André Borges Vieira e Paulo Pimenta, in Público on-line
Só um inquilino permanecerá no conjunto habitacional. Diocese do Porto diz agora estar a encontrar soluções com o actual proprietário. Porém, o novo senhorio desmente.
Aos 69 anos, ao fim de 34 anos a morar na Ilha da Oliveira, às portas do centro do Porto, Maria Luísa foi surpreendida com uma ordem de despejo. O remetente da carta era o proprietário do conjunto de casas, até há cinco meses: a Diocese do Porto. Nas linhas que davam conta da não renovação do contrato não existia qualquer explicação para a saída forçada, nem lá constava qualquer solução para o problema de habitação que agora enfrenta. Só ficou a saber que, até Março de 2022, a sua casa tinha de estar desocupada. Entretanto, as nove fracções do conjunto habitacional já foram vendidas, em Abril, a um investidor do sector imobiliário. Mas a esta inquilina ou aos outros que ainda resistem continua a não lhes ter sido apresentada qualquer solução. A diocese diz estar a trabalhar nesse assunto com o actual proprietário. Porém, o novo senhorio desmente. Quando o contrato acabar, os moradores não têm para onde ir viver.
Há cerca de um ano, Maria Luísa e os vizinhos estranharam as sucessivas visitas feitas à ilha por parte de membros da diocese que se faziam acompanhar de “outras pessoas”. “Vinham todas as semanas”, recorda. A dada altura, terá interpelado um responsável pela instituição. “Perguntei se estavam a pensar vender a ilha”, conta. A resposta, diz, deixou-a mais descansada: “Disseram que só iam vender a casa da frente, que já está desocupada desde que vim para aqui. Garantiram-me que não iam vender as outras e disseram para ficar tranquila”.
A ilha, situada numa perpendicular da rua Serpa Pinto, na zona da Ramada Alta, é composta por nove casas. Mas uma delas, a que está virada para a rua, está entaipada há vários anos. As outras oito estiveram durante muito tempo habitadas. De há uns anos para cá só estavam seis.
Maria Luísa fala com o PÚBLICO frente à casa dois, a primeira que se encontra depois de se atravessar um corredor que começa no portão e termina num pátio. Essa fracção ficou vazia desde que a antiga moradora faleceu. “Muitas vezes quando a diocese vinha cá abriam esta casa para mostrá-la”, adianta. Ainda assim, tanto ela como os outros moradores deram um passo de fé para acreditarem nas palavras da entidade ligada à Igreja.
Porém, em Fevereiro deste ano, recebeu da Ecclesialis Gestão Diocesana Unipessoal, Lda, uma carta que dava conta de que o contrato de arrendamento não seria renovado. Teria, então, de abandonar a casa até Março de 2022. A outra vizinha foi dado o mesmo prazo. Outros dois tiveram de sair em Agosto. “Uma senhora que morava ao lado voltou para a terra dela. O outro casal foi para a casa dos pais, que também moram na ilha”, afirma.
Há apenas uma família que não recebeu carta com aviso de despejo, por terem contrato de arrendamento celebrado há 36 anos. Mas se Maria Luísa vive na mesma ilha há 34 anos, porque é que terá um destino diferente? “Há uns anos mudei para a casa 3 porque na minha chovia”, conta. Em 2018, quando fez a mudança, ter-lhe-á sido dito que teria de celebrar novo contrato. Por isso, “como não é um contrato antigo”, tem de sair.
A inquilina diz nunca ter existido nenhuma conversa promovida pela diocese para informar os moradores sobre os planos de venda. Os inquilinos só ficaram a saber que a ilha seria vendida depois de receberem, em Março, uma carta que dava conta do nome de um investidor interessado na compra pelo valor de 135 mil euros. No mesmo documento dava-se o direito de preferência aos inquilinos, que não tinham “condições financeiras” para adquirir o imóvel.
Chocada com a Igreja
“Fiquei chocada quando tomei conhecimento. Não contava com uma coisa dessas por ser uma diocese. Para nós foi um choque. Não contava que nos fizessem isso por ser propriedade da Igreja”, conta. “Ainda por cima, ainda não arranjei casa”, sublinha.
A moradora já tentou acesso a habitação social, recorrendo à empresa municipal Domus Social. “A resposta que tive foi de que não tinha pontos suficientes”. Não conseguiu. Por isso, tentou candidatar-se ao apoio ao arrendamento. “O meu nome não foi sorteado”, diz. Da diocese garante nunca lhe ter chegado qualquer notícia sobre possíveis ajudas. Actualmente, o que sabe é que em Março de 2022 tem de sair.
Já procurou no mercado de arrendamento, mas, a inquilina que vive sozinha, diz não conseguir encontrar casa que possa pagar. De reforma, depois de ter trabalhado mais de quarenta anos, recebe 465 euros. “Com água, luz e comida, como é que posso viver?”, questiona. A renda que pagava rondava os 120 euros. “Não me importava de negociar com o novo senhorio”, atira.
Isabel Conceição, de 72 anos, a única inquilina que não recebeu carta que dava conta da intenção de não renovação de contrato, não se conforma com a situação dos vizinhos. Nesse grupo de pessoas que recebeu ordem de marcha para fora do conjunto habitacional está a sua filha. Até há bem pouco tempo vivia apenas com o marido numa casa onde investiu “muito dinheiro” em obras. Como o contrato da filha terminou em Agosto, abriu-lhe a porta de casa para a partilhar também com o genro e com os netos. “Os dois quartos do piso de cima transformei-os em três”, conta. O sofá da sala também está a servir da cama para um dos netos.
Ao longo dos anos, diz que todas as obras feitas nas casas foram pagas pelos inquilinos, à excepção da ligação ao saneamento básico. Agora, sendo a única inquilina que vai poder permanecer na ilha espera que o dinheiro que investiu não tenha sido em vão. “O novo proprietário perguntou se queria uma indemnização para sair. Mas disse-lhe que não”, afirma. Ainda assim diz não temer essa possibilidade porque lhe foi garantido pelo mesmo que isso não iria acontecer. “Não tenho nada contra o novo senhorio, mas sim contra a diocese”.
Ao PÚBLICO, depois de contactada e de algumas questões terem sido enviadas por e-mail, a Diocese do Porto diz que a ilha apresenta “muito más condições de habitação”, “sub-humanas e insalubres, pondo em causa a saúde pública e das pessoas que lá residem”. Por isso, considerou que a melhor via passava pela venda do imóvel, sem que tivesse encontrado primeiro uma solução para os moradores. “A diocese do Porto visou garantir o bem-estar das pessoas ao alienar aquela ilha”, lê-se.
Contudo, agora, depois de ter vendido estas habitações, adianta estar a dialogar com o novo proprietário e com os serviços centrais de gestão do património diocesano para arranjar soluções para estes inquilinos, referindo existirem apartamentos dos quais são proprietários em processo de requalificação e restauro, destinados a este tipo de “emergências”. Pergunta-se quantos fogos destes existem e quantos estão ocupados. Mas, a resposta que chegou não esclareceu essa dúvida.
Já o actual proprietário, um investidor de Fafe com outros negócios no Porto, mas apenas este com a diocese, é peremptório: “Desde a assinatura do contrato de compra e venda nunca mais falei com a diocese”. Com o inquilino que permanecerá na ilha, compromete-se a cumprir o que foi assumido com o mesmo. “Não vou fazer a vida negra a ninguém, pelo contrário”, assegura. Os planos que tem, diz, passam por arrendamento a longo prazo, depois de fazer obras. Não descarta renegociar contratos com moradores, porém, sublinha: “A diocese vendeu-me o imóvel com a garantia de que existia apenas um inquilino.”