Rita Siza, in Público on-line
Comissão Europeia identifica a natureza das medidas temporárias e reversíveis que os Estados-membros podem avançar para ajudar os consumidores e as empresas a enfrentar a subida do preço da electricidade. Soluções estruturais vão ser discutidas pelos líderes na reunião do Conselho Europeu.
A acentuada subida do preço do petróleo e do gás natural não leva a Comissão Europeia a desviar-se da estratégia traçada para a transição energética do bloco e a redução da dependência das importações de combustíveis fosseis, nem a mexer nos mecanismos e regras de formação do preço no mercado da electricidade.
Bruxelas partilha a preocupação de muitos Estados-membros, que já chamaram a atenção para o impacto muito negativo da actual alta do preço da energia na retoma da actividade económica e nas finanças pessoais dos consumidores, mas estima que se trata de um fenómeno temporário e prevê um retorno à normalidade já no fim do primeiro trimestre do próximo ano.
“A situação actual é excepcional”, vincou a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, que defendeu as virtualidades do mercado interno de energia, numa conferência de imprensa, esta quarta-feira, em Bruxelas. “[O mercado interno] está a funcionar bem há vinte anos e o que tens de fazer é assegurar que continua a servir-nos no futuro, aumentando a nossa independência energética e alcançando os nossos objectivos climáticos”, referiu.
Assim, e ao contrário das expectativas de algumas capitais, de Bruxelas não virão medidas compensatórias ou apoios extraordinários: numa comunicação adoptada esta quarta-feira pelo colégio de comissários, o executivo comunitário recomenda que sejam os governos nacionais a definir as acções de curto prazo que sejam justificadas para “proteger” os grupos mais vulneráveis e salvaguardar a capacidade industrial — por exemplo, a redução ou isenção de taxas de tributação, ou apoios de natureza temporária, ao rendimento das famílias ou à actividade das empresas.
“A Comissão não deixará de ajudar os Estados-membros com as medidas imediatas que permitirão reduzir o impacte da subida global dos preços da energia no orçamento das famílias e das empresas durante o Inverno”, garantiu a responsável pela pasta da Energia, Kadri Simson.
A comissária lembrou que existe “flexibilidade” nas directivas relativas à taxação da energia ou ao imposto sobre o valor acrescentado, e deu relativa margem de manobra aos governos para avançarem com medidas de apoio de carácter excepcional, e salvaguardas que evitem desconexões da rede. Seis países já avançaram com medidas e a Bruxelas já chegaram várias notificações de mais uma dezena de capitais que tencionam fazê-lo.
O menu de possibilidades que Kadri Simson apresentou inclui, entre outras, a atribuição de “vouchers” para ajudar os consumidores mais pobres a pagar as suas facturas de electricidade ou a autorização do recurso às receitas do sistema de comercialização de licenças de emissões para o pagamento parcial dessas facturas ou até o adiamento temporário desses pagamentos.
Mas, advertiu, as medidas que vierem a ser adoptadas devem dirigir-se a um grupo específico; têm de ser facilmente reversíveis, e não podem provocar distorções na concorrência, respeitando as regras da UE em matéria de auxílios de Estado. Além disso, prosseguiu, os eventuais apoios extraordinários “não devem perturbar” o processo em curso para a transição a longo prazo (leia-se, a aprovação do vasto pacote legislativo “Fit for 55”), nem a programação dos investimentos em fontes de energia sustentáveis.
“A transição para a energia limpa é o melhor seguro contra futuros choques de preços”, considerou Kadri Simson. “A UE não pode deixar de desenvolver um sistema de energia eficiente com uma quota elevada de energias renováveis”, afirmou a comissária, numa crítica velada aos países que querem atrasar a aprovação do pacote legislativo para a neutralidade climática,
Como comentava uma fonte europeia, “o Green Deal é a solução para o problema [da subida dos preços da energia], e não o problema para a solução” — as actuais subidas de preço não têm nada a ver com o plano europeu para “uma transformação sistémica para a descarbonização” da economia ou a proposta para o alargamento do sistema de comercialização de licenças de emissões aos edifícios e transportes rodoviários, que só está previsto para 2026.
Medidas estruturais nas mãos dos líderes
Algumas das propostas avançadas pelos Estados-membros para responder à crise, como a aquisição conjunta de gás natural, ou o estabelecimento de reservas comuns, são vistas pela Comissão Europeia como soluções de médio ou longo prazo que merecem ser exploradas, mas exigem uma decisão política dos líderes europeus — até porque sistemas desse tipo terão sempre de ser voluntários. O assunto estará em cima da mesa na reunião do Conselho Europeu da próxima semana (21 e 22 de Outubro), em Bruxelas.
O trabalho técnico já está em curso, disse Kadri Simson, que encarregou os serviços de “identificar medidas a médio prazo para assegurar que o nosso sistema energético é mais resiliente e mais flexível”, de forma a sustentar qualquer volatilidade durante o processo da transição energética (os analistas calculam que os preços estabilizem a partir de Abril, mas numa base mais elevada do que no ano passado, e não afastam novas tensões no mercado no futuro próximo).
As primeiras conclusões sobre os potenciais benefícios e as eventuais desvantagens do estabelecimento de um sistema de aquisição conjunta de gás natural deverão ser apresentadas no final do ano. Ainda assim, a comissária fez questão de sublinhar que apesar da capacidade de armazenamento de gás natural ser nesta altura de 76%, abaixo da média de longo prazo de 90%, a segurança do abastecimento não está posta em causa. “Não temos nenhum risco de não ter gás para este Inverno”, garantiu uma fonte europeia.
Ao mesmo tempo, a Comissão vai promover uma “análise mais aprofundada” do actual modelo de fixação dos preços da electricidade, onde a cotação do gás natural ainda desempenha um papel importante. “De acordo com a actual concepção do mercado, o gás ainda estabelece o preço global da electricidade, uma vez que todos os produtores recebem o mesmo preço pelo mesmo produto quando este entra na grelha”, explicou uma fonte europeia. Porém, o consenso é de que o actual modelo de preços marginais é o mais eficiente — a ideia defendida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, para desligar o preço da electricidade do do gás natural não ganhou muita tracção em Bruxelas.
A comissária europeia prometeu investigar todas as suspeitas de manipulação de preços ou de especulação com o sistema de comércio de emissões.