Samuel Silva, in Publico on-line
São já quase 98 mil candidatos. Quebra de rendimentos das famílias ajuda a explicar maior procura por apoios do Estado. Menos de um terço dos processos com decisão.
Perto de 98 mil alunos pediram até ao momento uma bolsa de acção social para estudar no ensino superior. O número de candidatos é o mais elevado de sempre nesta fase do ano lectivo, reforçando uma tendência que já vinha do ano passado. As associações estudantes acreditam que os efeitos da quebra de rendimentos de muitas famílias devido à pandemia podem ser um dos motivos que ajudam a explicar este aumento.
Até à passada quinta-feira, apresentaram a sua candidatura a uma bolsa de estudo 97.707 estudantes, de acordo com dados que são disponibilizados pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES). Este é o número mais elevado de sempre de concorrentes a uma bolsa de acção social nesta fase do ano lectivo.
Face ao ano passado – quando já tinha sido batido o recorde de candidatos a apoio social – há mais 1250 pedidos, em igual período. O aumento é ainda mais significativo quando a comparação é feita face a 2017/18. São mais 4479 alunos que pretendem receber um apoio do Estado para frequentar o ensino superior.
A tendência de aumento do número de candidatos a bolsa de estudo neste ano lectivo e no anterior é coincidente com o crescimento do número de estudantes colocados nos últimos dois concursos nacionais de acesso. Isto face aos anos anteriores, mas sem esquecer que este ano houve uma quebra no número de colocados comparativamente com 2020.
Essa é “uma das razões” para o aumento, nestes dois últimos anos, do número de alunos que pede apoio para estudar, acredita a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Gabriela Cabilhas, mas a estrutura estudantil tem também notado um “aumento das dificuldades dos estudantes, devido às quebras de rendimentos” dos próprios ou das famílias, face aos impactos económicos da pandemia de covid-19.
“Isso é bastante evidente e as próprias associações de estudantes têm feito um esforço para elucidar os estudantes sobre os mecanismos de apoio que existem”, prossegue a dirigente da FAP. “Dizemos-lhes que façam, pelo menos, uma simulação para que entendam se são elegíveis.”
A maior parte das candidaturas às bolsas de acção social são habitualmente entregues até ao final do mês de Outubro, no momento em que se iniciam as aulas. Os estudantes podem, no entanto, concorrer ao apoio do Estado durante todo o ano lectivo. Por exemplo, sempre que houver alterações no rendimento das famílias, como no caso de desemprego de um dos pais, podem submeter o seu pedido de auxílio para continuar a estudar. Em casos como esse, mesmo que o estudante tenha tido um primeiro pedido de apoio rejeitado, é sempre possível pedir uma reapreciação da situação dos estudantes, que podem passar a receber apoio já com o ano lectivo em andamento.
Segundo os dados disponibilizados pela DGES, são menos de um terço (28%) os processos que têm já decisão. A FAP diz ter recebido queixas de atrasos na análise dos processos, nomeadamente devido ao facto de Autoridade Tributária apenas ter disponibilizado os dados relativos aos rendimentos e património dos agregados familiares em Setembro.
O processo está, ainda assim, mais célere do que no ano passado. Há 23.744 estudantes que já sabem que vão receber bolsa de estudo no próximo ano. No ano passado, por esta altura, eram menos de 15 mil. Outros 2000 alunos viram o seu pedido recusado.
Como é habitual em anos anteriores, o processo é mais rápido nas instituições públicas (que já avaliaram 29,5% das candidaturas) do que nas privadas (18,9% dos processos com decisão). Os dados da DGES permitem perceber que continua a haver grande discrepância entre as instituições. Enquanto a Universidade de Évora já deu resposta a 46,8% das candidaturas e o Instituto Politécnico do Porto já decidiu sobre 40,6% dos processos, o Instituto Politécnico da Guarda tem decisão sobre apenas 2,4% dos casos. Em pior caso está o Politécnico de Viana do Castelo que decidiu sobre pouco mais de 1%.
Mexidas na lei sem impacto
No ano passado, candidataram-se 102.388 estudantes a bolsas de estudo, durante todo o ano lectivo. A barreira dos 100 mil candidatos deverá ser ultrapassada também este ano e, a manter-se o ritmo das últimas semanas, serão cerca de 105 mil os alunos que querem receber apoio.
No ano passado, foram apoiados 78.999 estudantes, segundo a DGES. É um número semelhante ao do ano anterior, quando tinha atingido o total de estudantes bolseiros mais elevado de sempre, 80 mil bolseiros.
Isto significa que as alterações ao regulamento de bolsas tiveram menos impacto do que o esperado. O Governo e as instituições de ensino superior estimavam que as medidas que entraram em vigor no ano passado permitissem atribuir apoios a mais 8000 a 9000 estudantes.
O limiar de elegibilidade, o patamar a partir do qual os apoios são concedidos, foi alargado pelo Parlamento, passando o valor de referência de 16 vezes para 18 vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS). As famílias passaram a poder ter rendimentos até 658 euros mensais per capita para serem elegíveis. No ano passado, pela primeira vez, o valor da bolsa mínima, que aumentou para 871 euros anuais, foi superior ao valor da propina máxima (697 euros).