13.8.21

Como vai o emprego? Copo meio cheio, copo meio vazio

Susana Peralta, opinião, in Público on-line

Não estou a dizer que as empresas deviam ter sido impedidas de despedir todos os trabalhadores. O que já me parece evidente é que o governo devia ter sido mais generoso nas políticas de apoio ao rendimento das pessoas que se encontram nas margens desprotegidas do mercado de trabalho.

Segundo as Estatísticas de Emprego do segundo trimestre de 2021, disponibilizadas pelo INE na quarta-feira, entre abril e junho criaram-se 128,9 mil empregos. O emprego ultrapassou, assim, o valor que tinha no segundo trimestre de 2019.

O levantamento das restrições sob as quais vivemos no início do ano e o avanço da vacinação explicam, em parte, esta melhoria. Mas também a capacidade das empresas, que se terão adaptado mais rapidamente ao teletrabalho, às vendas em linha, ou às entregas ao domicílio. No primeiro trimestre de 2021, no qual houve encerramento de escolas, de comércio não essencial e de restaurantes, a economia portuguesa caiu 5,4%, relativamente ao primeiro trimestre do ano anterior. O período mais comparável que tivemos em 2020 foi o segundo trimestre, onde também vivemos sob regras de confinamento bastante estritas. Nesse, a quebra de atividade foi de 16,5%, comparando com o segundo trimestre de 2019. O choque foi, portanto, menos drástico em 2021, entre outras coisas devido à aprendizagem das empresas.

A criação de emprego está concentrada em contratos a tempo indeterminado e trabalhadores por conta de outrem. A criação de emprego é uma boa notícia; se ele for de qualidade, é ainda melhor. Mas este é o copo meio cheio. Vamos ao copo meio vazio.

Em primeiro lugar, os contratos com termo e os trabalhadores por conta própria, que é como quem diz, a recibo verde, aumentaram bastante menos – mais precisamente, criaram-se cerca de 24 mil empregos. Com o Bruno P. Carvalho e a Mariana Esteves, escrevemos em julho uma nota intercalar do projeto Portugal, Balanço Social, que é uma parceria entre a Nova SBE e a Fundação La Caixa – “A pandemia e o mercado de trabalho: o que sabemos um ano depois?”. Quando comparamos os primeiros trimestres de 2021 e 2019, verificamos que se criaram cerca de 104 mil postos de trabalho com contratos sem termo, mas destruíram-se quase 180 mil com termo. Observamos, curiosamente, um aumento do salário médio entre o primeiro trimestre de 2020 e 2021, que se pode explicar pela destruição destes empregos, mais mal pagos.

Em segundo lugar, o emprego, quando se cria e se destrói, não é para todos. Os números do INE mostram que a criação de emprego está concentrada nas pessoas entre os 45 e os 64 anos e, dentro destas, especialmente nas mais velhas. Foram os diplomados do superior, e os do secundário, em menor medida, que conheceram aumentos de emprego. Quanto às pessoas menos escolarizadas, o emprego diminuiu no último trimestre. No relatório sobre o mercado de trabalho, mostramos que a diminuição dos contratos temporários foi sobretudo concentrada nos trabalhadores com ensino básico e secundário. Por outro lado, são os trabalhadores entre os 25 e os 54 anos os que mais têm contratos temporários. Não admira, por isso, que quando analisamos os números dos inscritos nos centros de emprego, encontremos um aumento mais pronunciado nos trabalhadores menos escolarizados e mais jovens.

Em terceiro lugar, a crise pandémica tratou especialmente mal a parte do mercado de trabalho que não tem acesso a contratos permanentes. O layoff simplificado proíbe as empresas de despedir. Mas não as impede de dispensar trabalhadores a prazo em fim de contrato, nem pessoas que trabalham a recibos verdes. Num outro trabalho, “Failing young and temporary workers: the impact of covid-19 on a dual labour market”, em conjunto com vários colegas (Bruno P. Carvalho, Carolina Nunes, João Pereira dos Santos e José Tavares), analisamos os inscritos nos centros de emprego ao longo de 2020. Nesse artigo, mostramos que foi nos municípios com maior precariedade laboral (isto é, onde o peso dos contratos a prazo em relação ao total é mais elevado) que a crise mais penalizou os jovens e os indivíduos com menos escolaridade. Temos, portanto, mais um indício forte de que a precariedade laboral, concentrada nestes grupos, os deixou desprotegidos em face desta crise.

Não estou a dizer que as empresas deviam ter sido impedidas de despedir todos os trabalhadores. O que já me parece evidente é que o governo devia ter sido mais generoso nas políticas de apoio ao rendimento das pessoas que se encontram nas margens desprotegidas do mercado de trabalho. De todo o modo, não podemos esperar passar por uma crise desta dimensão, junto com a conversão verde e digital que temos como objetivo para os próximos anos, colando com super-cola todos os trabalhadores e trabalhadoras às empresas onde estavam em 2019. O que me traz à quarta e última parte do copo meio vazio.

Assistimos nas últimas semanas ao drama das trabalhadoras e trabalhadores da Dielmar, uma empresa que entrou em processo de insolvência e está agora à procura de uma potencial investidora. Temos de nos preparar para ter mais Dielmares nos meses que se seguem. Apesar de o governo ter anunciado políticas de mitigação do final das moratórias, o objetivo não é, nem pode ser, salvar todas as empresas a todo o custo. A Dielmar é um caso paradigmático. O setor têxtil já tinha sido um dos que mais sofrera com a abertura da UE a Leste e com a concorrência da China, depois da acessão deste país à Organização Mundial do Comércio. A empresa estava em dificuldades antes da pandemia. Por outro lado, a roupa formal que vendem foi uma das vítimas colaterais da pandemia e do teletrabalho. Não estou a dizer que não houve má gestão – não conheço suficientemente o caso para falar disso. Mas com boa ou má gestão, a situação do sector não ajudou certamente. É este tipo de empresas, que chegam a 2020 com um prognóstico difícil e que pertencem aos setores que mais sofrem com a pandemia, que são candidatas a não sobreviver a esta crise. Os trimestres que se seguem, com o final das moratórias, vão ser difíceis. É provável que o ritmo de recuperação de emprego que tivemos no segundo trimestre não se mantenha.

Apesar de o mercado de trabalho ter resistido ao pior da crise, há más notícias ao virar da esquina. E vão ser precisas políticas dirigidas aos grupos que ficaram na face escura. Não nos deixemos ofuscar pelo otimismo dos números.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Professora de Economia na Nova SBE