Pedro Crisóstomo, in Público on-line
Actualização prevista para 2022. Ministra do Trabalho leva hoje proposta à concertação social para subir bolsas dos jovens trabalhadores e aumentar tecto mínimo salarial dos estágios profissionais.
O Governo quer aumentar o valor das bolsas de estágio dos jovens licenciados abrangidas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) dos actuais 790 euros para 878 euros no próximo ano, disse ao PÚBLICO a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. São mais 88 euros.
É com essa proposta que a governante chega à mesa das negociações com as centrais sindicais e as confederações patronais, com quem se reunirá na manhã desta sexta-feira na Concertação Social para voltar a discutir a “agenda do trabalho digno”.
As bolsas que o IEFP tem de pé para promover a entrada de jovens no mercado de trabalho – o programa “Estágios Activar.PT” — duram nove meses, têm como condição que os licenciados estejam inscritos nos centros de emprego, existindo, em regra, uma comparticipação do IEFP de 65% (neste momento, é de 75% de forma transitória para candidaturas apresentadas até ao fim do ano; há três circunstâncias em que é de 80%).
Em declarações ao PÚBLICO, Ana Mendes Godinho afirmou que a proposta que coloca “em cima da mesa” é a de aumentar as bolsas dos licenciados de um valor equivalente a 1,8 Indexante dos Apoios Sociais (IAS) para dois IAS (o que significa, aos valores actuais, os 878 euros).
Com a actualização prevista, sublinha, a diferença em relação ao ano de 2019, antes da pandemia, é de 159 euros, porque nesse ano a bolsa era de 719 euros (ainda no anterior programa de estágios profissionais, antecessor do Activar).
Além desta medida, Mendes Godinho reafirma a intenção do Governo em revogar uma norma de um diploma laboral de 2011 que fixa o tecto mínimo do salário dos trabalhadores em estágios profissionais ao Indexante dos Apoios Sociais (438,81 euros neste momento).
A ideia, já prevista na lista das 64 prioridades na área laboral entregue aos parceiros sociais na última reunião da concertação social, em Julho, passa por voltar a plicar a regra geral do Código do Trabalho segundo a qual a retribuição mensal dos estagiários deve corresponder a pelo menos 80% do salário mínimo nacional.
A ministra do Trabalho adianta que o objectivo do Governo é ter as novas regras no terreno logo no início do próximo ano, entrando em vigor a 1 de Janeiro. Abrangerá tanto os estágios profissionais que comecem nessa altura como aqueles que já se encontrem em curso.
A norma que o Governo de António Costa quer ver revogada está prevista no Decreto-Lei n.º 66/2011, um diploma aprovado na recta final do executivo de José Sócrates em Março de 2011, um mês antes do pedido de resgate financeiro que levaria à chegada a troika a Portugal. Na altura, Helena André era a ministra do Trabalho. José António Vieira da Silva (antecessor de Mendes Godinho na pasta do Trabalho) era então o ministro da Economia.
Ainda não é possível dizer qual será o valor exacto do patamar salarial dos estagiários, porque ele dependerá do valor do salário mínimo de 2022, que ainda não foi definido pelo Governo.
Como neste momento a retribuição mínima é de 665 euros, os 80% colocariam o tecto mínimo para os estágios profissionais nos 532 euros, o que significa que o nível remuneratório será sempre acima deste montante. O programa do Governo prevê que o salário mínimo chegue aos 750 euros em 2023.
“A nossa opção é valorizar a entrada dos jovens no mercado de trabalho, revogando esta possibilidade de terem uma remuneração abaixo da que está [definida] no Código do Trabalho e, a par disso, aumentar as bolsas IEFP”, afirma Ana Mendes Godinho, sem abrir o jogo sobre a margem de negociação com os parceiros.
Equiparar estatuto
A ministra diz que, desde Julho, o Governo recebeu as posições das centrais sindicais e das confederações patronais sobre as várias prioridades elencadas pelo executivo na “agenda do trabalho digno”.
O documento é uma espécie de roteiro de medidas a concretizar na área laboral durante a legislatura. Ainda na área dos jovens trabalhadores, o Governo quer alargar a “dispensa do período experimental a situações de estágios de avaliação positiva na mesma actividade” mesmo que a pessoa, depois de terminar o estágio, comece a trabalhar noutra empresa nessa área.
O Governo quer “uniformizar regras sobre os regimes de estágios profissionais existentes na lei no sentido de conferir uma maior protecção dos direitos e dos rendimentos dos estagiários, nomeadamente equiparando o regime de protecção social dos estágios não apoiados ao dos estágios apoiados, de modo a que os estagiários passem a ter estatuto idêntico ao de trabalhadores por conta de outrem no que toca a contribuições e quotizações para a Segurança Social”.
Ao mesmo tempo, o executivo diz pretender reforçar os mecanismos de controlo para impedir que o mesmo trabalhador vá rodando na mesma empresa, muitas vezes na mesma função, entre recibos verdes, contratos a prazo e contratos temporários.
O documento inclui propostas para aumentar a regulação da actividade das empresas de trabalho temporário (ETT). Neste campo, pretende reforçar os requisitos para a manutenção das licenças de actividade destas empresas, fazendo uma avaliação de idoneidade dos donos e dos gestores das sociedades de ETT, à semelhança do que acontece com os administradores dos bancos e seguradoras. A ideia é criar um enquadramento que obriga à “verificação da idoneidade dos sócios, gerentes, administradores e demais membros dos órgãos sociais”, de uma forma “mais aproximada ao que é actualmente exigido a administradores de sociedades seguradoras, ou bancárias e financeiras”.
Outro tema que entra em discussão passa pelo reforço dos direitos dos trabalhadores que exercem uma actividade através das plataformas digitais (como os estafetas que entregam refeições ou produtos).
Segundo o documento entregue aos parceiros sociais em Julho, o Governo pretende que se crie uma “presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere, afastável apenas mediante demonstração com base em indícios objectivos por parte do beneficiário de que o prestador da actividade não é trabalhador subordinado, salvaguardando regimes legais específicos”.
Notícia corrigida às 10h32 de 3 de Setembro de 2021:
Rectificado o valor da comparticipação do IEFP, que, em regra, é de 65% (e não de 80%; só é de 80% em três circunstâncias específicas, como por exemplo, quando a entidade promotora é uma pessoa colectiva de natureza privada sem fins lucrativos).