Ana Henriques, in Público on-line
Assembleia da República não vai revogar nesta legislatura medidas excepcionais motivadas pela pandemia que permitiram saída de 3000 reclusos do sistema prisional, por causa da pandemia. Resta esperar pela próxima.
Apesar de a esmagadora maioria da população prisional ter sido vacinada, e o cenário pandémico estar muito atenuado, as medidas de clemência motivadas pelo covid-19 vão continuar em vigor.
É praticamente impossível cancelar, até à dissolução do Parlamento, a lei de excepção que permitiu que até agora fossem libertados cerca de três mil presos das cadeias portuguesas. Quando a medida estava a ser aprovada a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, estimava que o perdão de penas abrangesse um máximo de dois mil.
Perante o facto de a bancada socialista não se ter disposto a cancelar o perdão, os deputados sociais-democratas e os centristas apresentaram propostas nesse sentido há já quatro meses. Mas o processo legislativo não evoluiu com rapidez suficiente para ter sido já concluído, lamentam. O PSD ainda gizou um plano B: introduzir a revogação do perdão de penas no Orçamento de Estado. Mas agora também isso se gorou. A social-democrata Mónica Quintela fala em “desrespeito e interferência no poder judicial”, uma vez que se continuará a libertar, por opção política, pessoas que cometeram crimes e foram por isso condenadas pela justiça.
“O Ministério da Justiça está a limpar as cadeias à custa da situação pandémica”, lamenta. As críticas ao prolongamento das libertações não vêm, porém, apenas destes partidos.
Em pareceres enviados ao Parlamento a propósito destas iniciativas parlamentares, tanto o Conselho Superior da Magistratura como o Conselho Superior do Ministério Público concordaram, em Julho passado, com o com o fim do regime especial de perdão de penas. Para o órgão de disciplina dos juízes, já nessa altura tinha deixado de haver fundamento para a manutenção de um regime que “deveria ser absolutamente excepcional”, e que ainda por tem vindo a potenciar, “face às dúvidas interpretativas que suscita na sua aplicação, várias controvérsias e inclusive diferenças de tratamento entre condenados em posições idênticas”. O que suscita problemas do ponto de vista do princípio constitucional da igualdade, avisou este conselho.
No CDS, o deputado Telmo Correia garante que se houver uma aberta para os partidos agendarem temas da sua escolha antes da dissolução parlamentar os centristas aproveitarão a oportunidade. Mas não crê que ainda seja possível.
Por outro lado, não é garantido que estas iniciativas, que nem sequer foram ainda votadas na generalidade, viessem a ser aprovadas. À deputada que dirige a Subcomissão para a Reinserção Social e Assuntos Prisionais, a socialista Isabel Rodrigues, não choca que se continue a libertar presos. Frisando que fala a título pessoal, recorda que os efeitos da pandemia podem voltar a agravar-se, por via por exemplo do surgimento de novas variantes, ou da cessação dos efeitos das vacinas aplicadas. Por outro lado, defende ser necessário discutir de forma aprofundada as taxas de encarceramento em Portugal, que considera serem demasiado elevadas por comparação com outros países europeus.
O Ministério da Justiça também não pode, nesta altura, fazer nada quanto ao assunto, uma vez que a revogação destas medidas de clemência deixou de estar nas suas mãos. Resta esperar pela próxima legislatura. “É a Assembleia da República que terá de resolver, no exercício da sua soberania, se e quando apreciará” a questão, disse ao PÚBLICO a tutela.
A meio deste mês, o ministério tinha recordado, em declarações à Rádio Renascença, que o Governo propôs ao Parlamento ser ele próprio a controlar o tempo de vigência destas medidas. Mas os deputados preferiram manter esse assunto sob a sua alçada. Antes disso, em Julho, Francisca van Dunem, apontara a meta de 70% de população reclusa vacinada para o cancelamento do perdão de penas. Neste momento 91% dos presos portugueses estão protegidos.