Rita Siza, Bruxelas, in Público on-line
Ministros da UE protelam discussão sobre quotas para o acolhimento e a redistribuição de refugiados. Eduardo Cabrita informou os parceiros europeus das condições de Portugal para receber populações vulneráveis: mulheres e crianças, jornalistas, magistrados e activistas dos direitos humanos perseguidos pelos taliban.
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirmou aos seus parceiros europeus que Portugal está disponível para acolher de imediato “várias centenas” de refugiados vindos do Afeganistão, com prioridade para os grupos que a União Europeia designou como os mais vulneráveis: mulheres e crianças, activistas dos direitos humanos, jornalistas e magistradas e juristas, que correm um risco acrescido com o retorno dos taliban ao poder naquele país.
No final de uma reunião extraordinária do Conselho de Justiça e Assuntos Internos da União Europeia, convocada para discutir a situação no Afeganistão, esta terça-feira em Bruxelas, o ministro português garantiu que o país tem a capacidade financeira, no quadro do Fundo de Asilo e Migrações gerido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para assegurar a instalação de “algumas centenas de pessoas” — e acrescentou que o Governo não deixará de ponderar qual pode ser a “capacidade adicional” para receber mais pessoas com estatuto de protecção internacional, através dos mecanismos europeus.
No encontro desta terça-feira, que coincidiu com o encerramento oficial da operação militar dos Estados Unidos da América e da NATO no Afeganistão, nem os Estados-membros, nem o executivo comunitário, quiseram discutir quotas de redistribuição ou comprometer-se com o acolhimento de um determinado número de refugiados afegãos: todos concordaram que é demasiado cedo para abordar um tema que é politicamente sensível e divide os governos da UE.
Aliás, nas declarações proferidas pelos vários responsáveis políticos, à entrada e à saída da reunião, ficou clara a divisão entre os países que estão disponíveis para apoiar a instalação de refugiados do Afeganistão no seu território, e os que defendem que os cidadãos que estão a ser perseguidos pelas novas autoridades e tentam fugir do país “não devem vir para a Europa, mas sim permanecer na região”, como insistiram vários ministros, nomeadamente o dinamarquês Mattias Tesfayer, filho de um imigrante etíope.
O ministro do Luxemburgo, Jean Asselborn, criticou abertamente esta posição, e defendeu a abertura de um programa europeu de reinstalação semelhante ao que foi anunciado pelo Reino Unido, que prometeu atribuir 20 mil vistos de residência a cidadãos em risco no Afeganistão. “Não podemos aceitar todos, já sabemos isso. Mas somos a região mais rica do mundo, onde a democracia e o primado da lei são valores fundamentais. Temos a obrigação de dar esperança àqueles que estão a ser perseguidos e deixaram de poder viver normalmente”, considerou,
No fim do dia, a questão do acolhimento de refugiados acabou por ser protelada. Segundo a comissária com a pasta dos Assuntos Internos, Ylva Johansson, o executivo vai promover um fórum de alto nível para a reinstalação de cidadãos afegãos no próximo mês de Setembro, altura em que poderá já estar concluído um “exercício de redistribuição” que os serviços de Bruxelas já iniciaram.
Esse exercício poderá até nem terminar com a fixação de numerus clausus: como notou a comissária, nem a UE nem nenhuma organização internacional está em condições de garantir a saída de afegãos do seus país, pelo que não faz muito sentido definir um valor absoluto. “Ao contrário de outros países, como por exemplo o Canadá, a União Europeia também está a receber muita gente que chega de forma irregular. No último ano demos asilo a 300 mil pessoas”, apontou Johansson.
A mensagem politica que a comissária procurou passar foi a de que a União Europeia não pode esperar que os candidatos a asilo cheguem às suas fronteiras externas. “Não podemos esperar que as pessoas cheguem aqui para agir. Temos de ter uma resposta abrangente, e trabalhar com a comunidade e as organizações internacionais, no Afeganistão e nos países da região, para prevenir uma crise humanitária, uma crise migratória e uma crise de segurança, como aconteceu em 2015”, sublinhou. Mas Ylva Johansson fez questão de clarificar que “nem a Convenção de Genebra, nem o Tratado da UE ou o acervo comunitário, que reconhecem o direito de pedir de asilo, significam que todos aqueles que necessitam de protecção internacional podem vir para a Europa”.
Numa declaração conjunta aprovada pelo Conselho da UE, os Estados-membros pedem à Comissão para desenhar um plano de acção, em colaboração com os países vizinhos do Afeganistão, para “responder ao impacto das deslocações na região”. Segundo Eduardo Cabrita, todos os participantes na reunião (os 27 países da UE e os três países associados da zona Schengen) concordaram que deve ser dada “prioridade absoluta à dimensão humanitária, como melhor e única forma de prevenir o risco para a segurança da Europa” — o que necessariamente implica o diálogo e a cooperação com os países vizinhos, em particular o Irão e o Paquistão, onde já existem comunidades significativas de afegãos.
“Há uma predisposição da UE para trabalhar em conjunto com os países vizinhos de forma a estabelecer mecanismos que permitam a salvaguarda dos direitos de quem foi forçado a fugir, mas não há um modelo definido”, afirmou o ministro da Administração Interna.
Questionada no final da reunião, a comissária excluiu a hipótese de replicar o acordo que Bruxelas assinou com a Turquia no auge da crise migratória provocada pela guerra da Síria. “Não faremos copy paste do acordo com a Turquia, teremos soluções específicas para cada país em função das necessidades”, declarou Ylva Johansson. “Neste momento, não vemos um grande aumento do número de afegãos nos países vizinhos. Se esse movimento se verificar, veremos com esses países qual o tipo de apoio mais relevante para atender as pessoas em necessidade”, concluiu.