6.10.21

A pobreza não pode ser uma herança

Amílcar Correia, editorial, in Público on-line

A estratégia de luta contra a pobreza torna-se mais importante no quadro de ressaca de uma longa pandemia, que esteve associada a uma crise económica da qual iremos demorar bastante tempo a recuperar.

Um estudo divulgado há um ano, no auge da pandemia, classificava as crianças e jovens, as famílias monoparentais e mais alargadas, os desempregados, a população inactiva e os indivíduos com baixo nível de instrução como os pobres do futuro. A Pobreza em Portugal – Trajectos e Quotidianos sublinhava que estes grupos, embora num limiar acima da pobreza, eram os mais vulneráveis face aos solavancos da economia, e chamava a atenção para a necessidade de precaver “a categoria social mais afectada pela pobreza”: as crianças e jovens.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza não oferece grandes dúvidas quanto às suas boas intenções. A integração do pré-escolar no ensino obrigatório logo a partir dos três anos, e não dos seis, como acontece actualmente, com reforço dos apoios à frequência de creches e pré-escolar para alunos de menores recursos, é uma medida que existe em outros países europeus e só pode ser consensual entre quem entende que o combate à desigualdade é um dos objctivos mais nobres de um qualquer Estado.


Propostas como a do alargamento do acesso ao abono de família ou o aumento das prestações sociais a alguns daqueles grupos mais vulneráveis, como o das famílias monoparentais, idem.

A estratégia torna-se mais importante no quadro de ressaca de uma longa pandemia, que esteve associada a uma crise económica da qual iremos demorar bastante tempo a recuperar, e exige um olhar transversal à sociedade portuguesa, o que nos deve levar a repensar, inclusive, o Rendimento Social de Inserção, nomeadamente na forma como são contabilizados os apoios às famílias com crianças.

O que está por assegurar é se as escolas terão os recursos e os investimentos necessários que garantam a transição da teoria à prática. O que esta estratégia implica é – tal como dizia, em entrevista ao PÚBLICO, o investigador Carlos Farinha Rodrigues, que faz parte da comissão que coordena este plano – “dar prioridade política à questão do combate à pobreza”, cujos problemas estruturais são acentuados pelas crises.

Joseph Stiglitz tem uma frase lapidar a este propósito: “O problema da desigualdade não é tanto uma questão de economia técnica, mas mais de pragmatismo político.” A estratégia existe. Falta saber se a mesma será ou não uma prioridade política. Caso contrário, a pobreza permanecerá como uma pesada herança.