25.10.21

Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusos

Joana Gorjão Henriques, in Público on-line

As prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura.

No dia 15 de Setembro, Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues não foram os únicos reclusos a morrer no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), um terceiro recluso faleceu na prisão de Alcoentre.
Mais sobre este tema: Danijoy e Daniel morreram com minutos de diferença na mesma prisão. PJ nunca foi chamada a investigar

As prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura, inclusive sobre a elevada taxa de mortes, das mais altas da Europa, algo que é assinalado em vários relatórios. Desde o início do ano e até 29 de Setembro morreram 27 reclusos; em 2020 houve 75 mortes nas prisões portuguesas (dessas, 54 por doença, 21 por suicídio), nove delas no EPL.

De acordo com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), o elevado número de mortes explica-se com o facto de a população prisional portuguesa ser das mais envelhecidas e com maiores comorbilidades no contexto da população prisional europeia.

Já sobre agressões, refere que em 2020 houve 21 queixas de reclusos contra guardas; em 2021, foram 18. Todos os processos foram arquivados “por se não terem provado os factos subjacentes às queixas”, referem. Ainda na área das agressões, a Provedora de Justiça recebeu 17 queixas em 2020 e 13 queixas em 2021 e “são muito variadas – pelas situações que descrevem e grau de detalhe com que são apresentadas, bem como relativamente ao lapso de tempo em que terão ocorrido –, pelo que exigem, em regra, uma abordagem casuística”.

A DGRSP refere ainda que, “no âmbito da prevenção e do reforço da política de ‘tolerância zero’ relativamente à prática de maus tratos e à prevenção de conflitos entre reclusos, tem apostado na formação do pessoal de vigilância e investiu na instalação de CCTV nos estabelecimentos prisionais”, que lhe permitem detectar situações de conflito e identificar possíveis agressores.

Sobre estes casos, Vítor Ilharco, da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), estranha que a PJ não tenha sido chamada a investigar os casos de Danijoy e Daniel. “Dado que o MP considera que foram causas naturais, temos que aceitar que para a justiça está tudo bem. Se alguém tem que reagir, não estando satisfeito com o resultado, é a família.”

A APAR tem recebido queixas de agressões a reclusos e imediatamente participa-as à Procuradoria-Geral da República. A associação tem recebido resposta sobre o destino das queixas.

Para a APAR é natural o número elevado de mortes nas prisões por haver “muita gente doente”, com depressões, a alimentação não ser boa, e pelas condições materiais de algumas cadeias como o EPL, Montijo, Setúbal, Ponta Delgada: “As pessoas não fazem ideia de como são”, comenta. Descreve o EPL com celas em que há pulgas, percevejos, e onde mais do que um recluso partilha o mesmo espaço sem sequer haver divisão com a área da sanita. O recluso “tem de fazer as necessidades à frente dos outros”.

Em 2019, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou Portugal pelas condições nas prisões, na sequência de uma queixa de um recluso, Daniel Andrei Petrescu, preso no EPL e em Pinheiro da Cruz. Considerou que foi sujeito a “tratamento degradante” no tempo que passou em celas de ocupação múltipla com um espaço pessoal inferior a três metros quadrados e, noutra altura, a “tratamento desumano e degradante” em celas de ocupação múltipla com um espaço pessoal de três a quatro metros quadrados, sem aquecimento e com retrete só parcialmente resguardada.

“Não me dão os óculos – não consigo ver!”, “90% de humidade. Até as roupas estão húmidas”. “Há ratos e baratas a mandar no meio da ala”, “os guardas vêm às 3h e tentam assustar-nos”, “sem pátio, dez dias, sem ar fresco”. Com algumas fotos onde se mostram fichas com fios eléctricos a sair, tapadas por plástico, sanita colada ao espaço de dormir numa cela para dois reclusos, humidade por todo o lado, paredes e roupa, este é o relato de um recluso em prisão preventiva que se queixou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) sobre as condições no EPL.

O seu advogado, José Gaspar Schwalbach, recebeu entretanto a notificação do TEDH a dizer que aguarda a resposta do Estado português, e a lembrar que algumas das questões sobre as condições das celas feitas na sua queixa já foram objecto de jurisprudência (referem-se ao caso de Daniel Petrescu). “Os estabelecimentos prisionais em Portugal são completamente inadequados para os seus fins principais, de ressocialização, de reintegração e de socialização, oferecendo antes um ambiente de violência, totalmente degradados e com risco para a vida”, afirma o advogado. “A situação é ainda mais grave quando pensamos naqueles cidadãos que ali se encontram em prisão preventiva e que, não obstante o princípio da presunção da inocência, são igualmente sujeitos ao referido tratamento – totalmente degradante e perigoso.”