10.8.21

Recuperar aprendizagens que a pandemia afectou. Há novas formas de ensino que estão a conquistar mais alunos

Clara Vianain Público on-line

Há escolas que estão a virar o ensino do avesso para conseguir que os alunos se mantenham por lá e aprendam mais. O Ministério da Educação (ME) apresenta-as como exemplos nos “roteiros” que tem vindo a publicar para servirem de base à aplicação do novo plano de aprendizagens que estará em vigor até 2023, o chamado Plano 21

23 Escola+. Este plano foi apresentado a 1 de Junho e tem como principal alvo recuperar aprendizagens que ficaram para trás nos dois anos lectivos afectados pela pandemia.

O Agrupamento de Escolas n.º 1 de Beja, marcado por carências várias e com um registo histórico de abandono escolar, foi um dos seleccionados pelo ME no âmbito de uma das apostas do novo plano, que o ministério designou como “Avançar, recuperando” e que tem como desafio conseguir que todos os estudantes do ensino básico com classificações inferiores a 3 (numa escala de 0 a 5) “possa, no ano seguinte, recuperar essas aprendizagens”.

Uma das medidas para alcançar esta meta são os chamados “planos de reforço curricular” que podem passar por os alunos frequentarem aulas do ano de escolaridade anterior nas disciplinas em que tiveram nota negativa ou pela criação de oficinas que “que integrem aprendizagens essenciais transdisciplinares não adquiridas”. Esta foi a opção escolhida pelo agrupamento de Beja no plano de inovação lançado no ano lectivo passado em dois dos dez estabelecimentos escolares (escolas de Santa Maria e Santiago Maior) que o compõem, abrangendo alunos do 1.º e 2.º ciclo.

Diagnóstico feito pelo agrupamento: estes alunos são “provenientes de meios socioeconómicos desfavorecidos”, oriundos de famílias que, “de um modo geral, têm níveis de escolarização baixo e não valorizam o papel nem a função da escola” e que se caracterizam “por ter baixo rendimento escolar, elevado nível de absentismo e de abandono precoce do sistema de ensino. Muitos são de etnia cigana.

"Mudámos paradigmas de base, como por exemplo o de turma ou de disciplina, de modo a incentivar aprendizagens activas”, descreve a professora Lénia Silva, coordenadora do plano de inovação para o 2.º ciclo, que no ano lectivo passado abrangeu os 44 alunos do 5.º ano. Em 2020/2021 mais de uma centena de escolas tinham planos de inovação aprovados.

O que foi feito então em Beja? Os alunos foram divididos em grupos de dez e apostou-se numa “vertente de trabalho mais prática e que valoriza o domínio das expressões”, o que foi feito sobretudo através da criação de “cinco oficinas em que foram trabalhados os pontos em comum das diferentes disciplinas do currículo”, descreve Lénia Silva. Em conjunto ocuparam 30% da carga horária semanal dos alunos.

Entre os projectos desenvolvidos, Lénia Silva destaca o início da recolha em áudio do cante alentejano. Da parte dos alunos houve também palavras escolhidas para vigorarem “a partir de agora”. Eis algumas delas: amigos, juntos, ambição, garra, futuro.
"Queremos mais e melhor"

“No princípio, houve resistência por parte dos pais e também muitas dúvidas entre os alunos, o que é natural porque a mudança foi muito grande”, descreve Lénia Silva. Mas quando se chegou ao final do ano lectivo “o balanço da parte de todos foi muito positivo”.

Respirou-se fundo? “Foi muito gratificante ouvir os alunos dizer que assim foi mais fácil aprender, que compreenderam muito melhor, mas nós ainda não estamos satisfeitos. Queremos mais e melhor”. Até porque neste seu primeiro ano, o plano de inovação “ainda não deu resposta” ao que são os seus principais objectivos: “controlar o absentismo e o abandono escolar”. “Aprendemos com os nossos erros e sabemos que há muitas coisas que precisam de ser melhoradas”, conclui a docente do 2.º ciclo.

Mais a norte, na Escola Secundária de Amarante, por via de um outro plano de inovação lançado em 2019/2020, os efeitos já se fizeram sentir este ano nas avaliações dos alunos. “Foram francamente melhores”, assegura o subdirector e professor de Português Adriano Basto. Este docente não esconde o entusiasmo pelas mudanças que têm introduzido na escola, que passaram entre outras medidas pela criação de novas disciplinas.

Três no caso, que resultam da articulação de cinco disciplinas tradicionais e não da soma de conteúdos destas, ressalva Adriano Basto. No 3.º ciclo surgiu a disciplina de Sustentabilidade, Saúde e Património com os contributos de Ciências, Geografia e História e três tempos semanais. E no secundário foram criadas as disciplinas de Literacia, Comunicação e Pensamento (LPC) - Português, Filosofia e Inglês - e Tratamento Matemático de Informação Geográfica (Geografia e Matemática Aplicada às Ciências Sociais), com dois tempos lectivos por semana cada uma.
Um novo “sentimentário” a Norte

Além de leccionar Português, Adriano Basto é um dos professores afectos à nova disciplina de LCP que, como as outras estreias, se afirma sobretudo como um espaço de desenvolvimento de projectos e de trabalho em grupo. Os temas são abordados com a ajuda de textos, filmes, músicas e deram, por exemplo, origem à construção de um “sentimentário” por parte dos alunos do 10.º ano. E o que é tal coisa? “Um dicionário de sentimentos”, esclarece o docente.

Apesar de mais de metade dos estudantes da secundária de Amarante serem oriundos de famílias carenciadas, o ponto de partida está bem longe, pela positiva, da realidade existente em Beja: o abandono escolar é praticamente residual e as taxas de retenção estão abaixo dos valores nacionais.

Mas para manter esta situação e ir mais longe no sucesso dos alunos, a escola assumiu que a concepção tradicional de ensino - turmas estáticas, um professor a expor conteúdos e programas que não favorecem a articulação com os dias de hoje – estava longe de ser suficiente. “A primeira reacção, dos alunos foi de surpresa. E também houve alguma resistência por parte dos encarregados de educação. Mas penso que hoje ninguém estará descontente”, descreve Adriano Basto.

Da experiência resultou, também, que os alunos estejam hoje mais capazes de desenvolveram “trabalho autónomo, tenham mais à vontade na capacidade de escrita e maior capacidade de superar obstáculos”. Tudo isso teve “impacto também no modo como apreendem os conteúdos das disciplinas tradicionais” e levou a “melhores resultados”.

Esta evolução conseguiu superar em parte os “constrangimentos” causados pela pandemia e o ensino à distância: “Em LCP, com a insistência em trabalhos de grupo, houve uma quebra menor de rendimento do que em Português, onde tive de estar a apresentar Os Maias e o Amor de Perdição à distância, o que não foi nada fácil”.