Mariana Álvares, in Público on-line
O sistema alimentar actualmente em vigor não previne o desperdício alimentar, não garante o acesso universal à alimentação e não prevê a sua própria sustentabilidade. Se nós não fizermos nada para o melhorar, ele acabará, inevitavelmente, por sucumbir.
Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais. Actualmente a trabalhar no Instituto Marquês de Valle Flôr na qualidade de Assistente de Projetos. 16 de Outubro de 2021, 9:01
Este fim-de-semana, a 16 e 17 de Outubro, celebram-se o Dia Mundial da Alimentação e o Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza, respectivamente. Não deixa de ser curioso que num fim-de-semana se celebrem dois fenómenos simultaneamente correlacionados e contraditórios. Por um lado, o sistema alimentar actual produz alimento em quantidade suficiente para alimentar todas as pessoas do mundo e, desta forma, erradicar a pobreza alimentar; por outro lado, este mesmo sistema alimentar não consegue impedir que um terço dos alimentos produzidos no mundo sejam desperdiçados, nem que aqueles que trabalham na agricultura sejam os mais vulneráveis à insegurança alimentar e a estados de pobreza. Mas, chegados a 2021, não seria de esperar que os conceitos de desperdício alimentar e erradicação da pobreza fossem já obsoletos?
Em 2015, as Nações Unidas lançaram os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e com eles propuseram alcançar globalmente 17 objectivos até 2030. A abrir este leque de objectivos, encontra-se a erradicação da pobreza em todas as suas formas e em todos os seus níveis. Neste sentido, para que, pelo menos, a pobreza alimentar seja erradicada, toda a população mundial deve ter acesso a uma alimentação nutricionalmente saudável. No entanto, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura estima que entre 720 e 811 milhões de pessoas no mundo passaram fome em 2020. Mas então o que está a falhar no sistema alimentar mundial?
Primeiramente, as cadeias alimentares mundiais são actualmente responsáveis por 30% das emissões globais de Gases com Efeito de Estufa (GEE), maioritariamente provenientes da emissão de óxido nitroso (N2O) presente nos fertilizantes e de metano (CH4) resultante da produção de gado. Em segundo lugar, as cinco maiores produtoras de carne e leite mundiais emitem a mesma quantidade de GEE que a Exxon, um gigante petrolífero. Em terceiro lugar, a agricultura e produção de gado são o principal motor da desflorestação, sendo que estas actividades foram já responsáveis pela desflorestação de 63% do território da Amazónia.
O sistema alimentar actualmente em vigor é um dos principais contribuidores para as alterações climáticas e é, curiosamente, também dos sistemas que mais será afectado por estas alterações. Esta situação alarmante tem motivado o surgimento de várias campanhas, manifestações e acções que reivindicam uma restruturação do sistema alimentar. A título de exemplo, a campanha Our Food Our Future pretende torná-lo mais justo, digno e sustentável, apontando como alvo as grandes empresas alimentares, os supermercados europeus e os decisores políticos europeus.
Estamos a aproximar-nos de 2030, mas ainda tão longe de alcançar em pleno um único objectivo que seja. Talvez as Nações Unidas os tenham feito propositadamente utópicos, suportados na crença de que os esforços de todos na concretização destes objectivos fosse suficiente para alcançar um mundo melhor. Mas, infelizmente, esse parece não ser o caso. O sistema alimentar actualmente em vigor não previne o desperdício alimentar, não garante o acesso universal à alimentação e não prevê a sua própria sustentabilidade. Se nós não fizermos nada para o melhorar, ele acabará, inevitavelmente, por sucumbir. A única diferença será o estágio de deterioração em que o clima e o planeta se encontrarão.