Bruna Ferreira, in Público on-line
A Terra dos Sonhos, organização portuguesa sem fins lucrativos, defende a profissionalização das IPSS em Portugal e lamenta que este processo esteja atrasado em comparação com o que se passa noutros países.
Criada há 14 anos, no Dia Mundial da Criança, a Terra dos Sonhos, uma organização não governamental, surgiu com o objectivo de promover o bem-estar dos públicos mais vulneráveis, sobretudo crianças, jovens e adultos com doenças graves, mas também as suas famílias e quem se encontra em situação de acolhimento. Hoje, em 2021, o mote continua o mesmo, mas assume uma nova visão em termos da forma como é gerida. A gestão dever ser mais profissionalizada, para que não seja simplesmente uma associação, mas também uma empresa, defende a sua presidente, Mariana Madeira Rodrigues.
“Antigamente estávamos habituados a estender a mão, mas essa era acabou. Já não basta gerir as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) com coração e sem optimização de recursos”, justifica, propondo uma mudança de paradigma no terceiro sector. “É preciso ter uma visão de gestão e saber falar com os nossos investidores sociais, explicando-lhes de que maneira é que o dinheiro deles está a ser investido e como é que vai mudar a sociedade”, explica.
Para levar o plano de profissionalização do papel à prática, a Terra dos Sonhos juntou-se à Fundação Manuel Violante, sócio-fundadora do escritório McKinsey, em Portugal, e promoveu um conjunto de formações junto dos membros da equipa da associação, como também definiu quais os projectos que mais queria abraçar. “Tivemos de repensar aquilo em que queríamos apostar e fazer escolhas, porque não podemos ajudar todos, senão perdemo-nos”, justifica Mariana Madeira Rodrigues. “É preciso sonhar e ter muito coração, mas é também fundamental ter os pés bem assentes na terra e um caminho pensado para lá chegar”, acrescenta.
Com uma nova imagem e relatórios de actividades traçados, a organização delimitou o seu ADN a três programas. O primeiro corresponde aos “Sonhos Transformadores”, em que a equipa tenta concretizar os desejos mais ansiados pelas crianças e jovens que têm doenças em fase terminal. “Com estes sonhos, tentamos dar esperança não só à criança, mas à sua família e fazê-las acreditar que dentro dos momentos com maior sofrimento também podemos tirar algo de positivo, mesmo que isso pareça impossível”, explica Mariana Madeira Rodrigues. Entre 773 sonhos já realizados, há alguns que ficam na memória da representante da associação, como o caso de João, que sofria de leucemia e queria voar. “O que nós fizemos foi primeiro pô-lo a voar em terra, num carro muito rápido, e depois fomos com ele a um aeródromo e acabou por andar numa avioneta. Eram os anos dele e ficou muito comovido.”
Durante a fase mais crítica da pandemia, a associação não parou, especialmente por reconhecer que o isolamento teve um duro impacto entre os mais debilitados, e ajudou Carlos — uma criança com distrofia muscular de Duchenne, uma forma de doença muscular que incapacita o bom funcionamento dos músculos do corpo, que só conseguia movimentar as mãos — a conhecer e passar o dia com Ric Fazeres, o YouTuber português que é conhecido por testar videojogos.
Mas concretizar sonhos não passa apenas por organizar momentos especiais, mas também por construí-los, muitas das vezes, da estaca zero. Com a “Oficina do Sonho”, a organização ajuda as crianças que, retiradas às famílias de origem, vão para casas de acolhimento. “Estes jovens são também prioritários, sendo que já passaram por muita coisa na vida, entre abusos, abandonos, situações de violência e nós queremos dar-lhes força e esperança para o futuro”, explica Mariana Madeira Rodrigues. Tendo em conta que é entre estes grupos que as taxas de insucesso e desistência escolar são mais altas, os voluntários e a equipa de psicólogos da organização desenvolvem actividades para promover competências socioemocionais, o bem-estar e a motivação para que a integração social destes se torne também uma realidade.
Por fim, a organização lançou recentemente o programa “WeGuide”, através do qual dá formação e prepara profissionais para que se tornem guias de saúde, tendo como função o acompanhamento de um doente ao longo de um ano. “Seja para ajudá-los em toda a parte burocrática do processo, como ir à segurança social pedir um atestado, saber onde são as consultas ou servir apenas como ombro amigo”, esclarece a representante, que adianta ainda que neste momento estão já a ser acompanhados cerca de 18 doentes.
Contando actualmente com mais de 80 parcerias, cerca de cem voluntários e algumas dezenas de empresas colaboradoras, a Terra dos Sonhos admite, contudo, que faltam meios tanto financeiros, como humanos para fazer mais. Uma das soluções, segundo a presidente, passa por aliciar pessoal qualificado e formado para gerir as IPSS, como já acontece em Inglaterra ou em Espanha. Por cá, adianta, é uma situação que continua aquém das expectativas, especialmente devido aos salários baixos praticados, em comparação com os oferecidos para a mesma posição numa empresa. “Não é ainda uma carreira valorizada e é muito difícil trazer para esta área das IPSS essas pessoas capacitadas em termos técnicos, o que é uma pena, porque ficávamos todos a ganhar”, conclui.
Texto editado por Bárbara Wong