Andreia Sanches, editorial, in Público on-line
Aproveite-se o Dia Mundial da Saúde Mental para sublinhar o erro estratégico de ignorar o papel que ela tem no combate à pobreza e na recuperação do país.
A “saúde mental” é referida oito vezes na Estratégia Nacional de Luta contra a Pobreza que está em discussão pública. É-o, por exemplo, quando se fala em melhorar os sistemas de detecção precoce com mais psicólogos nas escolas. Ou quando se defendem protocolos com as autarquias para garantir espaços onde equipas comunitárias de saúde mental possam trabalhar. Não sabemos se oito vezes é muito ou pouco para atestar o empenho do Governo nesta área. Mas aproveite-se o Dia Mundial da Saúde Mental, que hoje se assinala, para sublinhar que não há combate à pobreza sem aposta na saúde mental.
Ela é um factor-chave quando se olha quer para as causas, quer para as consequências da pobreza. Não ter trabalho, não ter uma casa com condições dignas, não conseguir garantir uma alimentação equilibrada aos filhos ou o pagamento das dívidas no final do mês é uma realidade para muitos dos que vivem em situação de pobreza, com impacto na saúde mental. E sem respostas na saúde mental, muitos não conseguirão furar este ciclo, que se reproduz tantas vezes de geração em geração.
“Distribuir dinheiro” não chega, “a saúde mental tem de ser chamada”, afirmou recentemente Rita Valadas, presidente da direcção da Cáritas.
Em Junho, a OCDE publicou um relatório no qual defendia que investir na saúde mental é essencial na recuperação pós-covid: os custos das doenças mentais representam 4,2% do PIB europeu, incluindo tratamentos, impactos na produtividade e no emprego. Uma em cada duas pessoas tem em algum momento da vida um problema de saúde mental. “Quem não pensar agora que a saúde mental vai ser fundamental para recuperar o país está a cometer um erro estratégico”, como alertou o psiquiatra Vítor Cotovio, membro do Conselho Nacional de Saúde Mental.
O Plano de Recuperação e Resiliência contempla mais de 85 milhões de euros para “apoiar a concretização da reforma da saúde mental”. Ajudará a “alavancar algumas coisas que estão penduradas há dez anos”, explicou aqui, no PÚBLICO, Miguel Xavier, director do Programa Nacional de Saúde Mental.
A frase deixa transparecer o papel secundário que o sector tem tido. A existência de menos de mil psicólogos no SNS é só um número, neste caso de 2019, entre muitos, que ilustra isso mesmo.
Reconheça-se, por isso, que não basta “alavancar coisas penduradas há dez anos”. É de uma reforma “brutal”, para usar a expressão que Miguel Xavier usou nessa entrevista, que precisamos.
O sucesso de muitas das grandes estratégias que se anunciam, do combate à pobreza a uma recuperação económica que não deixe de fora os mais frágeis, também passa por aqui.