Estudo do ISCTE conclui que fenómeno da sobrequalificação está relacionado com o fraco investimento na indústria e nos serviços de alta tecnologia e com a reduzida capacidade de contratação do sector público.
O mercado de trabalho em Portugal não tem conseguido absorver o elevado número de jovens que nos últimos anos saíram das universidades e isso deve-se, em grande medida, ao peso reduzido das indústrias e dos serviços de alta tecnologia na economia e à fraca capacidade de contratação do sector público. Esta é a principal conclusão de um estudo desenvolvido por três investigadores do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, que será apresentado nesta segunda-feira em Lisboa, durante o lançamento do Observatório do Emprego Jovem (OEJ).
Os investigadores procuraram encontrar uma explicação para o facto de Portugal ser o segundo país europeu com o nível mais elevado de sobrequalificação dos trabalhadores. Em 2016, cerca de um quarto dos trabalhadores portugueses (23,6%) tinham qualificações mais elevadas do que as necessárias para o trabalho que efectivamente desempenhavam, percentagem apenas superada pela Grécia (23,7%), enquanto a Finlândia (7,8%) e a República Checa (8,7%) apresentavam os níveis mais reduzidos de sobrequalificação.
“Portugal tinha um atraso significativo do ponto de vista das qualificações e tivemos uma evolução extraordinária. Passámos, no ano 2000, de uma situação em que 12,8% das pessoas entre os 25 e os 34 anos tinham o ensino superior para, em 2020, termos 39,6%. Isto é uma pré-condição para termos uma economia mais competitiva e mais inovadora, mas, por si só, não foi suficiente para haver uma mudança do padrão de especialização da economia portuguesa”, começa por explicar Paulo Marques, coordenador do OEJ e um dos autores do estudo.
Embora seja comum associar o problema da sobrequalificação a características específicas dos trabalhadores diplomados, em particular a área que estudaram, estes investigadores procuraram demonstrar que há outros factores relacionados com o lado da procura que explicam a dificuldade que estes trabalhadores, sobretudo jovens, têm em encontrar empregos adequados ao seu nível de qualificação.
O estudo identifica dois factores que têm limitado a criação de emprego qualificado em Portugal. Por um lado, o peso da indústria e dos serviços de alta tecnologia na economia é reduzido e dos mais baixos da União Europeia e, por outro lado, as políticas de austeridade limitaram muito as contratações no sector público que, tradicionalmente, tinha alguma capacidade de absorção de trabalhadores qualificados.
“A nossa recuperação assentou, sobretudo, em sectores como a hotelaria ou a restauração, muito ligados ao turismo e ao sector imobiliário que não são tradicionalmente os que absorvem mais população qualificada. Se juntarmos a isso o facto de o sector público durante os anos de austeridade, e mesmo no período da recuperação, também não ter absorvido trabalhadores qualificados, verificamos que houve uma falta de complementaridade que gera este problema de sobrequalificação”, nota Paulo Marques.
Para o investigador e professor no ISCTE, o desafio não passa apenas por aumentar as qualificações, é preciso actuar noutras variáveis. “A ideia de que aumentávamos as qualificações e esses jovens iam tornar as empresas inovadoras não se concretizou. Precisamos de agir do lado da procura, para que seja possível que esses jovens estejam em empregos que correspondam ao seu nível de qualificação”, sublinha.
Políticas activas de emprego
O estudo aponta algumas pistas e medidas de curto e de longo prazo que podem ajudar a alterar a situação.
As políticas activas de emprego podem dar um bom contributo no curto prazo. Nesse sentido, o estudo recomenda o desenvolvimento de políticas dirigidas aos graduados que facilitem a transição entre educação e mercado de trabalho e que melhorem a correspondência entre qualificações adquiridas e as qualificações exigidas no emprego.
“A União Europeia decidiu renovar a garantia jovem e isso é uma oportunidade para termos financiamento deste tipo de políticas”, destaca Paulo Marques.
“As políticas de emprego, os apoios à contratação, os estágios, etc., têm de se preocupar com a natureza do contrato mas também se há uma correspondência entre as qualificações e o emprego que as pessoas têm. Depois há sectores que são mais capazes de absorver mão-de-obra qualificada e as políticas públicas também têm de ter isso em consideração. Devemos ter incentivos e apoios que tenham isso em consideração”, sublinha.
No longo prazo, será necessário delinear uma política industrial que promova o desenvolvimento de sectores que integrem graduados em actividades qualificadas. “A grande questão é definir os sectores estratégicos, que possam arrastar o desenvolvimento da economia portuguesa nesse sentido. Temos o Plano de Recuperação e Resiliência que nos permite ter esta visão estratégica. Não é algo que se possa alterar de um dia para o outro, mas as políticas públicas podem ser direccionadas para determinados sectores, os estágios podem ser direccionados para determinados sectores”, frisa o investigador.
A par do estudo sobre o fenómeno da sobrequalificação, o OEJ vai também divulgar um relatório relacionado com os jovens no mercado de trabalho em Portugal, em que se conclui que o emprego jovem é mais volátil e vulnerável a situações de instabilidade económica, em comparação com o emprego da população total.
O principal fenómeno observado no período analisado prende-se com o recurso a formas de contratação atípicas (contratos a termo, emprego a tempo parcial e emprego através de agências de trabalho temporário), que aumentou particularmente entre jovens. Também nas questões salariais é evidente a situação desfavorecida dos jovens em relação à restante população, tanto em termos medianos dos salários, como na mais elevada probabilidade de auferirem o salário mínimo.
Essas diferenças tornam-se mais evidentes nos anos de crise económica e na pandemia não foi diferente. “Os jovens chegaram à crise económica provocada pela pandemia pior do que tinham chegado à crise de 2008”, observa o coordenador do OEJ.
“A degradação da situação laboral dos jovens foi muito grande desde 2008. A partir de 2014, as coisas começaram a melhorar, mas essa melhoria não compensou o nível de degradação que ocorreu anteriormente. Não é que as coisas não tenham melhorado face a 2013, o problema é que não melhoraram suficiente para chegarem ao ponto em que estavam em 2008 e isto gerou uma situação em que os níveis de precariedade e de diferenças salariais entre os jovens e a população em geral são muito claros”, conclui Paulo Marques.