Maria Caetano, JN
As centrais sindicais querem discutir a valorização de salários e a redução de horários, revisitar as leis da troika e lembram ainda que, do último acordo de 2018, ficaram por cumprir a taxa de rotatividade para quem contrata mais a prazo ou os mínimos de inspetores para a ACT. Já as confederações patronais insistem que a prioridade está agora em reforçar apoios a empresas devido à pandemia e puxam no sentido oposto, exigindo uma maior flexibilidade na hora de despedir.
Os parceiros sociais responderam ao pedido de contributos para a agenda do trabalho digno apresentada pelo Governo, com dezenas de páginas que colocam o pacote de alterações laborais em tensão e, para já, muito longe da possibilidade de um acordo. As 64 medidas, que começam a ser discutidas a 3 de setembro, por agora, recebem apenas apreciação mais favorável da UGT.
Onde o Governo fala em avançar com novas limitações à contratação não permanente e em colocar a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a reverter despedimentos ilícitos, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) quer mais flexibilidade para despedir. Coloca ainda o tema dos apoios em resposta à pandemia à cabeça das preocupações.
Confederação do Comércio e Serviços (CCP) e Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) fincam pé contra a ideia de responsabilizar as empresas que usam trabalho temporário por recrutamentos à margem da lei. E a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) sugere "melhorias" a jusante da lei para combater precariedade, sem pôr em causa o recurso a trabalho não permanente. Por exemplo, "sensibilizar" independentes.
Já UGT e CGTP surgem a remar juntas em sentido oposto. Querem retomar a discussão de um acordo de rendimentos, redução de horários de trabalho e revisitar leis da troika: indemnizações por despedimento, férias, caducidade e princípio do tratamento mais favorável das convenções coletivas. A UGT lembra ainda o que ficou por cumprir do último acordo de 2018: o agravamento de contribuições sociais para quem mais contrata a prazo, ainda por regulamentar, e a legislação sobre mínimos de inspetores da ACT.
Trabalho temporário
O Governo quer obrigar empresas utilizadoras de trabalho temporário a integrarem mão de obra angariada por recrutadores sem licença, e a CCP e CAP acusam o Governo de estar a atirar a responsabilidade por fiscalizar para quem recruta. Porque a proposta dá a possibilidade de o trabalhador optar por ficar antes na empresa de trabalho temporário, a UGT também critica as "margens de discricionariedade" abertas. Por outro lado, quer-se exigir a contratação por tempo indeterminado de alguns trabalhadores e admite-se impor quotas de contratação permanente. Para a CCP, uma "irracionalidade" "na linha da diabolização" do setor.
Falsos empresários
O Governo quer tornar claro que a lei de combate aos falsos recibos verdes também se aplica aos empresários em nome individual (ENI). Por outro lado, à semelhança do que sucede com recibos verdes, quer que, no caso de empresários em nome individual dependentes em mais de 50% dos pagamentos de uma única entidade, haja taxa contributiva paga por esta última. Confederações patronais discordam, enquanto a UGT saúda a medida. A CAP levanta uma questão: a carga contributiva total chegaria nalguns casos aos 35,2%, sendo assim superior à dos trabalhadores por conta de outrem (34,75%).
Contratação a prazo
O Governo fala em reforçar regras que impedem a sucessão de contratos a prazo, temporários e de prestação de serviços para o mesmo posto de trabalho, mesmo objeto ou mesma atividade profissional. E também em reforçar o poder da ACT de converter contratos a termo em permanentes, e em assegurar que a estabilidade de vínculos pesa nos contratos públicos. A CGTP responde que "o combate à precariedade deve ser acompanhado com a revogação das normas gravosas do Código de Trabalho que vieram facilitar e embaratecer os despedimentos", e a UGT diz que na contratação pública se deve ir mais longe: barra acesso a quem viole direitos laborais. Do lado dos patrões, a CCP frisa que não cabe à ACT tomar decisões pelos tribunais. A CIP, pelas mesmas razões, tem "as maiores reservas".
Procura de primeiro emprego
O Executivo admite definir como "trabalhador à procura do primeiro emprego" (por isso, com período experimental de seis meses) quem não esteja dois anos consecutivos a trabalhar, ou quatro interpolados. A UGT alerta para o risco de, assim, haver trabalhadores "perpetuamente à procura do primeiro emprego".
Plataformas digitais
À margem do Código do Trabalho e deixando de fora plataformas de transportes, o Governo quer uma "presunção de existência de contrato de trabalho com a plataforma ou com a empresa que nela opere, afastável apenas mediante demonstração com base em indícios objetivos por parte do beneficiário de que o prestador da atividade não é trabalhador subordinado". Para a CIP, a proposta traz "incerteza, senão mesmo, inviabilidade jurídica". A CCP protesta: "Nunca - e nisso a doutrina e a jurisprudência são unânimes - um único indício, ademais um índice absurdo como este, apenas assente na natureza da pessoa do empregador, é suficiente para estabelecer tal presunção".