Instituições financeiras obtêm 14% dos lucros nos territórios de baixa ou nula tributação. Luxemburgo é um dos que permite uma carga fiscal reduzida.
O Observatório Fiscal da União Europeia (UE), um centro de investigação financiado pela Comissão Europeia para apoiar a luta da UE “contra os abusos fiscais”, estima que os grandes bancos europeus desviam todos os anos para paraísos fiscais 20 mil milhões de euros de lucros, 14% dos seus ganhos.
A análise, divulgada pelo observatório nesta segunda-feira, abrangeu 36 grandes grupos bancários europeus e cobriu o período de 2014 a 2020, com base nos relatórios financeiros que as instituições, à boleia das novas regras de transparência fiscal, têm de entregar às autoridades fiscais europeias sobre a sua actividade “país a país” dentro e fora do mercado interno europeu.
Mesmo com a “divulgação obrigatória” destas informações, refere o observatório, a percentagem de lucros registada nos centros financeiros de baixa ou nula tributação “tem-se mantido estável desde 2014”.
No leque de bancos analisados pelas práticas de planeamento fiscal estão desde os britânicos HSBC, Barclays, Lloyds (à data sediados no mercado único), aos franceses BNP Paribas e Crédit Agricole, do holandês ING ao espanhol Santander, passando pelos alemães Commerzbank e Deutsche Bank, o dinamarquês Danske Bank ou o italiano Monte dei Paschi.
Embora não haja bancos de raiz portuguesa neste leque, porque o critério é a dimensão, há grupos que estão presentes em Portugal.
Cerca de 25% dos lucros dos 36 bancos considerados na amostra “são contabilizados em países com uma taxa de imposto efectiva inferior a 15%”, abaixo do nível de IRC que está a ser discutido na OCDE e no G20 para consensualizar entre mais de 130 jurisdições como o patamar mínimo de imposto efectivo a nível mundial, com objectivo de reduzir o planeamento fiscal agressivo e combater a “corrida para o fundo” no IRC.
Para determinar se uma jurisdição deveria ser considerada um paraíso fiscal, os economistas usaram dois indicadores (o nível de IRC efectivo sobre os lucros em cada território e a dimensão dos lucros face ao número de trabalhadores nesse território). E, à luz deste critério, identificaram 17 jurisdições, três delas são Estados-membros da UE. Eis a lista: Irlanda, Luxemburgo, Malta, Gibraltar, Panamá, Ilhas Caimão, Baamas, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Guernsey, Jersey, Ilha de Man, Macau, Hong Kong, Kuwait, Qatar e Maurícias.
IRC médio de 20%
Apesar de uma parte importante dos resultados estar alocada em geografias onde a carga fiscal está abaixo do patamar dos 15%, o observatório conclui que as instituições pagaram, em média, uma taxa efectiva de IRC de 20%, olhando para toda a actividade (a que contabiliza o mercado da casa-mãe, os paraísos e a actividade dos territórios exteriores que não são de baixa tributação).
As margens de lucro são “muito mais altas nos paraísos fiscais” do que nos restantes territórios. Enquanto nos primeiros as margens estão entre 52% e 58%, nos segundos ficam-se pelos 20% a 35%.
“Dos 144 mil milhões de euros de lucros anuais dos bancos europeus, 65% (cerca de 94 mil milhões de euros) resultam de actividades no estrangeiro através das suas filiais [tanto em paraísos fiscais como em não-paraísos], e 35% (cerca de 50 mil milhões de euros) resultam de operações no seu mercado nacional”, indica o estudo, assinado pelos economias Giulia Aliprandi, Mona Baraké e Paul-Emmanuel Chouc.
Com excepção de 2020, em que a economia mundial se retraiu 3,6% por causa das ondas de choque da pandemia, os lucros dos bancos “têm vindo a aumentar de forma constante” nos últimos sete anos (tanto nos mercados onde estão sediados as sedes dos grupos económico como nos paraísos), mas com uma trajectória em que a percentagem de lucros nestes territórios de tributação favorável se manteve estável nos 14%).
Os investigadores ressalvam que “a utilização de paraísos fiscais varia consideravelmente de banco para banco”. “A percentagem média dos lucros reservados em paraísos fiscais é de cerca de 20%”, tanto havendo bancos que não obtêm rendimento nestes territórios (o que só aconteceu com nove instituições), como há quem tenha a maior parte dos seus lucros nestas jurisdições (a percentagem máxima chegou aos 58%).
Da mesma forma que a taxa média efectiva de IRC é de 20%, a taxa média mais baixa que o observatório identificou foi de 10% e a mais alta foi de 30%.
Há sete bancos que “apresentam uma taxa de imposto efectiva particularmente baixa, inferior ou igual a 15%” — o HSBC, o Barclays, o Royal Bank of Scotland, os alemães BayernLB e Nord/LB, o belga KBC e o italiano Intesa Sanpaolo.
Os três principais
“Para melhor se compreender esta heterogeneidade”, os investigadores concentraram-se nos esquemas de planeamento tributário de três grandes bancos com “uma presença relativamente elevada” em paraísos fiscais: o britânico HSBC, o alemão Deutsche Bank e o francês Société Générale.
O HSBC é um caso particular, dizem os investigadores. Além de ter “uma das taxas médias efectivas de imposto mais baixas (13%)”, é o banco que tem “a maior percentagem média dos lucros totais registados em jurisdições de paraísos fiscais”, os tais 58%.
Enquanto o HSBC obtém a larga maioria dos lucros num só paraíso (Hong Kong, onde apenas paga 11% de IRC), os outros bancos têm actividade em “múltiplos paraísos fiscais”.
O Deutsche Bank, a maior instituição financeira alemã, obtém 34% dos resultados na Alemanha, onde paga uma taxa efectiva de IRC de 16%, valor que os investigadores do observatório atribuem ao “tratamento fiscal favorável” dado à distribuição de dividendos intragrupo. A segunda grande fatia da actividade está no Luxemburgo, onde regista 22% dos lucros, apesar de só ter aí 1% dos trabalhadores, como notam os economistas. Outra parte importante dos lucros tem origem em jurisdições como Hong-Kong, Malta, Maurícias e Singapura; ou na Índia, Indonésia e Japão, mas, aqui, o Deutsche Bank paga uma taxa de IRC efectiva “superior à média”, acima de 30%.
Já os lucros do Société Générale “são menos concentrados” do que os dois concorrentes: 13% são obtidos no país de origem, França, onde são tributados em média a uma taxa efectiva de IRC de 26%; 11% vêm da República Checa, mas aqui são “tributados a uma taxa inferior a 17%”; 8% vêm do Luxemburgo, sendo tributados a 12%; outros 8% têm origem no Reino Unido, onde o banco paga uma taxa efectiva de 17%; o observatório destaca ainda que 4% dos lucros resultam da actividade nos Estados Unidos da América, onde paga um imposto residual, de apenas 2,3%.
Mais receita na UE
Com a criação das novas regras europeias que obrigam os bancos a divulgar informação sobre onde pagam impostos, 16 dos 36 bancos analisados “diminuíram a sua presença em paraísos fiscais” de 2014 a 2020 “numa média de sete pontos percentuais”, mas, apesar disso, a presença continua a ser “elevada” por parte de algumas instituições, refere o observatório. Os investigadores citam três exemplos: “O Deutsche Bank continuou a registar, em média, 21% dos lucros nos paraísos fiscais entre 2018 e 2020, o Standard Chartered quase 30% e o Société Générale cerca de 14%, todos eles com muito pouco decréscimo durante este período”.
Apesar de o primeiro pilar da nova reforma fiscal (redistribuição dos direitos de tributação das maiores multinacionais) não abranger os bancos, o segundo pilar (aquele que passa pela criação de um patamar mínimo de IRC a nível mundial) já cobre o sector financeiro e, por isso, os economistas do centro de investigação lembram que ele “será vinculativo para uma série de bancos, [e terá impacto] especialmente entre aqueles com forte presença em paraísos fiscais”.
O observatório fez cenário para se ter uma ideia de quanto é que os países da União Europeia podem obter em receitas adicionais com a taxa mínima de IRC: se ela for de 15%, tal como previsto no acordo preliminar já subscrito entre 132 jurisdições, o ganho ronda os 3000 milhões a 5000 milhões de euros por ano; ou 6000 milhões a 9000 milhões se fosse definida uma taxa de 21%; ou entre 10.000 e 13.000 milhões com uma taxa de 25%.
“A maior parte das receitas fiscais com um imposto mínimo terá origem em bancos britânicos” — o HSBC, o Barclays, o Standard Chartered e o Royal Bank of Scotland —, o que poderá estar ligado à dimensão das instituições, dizem os investigadores. Já “se considerarmos a percentagem de impostos a cobrar em relação aos impostos pagos, são sobretudo os bancos italianos (Monte Paschi, Unicredit), os britânicos (Royal Bank of Scotland, HSBC, Standard Chartered) e um banco francês (Société Générale) que figuram no topo da lista”.
A União Europeia tem de pé desde uma instrumento comum para identificar os países terceiros pouco cooperantes ao nível de troca de informação financeira ou pouco transparentes, mas o Parlamento Europeu quer que os governos passem a publicar a lista de paraísos fiscais com base em critérios “mais rigorosos”, que incluam não apenas esses territórios, mas também os que, mesmo já sendo cooperantes, continuam a ter um IRC de 0% ou uma carga fiscal muito baixa — os “verdadeiros paraísos”, como sintetizou o eurodeputado socialista holandês Paul Tang, presidente da subcomissão dos assuntos fiscais.