração anual de IRS, apurando-se assim um valor adicional de IRS a pagar ou a reembolsar”.

Para apurar o imposto final, o que conta são as taxas do IRS e, como elas são aplicadas de forma progressiva (isto é, a taxa sobe à medida que se sobe em cada patamar de rendimento), se for alterado o “valor do limiar de um escalão de rendimento” ou a taxa “correspondente a um determinado escalão”, essa mudança “tem impacto em todos os níveis de rendimento deste escalão e, em princípio, dos escalões acima”, explica a especialista da PwC.

António Costa referiu ser necessário mexer no terceiro e sexto. Mas se o quarto e quinto escalões não sofrerem alterações, refere Ana Duarte, estes dois degraus “podem vir a ser utilizados para atenuar/estancar o efeito da redução da carga fiscal para os contribuintes dos escalões acima, tal como sucedeu na última revisão dos escalões ocorrida em 2018”. Por isso, diz, a redução da carga fiscal “poderá ser mais acentuada em termos relativos para os contribuintes do terceiro escalão do que para os contribuintes do sexto”.

A especialista da PwC ressalva que, “sem serem conhecidos os novos valores do limiar dos escalões e as respectivas taxas, somente podemos referir que é expectável [haver] uma redução da carga fiscal para alguns contribuintes”.

Ao mesmo tempo será determinante “saber se serão propostas alterações aos limites e natureza das despesas dedutíveis à colecta do IRS (despesas de saúde, educação, etc.)”, porque elas podem ter impacto na redução da carga fiscal que decorre da reformulação dos escalões.

No desdobramento de 2018, recorda Luís Leon, o nível de fiscalidade dos rendimentos acima dos 36 mil euros compensou “a descida do imposto abaixo”.
Herança de Centeno

Não é possível dizer neste momento, com exactidão, quantos contribuintes deverão beneficiar das alterações, porque as estatísticas do fisco apresentam a informação organizada em patamares de rendimento desencontrados dos sete da tabela do código do IRS.

O ministro das Finanças, João Leão, afirmou há dias, à Lusa, que o desdobramento não implicará um aumento da carga fiscal.

O fiscalista Luís Leon recorda que o nível da carga fiscal em Portugal continua nos 35% do Produto Interno Bruto (PIB), recordado que a fotografia ao Orçamento do Estado não pode ser tirada apenas olhando para o IRS, mas para o conjunto de alterações que nele existam tanto nos impostos directos como nos indirectos – porque, recorda, outros OE implicaram agravamentos nos segundos, como no imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, no imposto do selo ou no imposto sobre as bebidas açucaradas.

“Aproximadamente 90% dos portugueses são trabalhadores por conta de outrem ou pensionistas. Quando se diz que vamos aliviar o IRS aos trabalhadores e reformados para aumentar [a tributação] sobre os consumidores é ignorar que são os mesmos”, afirma Leon.

A ideia de voltar a aumentar o número de patamares de rendimento começou a ser estudada quando Mário Centeno ainda era o ministro das Finanças.

O Governo tinha em mente alterar os escalões para 2021, o que implicava ter a medida pronta no Orçamento do Estado discutido há um ano, mas, com a pandemia, o executivo decidiu adiar a mudança. Costa relançou-a no início de Setembro, antes das negociações com os partidos à esquerda.


6.9.21

Grandes bancos europeus desviam por ano 20 mil milhões de lucros para paraísos fiscais

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Instituições financeiras obtêm 14% dos lucros nos territórios de baixa ou nula tributação. Luxemburgo é um dos que permite uma carga fiscal reduzida.

O Observatório Fiscal da União Europeia (UE), um centro de investigação financiado pela Comissão Europeia para apoiar a luta da UE “contra os abusos fiscais”, estima que os grandes bancos europeus desviam todos os anos para paraísos fiscais 20 mil milhões de euros de lucros, 14% dos seus ganhos.

A análise, divulgada pelo observatório nesta segunda-feira, abrangeu 36 grandes grupos bancários europeus e cobriu o período de 2014 a 2020, com base nos relatórios financeiros que as instituições, à boleia das novas regras de transparência fiscal, têm de entregar às autoridades fiscais europeias sobre a sua actividade “país a país” dentro e fora do mercado interno europeu.

Mesmo com a “divulgação obrigatória” destas informações, refere o observatório, a percentagem de lucros registada nos centros financeiros de baixa ou nula tributação “tem-se mantido estável desde 2014”.

No leque de bancos analisados pelas práticas de planeamento fiscal estão desde os britânicos HSBC, Barclays, Lloyds (à data sediados no mercado único), aos franceses BNP Paribas e Crédit Agricole, do holandês ING ao espanhol Santander, passando pelos alemães Commerzbank e Deutsche Bank, o dinamarquês Danske Bank ou o italiano Monte dei Paschi.

Embora não haja bancos de raiz portuguesa neste leque, porque o critério é a dimensão, há grupos que estão presentes em Portugal.

Cerca de 25% dos lucros dos 36 bancos considerados na amostra “são contabilizados em países com uma taxa de imposto efectiva inferior a 15%”, abaixo do nível de IRC que está a ser discutido na OCDE e no G20 para consensualizar entre mais de 130 jurisdições como o patamar mínimo de imposto efectivo a nível mundial, com objectivo de reduzir o planeamento fiscal agressivo e combater a “corrida para o fundo” no IRC.
 


Para determinar se uma jurisdição deveria ser considerada um paraíso fiscal, os economistas usaram dois indicadores (o nível de IRC efectivo sobre os lucros em cada território e a dimensão dos lucros face ao número de trabalhadores nesse território). E, à luz deste critério, identificaram 17 jurisdições, três delas são Estados-membros da UE. Eis a lista: Irlanda, Luxemburgo, Malta, Gibraltar, Panamá, Ilhas Caimão, Baamas, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Guernsey, Jersey, Ilha de Man, Macau, Hong Kong, Kuwait, Qatar e Maurícias.
IRC médio de 20%

Apesar de uma parte importante dos resultados estar alocada em geografias onde a carga fiscal está abaixo do patamar dos 15%, o observatório conclui que as instituições pagaram, em média, uma taxa efectiva de IRC de 20%, olhando para toda a actividade (a que contabiliza o mercado da casa-mãe, os paraísos e a actividade dos territórios exteriores que não são de baixa tributação).

As margens de lucro são “muito mais altas nos paraísos fiscais” do que nos restantes territórios. Enquanto nos primeiros as margens estão entre 52% e 58%, nos segundos ficam-se pelos 20% a 35%.

“Dos 144 mil milhões de euros de lucros anuais dos bancos europeus, 65% (cerca de 94 mil milhões de euros) resultam de actividades no estrangeiro através das suas filiais [tanto em paraísos fiscais como em não-paraísos], e 35% (cerca de 50 mil milhões de euros) resultam de operações no seu mercado nacional”, indica o estudo, assinado pelos economias Giulia Aliprandi, Mona Baraké e Paul-Emmanuel Chouc.

Com excepção de 2020, em que a economia mundial se retraiu 3,6% por causa das ondas de choque da pandemia, os lucros dos bancos “têm vindo a aumentar de forma constante” nos últimos sete anos (tanto nos mercados onde estão sediados as sedes dos grupos económico como nos paraísos), mas com uma trajectória em que a percentagem de lucros nestes territórios de tributação favorável se manteve estável nos 14%).

Os investigadores ressalvam que “a utilização de paraísos fiscais varia consideravelmente de banco para banco”. “A percentagem média dos lucros reservados em paraísos fiscais é de cerca de 20%”, tanto havendo bancos que não obtêm rendimento nestes territórios (o que só aconteceu com nove instituições), como há quem tenha a maior parte dos seus lucros nestas jurisdições (a percentagem máxima chegou aos 58%).

Da mesma forma que a taxa média efectiva de IRC é de 20%, a taxa média mais baixa que o observatório identificou foi de 10% e a mais alta foi de 30%.

Há sete bancos que “apresentam uma taxa de imposto efectiva particularmente baixa, inferior ou igual a 15%” — o HSBC, o Barclays, o Royal Bank of Scotland, os alemães BayernLB e Nord/LB, o belga KBC e o italiano Intesa Sanpaolo.

Os três principais

“Para melhor se compreender esta heterogeneidade”, os investigadores concentraram-se nos esquemas de planeamento tributário de três grandes bancos com “uma presença relativamente elevada” em paraísos fiscais: o britânico HSBC, o alemão Deutsche Bank e o francês Société Générale.

O HSBC é um caso particular, dizem os investigadores. Além de ter “uma das taxas médias efectivas de imposto mais baixas (13%)”, é o banco que tem “a maior percentagem média dos lucros totais registados em jurisdições de paraísos fiscais”, os tais 58%.

Enquanto o HSBC obtém a larga maioria dos lucros num só paraíso (Hong Kong, onde apenas paga 11% de IRC), os outros bancos têm actividade em “múltiplos paraísos fiscais”.

O Deutsche Bank, a maior instituição financeira alemã, obtém 34% dos resultados na Alemanha, onde paga uma taxa efectiva de IRC de 16%, valor que os investigadores do observatório atribuem ao “tratamento fiscal favorável” dado à distribuição de dividendos intragrupo. A segunda grande fatia da actividade está no Luxemburgo, onde regista 22% dos lucros, apesar de só ter aí 1% dos trabalhadores, como notam os economistas. Outra parte importante dos lucros tem origem em jurisdições como Hong-Kong, Malta, Maurícias e Singapura; ou na Índia, Indonésia e Japão, mas, aqui, o Deutsche Bank paga uma taxa de IRC efectiva “superior à média”, acima de 30%.

Já os lucros do Société Générale “são menos concentrados” do que os dois concorrentes: 13% são obtidos no país de origem, França, onde são tributados em média a uma taxa efectiva de IRC de 26%; 11% vêm da República Checa, mas aqui são “tributados a uma taxa inferior a 17%”; 8% vêm do Luxemburgo, sendo tributados a 12%; outros 8% têm origem no Reino Unido, onde o banco paga uma taxa efectiva de 17%; o observatório destaca ainda que 4% dos lucros resultam da actividade nos Estados Unidos da América, onde paga um imposto residual, de apenas 2,3%.
Mais receita na UE

Com a criação das novas regras europeias que obrigam os bancos a divulgar informação sobre onde pagam impostos, 16 dos 36 bancos analisados “diminuíram a sua presença em paraísos fiscais” de 2014 a 2020 “numa média de sete pontos percentuais”, mas, apesar disso, a presença continua a ser “elevada” por parte de algumas instituições, refere o observatório. Os investigadores citam três exemplos: “O Deutsche Bank continuou a registar, em média, 21% dos lucros nos paraísos fiscais entre 2018 e 2020, o Standard Chartered quase 30% e o Société Générale cerca de 14%, todos eles com muito pouco decréscimo durante este período”.

Apesar de o primeiro pilar da nova reforma fiscal (redistribuição dos direitos de tributação das maiores multinacionais) não abranger os bancos, o segundo pilar (aquele que passa pela criação de um patamar mínimo de IRC a nível mundial) já cobre o sector financeiro e, por isso, os economistas do centro de investigação lembram que ele “será vinculativo para uma série de bancos, [e terá impacto] especialmente entre aqueles com forte presença em paraísos fiscais”.

O observatório fez cenário para se ter uma ideia de quanto é que os países da União Europeia podem obter em receitas adicionais com a taxa mínima de IRC: se ela for de 15%, tal como previsto no acordo preliminar já subscrito entre 132 jurisdições, o ganho ronda os 3000 milhões a 5000 milhões de euros por ano; ou 6000 milhões a 9000 milhões se fosse definida uma taxa de 21%; ou entre 10.000 e 13.000 milhões com uma taxa de 25%.

“A maior parte das receitas fiscais com um imposto mínimo terá origem em bancos britânicos” — o HSBC, o Barclays, o Standard Chartered e o Royal Bank of Scotland —, o que poderá estar ligado à dimensão das instituições, dizem os investigadores. Já “se considerarmos a percentagem de impostos a cobrar em relação aos impostos pagos, são sobretudo os bancos italianos (Monte Paschi, Unicredit), os britânicos (Royal Bank of Scotland, HSBC, Standard Chartered) e um banco francês (Société Générale) que figuram no topo da lista”.

A União Europeia tem de pé desde uma instrumento comum para identificar os países terceiros pouco cooperantes ao nível de troca de informação financeira ou pouco transparentes, mas o Parlamento Europeu quer que os governos passem a publicar a lista de paraísos fiscais com base em critérios “mais rigorosos”, que incluam não apenas esses territórios, mas também os que, mesmo já sendo cooperantes, continuam a ter um IRC de 0% ou uma carga fiscal muito baixa — os “verdadeiros paraísos”, como sintetizou o eurodeputado socialista holandês Paul Tang, presidente da subcomissão dos assuntos fiscais.