13.10.21

Simulações de IRS: poupança chega aos 200 euros, mas não aos salários mais baixos

Pedro Crisóstomo, in Público on-line

Novos limites dos escalões descem IRS mesmo para quem ganha menos, mas a redução é tão curta que nem se sente. Desdobramento serve salários do terceiro escalão para cima.

Depois da revisão do IRS em 2018 se concentrar “especialmente nos rendimentos mais baixos”, o desdobramento de 2022 incide sobretudo “nos rendimentos médios”. As palavras são do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, e sintetizam o pensamento do Governo ao desenhar a nova tabela do IRS: aliviar quem está num nível salarial abrangido pelo actual terceiro patamar e acima disso, e não quem ganha menos, porque chegou o momento de baixar o IRS aos contribuintes que não beneficiaram (ou beneficiaram menos) das alterações de 2018.

As simulações que a consultora PwC fez para o PÚBLICO com base na passagem da tabela do IRS de sete para nove escalões mostram que o desdobramento dos actuais terceiro e sexto degraus tem um impacto transversal, mas diferenciado, para quem tem rendimentos colectáveis superiores a cerca de 10.700 euros. Também há um impacto, ainda que próximo de zero, para quem está abaixo desse terceiro patamar, porque o Governo alterou os limites que definem as bandas dos primeiros escalões, fazendo com que um pouco mais de rendimento passe a ser tributado com taxas inferiores (por exemplo, o IRS do primeiro escalão, de 14,5%, aplicava-se até aos 7112 euros de rendimento colectável, mas agora vai cobrir os montantes até aos 7116 euros, ou seja, a taxa do segundo escalão, de 23%, só começa a aplicar-se partir daí, quando agora se inicia em rendimentos ligeiramente inferiores, quatro euros abaixo).

Ana Duarte, do departamento fiscal da PwC, afirma que as simulações indicam que “todos os contribuintes vão pagar menos IRS em 2022”, embora a redução não seja idêntica “ao longo dos diversos escalões”. Se, por um lado, há um “máximo de redução de aproximadamente 200 euros para os contribuintes que beneficiam da reformulação do sexto escalão”, por outro, “para os contribuintes com rendimento tributável no primeiro e segundo escalões de rendimento, a redução não é expressiva, uma vez que decorre apenas da mera actualização do limite” dos escalões, observa.

Por exemplo, para quem ganha 900 euros brutos por mês, a redução anual do IRS em 2022 é inferior a um euro: é de 34 cêntimos, porque o imposto final passa apenas de 1099,56 euros para 1099,22 euros, segundo um cálculo da PwC, que nestas simulações pressupõe que os contribuintes deduzem 250 euros através das despesas gerais familiares e que não têm quaisquer outras despesas.


Reduções variáveis

A PwC assume um cenário em que os contribuintes não têm filhos (para ver o impacto autónomo da descida do IRS sem ter em conta a majoração das deduções para quem tem dois ou mais filhos pequenos).

Veja-se a situação de um casal em que cada um ganha 1100 euros brutos por mês (30.800 euros anuais em conjunto), que beneficiam da descida de IRS de 28% para 26,5% para quem actualmente está na franja inferior do actual terceiro escalão de rendimento. Com o desdobramento, o casal consegue uma redução anual no IRS de 24 euros, o que dá uma diferença de dois euros por mês (uma variação inferior a 1%). Como o rendimento líquido anual passa de 27.251 euros para 27.274 euros, o salário líquido mensal de cada um passa de 973 euros para 974 euros.

No caso de um solteiro (sem filhos) que também ganhe 1100 euros brutos por mês (15.400 euros por ano), o contribuinte consegue uma melhoria de 12 euros no rendimento líquido anual, uma diferença de um euro por mês.

Pense-se agora no caso dos contribuintes que se encontram em 2021 no terceiro escalão de rendimento e que, fruto do desdobramento, passam a ser abrangidos também pelo quarto (em vez de serem tributados progressivamente com taxas de 14,5%, 23% e 28,5%, passam a sê-lo a 14,5%, 23%, 26,5% e 28,5%). Se num casal, cada um ganhar 1500 euros brutos por mês (42 mil por ano em conjunto), em vez de pagarem 6741 euros de IRS por ano, pagarão 6561 euros, uma diferença de 180 euros. A variação anual no rendimento é de 2,7%. Para um solteiro com o mesmo nível salarial, a descida é simétrica: o IRS baixa de 3371 euros para 3280 euros, um ganho de 90 euros.

Um casal com 70.000 euros de rendimento bruto por ano (2500 euros por mês cada um) passa do actual quinto para o futuro sexto escalão de rendimento, só que, com a nova formulação, isso significa ficar sujeito a uma taxa de IRS mais baixa numa franja de rendimento. O IRS a pagar passa de 16.329 euros para 16.229 euros, uma descida anual de 99 euros que representa uma variação já mais baixa, inferior a 1%. Um contribuinte solteiro com o mesmo nível salarial consegue uma poupança de 50 euros, ao passar a pagar de IRS 8115 euros em vez de 8164 euros.

Os contribuintes solteiros que estão no patamar dos 6000 euros de rendimento bruto mensal (84 mil euros brutos por ano) encontram-se no actual sexto escalão e irão beneficiar da redução do IRS nos patamares inferiores e da própria reformulação desse patamar, porque uma parte do rendimento que dantes era tributada a 45% baixa para 43,5%. Com isso, o imposto anual passa de 27.417 para 27.215 euros, uma descida de 202 euros.

No caso de um casal com o mesmo nível de rendimento, o ganho é simétrico, com o IRS a passar de 54.835 euros para 54.431 euros, menos 404 euros entre os dois.
Cortar ganho no último escalão

Para os contribuintes que passam a situar-se no último escalão, como acontece com quem tem rendimentos colectáveis superiores a 75.009 euros, o impacto da reformulação dos escalões é praticamente neutro, “uma vez que a redução do limite superior do último escalão, de 80.882 euros para 75.009 euros, anula o efeito do desdobramento dos escalões”, conclui Ana Duarte.

Apesar de o limite mínimo do último escalão do IRS ter descido (fazendo com que a taxa de 48% comece a aplicar-se a partir do rendimento colectável acima de 75.009 euros, em vez de arrancar nos 80.882 euros), o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais explicou nesta terça-feira que essa alteração vem compensar o desdobramento dos patamares de rendimento inferiores, que influenciam o nível de tributação destes contribuintes porque as taxas aplicam-se de forma progressiva, subindo à medida que se avança no nível de rendimento.

Com a diminuição do limite mínimo, disse António Mendonça Mendes, o Governo quis evitar que a poupança fiscal dos contribuintes com mais rendimento fosse “desproporcional” em relação à melhoria no rendimento disponível de quem está nos escalões inferiores. E deu um exemplo de um contribuinte que esteja nesse nível de fronteira para mostrar que, mesmo assim, nalgumas circunstâncias, poderá haver uma descida marginal.

O exemplo simulado pelo Governo é este: um solteiro que ganhe por mês 6071 euros (85 mil euros anuais, a que corresponderá um rendimento colectável de 75.650 euros) e que não tenha uma alteração de rendimento de 2021 para 2022. Enquanto actualmente não chegava a ser apanhado pelo último escalão, agora passa a ser tributado a 48% para o rendimento que esteja acima de 75.009 euros, mas, apesar disso, a revisão completa dos escalões, fruto das alterações nos patamares abaixo, ainda permite uma poupança anual de 138 euros.
Actualizar as retenções na fonte

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garantiu na manhã desta terça-feira que as taxas de retenção na fonte irão reflectir este alívio fiscal e prometeu que as novas tabelas serão conhecidas a tempo de serem aplicadas logo no início de 2022 pelas entidades empregadoras.

Na apresentação da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano, o governante disse que o desdobramento vem completar a primeira revisão dos escalões em 2018 e, somando a revisão de 2022 a essa primeira, disse, o impacto é “transversal a todos os níveis de rendimento”, em particular para quem ganha por mês entre 750 euros e 1300 euros por mês.

Aumentar

“A intensidade da diminuição dos impostos vai diminuindo à medida que o intervalo de rendimento anual aumenta”, havendo um impacto mais significativo para quem ganha por ano até 50 mil euros, disse Mendonça Mendes. A revisão de 2018 “incidiu especialmente nos rendimentos mais baixos, esta está a incidir nos rendimentos médios”, resumiu.


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