8.9.21

UE quer apoiar cidades que queiram ser neutras em carbono

Abel Coentrão, in Público on-line

Programa da Comissão Europeia vai ser lançado no Outono e estará aberto a cidades portuguesas e de todos os países da UE.

A Comissão Europeia vai lançar no início do Outono um aviso para cidades que se pretendam comprometer com o objectivo de se tornarem neutras em emissões de gases com efeito de estufa já em 2030. As 100 propostas mais interessantes vão ser escolhidas no arranque de 2022 e vão poder contar com financiamento público e privado para atingir esse objectivo. O director-adjunto da Direcção-Geral de Mobilidade da UE, Matthew Baldwin, explicou que as propostas que forem apresentadas implicarão compromissos em várias áreas e deixou um aviso: do ponto de vista urbano não há maneira de lá chegar sem meter mais bicicletas na rua.

Não foi por ter feito a viagem de bicicleta, entre Bruxelas, onde trabalha, e Lisboa, onde participa, por estes dias, na conferência Velo-City, nem para massajar o ego de uma audiência muito empenhada neste modo de transporte, que Baldwin insistiu na tecla da mobilidade em bicicleta. O inglês, tal como o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, simplesmente não acredita que a mobilidade urbana possa ser resolvida insistindo na aposta no automóvel, ainda que electrificado. Isso resolve alguns problemas, como a poluição, mas não o da sinistralidade rodoviária nem o impacto deste tipo de mobilidade no desenvolvimento urbano pelo espaço público que ocupa, exemplificou.

As cidades portuguesas vão poder candidatar-se ao programa e Baldwin espera que o interesse não se fique pelas maiores. Da mesma forma que não quer que este compromisso surja apenas de cidades do Norte da Europa, mais bem preparadas, como Copenhaga ou Estocolmo, o director-adjunto da DG Move espera que a iniciativa apoie projectos de todo o espaço europeu e cidades com muita população e outras de dimensão média, bem como urbes compactas e outras, como temos no país, mais dispersas pelo território. A perspectiva da Comissão é que ao abranger realidades muito distintas, o projecto seja um guia de boas práticas a seguir pelas restantes cidades da Europa.

Intervindo na primeira sessão plenária do segundo dia da Velo-City, Matthew Baldwin frisou também que o projecto é uma boa oportunidade para os cidadãos se envolverem. Desde logo convencendo os respectivos autarcas a apresentar uma candidatura – que não implica a elaboração imediata de um programa de acção, que só depois será contratualizado, caso a proposta seja acolhida. Depois, insistiu, nenhuma cidade conseguirá atingir os objectivos da neutralidade carbónica sem um envolvimento da cidadania porque muitos dos investimentos e mudanças comportamentais dependem de pessoas e das empresas locais e o investimento municipal seria sempre insuficiente.

Em relação ao uso da bicicleta em Portugal, o responsável da Comissão considera que o país tem dois tipos de potencial: o turístico, que está a ser explorado já de várias formas, uma delas com a rota Euro Velo 1; e o da mobilidade urbana. Juntando ambos, mostrou-se espantado por não haver ainda uma ciclovia a ligar Cascais a Lisboa pela marginal “em 20 km de costa lindíssimos”, notou, e desafiou o país a investir rapidamente na criação de boas redes para o uso da bicicleta nas duas áreas metropolitanas, onde vive 40% da população. “Se conseguirem criar uma rede aí, darão um salto incrível no número de utilizadores quotidianos”, vincou.​

Dados dados, dados. É importante saber quem anda a pé e de bicicleta

A Comissão Europeia está a mudar o quadro regulatório da mobilidade e pretende passar a exigir às autoridades nacionais que garantam a produção de dados sobre mobilidade suave. Tirando algumas cidades, como Lisboa, onde existem contadores instalados em ciclovias e respostas a inquéritos como o realizado em 2017 nas áreas metropolitanas, a informação recolhida sobre este tipo de mobilidade é muito esparsa, fragilizando a capacidade de planeamento e decisão política em áreas como a construção de infra-estruturas ou a segurança rodoviária, por exemplo. Uma questão que o PÚBLICO tentou perceber, antes do arranque da conferência Velo-City, foi a extensão da rede ciclável construída até hoje em Portugal, país que investiu na última década cerca de 245 milhões de euros na promoção deste modo de transporte. Nem todo esse dinheiro foi usado em infra-estrutura, e nem toda a infra-estrutura serve a mobilidade urbana, mas a Infra-estruturas de Portugal (que é a única entidade que sabe, ao centímetro, quanto já se fez em ecopistas que usam antigas linhas de comboios, que já vai em mais de 300 quilómetros em uso), ficou com a incumbência de, até 2025, mapear, de modo acessível a toda a população, toda a rede de vias para bicicletas existente em Portugal. Paulo Rodrigues, da IP, espera que esse trabalho possa estar concluído antes disso pela equipa de Sistemas de Informação Geográfica da empresa mas para isso espera contar com a colaboração dos 308 municípios portugueses. Num debate dedicado a estas e outras questões relativas à Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável, Teresa Ferreira, representante do Turismo de Portugal explicou que este mapeamento é importante para o desenvolvimento do país enquanto destino para caminhar e andar de bicicleta. Misturando estas duas formas de percorrer o território, já estarão identificados, em Portugal, 15 mil quilómetros de vias.