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No seu relatório mais recente, a EAPN-ES mostra a dimensão da pobreza extrema em Espanha, e derruba alguns mitos: a maioria da população nesta situação é espanhola, alguma tem estudos superiores e emprego.
A Rede Europeia de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social no Estado Espanhol (EAPN-ES) apresentou na sexta-feira passada o informe intitulado «El Mapa de la Pobreza Severa en España. El Paisaje del Abandono».
Segundo o organismo, no Estado espanhol há 4,5 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, 9,5% da população ou quase uma em cada dez pessoas que vivem no país. O fenómeno não é novo e o estudo alerta para a consolidação de uma bolsa de pobreza estrutural, formada por uma parte da população que estava já no «abandono» antes da pandemia.
«O fenómeno não é novo e o estudo alerta para a consolidação de uma bolsa de pobreza estrutural»
Os rendimentos das pessoas em situação de pobreza extrema são inferiores a 40% da média dos rendimentos em Espanha (p. 5). Grande parte desta população está em situação de privação severa e sobrevive com grandes dificuldades, vendo-se forçada a decidir, por exemplo, se paga o aluguer da casa ou a alimentação.
Outra conclusão do relatório é a da consolidação da desigualdade, com o rendimento médio da população que não está em situação de pobreza a quintuplicar o de quem vive em pobreza extrema. Por isso, a EAPN-ES destaca a necessidade de «completar sem mais demora as medidas económicas e sociais de apoio e protecção que foram implementadas apenas muito parcialmente» (p. 9).
O relatório também reflecte desigualdades territoriais, que faz com que estas «bolsas» de pobreza extrema se consolidem mais numas comunidades que noutras: «A taxa de pobreza extrema aumentou em oito regiões, nas quais se acumulam 583 mil novas pessoas em situação de pobreza extrema, e diminuiu noutras nove, nas quais quase 400 mil pessoas deixaram de o estar» (p. 19), afirma.
Desigualdade entre territórios: as Canárias
Entre as comunidades autónomas particularmente afectadas por estas carências, destacam-se as Canárias, Valência e as Astúrias «com percentagens de pessoas em pobreza extrema que oscilam entre 12,2% e 16,7% do total da população» (p. 13), revela o relatório.
Em conversa com El Salto, Juan Carlos Lorenzo, presidente da EAPN-Canarias, manifestou a sua preocupação pelo facto de, em 2020, se ter registado um aumento de 132 mil pessoas em situação de pobreza extrema nas ilhas.
«Mesmo nos anos em que recebemos dez, 13, 15 milhões de turistas nas Canárias, esse desenvolvimento não gerou qualquer tipo de crescimento ou de bem-estar para a maioria da população»
O presidente de EAPN no arquipélago enquadra estes números numa realidade estrutural, lembrando que, na Península, os relatórios costumam mostrar, assim em grandes rasgos, uma divisão entre um Norte mais rico e um Sul com maior índice de pobreza.
«Nas Canárias, a realidade do mundo do trabalho ou da estrutura de protecção social sempre foi de certa provisionalidade, por comparação com outros territórios», diz Lorenzo a El Salto.
«Nas ilhas, também pela sua condição de região periférica e afastada, existem menos oportunidades de trabalho e de protecção social para seguir em frente». Assim, a dependência do sector turístico e dos serviços limita ainda mais o quadro: «Mesmo nos anos em que recebemos dez, 13, 15 milhões de turistas nas Canárias, esse desenvolvimento não gerou qualquer tipo de crescimento ou de bem-estar para a maioria da população.»
Como acontece noutras regiões autónomas, o rendimento mínimo de inserção canário é insuficiente, defende Lorenzo; daí que considere interessante a proposta de um rendimento mínima estatal, que, diz, é uma «medida positiva que precisa de ser melhorada em vários aspectos».
Perfil da pobreza extrema: espanhóis, também com estudos superiores e emprego
Ter filhos é um «factor de risco». De acordo com a EAPN-ES, 39,9% dos lares em situação de pobreza extrema são compostos por dois adultos e um ou mais menores (p. 54). Se a família é monoparental, a situação é preocupante, com 49,1% destas famílias em risco de pobreza e exclusão.
«Quando se trata de lutar contra a pobreza, é verdade que para não ser pobre é preciso ter um trabalho, mas o contrário é falso: como mostram os dados, pode-se conseguir um trabalho e ser pobre e, inclusive, trabalhar e ser muito pobre»
Uma das conclusões do relatório deita por terra um dos lugares-comuns xenófobos, porque não é verdade que as pessoas mais carenciadas sejam migrantes: «Três de cada quatro (71,5%), ou seja, a imensa maioria das pessoas de 16 anos ou mais que estão em pobreza extrema são espanholas» (p. 18). Além disso, se a uma educação melhor correspondem melhores números, isso não significa que as pessoas com educação superior se livrem de entrar neste perfil.
Nem sequer o emprego é um factor decisivo: mais de um quinto (22,2%) das pessoas desempregadas estão em pobreza extrema – mostrando, afirma o informe, «lacunas significativas no sistema de protecção por desemprego» (p. 19). Mas a EAPN-ES também mostra que se pode estar a trabalhar e ser pobre. «Quando se trata de lutar contra a pobreza, é verdade que para não ser pobre é preciso ter um trabalho, mas o contrário é falso: como mostram os dados, pode-se conseguir um trabalho e ser pobre e, inclusive, trabalhar e ser muito pobre» (p. 28), afirma.
Viver em situação de privação material severa implica que o dinheiro não dê para chegar ao fim do mês com frequência, nem para fazer frente a despesas imprevistas, para comer carne, frango ou peixe dia sim, dia não, para ir de férias ou para realizar as actividades de «ócio, cultura e de relações sociais indispensáveis ao desenvolvimento pessoal, bem-estar emocional e melhoria das oportunidades disponíveis» (p. 46), nota o relatório.