14.9.21

Três amigos usam o Instagram para fazer “currículos” de pessoas que vivem na rua — e arranjar-lhes trabalho

Mariana Durães, in Público on-line

“Un Mismo Equipo” é o nome do projecto criado por três espanhóis que pretendem tirar pessoas de situação de exclusão arranjando-lhes um emprego. Em três meses, a conta de Instagram já tem 16 mil seguidores e já conseguiu trabalho para dez pessoas em situação de sem-abrigo.

“Marian procura urgentemente emprego em Madrid. Tem bastante experiência e é encantador”: assim começa uma conta de Instagram que, em apenas três meses, já ajudou dez pessoas em situação de sem-abrigo a encontrar trabalho. É gerida pelos espanhóis Gonzalo Perales, Pablo García e Miguel Jiménez, que, enquanto vagueavam pelas ruas de Madrid, se lembraram de descobrir e contar a história dos que lá vivem, na esperança de os ajudar a sair da situação de vulnerabilidade.

Nasceu assim uma espécie de “rede de talentos” desconhecidos que, como qualquer outra página numa rede social, “pode ser muito potente se a souberes usar”, afiança Perales. Foi o próprio que a impulsionou quando, na sua página pessoal, a divulgou. O sucesso foi tanto que, numa questão de dias, começaram a aparecer propostas de emprego: “No mesmo dia em que abri o perfil no Instagram, lançámos também o site e contratámos um senhor que estava na rua e fazia parte da minha rede do Linkedin”, conta Perales ao El País.

Juntou-se a Miguel Jiménez, criaram uma associação e baptizaram o projecto — Un Mismo Equipo. Aconteceu tudo muito rápido: já estão em fase de crescimento e prestes a transformar o projecto numa startup que deverá dispor de uma lista muito vasta e diversa de profissionais: carpinteiros, camareiros, directores de comunicação ou chefs. Os perfis são, na sua maioria, de homens com mais de 50 anos, não só de Madrid, mas também de outras regiões de Espanha.

“Há pessoas que não têm roupa, apartamento ou transporte. Precisam de carregamentos no telemóvel até que tenham o primeiro salário. O que estamos a fazer é ponderar quanto custa tirar uma pessoa de uma situação tão frágil como esta e a ideia é que a partir deste Outono comecemos a falar com diversas empresas para que, além de contratar, nos possam doar dinheiro ou material durante a transição”, refere Perales, citado no mesmo texto.

Mas mesmo que não tenham ainda dado esse passo, já podem congratular-se por ter ajudado Iván (nome fictício) a voltar ao mercado laboral, depois de meses a viver na rua e com problemas de alcoolismo. “Era o mais novo. É complicado ter uma conversa normal e ser razoável com quem já leva muito tempo na rua, e eu não queria terminar assim”, confessa Iván, a viver em Salamanca.

“No primeiro mês [a viver na rua] perdi 30 quilos, porque só comia duas barras de chocolate por dia. Não sabia de associações, não tinha amigos, tinha perdido tudo”, refere o informático de 39 anos que, durante os últimos meses, procurou livros no caixote do lixo para depois os vender e conseguir assim algum dinheiro.

Sobre os criadores do Un Mismo Equipo, diz: “Não ajudam todos, mas aqueles que vêem ter algo aqui dentro. Deram-me um telemóvel para que pudesse fazer entrevistas. Custou-me conseguir trabalho porque, na área da informática, um ano sem trabalhar nota-se. Começo a trabalhar na próxima segunda-feira e estou muito feliz. Só me falta casa, está complicado. A ver se consigo antes de começar”, auspicia.

Iván não foi o único. Outra pessoa em situação de sem-abrigo, que prefere não divulgar a identidade por não querer que a filha de 17 anos saiba que há um ano e meio pede pelas ruas, conseguiu trabalho como estofador de motas, com a ajuda da associação. Durante esse tempo, chegava a casa com três ou quatro euros; num dia de sorte conseguia uma nota: “Perdi dez quilos por causa dos nervos. Nos quatro primeiros meses não pregava olho, não por mim, mas pela minha filha. Não desejo isto a ninguém. Às vezes não comia por ela”, lamenta.

Todas as semanas chegam cerca de 20 emails à Un Mismo Equipo, muitos são de cartazes de empresas que procuram funcionários. Na página de Instagram, vão publicando fotografias de potenciais candidatos, juntamente com um pequeno perfil. Os seguidores vão perguntando novidades, se Marian já arranjou emprego, aplaudem quando os gestores da página contam que Fernando conseguiu emprego como director de comunicação. E também partilham histórias de pessoas com quem se vão cruzando na rua, na esperança de lhes mudar o rumo.

Os criadores do projecto também pedem donativos para conseguirem proporcionar alojamento, transporte, telefone, higiene, comida e roupa. Durante o Verão, contam no Instagram, tiraram dinheiro das suas próprias poupanças para conseguirem fornecer tudo isto àqueles que se encontram em situação de exclusão. E adiantam que, em breve, vão abrir um programa de voluntariado para todos os que estão interessados em ajudar. Afinal, é isso mesmo que o projecto pretende, como o nome já adianta. Que todos joguem na mesma equipa.